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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

22
Set22

Resgatar a democracia

Talis Andrade

por Leonardo Boff /A Terra É Redonda

 

A atual eleição representa um verdadeiro plebiscito: que forma de Brasil nós almejamos?

 

Ouvimos com frequência as ameaças de golpe à democracia por parte do atual presidente. Ele realizou aquilo que Aristóteles chama de kakistocracia: “a democracia dos piores”. Cercou-se de milicianos, colou nos cargos públicos algumas dezenas de militares de espírito autoritário, ligados ainda à revolução empresarial-militar de 1964, fez aliança com os políticos do Centrão que, ao invés de representar os interesses gerais do povo, vivem de privilégios e de propinas e fazem da política uma profissão para o próprio enriquecimento.

Não vi melhor descrição realística de nossa democracia do que esta, de meu colega de estudos, brilhante inteligência, Pedro Demo. Em sua Introdução à sociologia (2002) diz enfaticamente: “Nossa democracia é encenação nacional de hipocrisia refinada, repleta de leis “bonitas”, mas feitas sempre, em última instância, pela elite dominante para que a ela sirva do começo até o fim. Político é gente que se caracteriza por ganhar bem, trabalhar pouco, fazer negociatas, empregar parentes e apaniguados, enriquecer-se às custas dos cofres públicos e entrar no mercado por cima… demoSe ligássemos democracia com justiça social, nossa democracia seria sua própria negação”.

Logicamente, há políticos honrados, éticos e organicamente articulados com suas bases e com os movimentos sociais e com o povo em geral. Mas em sua maioria, os políticos traem o clássico ideal de Max Weber, a política como missão em vista do bem comum e não como profissão em vista do bem individual.

Já há decênios estamos discutindo e procurando enriquecer o ideal da democracia: da representativa, passar à democracia participativa e popular, à democria econômica, à democracia comunitária dos andinos (do bien vivir), à democracia sem fim, à democracia ecológico-social e, por fim, à uma democracia planetária.

Tudo isso se esfumou face aos ataques frequentes do atual presidente. Este pertence, primeiramente, ao âmbito da psiquiatria e. secundariamente, da política. Temos a ver com alguém que não sabe fazer política, pois trata os adversários como inimigos a serem abatidos (recordemos o que disse na campanha: há que se eliminar 30 mil progressistas). Descaradamente afirma ter sido um erro da revolução de 1964 torturar as pessoas quando deveria tê-las matado, defende torturadores, admira Hitler e Pinochet. Em outras palavras, é alguém psiquiatricamente tomado pela pulsão de morte, o que ficou claro na forma irresponsável com que cuidou do Covid-19.

Ao contrário, a política em regime democrático de direito supõe a diversidade de projetos e de ideias, as divergências que tornam o outro um adversário, mas jamais um inimigo. Isso tudo o presidente não conhece. Nem nos refiramos à falta de decoro que a alta dignidade do cargo exige, comportando-se de forma boçal e envergonhando o país quando viaja ao estrangeiro.

Somos obrigados a defender a democracia mínima, a representativa. Temos que recordar o mínimo do mínimo de toda democracia que é a igualdade à luz da qual nenhum privilégio se justifica. O outro é um cidadão igual a mim, um semelhante com os mesmos direitos e deveres. Essa igualdade básica funda a justiça societária que deve sempre ser efetivada em todas as instituições e que impede ou limita sua concretização. Esse é um desafio imenso, esse da desigualdade, herdeiros que somos de uma sociedade da Casa-Grande e da senzala dos escravizados, caracterizada exatamente por privilégios e negação de todos os direitos aos seus subordinados.

Mesmo assim temos que garantir um estado de direito democrático contra às mais diferentes motivações que o presidente inventa para recusar a segurança das urnas, de não aceitar uma derrota eleitoral, sinalizadas pelas pesquisas, como a Datafolha à qual ele contrapõe a imaginosa Datapovo.

A atual eleição representa um verdadeiro plebiscito: que forma de Brasil nós almejamos? Que tipo de presidente queremos? Por todo o desmonte que realizou durante a sua gestão, trata-se do enfrentamento da civilização com a barbárie. Se reeleito conduzirá o país a situações obscuras do passado há muito superadas pela modernidade. É tão obtuso e inimigo do desenvolvimento necessário que combate diretamente a ciência, desmonta a educação e desregulariza a proteção da Amazônia.

A presente situação representa um desafio a todos os candidatos, pouco importa sua filiação partidária: fazer uma declaração clara e pública em defesa da democracia. Diria mais, seria um gesto de patriotismo, colocando a nação acima dos interesses partidários e pessoais, se aqueles candidatos que, pelas pesquisas, claramente, não têm chance de vitória ou de ir ao segundo turno, proclamassem apoio àquele que melhor se situa em termos eleitorais e que mostra com já mostrou resgatar a democracia e atender aos milhões de famintos e outros milhões de deserdados.

Temos que mostrar a nós mesmos e ao mundo que há gente de bem, que são solidários com as vítimas do Covid-19, nomeadamente, o MST, que continuam fazendo cultura e pesquisa. Este será um legado sagrado para que todos nunca esqueçam de que mesmo em condição adversas, existiu bondade, inteligência, cuidado, solidariedade e refinamento do espírito.

Pessoalmente me é incômodo escrever sobre essa democracia mínima, quando tenho me engajado por uma democracia socioecológica. Face aos riscos que teremos que enfrentar, especialmente, do aquecimento global e seus efeitos danosos, cabe à nossa geração decidir se quer ainda continuar sobre esse planeta ou se tolerará destruir-se a si mesma e grande parte da biosfera. A Terra, no entanto, continuará, embora sem nós.

11
Set22

Lula fala aos evangélicos. Guerra religiosa é para mentirosos

Para quem crê, não é difícil ver a proteção divina

Talis Andrade

Segundo episódio do Dedim de Prosa está no Ar! - Laboratório de Ensino de  Ciências Sociais

por Fernando Brito

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Demorou, mas veio afinal a esperada fala do ex-presidente Lula a pastores e fiéis evangélicos, hoje, em São Gonçalo.

