O governo do Brasil afirmou, em manifestação na Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda, nesta terça-feira (20), que a comunidade internacional não pode normalizar a ocupação de territórios na Palestina por Israel
por José Geraldo de Souza Júnior - Correio Braziliense
O governo do Brasil afirmou, em manifestação na Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda, nesta terça-feira (20), que a comunidade internacional não pode normalizar a ocupação de territórios na Palestina por Israel. No espaço das audiências públicas para ouvir a posição dos países-membros das Nações Unidas sobre os 56 anos de ocupação de Israel em territórios palestinos, que a CIJ realiza, a avaliação do Brasil busca interromper o curso de uma resposta unilateral de Israel que, descolada da via jurídica do direito internacional, acaba levando a uma ação não de força, mas de pura violência, "desproporcional e indiscriminada", que não expressa uma disposição de justiça e se cobre de finalidade geopolítica, neocolonial.
A intensidade da ação militar na região havia levado o presidente Lula a classificá-la como "genocídio", na esteira das preocupações lançadas pela CIJ, a ponto de comparar a ofensiva como equivalente àquela infringida aos judeus na Alemanha nazista. (https://www.cartacapital.com.br/mundo/mundo-nao-pode-normalizar-a-ocupacao-de-territorios-palestinos-por-israel-defende-o-brasil-em-haia/).
A manifestação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, feita durante a 37ª Cúpula da União Africana, não foi um arroubo. Só a vê assim, aqueles que, por posicionamento ou tática política de mobilização de interesses e de alianças, estão de acordo com a prepotência da intervenção de força para concretizar hegemonias de qualquer matiz, estratégica, econômica ou ideológica. No local ou no global, acaba difundido uma narrativa que esconde a intencionalidade de suas razões, deslocando a objeção que deveria se dirigir ao argumento, para desqualificar o oponente.
Note-se que a manifestação não é a de uma voz isolada. O Vaticano pela palavra do cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, também falou de uma resposta "desproporcional" em comparação com o ataque do Hamas. É preciso "parar a carnificina". O direito à defesa, o direito de Israel de garantir a justiça para os responsáveis pelo massacre de outubro, não pode justificar essa carnificina". (https://www.ihu.unisinos.br/636611-por-tras-das-frases-do-cardeal-parolin-tem-o-consentimento-de-francisco).
A posição do presidente Lula, desde o início do conflito, mantém-se coerente e firme, na chamada à mediação pelo direito internacional, como pela possibilidade mediadora de um conjunto de países, com assento na Assembleia-Geral, mas que não têm seus interesses estratégicos envolvidos na região e no conflito, ou em sua ideologia.
Em minha participação, juntamente com Cristovam Buarque — os dois únicos sul-americanos convidados e presentes no Colóquio Internacional de Argel - Encontro de Personalidades Independentes sobre o tema "Crise du Golfe: la Derive du Droit", instalado exatamente em 28 de fevereiro de 1991, dia do cessar-fogo na chamada Primeira Guerra do Golfo, o que procuramos foi indicar, a partir da premissa de convocação do Colóquio, que a crise coloca o direito à deriva, tendo perdido o seu rumo no trânsito ideológico entre a "historicidade constitutiva dos princípios que consignam a sua força e força mesma, representada como Direito porque formalizada como norma de Direito Internacional".
Já então, uma inquietação com o emprego hegemônico de razões de fato, para que, em qualquer caso, principalmente quando há nítida disparidade entre forças, inclusive militares, que se deixem arrastar por um pretenso "direito de violência ilimitada", cuja resultante "sugere a cessação da beligerância pelo aniquilamento inexorável de toda forma de vida". Minhas razões completas estão no texto A Crise do Golfo: a Deriva do Direito, in Sousa Júnior, José Geraldo de. Sociologia Jurídica: Condições Sociais e Possibilidades Teóricas. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2002, p. 133-144).
O que urge é "restaurar a humanidade incondicional em Gaza". Essa é afirmação de um médico sem fronteiras (https://www.msf.org/unconditional-humanity-needs-be-restored-gaza). O que assistimos aqui, diz ele, em matéria que me enviou o querido amigo Alessandro Candeas, o incansável e presente diplomata brasileiro, embaixador do Brasil na Palestina: é um "bombardeamento indiscriminado [que] tem de acabar. O nível flagrante de punição coletiva que está atualmente a ser aplicado ao povo de Gaza tem de acabar". É preciso "parar a carnificina". Resgatar o humano que se perde nesse drama. E restaurar a mediação dos verdadeiramente fortes, que confiam e aplicam a força cogente (Hannah Arendt) do direito internacional e dos direitos humanos.
O Jornal GGN republica, abaixo, uma carta assinada por Albert Einstein e outros intelectuais denunciando a ascensão do fascismo sionista em Israel ainda na década de 1940. A carta enviada ao jornal New York Times compara o surgimento do Partido da Liberdade, em Israel, à filosofia dos partidos nazistas e fascistas.
Carta originalmente enviada ao jornal New York Times em 4 de dezembro de 1948 como protesto contra à visita de Menachem Begin aos Estados Unidos.
Aos Editores do New York Times:
Entre os fenômenos políticos mais perturbadores de nossos tempos está o surgimento no recém-criado Estado de Israel do “Partido da Liberdade” (Tnuat Haherut), um partido político muito parecido em sua organização, métodos, filosofia política e apelo social aos partidos nazistas e fascistas. Foi formado a partir da adesão e seguimento do antigo Irgun Zvai Leumi, uma organização terrorista, de direita e chauvinista na Palestina.
A atual visita de Menachem Begin, líder deste partido, aos Estados Unidos é obviamente calculada para dar a impressão de apoio americano ao seu partido nas próximas eleições israelitas e para cimentar os laços políticos com elementos sionistas conservadores nos Estados Unidos. Vários americanos de renome nacional emprestaram seus nomes para saudar sua visita. É inconcebível que aqueles que se opõem ao fascismo em todo o mundo, se corretamente informados sobre o histórico político e as perspectivas de Begin, possam adicionar seus nomes e apoio ao movimento que ele representa.
Antes que danos irreparáveis sejam causados por meio de contribuições financeiras, manifestações públicas em nome de Begin e a criação na Palestina da impressão de que um grande segmento da América apoia elementos fascistas em Israel, o público americano deve ser informado sobre o histórico e os objetivos de Begin e seu movimento.
As apreensões públicas da festa de Begin não são nenhum guia para seu caráter real. Hoje falam de liberdade, democracia e anti-imperialismo, quando até há pouco tempo pregavam abertamente a doutrina do Estado fascista. É nas suas ações que o partido terrorista trai o seu verdadeiro caráter; a partir de suas ações passadas, podemos julgar o que se pode esperar que ele faça no futuro.
