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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

25
Nov23

Falta de imparcialidade e violação de direitos minaram 'lava jato'

Talis Andrade
 

Sérgio Rodas entrevista Simone Schreiber 

Para a desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) Simone Schreiber, relatora dos casos da “lava jato” na Corte, essa mudança de rumos reflete o perfil dos juízes que atuaram no processo de início, como Sergio Moro, ex-titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, e Marcelo Bretas, que está afastado da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro por decisão do Conselho Nacional de Justiça — mais alinhados às visões do Ministério Público.

“Foi uma onda que argumentava que havia uma situação excepcional de corrupção endêmica, que exigia soluções criativas e excepcionais, muitas vezes atropelando o devido processo legal”, aponta a magistrada, que é professora de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).

É claro que o sistema penal deve alcançar a elite politico-econômica, e não só os pobres, ressalta Simone. “Mas o modelo da ‘lava jato’ não funcionou”, devido às violações de direitos de acusados e à falta de imparcialidade de julgadores, avalia. Segundo ela, o caso pode servir como aprendizado para o país.

A desembargadora é autora do livro A publicidade opressiva de julgamentos criminais, resultado de sua tese de doutorado, defendida em 2008 sob orientação do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. Na obra, ela explica que a publicidade opressiva se caracteriza quando o noticiário sobre um processo fica tão ostensivo que a situação dos réus ou investigados fica prejudicada, especialmente em casos que vão a júri. A campanha midiática torna-se tão agressiva que é impossível ter um julgamento imparcial.

Na “lava jato”, procuradores da República e juízes, como Moro, usaram a imprensa para gerar publicidade opressiva contra os acusados. A estratégia deu certo, de acordo com a desembargadora, porque jornalistas não tinham tempo de analisar criticamente as informações que lhes eram repassadas por agentes públicos. Nem interesse, porque a notícia bombástica é o que mais tem peso no meio jornalístico, opina.

Simone considera positiva a regra de alternância de gênero no preenchimento de vagas para os tribunais de segunda instância, recentemente aprovada pelo CNJ — embora preveja resistência à sua implementação. Contudo, ela ressalta ser preciso também estabelecer medidas para diminuir a desigualdade racial. “O Judiciário brasileiro é totalmente branco, com raríssimas exceções”.

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, Simone Schreiber ainda destacou que juízes devem atuar a partir da lógica do desencarceramento e disse que o juiz das garantias deve melhorar a qualidade do processo penal. (continua)

02
Fev21

Wadih Damous comenta diálogos da Operação Spoofing

Talis Andrade

lava jato dallagnol voz grossa de moro.jpg

 

 

por Denise Assis /Jornalistas pela Democracia

- - -

29 JUL 16

19:17:55 Caros, olhando aqui entrevistas

9:16:00 Deltan 343915.docx

19:17:55 Caros, olhando aqui entrevistas antigas, para aproveitar coisas, percebi que a maior parte das críticas já respondemoos (sic) “n” vezes… Para consubstanciar tudo de um modo acessível à população, e ter um histórico do caso conforme evoluiu, estou pedindo para a ASCOM pegar todas as entrevistas e artigos de todos, em ordem cronológica, pedir autorização para os jornais, e publicaremos, inclusive online, pelo MPF, como um histórico da LJ

19:18:34 É mais uma linha para a estratégia de comunicação… vendo os textos passados, acho que ficará super bacana

19:19:06 O material que o moro nos contou é ótimo. Se for verdade, é a pá de cal no 9 e o Márcio merece uma medalha.

O trecho destacado da fala do procurador Deltan Dallagnol, de uma das conversas contidas no material da Operação Spoofing, entregue pela Polícia Federal à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não deixa dúvidas. Havia comemorações e uma enorme torcida pela prisão do ex-presidente e toda uma confabulação para tornar isto possível, à revelia de provas que pudessem levar a um julgamento justo.