E veio bem, porque não era difícil fazê-la, estruturada em três questões.

A primeira, a vida de Lula, na qual, para quem crê, não é difícil ver a proteção divina. A segunda, o que seu governo fez, defendendo o ser humano e cuidando das famílias. E a terceira, o que seu governo fará pelos pobres, os excluídos, os famintos, os humildes.

É isso, o testemunho daquilo que ele sentiu, pensou e fez, não a louvação vazia de um fariseu, de um hipócrita que invoca a Deus em seu benefício.

É tão forte que Silas Malafaia está dizendo nas redes sociais que os pastores que deram a palavra a Lula “foram comprados”.

 

23
Nov21

O touro dourado e a economia do boi

Talis Andrade

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A história do capitalismo mostra que moeda nacional forte é desdobramento de economia doméstica forte, não o contrário

 

por Leda Paulani /A Terra É Redonda

No início dos anos 1990, com os ventos neoliberais soprando fortemente por aqui e a alta inflação brasileira quase virando hiperinflação, o governo Fernando Collor/Itamar Franco, sob o comando econômico de Fernando Henrique Cardoso (FHC), resolveu que, junto com a transformação do Estado em Judas a ser malhado não só no sábado de aleluia, seria bom pegar carona na estabilização monetária que o Plano Real prometia e transformar o Brasil em “potência financeira emergente”. FHC, tornado presidente, foi o padroeiro da proposta.

Três décadas depois, o touro de isopor (mau gosto estético à parte) postado à frente da B3, no desolador centro de São Paulo, em meio à economia catatônica, à desvalorização descontrolada da moeda nacional, ao ressurgimento do fantasma inflacionário e a mais de 100 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar, coloca-se como o símbolo irretocável do fracasso daquele projeto. O artista que assina a obra atirou no que viu e acertou no que não viu.

São camadas de contradições que se escoram no corpo do animal, que buscou reproduzir o ícone plantado em Wall Street, a Meca do capital financeiro. O ouro que o faz brilhar, fulgindo poder e vigor, é só o véu que encobre o frágil interior de isopor. Os bilhões negociados dia-a-dia nas bolsas do velho prédio da rua 15 de Novembro contrastam com o cenário urbano degradado e com as intervenções que rapidamente apareceram, estampando no objeto: “Fome”, “taxar os ricos”… e não devem parar por aí.

A história do desenvolvimento capitalista mostra que uma moeda nacional forte é o desdobramento necessário de uma economia doméstica forte. No século XIX, a Inglaterra impôs a libra (e o padrão-ouro) a todo o mundo capitalista pela fo               rça e dinamismo tecnológico de sua economia. Ao final da Segunda Guerra, na conferência de Bretton Woods, os Estados Unidos impuseram o dólar como padrão monetário internacional graças à pujança de sua gigante economia, beneficiada pela própria guerra.

Os planejadores brasileiros dos anos 1990 resolveram inverter a equação e parir uma economia forte de uma moeda “forte”. Para o regozijo de seus patrocinadores, o Real nasceu valendo mais que o dólar, mais exatamente US$ 1,149. Hoje vale US$ 0,178 e a economia forte ficou na promessa. A “potência financeira emergente” e o protagonismo do capital financeiro produziram uma moeda forte de fancaria, que arruinou a economia brasileira e botou o país nas piores posições na divisão internacional do trabalho.

Hoje somos pagadores de renda de todos os tipos e produtores de bens da indústria extrativa, que detonam nossas riquezas naturais, e de bens do agronegócio, de baixo valor agregado e alto valor de destruição ambiental. O boi é um dos protagonistas dessa decadência sem apogeu e pode se associar à moeda forte como símbolo do que nos tornamos. Quase um século depois, voltamos à situação completamente subalterna pré-1930, e isto em plena era da evolução irrefreável da indústria 4.0, que se desenvolve a uma velocidade estonteante.

Os governos democráticos e populares que passaram por aqui neste meio tempo não foram determinados o suficiente para quebrar o círculo absolutamente vicioso da poupança externa no qual nos meteu a economia da moeda forte. Tentaram e conseguiram, numa velocidade surpreendente, melhorar a distribuição da renda. Não mexeram, porém, nos mecanismos mais profundos que reproduzem uma distribuição ainda mais desigual de riqueza e continuaram a desenvolver socialmente o país sob os mesmos marcos institucionais do poder, do benefício e do protagonismo do capital financeiro.

Nos primeiros anos da década de 2010, apesar do relativo sucesso inicial em enfrentar a crise financeira internacional de 2008, suas consequências começaram a deitar por terra as conquistas sociais obtidas. Em plena ascensão da extrema-direita no mundo, ao bulício econômico seguiu-se a inquietação política e acabou no golpe de 2016, numa dose ainda mais envenenada da política da moeda forte e do boi e, finalmente, no bolsonarismo que nos assola.

Por razões até agora um tanto obscuras, mas que fortunas em paraísos fiscais talvez ajudem a explicar, o Banco Central, numa reviravolta espetacular, executou, a partir de maio de 2020, uma manobra estranha à cartilha que até então pautava a condução da política monetária e derrubou as taxas de juros a níveis incompatíveis com a inflação esperada e o risco-país. Mais que isso, manteve tal postura, mesmo com os arranques de preços de alimentos, energia e combustíveis, que foram ficando cada vez mais evidentes. A desvalorização superlativa do câmbio foi o resultado inexorável. O prolongado soluço terminou em maio deste ano e a política monetária vai voltando a passos rápidos ao seu curso de sempre.

No contexto ora vivenciado, com a economia prostrada pela crise – que já dura sete anos –, agravada pela pandemia, os eventuais benefícios dessa “correção” inusitada da taxa de câmbio foram completamente superados por seus desdobramentos no plano da inflação, que é maior, lembre-se, no grupo dos alimentos, atingindo com força total as famílias que têm aí o gasto maior de sua parca renda. A situação vem gerando miséria e desespero num país com mais de 30 milhões de desocupados (desempregados, desalentados e subutilizados, numa população economicamente ativa de cerca de 100 milhões).