Ataque à Vila Árabe
Um exemplo chocante foi seu comportamento na aldeia árabe de Deir Yassin. Esta aldeia, fora das estradas principais e cercada por terras judaicas, não tinha tomado parte na guerra, e tinha até lutado contra bandos árabes que queriam usar a aldeia como sua base. Em 9 de abril (THE NEW YORK TIMES), bandos terroristas atacaram esta vila pacífica, que não era um objetivo militar nos combates, mataram a maioria de seus habitantes 240 homens, mulheres e crianças e mantiveram alguns deles vivos para desfilar como cativos pelas ruas de Jerusalém. A maioria da comunidade judaica ficou horrorizada com o ato, e a Agência Judaica enviou um telegrama de desculpas ao rei Abdullah da Transjordânia. Mas os terroristas, longe de se envergonhar de seu ato, orgulharam-se desse massacre, divulgaram-no amplamente e convidaram todos os correspondentes estrangeiros presentes no país a ver os cadáveres amontoados e o caos geral em Deir Yassin.
O incidente de Deir Yassin exemplifica o caráter e as ações do Partido da Liberdade.
Dentro da comunidade judaica, eles pregaram uma mistura de ultranacionalismo, misticismo religioso e superioridade racial. Como outros partidos fascistas, eles foram usados para quebrar greves e pressionaram pela destruição de sindicatos livres. Em seu lugar, eles propuseram sindicatos corporativos no modelo fascista italiano.
Durante os últimos anos de violência esporádica anti-britânica, os grupos IZL e Stern inauguraram um reinado de terror na comunidade judaica palestina. Professores foram espancados por falarem contra eles, adultos foram baleados por não deixarem seus filhos se juntarem a eles. Por métodos de gângsteres, espancamentos, quebra de janelas e roubos generalizados, os terroristas intimidaram a população e cobraram uma pesada homenagem.
O povo do Partido da Liberdade não teve qualquer participação nas realizações construtivas na Palestina. Eles não recuperaram nenhuma terra, não construíram assentamentos e apenas diminuíram a atividade de defesa judaica. Seus esforços de imigração, muito divulgados, foram minuciosos e dedicados principalmente a trazer compatriotas fascistas.
Discrepâncias Vistas
As discrepâncias entre as afirmações ousadas que agora estão sendo feitas por Begin e seu partido, e seu histórico de desempenho passado na Palestina não têm a marca de nenhum partido político comum. Este é o carimbo inconfundível de um partido fascista para quem o terrorismo (contra judeus, árabes e britânicos) e a deturpação são meios, e um “Estado Líder” é o objetivo.
À luz das considerações anteriores, é imperativo que a verdade sobre o Sr. Begin e seu movimento seja divulgada neste país. É ainda mais trágico que a alta liderança do sionismo americano tenha se recusado a fazer campanha contra os esforços de Begin, ou mesmo a expor a seus próprios eleitores os perigos para Israel do apoio a Begin.
Os abaixo assinados, portanto, tomam este meio de apresentar publicamente alguns fatos importantes sobre Begin e seu partido; e de exortar todos os interessados a não apoiarem esta última manifestação do fascismo.
Isidoro Abramowitz, Hannah Arendt, Abraham Brick, Rabino Jessurun Cardozo, Albert Einstein, Herman Eisen, M.D., Hayim Fineman, M. Gallen, M.D., H.H. Harris, Zelig S. Harris, Sidney Hook, Fred Karush, Bruria Kaufman, Irma L. Lindheim, Nachman Maisel, Seymour Melman, Myer D. Mendelson, M.D., Harry M. Oslinsky, Samuel Pitlick, Fritz Rohrlich, Louis P. Rocker, Ruth Sagis, Itzhak Sankowsky, I.J. Shoenberg, Samuel Shuman, M. Singer, Irma Wolfe, Stefan Wolfe.
Faz um ano que tentaram um golpe de Estado. Sim, esse é o nome da coisa. Incrível, mas há muita gente que nega o fenômeno. Usei desde o início a expressão “passapanismo”, para explicar essa tentativa de desleitura e desidratação da gravidade da tentativa de golpe de 8 de janeiro e o efetivo papel dos militares e membros do governo Bolsonaro.
Sigo. Para dizer que muita gente tenta desler o que ocorreu. Até pedem o fim dos inquéritos. Eis o passapanismo. Até o ministro da defesa, desde que assumiu, dá ares de palimpsesto e vai polindo as diversas camadas das narrativas dos fatos. Sua entrevista na Folha mostra que somos reféns do passado. Múcio é refém. E o Brasil também. E o próprio governo quase golpeado. O ministro Múcio chegou a minimizar diretamente o 8 de janeiro (“só não houve golpe porque os militares não quiseram…” e ele diz isso, assim, desse modo? Outra frase de Múcio: “entre a raiva da direita e da esquerda, fiquei com as Forças Armadas”!!).
As FA não quiseram o golpe? Ora, o “manifesto” dos três comandantes militares datado de 11 de novembro de 2022 (já com novo presidente eleito, ministro Múcio!) sem dúvida colocou vitamina no ânimo dos golpistas. E os comandantes militares signatários da nota de 11 de novembro não foram nem indiciados. Isso tem nome? Tem. Amiguismo. Passapanismo.
Chamei a essa nota de 11/11/2022 de “hermenêuticas criminosas” em artigo em O Globo. Além de tudo, os militares falsearam a interpretação do parágrafo do artigo 358 do CP. Escrevi, em 16/11/2022, que os militares fizeram uma leitura seletiva da nova Lei 14.197/2021, que diz que
“não constitui crime […] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais.”
Pela des-hermenêutica verde-oliva, eles, os militares, eram os defensores dos manifestantes que faziam manifestações pacíficas (sic). Diziam, na nota 11/11, que os protegeriam, desde que não fizessem arruaça. O que seria isto — “arruaça”?
Bom, há quem diga que não houve tentativa de golpe; houve apenas arruaças.
Qual é a parte que ficou de fora da hermenêutica curupira? Simples. O dispositivo da nova Lei não foi feito para servir de haraquiri. Por isso foi posto, no final do artigo — eu ajudei a elaborar —, que as manifestações pacíficas seriam toleradas sempre que fossem com “propósitos sociais”.
Ora, não consta a ninguém — que seja minimamente racional — que movimentos que clamem pelo fim da democracia, com a intervenção dos militares, sejam considerados com “propósitos sociais”. Espantoso isso, não? E não consta, em nenhuma hermenêutica, que “manifestação crítica aos poderes” possa querer dizer “acabar com esses Poderes”. O que me dizem? Ora, essas movimentações pretenderam sabotar a democracia.
E vamos parar de brincar de democracia.
A recente — histórica — entrevista do ministro Alexandre de Moraes mostra bem o que queriam fazer os golpistas. Havia até enforcamentos no plano.
