1) Quando Lula aponta armação no episódio envolvendo Sérgio Moro e o PCC, certamente está se referindo, como disse o ministro da Secom, Paulo Pimenta, às coincidências ocorridas e à cronologia dos acontecimentos. Como ser político por excelência, Lula sabe como poucos que nada acontece por acaso.
2) Antes de qualquer consideração, é preciso assinalar que o ex-juiz Sérgio Moro firmou-se como um dos maiores canalhas surgidos na esfera pública do país ao longo da história. Sua total falta de escrúpulos dispensa comentários.
3) Vivendo merecido ostracismo, Moro se arrastava pelos cantos no Senado, onde a maioria dos senadores sequer o cumprimentava. Aí Lula tem um trecho de uma entrevista sua ao Portal 247 descontextualizado pela extrema direita nas redes sociais. Em desabafo sobre o sofrimento na prisão, Lula disse que na cadeia pensava em “foder” Sérgio Moro. Leia-se fazer justiça e desmascará-lo.
4) A imprensa nativa providencia, então, um jeito de pegar carona na campanha caluniosa dos fascistas, abraçando a tese de que o presidente usa o cargo para se vingar de adversários políticos, no caso o ex-juiz declarado suspeito e corrupto.
5) No dia seguinte, a juíza Gabriela Hardt, morista de carteirinha e conhecida como “corte-cola” por ter condenado Lula no caso do sítio de Atibaia copiando a sentença de Moro no processo do triplex, resolve entrar em campo para dar uma força ao amigo e autoriza a operação da PF sobre a ameaça do PCC a autoridades. Detalhe importante: a investigação já durava meses e Moro tinha pleno conhecimento de seu andamento. No dia seguinte, retira o sigilo do processo e a vitimização do parceiro anda mais algumas casas.
6) Bastou para Moro voltar à ribalta. De herói da Lava Jato é alçado à condição de mártir pelas Organizações Globo. Eureca: enfim, o cavalo passava encilhado, afinal defender Moro e tentar isentá-lo de seus crimes significa a autodefesa da própria Globo, atolada até o pescoço na cumplicidade às atrocidades cometidas pela Lava Jato.
7) Viciado em mentira, Moro, durante suas sessões públicas de vitimização, diz que é perseguido pelo PCC porque transferiu seu chefe Marcola para um presídio federal. Mas o promotor do Gaeco, Lincoln Gakiya, antigo alvo das ameaças do PCC, o desmente. O promotor afirma que Moro tirou o corpo fora e o deixou sozinho e exposto no processo de transferência de Marcola. Gakiya garante ainda que atacar Moro está longe de ser prioridade do PCC.
8) Logo vem à tona, através de matéria publicada no Estadão, que ameaçar autoridades é uma velha estratégia do PCC, tanto que Alckmin, quando governava São Paulo e vários secretários seus também estiveram entre os alvos da organização criminosa.
9) A Polícia Federal comandada por Flávio Dino resolveu agir de forma preventiva e republicana. Não sei exatamente qual é o grau de independência da PF para deflagrar operações sem precisar da anuência do ministro da Justiça, chefe hierárquico da corporação. Contudo, lembro que José Eduardo Cardoso, ministro de Dilma, dizia não ter conhecimento prévio da maioria delas. Caso isso tenha mudado no governo Lula, Dino pode ter autorizado a desarticulação do suposto plano também para prevenir o governo de armações, pois qualquer escaramuça contra Moro seria de imediato associada à fala de Lula.
10) Por fim, a maior esquisitice de todas: por que uma organização criminosa forte e enraizada como o PCC, cujo principal negócio é a venda de drogas, optaria deliberadamente por fazer o cerco se fechar contra si depois de um atentado contra um senador da República?