As famílias mais pobres (sustentadas em 2020 pelo auxílio emergencial) vão perdendo a condição mínima de vida, deixando de ter um teto, pois não conseguem mais pagar o aluguel e saem povoando as grandes cidades brasileiras com suas barracas, convertendo muitas das vias públicas em espaços que não ficam nada a dever a campos de refugiados… refugiados que são da guerra que lhes move o Estado teocrático, dirigido por fundamentalistas de mercado.

Enquanto isso, a economia do boi se beneficia agora não só da alta mundial dos preços das commodities, mas também do preço inflacionado da verdadeira moeda forte, e sem pagar um centavo a mais de imposto por isso. A economia do boi alimenta parte expressiva do mundo enquanto produz internamente desesperança, penúria e fome.

A simples volta da política monetária ao seu curso usual desmanchará os malfeitos? Difícil dizer que sim. Combinada com a manutenção do teto de gastos, a elevação abrupta da taxa de juros (tudo indica que vai aumentar muito de velocidade até medos do próximo ano) desestimulará ainda mais o investimento privado e, com os investimentos públicos inviabilizados, afundará de vez a economia em seu estado de letargia e junto com ela o número de empregos.

Ao mesmo tempo a manutenção da instabilidade política recorrentemente produzida pelo próprio governo, sobretudo em ano eleitoral, tornará ínfimos os ganhos em termos de redução da taxa de câmbio e, portanto, do comportamento da inflação – que evidentemente não é inflação de demanda, mas inflação derivada de choques de preços, com destaque para o preço da divisa, resultante da genocida política econômica de Guedes-Bolsonaro.

Tudo isso indica que a política da moeda forte, que resultou na política do boi, erigiu o touro dourado da rua 15 de Novembro: reluzente por fora e oco por dentro. Reluzente porque o ouro dos bilhões negociados dia-a-dia no mercado financeiro continua a dar as cartas e a produzir bilionários rentistas (vide as descaradas conversas de nossas autoridades monetárias, em tempos de BC “independente”, com banqueiros e outros personagens macabros do mundo financeiro).

Oco por dentro, porque, graças à moeda “forte”, que se manteve indevidamente apreciada por longuíssimos períodos, essa política atuou como praga a devastar o tecido produtivo do país. Agora, que nem sequer na aparência reluz mais, ficamos mesmo só com a economia do boi, e, mesmo assim, até que chineses e europeus percam de vez a paciência com a ruína ambiental que produz.

Quem paga o preço do contínuo desacerto nacional – preço, diga-se, cada vez mais elevado – é o povo brasileiro… mas quem se importa? Constituído em sua maioria por pobres e negros, sempre foi visto como fator de produção descartável, com cuja reprodução os mandatários do poder e da acumulação capitalista nunca tiveram que se preocupar. Sem elogio aqui àquele ritual bárbaro, trata-se de uma espécie de farra do boi às avessas, em que a população é perseguida e massacrada pelas consequências de uma política que, pretendendo produzir economia forte por meio de moeda forte, produziu mesmo foi um boi cada vez mais feroz.

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17
Nov21

'Não existe desenvolvimento infantil pleno com barriga vazia'

Talis Andrade

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'A criança com fome não consegue se concentrar. Falta energia nela', diz professora de Sumaré, no interior de São Paulo. Ilustração André Valente

 

'Minha aluna desmaiou de fome': professores denunciam crise urgente nas escolas brasileiras 3

 

por Thais Carrança /BBC News

(Continuação) DEIXANDO DE ESTUDAR PARA TRABALHAR.

A educadora afirma que outra preocupação das professoras é com o aumento da evasão escolar entre os alunos um pouco mais velhos, que deixam o estudo para ajudar suas famílias.

Neste cenário, o fim do auxílio emergencial em outubro e a incerteza quanto ao futuro do Bolsa Família, em transição tumultuada para Auxílio Brasil, é motivo de angústia.

"Todo mundo está muito preocupado, principalmente as famílias", diz a professora de Sumaré.

"Já estamos tendo uma evasão muito grande de alunos, porque a prioridade deles é trabalhar e ajudar a levar o sustento para casa. Não é mais estudar, porque a fome é uma necessidade hoje", relata.

"A partir dos 13, 14 anos está acontecendo essa evasão, que é ainda mais grave no Ensino Médio. Acredito que, com o fim do auxílio emergencial, isso pode aumentar."

O auxílio emergencial foi pago a mais de 39 milhões de famílias em 2021. Já o novo Auxílio Brasil deve atender 17 milhões de famílias em dezembro, conforme a expectativa do governo. O Bolsa Família, extinto em outubro, atendia 14,6 milhões, segundo o Ministério da Cidadania.

Ou seja, embora o Auxílio Brasil deva atingir um público maior do que o Bolsa Família — caso de fato o governo consiga zerar a fila do programa, como planeja —, o número de assistidos ainda assim será menor do que o de beneficiários do auxílio emergencial pago em 2020 e 2021.

"É triste o aluno ter que deixar a escola para poder trabalhar, não conseguir conciliar", lamenta a professora de física e matemática, acrescentando que a situação é agravada pelo encerramento do turno noturno em três das cinco escolas de sua região e de cursos de Educação para Jovens e Adultos (EJA) no município.

"É devastador, porque o aluno está deixando para trás uma parte da vida dele que é de extrema importância. É um aluno que poderia ir para a faculdade e pode ser que acabe não indo, que poderia fazer outras coisas da vida e acabe não fazendo", diz a professora, ressaltando como a necessidade imediata de renda das famílias acaba comprometendo o futuro do jovem.