Não há dúvidas de que a nota dos comandantes militares datada de 11/11 deu uma enorme força aos golpistas. Por isso há coautoria aí.
Digamos que o golpe necessitava do povão na rua e na invasão, enquanto a cúpula tratava de cuidar da logística “intelectual” do golpe – basta ver a minuta do golpe e da reunião dos três chefes militares com Bolsonaro.
Há uma sucessão de delitos (e autores) ainda por punir. E já se passou um ano. Além de tudo, dois dos três chefes militares da nota de 11/11 cometeram no mínimo prevaricação; o terceiro aderiu ao putsch, segundo nos contou Mauro Cid. E nada há ainda sobre isso. Nem vou falar do papel do MP — que precisa ir para o divã. E explicar, por exemplo, por que foi contra a prisão de Silvinei.
Aliás, centenas de radialistas e até gente de TV cometeram o crime do artigo 286 do Código Penal. E o MP não indiciou nenhum. Isso tem nome: passapanismo.
A história é professora. Ela é a Ave de Minerva. Os alemães cometeram o erro do “fator amiguismo”. Hitler tentou o golpe em 1923 e o MP e Poder judiciário fizeram o passapanismo. Deveria ser condenado a muitos e muitos anos e ter sido expulso do país — era estrangeiro. Cumpriu seis meses em um castelo e escreveu o Mein Kampf. O resto todos sabemos.
Minha dúvida é: quais os livros que nossos golpistas escreverão?
O “amiguismo” (a expressão é de Liszt Vieira) é tão profundo que o governo não está se dando conta de nada disso. Aliás, não se deu conta disso e continua ingênuo em relação à segurança pública. Quem vai mostrar ao governo as razões pelas quais a bancada da bala cresce dia a dia? Quem vai dizer ao governo que quem mais sofre com a violência cotidiana são os pobres? E quem vai dizer ao governo que o que houve, de verdade, foi uma tentativa de golpe em 8 de janeiro e que não, não dá para fazer concessões e ou amiguismos?
Enquanto isso, a delação de Mauro Cid já é conhecida como a delação 1.001 noites —a delação Sherazade. Tudo autoexplicativo.
De todo modo, hoje é 8 de janeiro. Escapamos dessa. Mas, escapamos, de verdade? Só temos mesmo é de aprender com a história. E que o crocodilo do fascismo, mesmo alimentado com carinho, continua sendo aquilo que ele é.
O autoritarismo e o horror à democracia têm precedentes fortes no Brasil. Impressiona o modo como a própria mídia flertou com o golpismo. Radialistas, jornalistas e jornaleiros incentivaram o golpe todos os dias. E ninguém foi punido por isso.
O ponto é: o autoritarismo e o desprezo pela democracia não morrem. São ideias. E ideias não se matam. Assim como lavajatismo está vivo, o golpismo também. Há uma ilusão de perenidade democrática no ar.
Quem acredita que o golpismo acabou, também acredita que os grupos religiosos pentecostais e neopentecostais (e quejandos) sairão às ruas para apoiar a democracia. Isso nunca acontecerá.
Sem ingenuidades, hoje é o dia de lembrar o golpe que falhou. E de reclamar por quais razões tanta gente ainda está impune. Como lembrou Celso Rocha de Barros na Folha de 7/1/2024,
Só quando os chefes do golpe tiverem sido presos, quando seus aliados de ocasião tiverem sido expulsos da vida pública, nossas instituições terão provado que mereciam ter sido salvas.
Numa palavra final: o 8 de janeiro é produto de negacionistas de todos os tipos. É a soma de todos os nossos medos. É a junção dos (i) negacionistas da democracia, (ii) negacionistas das vacinas, (iii) da Covid, (iv) da “redondês” da terra, (v) negacionistas da ciência, (vi) dos olavistas, (vii) dos parlamentares que se elegeram com o discurso da antipolítica, (viii) da turma do Silas, (ix) do Edir, (x) dos vendedores de milagres, (xi) dos pedintes de Pix e beneficiários de imunidade tributária, (xii) dos inimigos da leitura de livros, que também são inimigos do vernáculo e da cultura, (xiii) dos influencers reacionários, (xiv) das pessoas que acreditam que Adão e Eva existiram (isso é bem simbólico!), enfim, (xv) de todo obscurantismo possível e imaginável. Tudo isso somado dá uma tempestade perfeita.
Prestem(os) atenção nos sinais.
A cúpula da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) é investigada pela Polícia Federal (PF), que aponta para um suposto conluio na gestão atual para proteger indivíduos envolvidos em um esquema de espionagem ilegal denominado "Abin Paralela". O jurista Lenio Streck fala sobre o assunto em entrevista ao jornalista Mario Vitor Santos.
Luis Nassif entrevista Julia Duailibi, jornalista e apresentadora da GloboNews e uma das diretoras do documentário "8/1 - A democracia resiste". No mesmo programa, Nassif recebe Lenio Streck, jurista e professor de Direito, que também comentará sobre o aniversário de um ano do atentado infame e nazista à democracia brasileira.
Espião Jorge Hardt pai da juíza Gabriela Hardt parceira de Moro
por Miguel Paiva (texto e charge)
Continuar vivendo numa democracia e vendo o ex-juiz Sérgio Moro circulando impune é uma contradição. Para uma pessoa mais sensível como eu, ele nunca enganou ninguém. Desde que recebeu o prêmio Faz Diferença do jornal o Globo criou em mim uma certa desconfiança. Juiz não recebe prêmio pela sua atuação. Não é mais do que obrigação, mas ali, a vaidade, foi o primeiro sinal. Depois vieram outros. Ele foi vestido com camisa grafite escura e grava preta. Além do extremo mau gosto demonstrava, pelo menos na minha cabeça, uma estética beirando o fascismo. Não gostei. Fiquei ressabiado.
Depois começaram a surgir os boatos sobre seu envolvimento com a CIA, suas idas frequentes aos Estados Unidos e seu interesse na Petrobrás. Mas havia um empecilho. Lula, depois de Dilma era o candidato mais forte à reeleição. Isso iria atrapalhar todos os planos de Moro e a turma que estava com ele. Nesta época ainda não se sabia ao certo e Moro criou uma imagem de paladino, de salvador da pátria que enganou a muitos. Virou bloco de carnaval com o aplauso inclusive de parte da classe artística e daí em diante o caminho ficou mais apoiado e facilitado. Julgou e prendeu Lula sem provas e liberou o caminho para a volta ao poder da turma liberal e do mercado de capitais.