Reinaldo: O que diz o promotor anti-PCC sobre padrão de atuação dos criminosos
Os jornalistas Luis Nassif e Marcelo Auler entrevistam o promotor de Justiça de São Paulo, Lincoln Gakiya. Gakiya é um dos principais investigadores do PCC no País. Ele atua em inquéritos envolvendo a facção há mais de 18 anos. Em 2018, o promotor foi responsável por solicitar a transferência de presos importantes do PCC para presídios federais, incluindo o líder Marcola - uma ação que tentou ser capitalizada politicamente pelo ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. Em março de 2023, a Polícia Federal deflagrou a Operação Sequaz, que desbaratou uma quadrilha ligada ao PCC que tinha Moro e o promotor Lincoln como possíveis alvos de sequestro.
Há muita gente surpreendida com o coice desfechado hoje por Jair Bolsonaro sobre Amanda Klein, na Jovem Pan, onde, ao ser perguntado sobre a origem da montanha de imóveis comprados por ele, seus filhos, ex-mulheres e irmãos, disse à jornalista que “o marido dela vota em mim”.
Não foi um deslize, é uma opção.
A incapacidade de reagir eleitoralmente entra as eleitoras (onde Lula vence, segundo o Ipec de ontem, por 45 a 27%), Bolsonaro acha que pode avançar entre os homens (onde a desvantagem e menos da metade, 7 pontos), servindo-se do machismo endógeno da sociedade.
Coisa de quem tem a mentalidade anacrônica, dos anos 50, mas que ainda gera algum efeito nos “machos de botequim”, categoria sociológica em que o atual presidente se enquadra.
Ele realmente acredita que o “macho” tem autoridade até sobre a opinião das mulheres, para ele um ser inferior que deve sujeitar-se ao homem.
Infelizmente, não é o único. Mas, mesmo os que são assim, não podem impedir que, na cabine de votação ao menos, a mulher exerça sua liberdade.
Apesar de firme, a resposta da jornalista foi polida, como deveria ser. Mas, na próxima, Bolsonaro arrisca-se a levar um “fora” muito pior e que o faça sair de rabo entre as pernas, como sói acontecer com “valentões”.
Se este sujeito não fosse o presidente da República, seria apenas um destes tipos desprezíveis. Mas sendo presidente, é um deles no poder
Um dos velhos sucessos do “rei” Roberto Carlos perguntava se “será que tudo que eu gosto e ilegal, é imoral ou engorda?”
Como Dody Sirena, que cuida dos contratos de Roberto Carlos, é o “empresário” do candidato Sérgio Moro – eu confesso que nunca vi “empresário de candidato” – é o máximo, não é? – diante da notícia de que um grupo de operadores financeiros negociou um pagamento de R$ 77 mil à empresa do ex-juiz para que ele expusesse, empetit comité,os seus projetos para o Brasil, cabe lembrar disso.
E ler a história, em detalhes, apurada peloThe Intercept.
Como Dody, como intermediário, embolsou R$ 33 mil pelo arranjo, certamente terá pronto um “e daí” sobre a mutreta.
Como não é oficialmente candidato, provavelmente não é ilegal que Moro receba esta “bufunfa” dos empresários. Mas é imoral e engorda a já adiposa “caixinha” do moralista, já lotada pelos R$ 3,5 milhões (se é que foi “só” isso) que recebeu da multinacional encarregada de administrar os cadáveres da Odebrecht e da OAS.
Moro não está à míngua, muito ao contrário. Recebe R$ 22 mil mensais do partido Podemos para representá-lo e a grana gringa é suficiente para bons investimentos. . Mas, como prova o TheIntercept,usa a plataforma de candidato para ganhos privados e secretos.
Se não fosse candidato em campanha, mas apenas um cidadão, poderia cobrar o que quisesse e achasse trouxas para pagar. Mas fazer isso como candidato uma completa falta de ética, que a grande mídia jamais perdoaria, por exemplo, a Lula, Ciro Gomes ou mesmo a Jair Bolsonaro, se quisermos descer ao poço mais profundo de falta de escrúpulos.
A gula do ex-juiz não conhece limites e certamente está ganhando muito não só neste, mas em outros “compromissos de campanha”.
por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira /Grupo Prerrogativas /O Estado de S. Paulo.