Criados pela avó, ficaram órfãos na pandemia

A professora de língua portuguesa da rede estadual do Paraná chama atenção para um outro aspecto da realidade das escolas na volta às aulas presenciais depois da pandemia: um grande número de alunos que ficaram órfãos de pais ou avós e passaram a viver sob cuidado de outros parentes.

"Tenho um aluno do 7º ano e a irmã dele está no Ensino Médio no mesmo colégio. Eles foram criados pela avó e, no ano passado, ela faleceu devido à covid. Eles simplesmente ficaram órfãos", conta.

"Eles não têm nenhum recurso, ficaram na casa de parentes. E nós temos vários casos assim, são muitos casos por turma. A escola está tentando monitorar para ver se essas crianças estão bem, quem ficou responsável por elas e se elas contam com alguma rede de proteção."

A professora da rede municipal do Rio de Janeiro cuja aluna desmaiou em sala de aula relata também a precarização na situação de moradia de muitos alunos, diante da perda de renda dos pais.

"A favela em si é um lugar vulnerável, mas dentro dela tem lugares onde realmente não tem estrutura nenhuma, não tem saneamento básico, nada", diz a professora da Zona Norte carioca.

"Muitos alunos que antes moravam na favela em locais considerados razoáveis tiveram que se mudar para esses locais mais vulneráveis, porque lá não paga aluguel, não paga nada. Mas as casas são de madeira, em lugares muito complicados, como barrancos. Então está havendo uma migração interna, dentro da própria favela, de famílias que não estavam conseguindo se manter nos lugares por conta dessa crise econômica toda."

'Solução do problema está além do nosso alcance'

Nesse cenário de pauperização dos alunos na volta às aulas presenciais, os professores fazem o que podem para tentar minimizar o sofrimento dos estudantes em dificuldade.

Uma professora de ginástica acrobática de um centro público de treinamento desportivo localizado em uma comunidade carente do Distrito Federal conta que a doação de cestas básicas se tornou rotina no local.

"Teve o caso de uma aluna que começou a passar mal", conta a professora de ginástica. "Encaminhamos à assistência social e essa criança, de 10 anos, contou que estava com fome, que não tinha jantado no dia anterior, nem tomado café da manhã naquele dia."

"A criança recebeu um lanche a mais e a mãe foi chamada para uma conversa com a psicóloga. Essa mãe relatou que estava sem o que comer em casa, então começamos a distribuir cesta básica para a família", diz a professora, acrescentando que cresceu no período recente o número de crianças que buscam o centro de treinamento não pelo esporte, mas pelo lanche do intervalo, e como uma alternativa de cuidado para mães que precisam procurar emprego.

Uma professora de Rio Claro, no interior de São Paulo, relata um caso semelhante.

"Dentro do processo de tutoria, em que cada aluno é acompanhado de perto por um professor, uma aluna de 13 anos, com dois irmãos menores e uma irmã bebê, relatou que precisava de ajuda, que precisava de alimento, porque não tinha comida dentro da casa dela", conta a professora de língua portuguesa.

"A equipe de professores se mobilizou, fizemos uma vaquinha e um dos professores foi ao mercado e fez uma compra. Eu levei até a casa dela, uma casa bem humilde. A recepção foi de gratidão, a mãe depois nos escreveu agradecendo a ajuda."

A professora de Rio Claro conta que, apesar da mobilização dos professores, há um sentimento de impotência com relação à crise social que se reflete nas escolas.

"É uma tristeza profunda, uma preocupação gigante. Há uma vontade de tentar fazer algo por essas pessoas, a gente tenta se mobilizar dentro das nossas possibilidades, mas sabemos que não é fazendo uma cesta básica hoje que a gente resolve o problema dessa família", diz a educadora.

"A gente atende uma necessidade emergencial, mas resolver o problema é uma questão muito maior, uma questão social e política, que vai além do nosso alcance."

'Não existe desenvolvimento infantil pleno com barriga vazia'

O conselheiro tutelar da Zona Oeste do Rio de Janeiro avalia que a fome das crianças nas escolas é um sintoma da ausência do Estado.

"O Estado não está cumprindo com sua parte em garantir não só renda, mas que a economia gere empregos para essas famílias", avalia o profissional, que relata um aumento no número de atendimentos do conselho durante a pandemia, devido ao maior número de casos de violência, em decorrência da convivência das famílias em espaços insuficientes e de problemas estruturais, como o estresse causado pela fome ou pelo desemprego.

"Não existe desenvolvimento infantil completo com barriga vazia. A fome não atinge apenas o estado emocional, ela é da carne, é do corpo. É muito difícil pensarmos que uma criança vai ter acesso a direitos, conseguir ter uma vida plena, se ela está sentindo fome. O acesso à cultura, à educação, ao lazer, tudo isso é impactado quando essa criança não está tendo o mínimo, que é se alimentar", afirma.

"Isso vai afetar não só o desenvolvimento pessoal dessa criança — sua autoestima, seus valores — mas a forma como ela se relaciona com a sociedade", avalia o conselheiro.

"São crianças que, por causa da fome, estão tendo sentimentos e aprendendo sensações muito dolorosas e muito cruéis para o tempo delas nessa vida. Como vamos pedir que essa criança tenha concentração dentro da escola, se a barriga dela está roncando?"

 

 

13
Nov21

Papa Francisco: “É hora de devolver a palavra aos pobres”

Talis Andrade

São Francisco nas expressões artísticas - Comunidade Católica Shalom

 

Na manhã dessa sexta-feira, o Santo Padre Francisco presidiu o Encontro de Oração e Testemunhos em Assis, onde se encontrou com um grupo de 500 pobres provenientes de várias partes da Europa, para um momento de escuta e oração. O encontro ocorreu por ocasião do V Dia Mundial dos Pobres, que se celebra no domingo, 14 de novembro de 2021.

Ao chegar a Assis, antes de chegar em Santa Maria dos Anjos, o Santo Padre dirigiu-se ao Mosteiro de Santa Clara para um breve encontro com a comunidade das clarissas.