A ideia, mesmo golpista disfarçada, era esta. E muita gente continuou caindo. Só não contavam com a eleição de Bolsonaro que acabou escapando do planejamento. A direita institucional não tinha candidato. Bolsonaro foi lá e pimba. Mas a turma topou. O mercado de capitais fechou os olhos para a truculência do capitão e apostou no Paulo Guedes. Meu deus, que aposta! Claro que não deu certo e com esta anuência a gandaia autoritária se estabeleceu. O mercado demorou a acordar e não gostar do panorama sobretudo enquanto Moro batia na corrupção.
Corrupção é a palavra chave. É o que a direita, coincidência ou não, mais detesta. Mas é o que mais faz. O Não Roubar é o mandamento mais seguido porque fala da propriedade privada e sua manutenção, princípio sagrado para os neoliberais. Note-se que Lula estava sendo acusado sem provas de se apossar de duas propriedades privadas, o tríplex no Guarujá e o sírio em Atibaia. Aí ficou fácil. Era como cometer pecado mortal na frente da cruz. Todos caíram e Sérgio Moro não resistiu. Virou candidato de Bolsonaro ao Ministério da Justiça, abandonou a carreira de juiz e começou a se dar mal.
Entrou a verdade histórica e suas consequências implacáveis. Ainda demorou para a elite aceitar, mas até o próprio STF, reconhecendo seu erro desfez toda a tramoia. Absolveu Lula e Dilma, suspeitou de Moro e sua galera e facilitou com isso que Lula voltasse a brigar pela eleição. Foi duro. Bolsonaro ainda usou, e hoje a gente comprova, todas as ilegalidades que podia, mas assim mesmo perdeu.
Com Lula eleito ficou mais fácil de se descobrir que era na verdade Sérgio Moro. Um ninguém cheio de planos. Aliás, cada vez mais comum este personagem na nossa política. Um ninguém cheio de planos. Virou senador da república, sabe-se lá como e junto com outros, inclusive o parceiro Dallagnol tentou entrar para a política e se estabelecer. Dallagnol já foi cassado, agora as sujeiras de Moro que de um certo modo explicam seu sucesso, vão aparecendo. É uma questão de tempo para a História se manifestar. Depois do depoimento do General Heleno na CPMI, Moro se aproximar junto com Damares para felicitar o depoente foi por sí só uma confissão de culpa.
Moro é um conservador de direita, radical, capaz de adulterar a democracia para cumprir suas metas. Aquela camisa escura com gravata preta mostrou quem ele era, queira ou não queira. O Brasil vai retomando seu caminho apesar dos entulhos deixados na estrada e Moro vai desaparecendo no espelho retrovisor. Para sempre, espero.
Vídeo: Assim como no México, no Brasil a espionagem ilegal foi amplamente usada, na operação Lava Jato, com tecnologia de última geração. Agora, isso precisa ser analisado pela Justiça, a partir de denúncia da defesa do ex-presidente Lula. #CarolProner
Deputado Renato Freitas explica espionagem na Petrobras feita por Jorge Hardt
No fascismo O Príncipe de Maquiavel vira O Pequeno Príncipe; o direito vira uma cena da direita; a política vira uma politicazinha
por Marcia Tiburi
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A gafe do advogado defendendo os “patriotarios” na invasão de Brasília em 8 de janeiro mostra o nível baixíssimo a que se chega no fascismo em todos os aspectos. No texto da fala, o que vem à tona não é apenas o erro, pois errar é certamente humano, mas a prepotência, devota do poder, que busca a grandiloquência na fala para impor um efeito, sem precisar ter razão. Sorrateiro, exibindo-se, é o pequeno que irrompe como se, pela via negativa, pudesse restaurar a dignidade com a verdade se apresentando no lugar errado; tornando, assim, tudo visível e acabando com o orador. No fascismo O Príncipe de Maquiavel vira O Pequeno Príncipe (ora, o narrador sabe que Maquiavel existe!); o direito vira uma cena da direita (e quantos exemplos temos dessa diminuição desde o Golpe de 2016!); a política vira uma politicazinha de perdigotos soltos contra o povo; a cultura fica tão pequena que desaparece; a arte não precisa ser arte, ela pode ser uma cacaquinha ofensiva (lembro das “obras” que saíram do palácio do planalto antes da posse do governo democrático); a religião vira extorsão; a mente dos abusados pelos perversos narcísicos da política cabe num ponto final fundamentalista e sem diálogo. Não lastimo o erro, pois o erro revela a verdade. Lastimo a prepotência que apequena e humilha tudo ao redor. Que as massas fascistizadas não possam se conhecer, isso me traz tristeza. Por isso, lutemos pela educação e pela cultura. Que a filosofia possa nos ajudar a entender a verdade que subjaz a todo fenômeno mesmo quando ela está escancarada como nesse evento.
O STF condenou os três primeiros réus dos atos de 8 de janeiro num julgamento marcado por bate-boca e duras críticas e ironias de ministros e advogados. Veja as principais frases da sessão extraordinária desta quinta-feira (14).
Estar sob o governo de Tarcísio é o mesmo que estar sob o governo de Bolsonaro, simples assim, mas também lastimável e perigoso
por Marcia Tiburi
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Erasmo Dias é um nome muito conhecido dos paulistanos por ter participado de programas de televisão nos quais gritava preconceitos e conservadorismo. Tornou-se deputado com seus espetáculos de ódio, mas morreu no esquecimento não tendo feito nada de bom que deixasse seu nome para a posteridade. Autoritarismo era o seu negócio. E a perseguição a estudantes também. Ele foi o coordenador da invasão na PUC de São Paulo em 1977 visando o movimento Liberdade e Luta (Libelu). Nessa ocasião, mais de mil estudantes foram presos e muitos levados à tortura. Dizem que ele era o homem que sabia “lidar”com os que morriam nas dependências do DOI-Codi. Ele gostava de perseguir estudantes e em 1968, participou do cerco aos integrantes do 30º Congresso da UNE em Ibiúna. Ele foi um dos mais ferrenhos defensores do “suicídio” do jornalista Vladimir Herzog.
No documentário de Diógenes Muniz Libelu – Abaixo a Ditadura pode-se ver muito mais.
Agora Tarcísio Freitas vem desenterrar essa figura grotesca, que carregava o riso do carrasco no rosto, homenageando o carrasco como se ele fosse um herói. Qual o objetivo do governador de São Paulo? Fazer o mesmo que Bolsonaro em 17/04/2016, quando ao votar pelo golpe (o paradoxo demorou a ser entendido) elogiou Brilhante Ustra, um torturador condenado por seus crimes hediondos.
Tarcisio é o novo Bolsonaro, como Bolsonaro foi o novo Ustra. Bolsonaro torturou psíquicamente a nação através das ameaças relacionadas à perda de direitos. Ele instaurou o pavor através do elogio da tortura e, depois, do deboche sobre a morte. Mas torturou também fisicamente usando no lugar dos tradicionais instrumentos como eram eletrochoques e pau de arara, o vírus da COVID.