Depois de ler todo o material disponibilizado por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowiski – que chegou a classificar de sigiloso o conteúdo, pelo teor das conversas entre procuradores –, o ex-deputado (PT) e ex-presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, quedou-se enojado e escandalizado. Em seguida, foi para o computador externar o que sentia, diante de tantas barbaridades jurídicas e ataques à dignidade humana. Escreveu um texto que reproduzo abaixo. Instado a falar sobre o assunto, destacou pontos que deixam patentes a dedicação da equipe em combinar a condenação de Lula. Um deles, o que falam especificamente sobre o tema.

3 JUL 17

17:10:32 Deltan Caros, acordo do OAS, é um ponto pensar no timing do acordo com o Léo Pinheiro. Não pode parecer um prêmio pela condenação do Lula

 “Este é o mais aterrador”, classificou. “Mostra a combinação entre uma parte e o juiz”.

A tese geral, em sua opinião, é a de que procuradores e juiz se juntaram para montar o processo. “Montar a condenação”. Por exemplo, o trecho em que eles comentam que o Bumlai (José Carlos da Costa Marques Bumlai, engenheiro, empresário e pecuarista brasileiro preso e condenado pela Operação Lava Jato), precisa implicar Lula em sua delação.

Outro diálogo que mereceu destaque de Damous foi o que tecem comentários a respeito do estado de conservação do avião que transportava Lula para a prisão, em Curitiba, (sem levar em” conta, inclusive, o risco dos policiais que o conduziam na viagem). “Debochando”, revolta-se o advogado.

“O ministério Público também tem que ter isenção”, pontua. Tudo o que esses procuradores demonstram é falta de isenção. Não é só o Sergio Moro que demonstra isto. Eles também”, esclarece. “Eles demonstram um profundo desapreço pelo Lula. Eles odeiam o Lula, odeiam. Todos eles, sem exceção. Não escondem o desapreço por ele. Tratam ele como “nine”, pela ausência de um dedo, amputado num acidente de trabalho, e o chamam de “cachaceiro”. Não é só o Moro. Eles não podiam estar conduzindo uma investigação”.

Damous lembra que o chefe de fato da operação era o Sergio Moro, mas para o advogado, os diálogos demonstram uma profunda promiscuidade entre juiz e procuradores. (Leia, a seguir, o texto publicado por Wadih Damous em sua página do Facebook).

NO MEIO DO CAMINHO TINHA UM HACKER. TINHA UM HACKER NO MEIO DO CAMINHO

Os diálogos produzidos por Moro, Dallagnol e os procuradores de Curitiba apreendidos pela Operação Spoofing com os hackers mostram que a turma da Lava Jato participou de uma monstruosa e criminosa conspiração contra o Estado Democrático de Direito.

O grau de promiscuidade entre os acusadores e o juiz é algo aterrador. Faziam todos um jogo combinado.

Está provado que Sérgio Moro era o verdadeiro chefe da operação. Não há mais dúvida de que contra Lula o processo foi meticulosamente montado para condená-lo.

E os diálogos revelam um cenário de vale tudo: o mais completo desrespeito seja ao Direito seja ao vernáculo e às próprias funções que esses agentes públicos desempenhavam; a mais deslavada vulgaridade; o total desapreço por princípios ético-morais os mais básicos.

Mas o que chama a atenção também é o absoluto sentimento de impunidade e de invulnerabilidade que eles carregavam.

Vejam esse trecho:

21:05:53 Orlando SP Estou preocupado com moro! Com a fundamentação da decisão. Vai sobrar representação para ele.

21:06:48 Vai sim. E contra nós. Sabíamos disso.

21:09:14 Orlando SP Ele justificou em precedentes stf a abertura dos áudios?

21:09:25 Laura Tessler Acho que não…já chagaram ao limite da bizarrice a população está do nosso lado…qualquer tentativa de intimidação irá se voltar contra eles

21:18:01 Coragem… Rsrsrs

De fato eles eram superpoderosos. Tinham apoio nas ruas. Respeitar regras jurídicas e a lei era encarado como “filigrana”.