Chegando à Basílica de Santa Maria dos Anjos, o Santo Padre foi acolhido no adro por algumas autoridades. Depois, três pobres dirigiram palavras de boas-vindas e entregaram simbolicamente a capa e o bastão do Peregrino ao Papa Francisco, indicando que todos foram como peregrinos aos lugares de São Francisco para escutar a sua palavra.

Posteriormente, o Santo Padre entrou na basílica e foi à Porciúncula, onde parou para rezar por alguns minutos. Depois de vários testemunhos, o papa proferiu o seu discurso.

O sítio da Santa Sé publicou o discurso que o Santo Padre dirigiu aos presentes durante o encontro. A tradução é de Moisés Sbardelotto.Pin on Imagens Católicas

Discurso do Papa Francisco no encontro de oração e testemunhos em Assis

Caros irmãos e irmãs, bom dia!

Agradeço-lhes por terem aceito o meu convite – mas fui eu o convidado! – para celebrar aqui em Assis, na cidade de São Francisco, o quinto Dia Mundial dos Pobres, que ocorre depois de amanhã. É uma ideia que nasceu de vocês, cresceu e já chegamos à quinta [edição]. Assis não é uma cidade como outra qualquer: Assis traz impresso o rosto de São Francisco. Pensar que, entre estas estradas, ele viveu a sua juventude inquieta, recebeu o chamado a viver o Evangelho ao pé da letra é, para nós, uma lição fundamental. Certamente, em certo sentido, a sua santidade nos faz estremecer, porque parece impossível poder imitá-lo. Mas, depois, no momento em que lembramos alguns momentos da sua vida, aqueles “fioretti” que foram recolhidos para mostrar a beleza da sua vocação, sentimo-nos atraídos por essa simplicidade de coração e simplicidade de vida: é a própria atração de Cristo, do Evangelho. São fatos da vida que valem mais do que as pregações.

Gosto de recordar um deles, que expressa bem a personalidade do Pobrezinho (cf. Fioretti, cap. 13: Fonti Francescane, 1841-1842). Ele e o frei Masseo haviam se posto em viagem para chegar à França, mas não haviam levado provisões com eles. Em certo ponto, tiveram que começar a pedir caridade. Francisco foi para um lado, e o frei Masseo, para outro. Mas, como contam os Fioretti, Francisco era de estatura pequena e quem não o conhecia o considerava um “mendigo”; em vez disso, frei Masseo “era um homem grande e belo”. Foi assim que São Francisco mal conseguiu recolher alguns pedaços de pão duro e velho, enquanto o frei Masseo recolheu belos pedaços de pão bom.

Quando os dois se reencontraram, sentaram-se no chão e, em uma pedra, puseram o que haviam recolhido. Vendo os pedaços de pão recolhidos pelo frade, Francisco disse: “Frei Masseo, nós não somos dignos deste grande tesouro”. O frade, admirado, respondeu: “Padre Francisco, como é possível falar de tesouro onde há tanta pobreza e faltam até as coisas necessárias?”. Francisco respondeu: “É precisamente isso que considero um grande tesouro, porque não há nada, mas o que temos foi doado pela Providência que nos deu este pão”. Eis o ensinamento que São Francisco nos dá: saber se contentar com aquele pouco que temos e compartilhá-lo com os outros.

Estamos aqui na Porciúncula, uma das igrejas que São Francisco pensava em restaurar, depois que Jesus lhe pedira para “reparar a sua casa”. Então, ele nunca teria pensado que o Senhor lhe pediria para dar a sua vida para renovar não a igreja feita de pedras, mas a de pessoas, de homens e mulheres que são as pedras vivas da Igreja. E se nós estamos aqui hoje é justamente para aprender com aquilo que São Francisco fez.

Ele gostava de ficar muito tempo nesta igrejinha para rezar. Ele se recolhia aqui em silêncio e se colocava à escuta do Senhor, daquilo que Deus queria dele. Nós também viemos aqui para isto: queremos pedir ao Senhor que escute o nosso grito, que escute o nosso grito!, e venha em nosso auxílio. Não esqueçamos que a primeira marginalização que os pobres sofrem é a espiritual. Por exemplo, muitas pessoas e muitos jovens encontram um pouco de tempo para ajudar os pobres e levar-lhes comida e bebida quente. Isso é muito bom, e eu agradeço a Deus pela sua generosidade. Mas, acima de tudo, alegra-me quando ouço que esses voluntários param um pouco para conversar com as pessoas e às vezes rezam junto com elas... Pois bem, o fato de nos encontrarmos aqui, na Porciúncula, nos lembra a companhia do Senhor, que Ele não nunca nos deixa sozinhos, sempre nos acompanha em todos os momentos da nossa vida. O Senhor está conosco hoje. Ele nos acompanha, na escuta, na oração e nos testemunhos dados: é Ele, conosco.

Há outro fato importante: aqui na PorciúnculaSão Francisco acolheu Santa Clara, os primeiros frades e muitos pobres que vinham ao seu encontro. Com simplicidade, ele os recebia como irmãos e irmãs, compartilhando tudo com eles. Eis a expressão mais evangélica que somos chamados a assumir: a acolhida. Acolher significa abrir a porta, a porta da casa e a porta do coração, e permitir a quem bate que possa entrar. E que possa se sentir à vontade, não em sujeição, não, à vontade, livre.

Onde há um verdadeiro senso de fraternidade, vive-se aí também a experiência sincera da acolhida. Onde, ao invés disso, há o medo do outro, o desprezo pela sua vida, então nasce a rejeição ou, pior, a indiferença: aquele olhar para o outro lado. A acolhida gera o senso de comunidade; a rejeição, pelo contrário, fecha no próprio egoísmo.

Madre Teresa, que fizera da sua vida um serviço à acolhida, gostava de dizer: “Qual é a melhor acolhida? O sorriso". O sorriso. Compartilhar um sorriso com quem precisa faz bem a ambos, a mim e ao outro. O sorriso como expressão de simpatia, de ternura. E depois o sorriso envolve você, e você não poderá se afastar da pessoa a quem sorriu.