O que temos a ver com isso? Estar sob o governo de Tarcísio é o mesmo que estar sob o governo de Bolsonaro, simples assim, mas também lastimável e perigoso. Quem vota em figuras autoritárias, vota em seus projetos e é signatário de seus atos. A luta contra o fascismo tem que continuar e para isso é preciso consolidar a democracia em cada gesto e evitar que ela seja usada como fachada como Tarcísio está fazendo agora.
O deputado federal Abílio Brunini (PL-MT), um dos mais ruidosos bolsonaristas da Câmara, foi gravado nesta quinta-feira (24), durante CPMI do Golpe, fazendo um gesto atribuído à supremacia branca. Durante a fala do deputado André Fernandes (PL-CE), ele esticou os três dedos e fez um círculo. Juntos, os sinais simbolizam a letra “w”, de “white” (branco). Já o círculo formado representa a letra “p”, de “power” (poder).
"O Duarte pediu 1 minutos a mais e eu respondi, dá mais 3 minutos pra ele. Aí começaram a soltar fakenews que eu estava fazendo gestos racistas????????
Este é o vídeo do exato momento que eu respondo. Não caia em fakenews", mentiu Brunini, que acrescentou: "A esquerda está pautando a imprensa para fazer cortina de…" pic.twitter.com/IhqsvlRAyY
O gesto é tradicionalmente utilizado por movimentos racistas ao redor do planeta: surgiu nos Estados Unidos e faz referência ao poder dos brancos na sociedade. Recentemente, ganhou destaque no Brasil após um assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Filipe Martins, usá-lo durante sessão no Senado.
Embora duramente criticado nas redes socais, Abílio nega que tenha agido de má fé. Ele afirma ter pedido mais “três minutos” e que não fez qualquer ligação do gesto com a referência supremacista. O deputado culpou a esquerda por criar "narrativas".
"Vocês são nojos, vocês esquerdistas são nojo. Estão atacando minha família nesse momento. Estão entrando nas redes sociais da minha família. Estão entrando nas redes sociais da minha mulher me ofendendo. Vocês são uma vergonha”, disse Abílio.
Olho no lance. Deputado Brunini faz gesto supremacista branco? Confira vc mesmo. pic.twitter.com/y2PUanI3cv
Em alguns países, o gesto é usado para sinalizar “ok”, mas, no Brasil, pode indicar uma obscenidade. O “w”, formado com os três dedos, significa “White”, e os outros 2 dedos formam a letra “P”, que significaria “Power”. “White Power” é uma expressão racista que significa “Poder Branco”.
A Liga Antidifamação (Anti-Defamation League – ADL) classificou o gesto como um sinal utilizado por supremacistas brancos para se identificarem. A ADL diz que o símbolo se tornou uma “tática popular de trolagem” por indivíduos da extrema-direita, que postam fotos nas redes de si mesmos fazendo o gesto.
O site Metrópoles garante que “a Polícia Federal já definiu que intimará Michelle Bolsonaro a prestar depoimento sobre a suposta tentativa de venda ou apropriação de joias e outros presentes recebidos por Jair Bolsonaro. O pedido será feito pela PF ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF. Como o site antecipou na semana passada, investigadores apontam indícios de crime de peculato por parte do ex-presidente e da ex-primeira-dama”.
Nas conversas interceptadas pela PF do ex-faz-tudo do “capetão”, tenente coronel Mauro Cid, com outros comparsas, a “santa do pau oco” – como ironizou recentemente a presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann – é citada por um presente que teria “sumido”. “O que já foi já foi. Mas, se esse aqui [kit ouro rose] tiver ainda, a gente vê certinho pra não dar problema. Porque já sumiu um que foi com a Dona Michelle; então, pra não ter problema…”, alerta Marcelo Câmara, ex-assessor do presidente fujão.
Micheque – como carinhosamente também já foi apelidada – é lembrada ainda por ter esquecido uma caixa de joias durante a viagem oficial a Londres, em setembro de 2022, por ocasião do velório da rainha Elizabeth II. O estojo ficou embaixo da cama usada por ela na residência do então embaixador do Brasil na Inglaterra, Fred Arruda. Em outra parte do relatório, a PF afirma que o irmão da ex-primeira-dama intermediou a venda de dois dos presentes do casal.
O irmão da ex-primeira-dama e a muamba
Numa das mensagens interceptadas, o mesmo Marcelo Câmara pergunta a Mauro Cid sobre “a situação de uma mala que o irmão de dona Michelle teria falado”. Em resposta, o tenente coronel afirma que ela já teria sido entregue ao seu pai, general Lourena Cid, nos EUA. “O pai de Cid, ao receber a mala, enviou fotos ao filho. O conteúdo da mala era uma árvore e um barco de ouro com diamantes, presente que Jair Bolsonaro recebeu em 16 de novembro de 2021 no encerramento do Seminário Empresarial da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira na cidade de Manama, no Reino do Bahrein”, descreve outra postagem do site Metrópoles.
Outros veículos da mídia confirmam que Michelle Bolsonaro será intimida em breve para prestar depoimento na Polícia Federal. Além do caso escandaloso das joias, ela também deverá prestar outros esclarecimentos à PF, como sobre os vários depósitos feitos pelo ex-faz-tudo Mauro Cid em sua conta pessoal e o pagamento de dívidas dos seus parentes e amigas. A “santa do pau oco” está em apuros!
À frente da manifestação ou subindo o morro junto de filhos e maridos, elas garantem a vida diante do massacre promovido pela PM. Ouvidoria escuta famílias das 16 vítimas fatais, que denunciam invasão de casas, tortura e tiros à queima-roupa
Evandro Belém tinha 34 anos, era ajudante de obras, mas, nas palavras de um familiar, era o parente mais bondoso entre os seus, o cara que vivia convicto de que não precisava desejar mal para ninguém. “E sabe, eu acho que é por isso que ele morreu: afinal ele não correu e ficou no lugar quando a polícia apareceu, porque, na cabeça dele, não tinha motivo para ter medo, já que ele não tinha machucado policial nenhum e, se soubesse da morte de algum, ele ia era rezar por ele”, conta o familiar, que preferiu não se identificar, mas compareceu ao ato “Ser Pobre Não É Crime”, organizado por movimentos sociais da região da Baixada Santista, litoral do estado de São Paulo, na tarde desta quarta-feira (2/8) na praça 14 Bis, em Vicente de Carvalho, distrito do Guarujá.
Os movimentos da região promoveram um encontro entre moradores da Baixada com uma comitiva formada pela equipe da Ouvidoria das Polícias, Defensoria Pública e parlamentares da Câmara Municipal de São Paulo e da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), além de pesquisadores e organizações diversas da capital, preocupados com a situação vivida pelos caiçaras.