Naquela época estavam deslumbrados pensando num futuro radiante que lhes esperava: quem sabe um triplex em Miami; passeios de bateau mouche; ganhar muito dinheiro com palestras e compliance; ensinar ao mundo, enfim, como se combate a corrupção (ainda que praticando corrupção).

Só que, no meio do caminho tinha um hacker. Tinha um hacker no meio do caminho.

Parece que aquele horizonte tão radiante ficou obscuro. O que se vê à frente é desonra, vergonha e banco dos réus.

Não esqueceremos.

 

06
Dez20

Novo emprego de Moro reforça acusações de parcialidade, diz Zanin

Talis Andrade

zanin.jpg

 

Para advogado de Lula, ex-juiz não passaria no teste de idoneidade da própria Lava Jato

O novo emprego de Sergio Moro na consultoria Alvarez & Marsal reforça as acusações de parcialidade do ex-juiz, afirma Cristiano Zanin Martins, advogado do ex-presidente Lula nos processos da Lava Jato.

Moro, afirma Zanin Martins, não passaria no teste de idoneidade da própria Lava Jato. “Ele está em um momento de fazer caixa. O grande ativo que ele acumulou são as informações que obteve como agente público”, declara o advogado na entrevista a seguir.

 

CartaCapital: O senhor se surpreendeu com o novo emprego do ex-juiz Sérgio Moro?

Cristiano Zanin Martins: Moro diz agora que uma cláusula do contrato impediria um conflito de interesse, asseguraria toda a legitimidade da sua escolha. É um absurdo. E contradiz o histórico dele como juiz. Ele negou a validade de documentos apresentados por vários acusados. No caso do presidente Lula, contratos da OAS com a Caixa Econômica Federal que mostravam que o tríplex estava vinculado a um empréstimo do banco, e que, portanto, 100% do valor havia sido transferido à Caixa. Apresentamos documentos da própria Alvarez & Marsal que atestavam a propriedade da OAS do imóvel. Ele rejeitou essa prova. E agora quer se defender com base em uma suposta cláusula de contrato sequer apresentada.

 

CC: Uma contradição.

CZM: Além disso, como fica a tese criada por ele na Lava Jato sobre a existência de um caixa geral que alimentava a corrupção? A Alvarez & Marsal não tem um caixa geral pelo qual passam os honorários da OAS, da Odebrecht, da Avianca, e de onde sairá seus vencimentos? Essa é a tese que condenou diversos réus, inclusive o presidente Lula. É uma teoria que não passa pelo teste da Lava Jato. E agora tenta se proteger com essa suposta cláusula, ao passo que negou durante toda a Lava Jato o valor de documentos claros que mostravam a improcedência das acusações contra o presidente Lula. No caso da Odebrecht, até hoje não foram fixados os valores finais que a A&M receberá por ser a administradora judicial. Isso está em aberto. Em que medida a ida do Moro para a A&M vai se refletir na definição desses valores e a própria disposição da Odebrecht em pagar?

 

CC: A contratação deve ser investigada?

CZM: Acho difícil uma iniciativa nessa linha. O grande ativo do Moro, na verdade, são as informações que ele conseguiu como agente público em todas essas investigações. Não só para ele vender as informações ao mercado, como é o caso, mas também porque existe certa cautela entre os próprios agentes do sistema de justiça em tomar uma medida como essa em relação a ele, embora sua justificativa seja estapafúrdia. Ele está em um momento de fazer caixa. Não sei se ele vai se animar com essa vida na iniciativa privada, se tem pretensões políticas. Mas uma possibilidade não exclui a outra.

 

CC: A defesa está perto de provar a inocência de Lula?