Agradeço-lhes porque vocês vieram até aqui de tantos países diferentes para viver esta experiência de encontro e de fé. Gostaria de agradecer a Deus que deu essa ideia do Dia dos Pobres. Uma ideia nascida de um modo um pouco estranha, em uma sacristia. Eu estava prestes a celebrar a missa, e um de vocês – chama-se Étienne – vocês o conhecem? É um enfant terrible –, Étienne me deu a sugestão: “Vamos fazer o Dia dos Pobres”. Eu saí e senti que o Espírito Santo, por dentro, me dizia para fazer isso. Foi assim que começou: a partir da coragem de um de vocês, que tem a coragem de levar as coisas adiante. Eu o agradeço pelo seu trabalho ao longo destes anos e pelo trabalho de muitos que o acompanham.

E gostaria de agradecer, desculpe-me, eminência, pela sua presença, cardeal [Barbarin]: ele está entre os pobres, ele também sofreu com dignidade a experiência da pobreza, do abandono, da desconfiança com dignidade. E ele se defendeu com o silêncio e a oração. Obrigado, cardeal Barbarin, pelo seu testemunho que edifica a Igreja.

Eu dizia que viemos nos encontrar: essa é a primeira coisa, isto é, ir um na direção do outro com o coração aberto e a mão estendida. Sabemos que cada um de nós precisa do outro e que até a fraqueza, se vivida juntos, pode se tornar uma força que melhora o mundo. Muitas vezes, a presença dos pobres é vista com incômodo e suportada; às vezes, ouve-se que os responsáveis pela pobreza são os pobres: um insulto a mais! A fim de não fazer um exame de consciência sério sobre os próprios atos, sobre a injustiça de algumas leis e medidas econômicas, um exame de consciência sobre a hipocrisia de quem quer enriquecer desmedidamente, joga-se a culpa sobre os ombros dos mais fracos.

Ao invés disso, é hora de devolver a palavra aos pobres, porque, por muito tempo, os seus pedidos não foram ouvidos. É hora de abrir os olhos para ver o estado de desigualdade em que vivem tantas famílias. É hora de arregaçar as mangas para restaurar a dignidade, criando postos de trabalho. É hora de voltar a se escandalizar diante da realidade de crianças famintas, reduzidas à escravidão, sacudidas pelas águas em meio ao naufrágio, vítimas inocentes de todo o tipo de violência. É hora de que cessem as violências contra as mulheres e de que elas sejam respeitadas e não tratadas como moeda de troca. É hora de romper o círculo da indiferença para voltar a descobrir a beleza do encontro e do diálogo. É hora de nos encontrarmos. É o momento do encontro. Se a humanidade, se nós, homens e mulheres, não aprendermos a nos encontrar, iremos rumo a um fim muito triste.

Escutei com atenção os seus testemunhos e lhes agradeço por tudo o que vocês manifestaram com coragem e sinceridade. Coragem, porque vocês quiseram compartilhá-los com todos nós, embora façam parte da sua vida pessoal; sinceridade, porque vocês se mostram assim como são e abrem o coração no desejo de serem entendidos.

Há algumas coisas de que eu gostei particularmente e que gostaria de retomar de alguma forma, para torná-las ainda mais minhas e deixar que elas se depositem no meu coração. Em primeiro lugar, senti um grande senso de esperança. A vida nem sempre foi indulgente com vocês, pelo contrário, muitas vezes lhes mostrou um rosto cruel. A marginalização, o sofrimento da doença e da solidão, a falta de muitos meios necessários não lhes impediu de olhar com olhos cheios de gratidão para as pequenas coisas que lhes permitiram resistir.

Resistir. Essa é a segunda impressão que eu recebi e que deriva precisamente da esperança. O que significa resistir? Ter a força para seguir em frente apesar de tudo, ir contra a corrente. Resistir não é uma ação passiva, pelo contrário, requer a coragem de trilhar um novo caminho sabendo que dará frutos. Resistir significa encontrar motivos para não se render diante das dificuldades, sabendo que não as vivemos sozinhos, mas juntos, e que somente juntos podemos superá-las. Resistir a toda tentação de desistir e de cair na solidão ou na tristeza. Resistir, agarrando-se à pequena ou pouca riqueza que possamos ter.

Penso na jovem do Afeganistão, com a sua frase lapidar: “O meu corpo está aqui, a minha alma está lá”. Resistir com a memória, hoje. Penso na mãe romena que falou no fim: dores, esperança, e não se vê a saída, mas a esperança forte nos filhos que a acompanham e que lhe devolvem a ternura que receberam dela.

Peçamos ao Senhor que nos ajude sempre a encontrar a serenidade e a alegria. Aqui, na PorciúnculaSão Francisco nos ensina a alegria que vem de olhar para quem está perto de nós como um companheiro de viagem, que nos entende e nos sustenta, assim como nós somos para ele ou para ela. Que este encontro abra o coração de todos nós para nos colocarmos à disposição uns dos outros; abrir o coração para tornar a nossa fraqueza uma força que ajude a continuar o caminho da vida, para transformar a nossa pobreza em riqueza a ser compartilhada e, assim, melhorar o mundo.

Dia dos Pobres: obrigado aos pobres que abrem o coração para nos dar a sua riqueza e curar o nosso coração ferido. Obrigado por essa coragem. Obrigado, Étienne, por ter sido dócil à inspiração do Espírito Santo. Obrigado por esses anos de trabalho; e também pela “teimosia” de trazer o papa a Assis! Obrigado! Obrigado, eminência, pelo seu apoio, pela sua ajuda a este movimento da Igreja – dizemos “movimento” porque se movem – e pelo seu testemunho. E obrigado a todos. Trago-os no meu coração. E, por favor, não se esqueçam de rezar por mim, porque eu tenho minhas pobrezas, e muitas! Obrigado.