Orientados por movimentos sociais da região, o ouvidor das Polícias, Claudio Aparecido da Silva, também percorreu as comunidades para começar a escutar as famílias das 16 vítimas fatais da Operação Escudo, ação policial deflagrada após a morte do PM Patrick Bastos de Oliveira, das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), na quinta-feira passada (27/7). A operação,que deve durar 30dias segundo o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), foiconsiderada “vingança”por especialistas ouvidos pela Ponte.
Claudinho conta que deve publicar um relatório completo nas próximas semanas, para apontar irregularidades cometidas pela polícia durante as mortes – que, frisa o ouvidor, certamente ocorreram – e indicar até que ponto as versões oficiais de confronto entre vítimas e agentes do Estado foram reais ou estão muito distantes das versões dos sobreviventes – invasões à residências, relatos de tortura e tiros à queima roupa.
“As pessoas que estamos escutando não estão pedindo nada demais, elas querem paz. Nós vamos produzir um relatório com conteúdos probatórios de irregularidades que estão sendo feitas, e o Estado não tem o direito de cometê-las contra pessoas comuns que ele deveria estar acolhendo”, comenta o ouvidor.
Encruzilhada pela memória dos mortos
O ajudante de obras morreu na tarde da última sexta-feira, 28 de julho, enquanto recolhia entulhos para ajudar na reforma da casa de uma moradora da comunidade da Aldeia, no município do Guarujá. Ele foi abordado por policiais que, segundo testemunhas, já chegaram atirando. Evandro morreu no local.
A família de Evandro compareceu no ato da praça 14 Bis após ter enterrado o caiçara horas antes. Até o momento da despedida, familiares contam que enfrentaram uma longa jornada a partir do instante em que receberam o primeiro aviso da sua morte: precisaram contar com a ajuda de amigos para comprar a passagem até a delegacia, só para ouvir que não teriam acesso a informações corretas; depois precisaram de ajuda para viajar por mais de duas horas de balsa e de ônibus até o Instituto Médico Legal, na cidade de Praia Grande, para ouvirem, lá, que precisariam pagar caso quisessem o acesso completo ao laudo que indica como Evandro morreu:
“A mulher para quem ele estava catando entulho foi nos avisar que ele não tinha voltado, aí a gente foi procurando e começamos achar que ele era a pessoa que a polícia tinha matado ali naquela tarde. A gente teve que escutar no IML da Praia Grande que, para saber como ele morreu, teríamos que pagar R$ 75 e só mostraram uma foto dele no computador”, denuncia um dos familiares. A pessoa também conta que a comunidade local teria visto o momento em que uma segunda vítima foi colocada no camburão da polícia e levado para a comunidade da Conceiçãozinha, onde teria sido morto.
Mulheres à frente
Por não serem o principal alvo, são as mulheres que também aceitaram falar com a imprensa presente no local. Única moradora da região que escolheu sair do anonimato, Edna Santos compartilhou o que soube da morte de Cleyton, um dos assassinatos que mais revoltou os moradores do Guarujá.
“A mídia fica passando que teve troca de tiros com a polícia, que ele estava com droga, mas era tudo mentira. Tem inocente morrendo também, até quem não tem passagem pela polícia”, contou.
A sensação de que as mulheres precisam ser a principal fonte de denúncia das mortes faz parte de uma estratégia de sobrevivência. Nas comunidades em que a polícia aparece invadindo casas, são as chefes de família que lembram que é proibido entrar em residência sem mandado judicial. Para subir o morro, os homens estão pedindo para que suas mães, companheiras e filhas estejam do seu lado.
“Eu preciso falar isso sempre, porque é impressionante que meu filho adolescente não pode sair para ir na esquina que já leva enquadro. Na minha casa ninguém entrou não, mas é difícil segurar e acabei vindo aqui falar porque sou mãe de seis e também não quero que outras mães continuem aceitando isso que estamos passando”, falou uma moradora da favela da Prainha, que pediu para não ser identificada. Ela conta que mora há 37 anos na comunidade e que nunca viu ações parecidas como as que estão sendo realizadas pela Rota nos últimos dias.
As mulheres também lideram as ações de solidariedade entre mães e esposas enlutadas. Mãe de Luis Fernando, assassinado em fevereiro de 2023, Sandra veio para o Guarujá com as Mães de Maio porque queria, segundo ela, demonstrar o apoio de uma dor que ainda está construindo a partir do seu luto recente:
“Todas nós que estamos aqui não dormimos direito, não comemos, porque a gente sabe o que essas famílias estão passando e isso precisa mesmo acabar”, conta.
Para Luana de Oliveira, integrante da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, é importante que os movimentos sociais que compuseram o ato reforcem o compromisso de permanecer lado a lado com os movimentos da Baixada Santista. Ela assegura que as manifestações só começaram e que devem haver mais atos.
“Temos que fazer outros atos, já que o governador disse que está satisfeito e que as operações não vão parar”, pontua.
Na manifestação, ela também trouxe a necessidade de enxergar as mortes a partir da disputa pela narrativa: não deixar que as histórias das vítimas sejam esquecidas e trocadas por versões convenientes pela polícia:
“As mães que já são vítimas do genocídio também lutam para que não sejam vítimas do genocídio da memória, em que querem que a gente aceite a versão que eles [autoridades] querem contar sobre as mortes, mas não podemos esquecer do que aconteceu de verdade”, alerta.
Nas redes sociais, as mães não estão sozinhas. Segundo o relatório da consultoria de pesquisa Quaelst, a repercussão dos internautas sobre a Operação Escudo tem sido muito negativa: as declarações do governador Tarcisio de Freitas geraram mais de 227 mil menções nas diversas plataformas digitais (Youtube, Twitter, Facebook, Google, Instagram) até a última terça-feira (01/08), a maioria críticas à atuação da polícia na Baixada Santista.
Um método para matar
Os relatos sobre a morte da vítima que estava com Evandro Belém seguem um padrão identificado em versões dadas sobre moradores em relação a outras pessoas: policiais estariam sequestrando e levando vítimas para serem mortas fora do seu território, buscando atrapalhar investigações e o reconhecimento das pessoas mortas. Moradores de situação de rua também estariam entre os alvos, já que muitas vezes as pessoas não conhecem suas histórias, tampouco seus nomes.
“Fazem isso pra gente não saber quem está morrendo, já que a gente só pode falar de quem morreu aqui. O Cleyton a gente sabe como morreu porque ele era da nossa comunidade, todo mundo aqui convivia com ele e sabe que [a versão policial] foi tudo encenação. Tiraram o filho dele do colo, ele foi colocado num canto e atiraram sem que ele estivesse armado”, contou uma moradora de Conceiçãozinha, que preferiu não se identificar. A morte de Clayton repercutiu entre os moradores do Guarujá pela presença dos filhos dele no momento de seu assassinato.