CZM: É sempre importante lembrar que, em todos os casos onde Lula foi acusado na onda da Lava Jato de Curitiba, em todos os processos julgados não por Moro, mas por outros juízes, ele foi absolvido ou as acusações foram sumariamente rejeitadas. Como é o caso da ação que ficou conhecida como “quadrilhão do PT”. A ação tem relação com o PowerPoint do Deltan Dallagnol. Esse argumento central, de que havia uma organização criminosa no governo liderada pelo ex-presidente Lula, foi derrubada. Por uma sentença proferida pela Justiça Federal de Brasília da qual o Ministério Público sequer recorreu. Portanto, ela é uma decisão definitiva, transitada em julgado. Tudo isso que ficou da Lava Jato, com a premissa de que Lula teria participado de um esquema criminoso, está superado juridicamente e factualmente por essa decisão.

 

CC: Recentemente, o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu a ação que envolve o terreno do Instituto Lula. Ela deve prescrever?

CZM: Não há nenhuma indicação concreta de que haja risco de prescrição. Essa afirmação foi produzida pela Lava Jato de Curitiba para pressionar o Supremo a restabelecer o andamento da ação. Há, mais uma vez, um uso retórico da Lava Jato para tentar passar por cima de uma decisão do Supremo e das graves ocorrências que apontamos. Em especial, a sonegação de documentos que pleiteamos desde 2017. Se a ação está parada, a culpa é exclusivamente da Lava Jato. Mesmo assim, eles insistem em não cumprir a decisão.

 

CC: E em relação ao habeas corpus que pede a suspeição de Moro, parado no STF? O novo emprego pode ter algum impacto no processo?

CZM: O julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro deveria ter acontecido há muito tempo. Apresentamos o pedido ao Supremo Tribunal Federal em novembro de 2018, o julgamento começou em dezembro daquele ano. Nesse meio-tempo, surgiram vários fatos novos que escancararam a suspeição. Chegamos a pedir formalmente, duas vezes, que o habeas corpus fosse determinado em julgamento. O presidente Lula é maior de 60 anos. Esse caso, por natureza, tem prioridade sobre qualquer outro recurso e ação tramitando no Supremo. O julgamento foi iniciado, o processo está mais do que maduro. Todos esses eventos acabam indicando que as prioridades legais e regimentais estão sendo deixadas de lado.

 

CC: E quais as expectativas pessoais do ex-presidente?

CZM: Não posso comentar a perspectiva política. Mas, do ponto de vista jurídico, nós mantivemos ao longo de anos a mais absoluta coerência nos nossos argumentos. E agora eles estão todos escancarados. Nós mostrávamos que as acusações eram frívolas e sem materialidade, que havia uma operação informal e ilegal da Lava Jato com autoridades estrangeiras, sobretudo dos EUA, para prejudicar o presidente Lula, e isso também está provado. A própria “Vaza Jato” acabou por mostrar essa verdade, essa aliança espúria entre procuradores e juízes para prejudicar o presidente Lula, inclusive com objetivos políticos e ilegítimos. Tudo isso foi confirmado ao longo do tempo. Esperamos que a situação acabe repercutindo também nos processos, para que sejam anulados os processos da Lava Jato que condenaram o presidente, e que eles possam ser julgados por um juiz imparcial.

 

CC: Sem Moro e sem Dallagnol, a Lava Jato parece estar com os dias contados. Qual o legado da operação?

CZM: A operação deixa um legado totalmente negativo. É um legado de descumprimento absoluto da Constituição, das leis, de negação do devido processo legal. E que produziu muitos resultados nefastos na política, na economia e no campo jurídico. O Brasil precisa recuperar o trilho do Estado de Direito, que foi desviado pela Lava Jato. O combate à corrupção deve ser feito, mas todo o combate feito fora da lei acaba provocando mais corrupção. Inclusive a corrupção jurídica. É necessário repensar e reajustar os instrumentos de combate à corrupção, para que tudo seja feito dentro da dei.