27
Out21

Áudio de banqueiro mostra verdade sobre ‘independência’ do BC

Talis Andrade

 

paulo guedes sugando o brasil.png

 

 

por Fernando Brito

Arrogância e cinismo são a marca da conversa, vazada em áudio, de André Esteves, do no do Banco BTG Pactual, com executivos de finança na semana passada e publicada pelo Poder360.

Põe-se na posição – nada irreal – de oráculo das autoridades públicas, que o consultam para saber o que fazer.

Diz que o presidente do Banco Central (‘independente’), Roberto Campos Neto, vai perguntar-lhe sobre a menor taxa de juros possível (lowerbound), que o presidente da Câmara, Arthur Lira (na prática o condutor da política fiscal) quer saber dele “o que se faz” agora e que Paulo Guedes, apesar de tudo, está fazendo bem os cortes das despesas públicas.

E mais ainda: que não será um problema se Lula for eleito e, por conta da “independência” do BC, Campos Neto permanecer lá por mais dois anos ,“o que será ótimo para o Brasil”.

Ao longo de uma hora, nenhum sinal de pânico com a desgraça econômica do país, com a fome grassando, com queda do poder de compra da população.

Claro, para executar uma política diversa e até oposta àquela que tiver sido legitimada nas urnas, esta bobagem diante da “democracia do capital”.

É óbvio que governantes devem conversar com agentes econômicos como são os dirigentes de bancos, mas não só com eles e muito menos aos cochichos e pedindo “orientação”.

Mas, neste governo, não há diálogo com ninguém mais e até mesmo grupos “queridinhos” do presidente da República, como os caminhoneiros, dizem que só recebem “conversa fiada”.

25
Out21

Na pandemia, uma expressiva parcela da população passou a comprar carne vermelha sem procedência e recheada de riscos

Talis Andrade

Costela - Picanha

 

Escrita em 2002 por Seu Jorge e Marcelo Yuka, A Carne faz poderosa crítica ao racismo no país. Imortalizada na voz de Elza Soares, a canção fala de desrespeito e violência no cotidiano de pretos e pobres – estrato social que predominantemente consome a “carne mais barata do mercado”.

No prato do brasileiro, a carne mais barata do mercado pode ser podre, contaminada, e causar pelo menos 21 tipos de doenças, algumas que levam à morte.

Entre 2017 e 2021, o Ministério da Saúde notificou 74 surtos de doenças em que a carne foi apontada como causadora, o que resultou em 1.944 doentes pela ingestão do alimento contaminado. Leia reportagem de Saulo Araújo aqui

23
Out21

1% de “comunismo”, Jair?

Talis Andrade

comunismo socialista.jpg

 

 

por Fernando Brito

Nosso país, diz o presidente da República, estava a um passo do “comunismo”..

A crer nos dados que publica a Folha hoje, com levantamento do conservadoríssimo Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa -, um comunismo muito interessante, onde a renda dos 70% mais pobres – e pobre no Brasil não é força de expressão – cresceu mero 1% a mais que a média nacional, entre 2003 e 2017, enquanto a dos 30 por cento mais ricos – e rico aqui é rico mesmo – continuou aumentando, mas apenas ficando 0,5% abaixo da média do incremento dos ganhos dos brasileiros em geral.

Os resultados do novo trabalho [um estudo dos pesquisadores Ricardo Paes de Barros, Samir Cury, Samuel Franco e Laura Muller Machado] indicam que todas as fatias da população adulta brasileira —dividida em cem partes iguais, os chamados centésimos da distribuição— situadas abaixo dos 29% mais ricos tiveram crescimento em suas rendas anuais acima da média nacional de 3%, no período analisado.
Já as parcelas da população distribuídas acima desse corte aferiram crescimento médio anual de suas rendas entre 2,4% e 2,9%, inferior, portanto, à média do país. A exceção foram duas fatias próximas ao topo da pirâmide da riqueza do país.

E isso, esclarece a reportagem da Folha, foi a média do período, porque de 2015 para a frente, nem este pífio crescimento a renda dos pobres teve.

O resultado, considerado mais preciso do que anteriores, que usavam como base dados tributários, foi obtido a partir de dados das pesquisas de orçamentos familiares do IBGE.

Mesmo assim, considerando o Brasil desigual que sempre fomos, é um pequeníssimo avanço na distribuição de renda e, também, um tremendo libelo contra as nossas injustiças, sobretudo aquela que faz a elite mesquinha deste país achar que comer, morar, vestir e estudar são um luxo desnecessário para os pobres.

E que isso é “comunismo”, quando nem sequer dignidade chega a ser, mas simples esperança dela.

comunismo.jpg

comunismo.jpg

 

 

Aí, quando a miséria grita e a fome explode na catação de lixo, ninguém lembra que, embora auxílios e bolsas sejam justos e necessários, o que faz um país progredir e distribuir renda para valer é desenvolvimento, emprego e renda e não um teto que desmorona sobre a população.

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23
Out21

Preços de pescoço e pé de frango disparam com alta procura

Talis Andrade

comer fuzil.jpeg

 

 

por G1

O aumento da procura por alternativas mais baratas de carne também acabou cobrando um preço.

Na cestinha, o esforço é para levar mais por menos. O preço da carne bovina subiu quase 25% nos últimos 12 meses; da carne de frango, 29%. Carcaça, pé, pescoço de frango. Cortes considerados "de terceira" viraram a "primeira" opção para muita gente.

 

Um produto que a gente não tinha, que foi solicitação dos clientes mesmo, é pé de frango, pescoço de frango”, diz Josiane Pierobom, dona de açougue.

 

O aumento do consumo mexeu com os preços. E as opções mais simples, que vinham servindo de alívio para o bolso, agora estão ficando mais caras e preocupam quem já estava precisando se virar para levar carne para casa.

“Em comparação com janeiro, começo do ano até agora, o pé de frango, por exemplo, subiu em média uns 20%”, afirma Josiane.

E no supermercado, pé de frango, que há três meses estava R$ 4,90, agora beira R$ 8 o quilo; o pescoço, quase R$ 9.