Moradores presentes na manifestação, de diferentes bairros do município, comentam que boa parte das mortes teriam acontecido a partir do mesmo procedimento da PM: invasão de domicílio, homens tatuados e com antecedentes criminais como alvo – mesmo quando estão seguindo suas vidas fora do crime – e encenação de um local da morte, com arma e drogas que teriam sido “plantadas” pelos policiais.
Essemodus operandijá teria chegado a Santos, maior cidade da região. Matheus Café, líder do Centro dos Estudantes de Santos e Região, falou ao microfone durante o protesto, denunciando que, na favela do Alemôa, a arbitrariedade da polícia começou bem antes dos ataques no Guarujá: no início da semana passada, ele conta que os moradores receberam os primeiros avisos de que haveria o fechamento do comércio da região por causa de uma operação da polícia contra o tráfico na Baixada. Apesar das ações não terem mortes, Matheus relata ameaças e agressões a moradores do local.
“A gente não aguenta mais projeto de genocídio da juventude. Eu não aguento mais sair da minha casa e sentir medo de ir para a universidade”, desabafou.
Advogada e doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP, Dina Alves morou durante dezessete anos no bairro do Morrinhos, no Guarujá, um dos locais em que há relatos de mortes. Para ela, o ato, mais do que um momento de visibilidade sobre a violência na Baixada Santista, também é uma oportunidade para reforçar a importância de lembrar o racismo presente nas mortes – tipo de genocídio que, para ela, é um projeto de governo.
“Essa Operação Escudo diz ser um combate à criminalidade, morreu um policial e o discurso é que é preciso combater a criminalidade, mas ela esconde um projeto de exterminio da população negra, já que o perfil do suspeito padrão e da morte no Brasil é o jovem negro periférico. Não é sobre o combate às drogas, não é porque morreu um policial no Guarujá, é porque é preciso que esse projeto de extermínio esteja em curso”, ressalta a pesquisadora, lembrando que na Bahia ações policiais também estão deixando um rastro de mortes: foram 19 vítimas apenas nesta semana.
A paz que morre na praia
O sentimento de apoio generalizado flertou, muitas vezes, com a esperança de que estivéssemos diante do início do fim da matança. Mas entre caiçaras periféricos, aquele velho medo que existe no ditado de “tentar não morrer na praia” voltou nos minutos finais da manifestação, em que todos estavam dispostos a gritar juntos por esperança e registrar uma foto coletiva: chegou aos grupos de moradores e movimentos sociais da região a informação de uma nova morte no Morro do Engenho, também no Guarujá.
A vítima teria levado nove tiros à tarde. A equipe da ouvidoria encaminhou-se imediatamente ao local, enquanto Dina Alves pegava o microfone para relatar a angústia compartilhada no momento pelos presentes:
“A gente pede, pelo amor de Deus, que retirem essa operação! Essa operação que ninguém sabe quais os objetivos e quais as finalidades”, criticou. Ela também contou que a trégua continua muito longe de terminar, graças ao aval do governo estadual e da ausência do governo federal que ainda não desceu a Serra do Mar.
“Profissionais da segurança pública não podem usar o discurso da vingança para fazer segurança policial”, ressaltou.
Mais tarde, soube-se que não houve morte no local, mas que os tiros foram disparados no Morro pela Romu(Rota Ostensiva Municipal) da Guarda Municipal do Guarujá. Dois jovens foram abordados, mas imediatamente soltos, em movimento lido como uma forma de intimidar os moradores e lembrar que está longe de acabar o fim da contagem dos atos de violência cometidos pelo Estado na Baixada.
“Qual a razão da ROMU estar estimulando o pânico num contexto já tão difícil”, questionou Dimitri Sales, advogado e presidente do Conselho Estadual de Defesa os Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo (Condepe), no Twitter:
Defensoria Pública oferece ajuda gratuita
Os defensores públicos do Guarujá, presentes no local, compartilharam um sentimento de alívio por encontrarem um momento para conhecer alguns dos familiares das vítimas. Eles contam que, apesar de a Defensoria Pública ser muito procurada pela população para diversos casos, as pessoas ainda têm dificuldade para procurar os profissionais em busca de assistência para histórias de violência policial.
Preferindo não se identificar, eles compartilham que escutam, de defensores mais velhos, que o massacre dos últimos dias só se aproxima dos Crimes de Maio – uma sensação também já mencionada por locais em diversos pontos da Baixada Santista. Mas por ora, eles preferem se amparar na impressão de que a visibilidade nacional e internacional dos casos vai ajudá-los a ter uma atuação mais efetiva para as famílias.
“É importante que a comitiva que veio de São Paulo tenha esse momento de troca com as famílias aqui, porque é importante vivenciar de fato o que estamos vivendo na Baixada. E isso nos dá mais confiança para contar aos moradores que eles não estão sozinhos, que estamos levando isso para o governo, pessoas que não são daqui e estão nos fortalecendo”, refletiu um dos defensores.
No Guarujá, a Defensoria Pública pode contribuir para ajudar famílias a ter informações sobre violências cometidas contra moradores, encontrar orientações para buscar por reparação do Estado e por proteção diante de ameaças. A Defensoria funciona de segunda à sexta, das 10h às 17h, com atendimento imediato e garantia de sigilo das vítimas. O prédio fica na Av. Ademar de Barros, 1327 – Jardim Helena Maria, Guarujá.
Escuta sem protocolo de segurança
Diante de ummodus operandide chacina que se repete de comunidade para comunidade, como garantir um registro que possa ser uma prova incontestável deabuso policial já que, aparentemente, a Operação Escudo – e, consequentemente a matança – segue nos próximos 30 dias.
Horas antes da manifestação, durante a manhã desta quarta-feira (2), um morador do bairro Conceiçãozinha se dispôs a falar, contando em detalhes a invasão da polícia a residências da região na noite anterior. Rodeado por câmeras em uma coletiva de imprensa improvisada em um beco das primeiras entradas do Conceiçãozinha, o senhor não queria aparentar medo, mas era lembrado pelo ouvidor a todo momento que falar era necessário, mas se proteger muito mais.
Mas a convicção da coragem aparece apenas em quem acredita que não tem mais nada a perder. Porque, para boa parte dos moradores, a necessidade de falar esbarra, quase sempre, nas dúvidas sobre em quem confiar. Por outro lado, quem busca documentar as histórias e os dados também não encontra asfalto confiável por onde andar nos morros em que aconteceram as mortes que já se têm notícia.