 

CC: Agora o senhor enfrenta como pessoa física a ofensiva da Lava Jato. Dessa vez, no Rio de Janeiro. Como lida com isso?

CZM: A acusação tem uma espinha dorsal totalmente inverídica do ponto de vista jurídico e também da própria relação (do escritório Teixeira Zanin Martins com a Fecomercio). É algo construído, evidentemente, para tentar intimidar e assediar. E para devassar. Em 2016, a Lava Jato devassou por 23 dias o sistema de telefonia do nosso escritório. O que eles quiseram agora foi devassar o nosso escritório fisicamente e também a minha casa. Tanto é que, a pretexto dessas falsas acusações, eles entraram no escritório buscando material do caso do presidente Lula, e levaram material do caso, inclusive a prova da interceptação ilegal que o Moro fez no nosso escritório em 2016.

26
Nov20

Santíssima trindade de Curitiba: juiz, acusador, delegado: um só corpo

Talis Andrade

Varallo (VC) : Bassorilievo con figura tricefala da Invorio e Chiesa di  Santa Maria delle Grazie - Archeocarta

por Lenio Luis Streck

- - -

1. De vazamentos em vazamentos, tem-se a nudez!
Poderia começar com duas notícias: a uma, vazamentos inéditos revelam: Dallagnol recebeu, a portas fechadas, procuradores do Departamento de Justiça e agentes do FBI. Negociou como driblar o STF (ver aqui); a duas, Lewandowski cobra "lava jato" sobre ostensivo descumprimento de ordens do STF e manda investigar relação do MPF com agentes estrangeiros (aqui).

Palavras são fatos, dizia Wittgenstein: o mundo é a totalidade dos fatos. E como diz Michael Stolleis, no conto de Hans C. Andersen, As Novas Roupas do Imperador: quando o menino diz "mas ele está nu", nesse exato momento muda-se a percepção. Por quê? Porque o menino "faz" o imperador nu, provoca a quebra de sua autoridade; as reações dos cortesãos e da malta que o rodeiam demonstram isso. São como atos de fala, como diz John Austin. É possível fazer e desfazer coisas com palavras. Falando, agimos. Agimos falando. Somos seres dena, pela linguagem; parafraseando Borges, a linguagem, esta que, ao lado do tempo, é a substância de que somos feitos.

 

2. A pesquisa sobre a seletividade e a velocidade de Moro e Ministério Público
É desse modo que leio a esplêndida matéria jornalística do repórter especial da Folha de São Paulo, Ricardo Balthazar, quem presta um relevante serviço ao país, ao se debruçar sobre livros e artigos que pesquisaram a Operação "lava jato" e seus protagonistas. A reportagem integral pode ser lida aqui.

Acentua Balthazar que esses estudos publicados no Brasil e nos EUA submetem o legado da operação "lava jato" a exame crítico. As pesquisas sugerem que a opção por métodos controversos minou a legitimidade de suas ações e inviabilizou reformas que poderiam ter efeitos mais duradouros para o enfrentamento da corrupção no país do que os processos criminais.

Começou a reavaliação profunda do legado da "lava jato" submetendo a olhar crítico as estratégias que deram impulso às investigações e suas consequências. O imperador Moro está nu. O vice, Deltan, também foi visto pelo menino do conto.

Como diz Balthazar, ações voluntaristas que contornaram as regras do sistema de justiça criminal para atingir seus objetivos e assim minaram sua legitimidade. O voluntarismo e a falta de isenção desnudaram a "realeza". E o que fazer agora que sabemos, pois?!

Há ótimos trabalhos citados na matéria. A começar pela dissertação de mestrado, transformada em livro ("Lava Jato: Aprendizado Institucional e Ação Estratégica na Justiça") da juíza Fabiana Alves Rodrigues, onde constata — e que bom — aquilo que se sabia: Sérgio Moro não foi isento na condução da operação. Precisamos, mesmo, de pesquisas que digam o óbvio. E não é ironia: é um elogio absoluto e sincero à pesquisa da juíza Fabiana. Desvelar as obviedades do óbvio é a tarefa de todo indivíduo inteligente, particularmente nestes tempos "bicudos". Que bom seria se a Academia dissesse... o óbvio.