 

A partir do momento que o poder aquisitivo caiu, e a capacidade de comprar aquele produto de primeira, a carne de primeira, vem diminuindo, está tendo uma busca em cima de produtos mais baratos. O pessoal primeiro migrou para carne de segunda, as carnes continuaram subindo no mercado, agora migrou para carne de terceira. É aquela lei de mercado. Simplesmente se um produto tem mais procura acaba até esse produto que já seria final de linha do consumo, ele começa a esboçar um certo aumento”, explica Paulo Rossi Junior, coordenador do Centro de Informação do Agronegócio – UFPR.

 

 

Em vários estados, o Procon passou a recomendar que açougues e supermercados doem ossos de boi ou carcaças de frango e de peixe, que também têm sido muito procuradas.

 

Não há nenhum impedimento em relação à venda do produto, mas para a população carente que procura esse tipo de produto para minimamente complementar a sua alimentação de alguma forma, nós entendemos que - tendo em vista a sua vulnerabilidade - que haja a doação e não a venda”, explica Claudia Silvano, chefe do Procon/PR.

 

 

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21
Out21

A invenção do “Bolsonaro paz e amor” é uma zombaria

Talis Andrade

lagrimas bolsonaro.jpeg

 

 

por Juan Arias

Só um cínico acredita que a confissão feita dias atrás pelo presidente Bolsonaro, de que “chora sozinho no banheiro” para que sua mulher não o veja, pode enganar os ingênuos, como se de repente o machista e homofóbico tivesse se transformado no personagem “paz e amor” da direita fascista.

Às vésperas de a CPI da Covid acusar o capitão reformado de uma dezena de crimes graves, o bolsonarismo tenta retirar de Lula a capa de político “paz e amor” para cobrir com ela o psicopata Bolsonaro, cuja essência é a violência, o ódio, a morte e a mentira. É algo que parece grotesco e se revela uma tentativa de amansar a fera para que não perca as próximas eleições.

É algo que interessa não apenas ao mundo do dinheiro, que ainda continua acreditando ingenuamente na vocação liberal conservadora do capitão, que acaba de anunciar que pensa em privatizar a Petrobras. Trata-se, na verdade, de um disfarce para atrair o capitalismo raiz. O Bolsonaro real, com seu histórico de 30 anos de obscuro deputado do baixo clero, é o que só aparecia em cena para exalar suas grosserias de cunho sexista ou de instintos de morte e violência ou suas obsessões de defesa e fascinação pela tortura e as ditaduras.

Bolsonaro é tudo menos o cordeirinho paz e amor, já que evoca, mais propriamente, a dura passagem evangélica do lobo disfarçado com pele de ovelha. Acredito, por isso, na ingenuidade das formações políticas que estão usando Bolsonaro e seu poder para tirar dele o maior proveito possível e evitar a volta de Lula. A nova tática de rebatizá-lo com a nova versão do político paz e amor para que não perca as eleições e, ao mesmo tempo, desarmá-lo de seus instintos golpistas.

O que esses políticos querem é um Bolsonaro domesticado, de quem possam usar e abusar em seus projetos de permanência no poder. Só assim se explica que o Congresso tenha se negado a analisar os 120 pedidos de impeachment que dormem sonhos tranquilos.

As forças mais conservadoras das instituições, por mais estranho que possa parecer, preferem, contra 70% dos brasileiros, o Bolsonaro fascista e incapaz de governar a uma solução democrática e moderna, capaz de colocar o Brasil no lugar que lhe pertence no mundo e que o bolsonarismo desbaratou.

O sonho de que Bolsonaro tenha de repente se convertido aos valores da democracia – porque há mais de um mês que não ameaça com um golpe de Estado, porque já não ameaça fechar o Supremo e prender os magistrados, ou, ainda, fechar os meios de comunicação, significando que ele tenha tido uma revelação divina que o fez cair do cavalo, como Paulo a caminho de Damasco – é de uma ingenuidade que beira imbecilidade.

Hoje, nem os mais pobres, e menos ainda a nova massa de famintos, são capazes de acreditar no Bolsonaro convertido à paz e à concórdia, e que tenha dominado de repente seus instintos violentos e destruidores. Assim revelou profeticamente uma mulher simples do campo que, dia 12 passado, festa de Nossa Senhora da Aparecida, ao ver o presidente entrar no Santuário da Virgem para participar da cerimônia litúrgica, lançou um grito espontâneo: “Não, você aqui, não”.

Aquele santuário era um lugar de paz e amor, onde a diminuta estátua de Maria, negra, na qual milhões de pobres e marginalizados depositam suas esperanças, revela, como bem disse o arcebispo, que “o Brasil amado não é o Brasil armado”.

Talvez a mulher que considerava um sacrilégio ver entrar naquele lugar de paz e de encontro o político que encarna os piores instintos de morte fosse uma das 600 mil famílias que tiveram de sofrer a perda de um familiarna pandemia, da qual zombou o presidente, e cuja dor pelas vítimas nunca arrancaria dele uma lágrima de compaixão e dor. Por que chorará agora escondido no banheiro? Até agora ele se apressou em dizer, para não decepcionar seus seguidores mais aguerridos, que não tentou deixar de ser um machão. Apenas também sabe chorar, ainda que sejam lágrimas de crocodilo.

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Quem então se interessa em espalhar a ideia de que o amigo e admirador de torturadores e golpistas esteja se transformando no novo pacificador do país?

Tudo por medo de que seja eleito alguém que acredita de verdade nos valores da democracia?

De qualquer modo, ter começado a lançar a ideia da repentina conversão de Bolsonaro, que teria trocado suas ameaças golpistas pelas lágrimas de arrependimento, mesmo que sejam no segredo do banheiro, parece mais um teatro do absurdo ou uma fantasia carnavalesca. A realidade, nua e crua, é que a cruel psicologia de morte e de ausência de compaixão e empatia diante da dor alheia o capitão frustrado levará consigo ao túmulo.

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