Não existe um manual para se sentir mais seguro enquanto oferece a escuta, e evitar mais espaço para a represália da polícia. Na corrida corrida contra o tempo para trazer mais relatos que possam chocar a ponto de frear a matança, os moradores mostram áudios e prints de possíveis cenas de tortura ou de assassinatos, e na rua é difícil buscar fontes que confirmem a veracidade do que chega, já que de um lado há um boletim de ocorrência tratando todos como suspeitos, e de outro há uma desinformação muitas vezes alimentada pelo medo.
Mas nem todos estavam dispostos a receber a comitiva. Apesar da presença de órgãos importantes para a proteção das denúncias das arbitrariedades cometidas pelo Estado, a atenção da imprensa local e de veículos televisionados que, em muitos momentos, registraram fotos e vídeos dos moradores, deixaram no local um sentimento conflituoso de alívio pela escuta, e medo de uma exposição que não foi consentida. Afinal, apesar do pacto coletivo de poupar a identificação das fontes, tantos flashes inesperados espantaram alguns moradores pela perda do controle de saber o destino final de tantos registros.
“Tio, aqui não tem só polícia não, o PCC também está por aqui e é difícil falar depois pra eles que a gente não está falando com policial e sim com quem quer ajudar”, reclamou um jovem que conversou com o ouvidor.
Questionados pela reportagem no momento da caminhada, assessoras de movimentos sociais e de deputadas da região conseguiram sensibilizar a equipe da Ouvidoria e dos parlamentares da capital para que tivessem mais zelo sobre o compartilhamento da escuta com os veículos, e a imprensa acabou vetada das visitas seguintes.
Mais tarde, o ouvidor das polícias defendeu a presença midiática para escutar as famílias, diante do apagão de dados da Secretaria da Segurança Pública e das intimidações quase diárias para que as comunidades não ajudem a aumentar os registros oficiais das mortes:
“Acho que muitos moradores querem falar, e a imprensa de fato está expondo essas pessoas, mas isso é relevante expor. A opinião pública, o mundo, o planeta, precisa saber o que está acontecendo na Baixada Santista, e é expondo que conseguimos mobilizar nossos sentimentos e acredito que a comunidade está precisando que a gente entregue nosso apoio”, defende.
Ativistas que pediram para não se identificar questionam se os políticos presente nas comunidades e no ato desta quarta (2) vão continuar acompanhando as famílias sobreviventes até 2024, ano das eleições municipais. E se haverá um esforço maior, da imprensa, após as histórias visibilizadas agora, em trazer nomes das vítimas e contexto real das suas mortes, ao invés de só justificá-las como “suspeitos” ou com passagem pela polícia.
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Apesar dos caminhos teimarem em levar algum dos Bolsonaro na direção do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, as investigações, provavelmente, não chegarão a nenhum deles e podem aportar lá atrás, na CPI das Milícias presidida pelo então deputado estadual Marcelo Freixo de quem Marielle era assessora parlamentar.
De certo, há muitas coincidências no caso, como a do miliciano Ronnie Lessa morar em uma casa alugada no mesmo condomínio do ex-presidente, a suposta ligação afetiva entre Jair Renan e a filha de Lessa, o fato de Élcio Queiroz ter dito na portaria do condomínio que iria na casa 58, o porteiro ter mudado o depoimento e o acesso de Carlo Bolsonaro aos arquivos de visitantes da portaria do condomínio Vivendas da Barra no dia do crime.
Um ano antes do crime, Marielle e Carlos, que também é vereador, se envolveram em uma discussão nos corredores da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. O motivo da discussão, segundo testemunhas, foi Carlos ter ouvido de um assessor de Marielle que ele fazia parte de uma família conservadora que “beirava o fascismo”.
Em depoimento à Polícia Civil o assessor contou: “Ele perguntou: ‘O que você falou?’ Eu disse que apenas estava apresentando o contexto político local para duas pessoas que não eram do Rio. Aí, ele gritou: ‘Mas você me chamou de fascista’. Eu pedi desculpas e disse que só estava apresentando a minha visão. Disse que não foi com a intenção de provocar”.
Segundo o site UOL, Carlos Bolsonaro teria entrado no seu gabinete. E, em seguida, voltado para o corredor, acompanhado por assessores. Ao ouvir os gritos, Marielle também saiu, com pessoas que trabalhavam em seu gabinete.
Segundo o assessor envolvido na discussão, ela se aproximou para perguntar o que estava acontecendo. “Esse moleque está me ofendendo. Ele me chamou de fascista“, respondeu Carlos, segundo a versão apresentada pelo assessor. “Aí, a Marielle perguntou: ‘Mas vocês não nos chamam de um monte de coisa?’. Talvez tenha sido o único momento em que ela foi mais incisiva”, lembrou o assessor.
É muito provável que o mandante seja alguém muito poderoso ligado à milícia. Milícia que entrou na vida política de Jair Bolsonaro através de seu leal amigo, o então policial Militar Fabrício Queiroz.
Em todas as eleições que participou, Bolsonaro fez campanha entre militares e pensionistas de militares, defendendo, principalmente, o aumento de salários e pensões. Aproveitando a exposição, Bolsonaro estendeu seu discurso contra a ‘bandidagem’, o que lhe garantiu o selo de defensor da família não só entre vovôs e vovós, mas também entre policiais que se sentiram com a missão de exterminar o ‘mal pela raiz’.
Quando Flávio Bolsonaro foi eleito para a Assembleia Legislativa com apenas vinte e dois anos, foi vendido como o representante político e ideológico dos “guerreiros fardados” que lutavam por espaço e poder nos territórios do Rio, tendo Fabrício Queiroz como principal articulador da rede de apoio.
A relação dos Bolsonaro com a milícia foi se estreitando a ponto de condecorarem policiais por ‘serviços prestados’ à sociedade. Como foi o caso de Adriano da Nóbrega, ex-policial e chefe do escritório do crime, morto em uma emboscada na Bahia, supostamente por ‘queima de arquivo’.
Sob Jair Bolsonaro ronda uma atmosfera e herança sem mérito de fato, do falecido delegado e deputado estadual Guilherme Godinho Sivuca, membro da Scuderie Detetive Le Cocq, que tinha como objetivo a repressão ao crime, executando bandidos ao longo do tempo o que ocasionou a sigla EM, no popular, como referente a esquadrão da morte. Sivuca é o autor da lendária frase “Bandido bom é bandido morto”.
Talvez a participação de algum dos Bolsonaro no crime de Marielle e Anderson, tenha sido a influência que eles têm na polícia do Rio de Janeiro para dificultar as investigações e, posteriormente, como Presidente da República, utilizar o Ministério da Justiça, com Sérgio Moro na pasta, para aparelhar a Polícia Federal, com o intuito de proteger o seu ‘pessoal’.
Agora que as investigações estão sem as correntes que as impediam de prosseguir, o crime será finalmente solucionado e que os mandantes e executores sintam a pena forte da justiça.
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