A excelente pesquisa mostra que Moro imprimiu diversas velocidades aos processos. Seletivamente. E diz que houve uma estratégia deliberada para fazer as investigações avançarem na direção almejada pelos procuradores, em que o papel de Moro como juiz se confundiu com o do Ministério Público.

A pesquisa atesta aquilo que está nos diálogos do Intercept: houve uma conjuminação entre MP e juiz. E que Moro era uma espécie de chefe da Força Tarefa do MP. De todo modo, praticavam aquilo que é vedado: o uso estratégico do Direito. Direito não como condição de possibilidade, mas como instrumento. Da acusação.

Não sou eu quem diz. É a pesquisa. Moro e o MP escolheram processos. A dedo. Para ir mais rápido. Ou para ficarem mais lentos. Neste ponto, embora a pesquisadora não tenha encontrado um padrão para essa discrepância de velocidade, é importante ressaltar um ponto: houve processos contra grandes empresas como Petrobras para pressionar e fazer acordos — delações. Estes processos tinham asas.

Como sabemos, e isso também está no livro, muita gente se beneficiou desse tipo de procedimento de Moro. Penas leves, bons acordos e ainda por cima ficaram com bom patrimônio (por falar nos acordos, que tal esse acordo com o doleiro Messer? Ele confessa por escrito, o juiz não acredita e o absolve).

Talvez aí esteja a perfeita origem da palavra “colaboração premiada” — no caso, premiadíssima. A pesquisa diz ainda que Moro criou "um clima propício" (sic) para as delações.

Um dado chama a atenção: dos 80 presos nos primeiros quatro anos, 46 delataram. Veja-se que os que não delataram e bancaram o jogo, a maioria conseguiu sair da prisão em pouco tempo e foram acusados de menos crimes que inicialmente o MP apresentou (para "forçar" as colaborações).

 

3. Moro foi três em um: juiz, procurador e delegado!
A pesquisa também demonstra que parcerias como a de Moro com o Ministério Público são preocupantes porque esse alinhamento desequilibra o sistema de justiça criminal e abre caminho para abusos:

"A ausência de controles efetivos [sobre os atores do sistema] amplia as margens de atuação voluntarista, o que abre portas para a seletividade movida por fatores não submetidos a escrutínio público."

A juíza aponta, ainda, um evidente paradoxo:

"O controle criminal que ultrapassa barreiras da legalidade, além de fragilizar a democracia pela ruptura do Estado de Direito, também pode ser qualificado como uma atuação corrupta, em especial se proporcionar benefícios pessoais ou institucionais a quem o promove."

Moro foi juiz, Procurador e chefe da Polícia, um inusitado três em um jurídico. A Santíssima Trindade do lavajatismo. Outra revelação — descritiva — do livro é a constatação de que os tribunais superiores foram "emparedados", fruto da velocidade e, acrescento, do uso da mídia. Democracia sadia, não? Freios e contrapesos vira Judiciário contra Judiciário. E de baixo para cima.

 

4. O uso estratégico da imprensa
Outro professor, Fábio de Sá e Silva, do Departamento de Estudos Internacionais da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, aponta para uma direção idêntica: a lava jato e a força tarefa construíram uma estratégia de comunicação agressiva, ao elaborar um discurso político que aos poucos foi usado não só para justificar os métodos da Lava Jato, mas para ampliar os poderes das instituições à frente do caso.

 

5. A cruzada judicial: lawfare contra os adversários
Já a cientista política Nara Pavão, da Universidade Federal de Pernambuco, conclui que a "lava jato" deve ser entendida como uma cruzada judicial, não apenas como uma investigação de um grande caso de corrupção:

"Campanhas desse tipo podem contribuir para reduzir o cinismo do eleitor com a política e a tolerância com a corrupção, mas somente se projetarem uma imagem positiva de eficiência técnica e imparcialidade."

 

6. Como a "lava jato" desestabilizou o sistema político: a nova direita
Raquel Pimenta, pesquisadora da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, em artigo escrito a quatro mãos com a professora Susan Rose-Ackerman, da Universidade Yale, para uma coletânea de trabalhos acadêmicos sobre a "lava jato" publicada nos EUA neste ano, dizem que "A Lava Jato desestabilizou o sistema político, que não conseguiu se reinventar, e alimentou com sua retórica a ilusão de que seria possível prescindir dele para lidar com o problema".

 

7. A geopolítica da intervenção
Isso sem falar no excelente livro de Fernando Fernandes, A geopolítica da Intervenção — a verdadeira história da Lava Jato, em que denuncia o papel dos Estados Unidos e o desrespeito do juiz Moro das garantias dos réus e advogados. A intervenção aí tem dois sentidos: o de intervenção de potências estrangeiras e a relação promíscua da "lava jato" com agentes estrangeiros e a "intervenção" lawfariana de Moro no sistema de justiça brasileiro.

 

8. Agora que sabemos que sabemos, o que fazemos?
Pois é.

O que fazer agora que sabemos que sabemos? O imperador está nu. O juiz que virou procurador que virou chefe de Polícia que virou herói que virou ministro que virou advogado... está nu. E agora nós sabemos. Graças ao Intercept, e a Ricardo Balthazar, Fabiana Rodriguez, Fábio de Sá e Silva, Nara Pavão. Graças a quem soube fazer como o menino que, no conto de Andersen, não caiu na fraude coletiva.

Na verdade, todos já sabíamos. Os livros acima — e acrescento o Livro das Suspeições, organizado por mim e Marco Aurélio Carvalho (Grupo Prerrô) — produzem o efeito declaratório. Declaram aquilo que já sabíamos. De novo: e agora, o que vamos fazer se já sabemos de tudo?

Podemos fazer coisas com palavras. Aliás, fazemos coisas com palavras, queiramos ou não. A nós é dado respeitar esse sacramento de tão delicada administração, como dizia Ortega y Gasset, e agir com prudência. Com responsabilidade epistêmica e política e moral. Agir por princípio, portanto. Sobretudo no Direito.

Porque o Direito, senhoras e senhores, não é instrumento. Não é uma ferramenta a ser manipulada por aqueles que compõem sua prática. O lavajatismo atua como um soberano hobbesiano que põe o Direito — na linha da concepção de Austin (o jurista, não o da linguagem). Qual é o busílis? Austin já foi superado e, em uma democracia, não é o soberano quem faz as regras: são as regras que fazem o soberano.

Na democracia, como no xadrez, as regras são constitutivas do jogo. Mas há aí um elemento a mais: o Direito não é só um conjunto de regras. Dworkin ensinou também, entre outras coisas, que é uma questão de princípio. E seguir as regras do jogo é uma questão de princípio. Esse é o ponto.

Bem, agora sabemos. Talvez seja confortável negar. Quantos terão de admitir que estavam errados? É duro mudar de opinião. Mas, bem, se comecei a coluna com Wittgenstein, encerro com ele: o bom e velho Ludwig escreveu o Tractatus Logico-Philosophicus, disse ter resolvido os problemas da filosofia e se afastou dela. Depois, viu que estava errado, voltou à ativa e desdisse o que ele mesmo havia dito, escrevendo as Investigações Filosóficas. É um bom livro. Que ensina sobre contextos, sobre seguir regras, sobre o poder e a força e o alcance da linguagem.

E ensina que o solipsismo é loucura. Dói admitir. Mas é um passo necessário para uma democracia que se pretende uma democracia.

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