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Esse é um bem comum. Não se pode querê-la apenas para alguns e negá-la para outros
Todos a querem para si, mas poucos a reconhecem também como um direito do outro. Querem-na na exata medida de sua vontade, de suas pretensões, pouco se importando com a liberdade alheia. Poucos a entendem e uma mínima parcela a exerce com sabedoria e espírito coletivo.
Talvez nunca na História do Brasil se tenha falado tanto em liberdade como agora. Aliás, o que é grave, fala-se dela sem pudor e sem escrúpulos para pregar o seu extermínio. Reivindicam a liberdade para operar a sua extinção. E os seguidores do discurso oficial disseminador do ódio e da destruição das instituições não escondem a sua intenção. Agora mesmo se fala da necessidade de “se tomar a liberdade, pois ela não se ganha, se toma”. Pergunta-se: tomar de onde? Tomar de quem? Tomar para quem e para o quê?
Aí o sentido do verbo tomar é o de arrancar, subjugar, apoderar, capturar, dominar, por um ato de força. Essas condutas são exatamente a antítese da própria liberdade.
É de fácil percepção que não são defensores da liberdade aqueles que acham que ela deve ser “tomada”, pois não aceitam que o outro a tenha. Dizem ainda que ela não se “ganha”, se “toma”. Liberdade se ganha, sim. Ela é conquistada, e jamais de forma truculenta.
Há uma única situação em que ela deve ser obtida de qualquer forma: no caso em que ela tenha sido abolida à força. Nessa hipótese, são legítimos todos os meios aptos a recuperá-la, retirando-a de quem a usurpou: o déspota, o ditador, o governante autoritário, aqueles que só reconhecem um tipo de liberdade: a de governar sem os limites impostos pela lei, pelos direitos individuais e pela própria vontade popular.
Está se tornando voz corrente a pregação em prol da liberdade de opinião e de crítica como um direito sem peias, sem limites, sem controle de qualquer natureza ou espécie.
Sabemos que o homem é um animal gregário, necessita viver em comunhão com outros homens. Ademais, é ele dotado de aspirações, anseios, interesses que nem sempre podem ser satisfeitos, pois esbarram, se chocam com interesses de terceiros. O conflito daí surgido só pode ser resolvido pelo Poder Judiciário, por meio da aplicação da lei adequada. Em todos os setores e situações da vida em sociedade podem surgir e surgem conflitos.
O fenômeno conflituoso, verdadeira crise que atinge a paz e a harmonia sociais, em inúmeras situações tem como centro, como cerne, a liberdade. Disputa-se a prevalência da liberdade por vezes posta em confronto com direitos subjetivos, de igual relevância.
Em face de abusos da liberdade de expressão, que atingem a honra alheia ou põem em risco a normalidade institucional, o Poder Judiciário é acionado para apurar responsabilidades e eventualmente aplicar as sanções previstas, tanto na esfera cível quanto na penal. Atualmente, vem se assistindo a uma maior atenção e um maior cuidado por parte da imprensa escrita para, no exercício da liberdade que lhe é essencial, não extrapolar o seu direito à livre manifestação, não ferindo a honorabilidade alheia.
No entanto, não é isso que se percebe quando informações, opiniões e críticas são divulgadas pelas redes sociais. Aí se perde completamente o respeito pelo próximo e pelas instituições, não se teme punição de nenhuma espécie e não se tem nenhum escrúpulo para evitar ofensas – ofensas que extrapolam em muito os limites do próprio tema abordado.
Xinga-se, utiliza-se de um tosco e grosseiro linguajar absolutamente desnecessário para ilustrar a opinião emitida. Faltam a decência e o pudor de se colocar no lugar do outro para avaliar o sofrimento causado. O mesmo se dá em relação às instituições democráticas. Usa-se a liberdade de opinião para pregar a sua destruição.
Eu me referi às falas e aos escritos com autoria identificada. O que dizer, então, da covarde canalhice do anonimato que serve de escudo para a impunidade?
Sob o abrigo da liberdade de opinião prega-se a violência social, a destruição das instituições, o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Parlamento, o banimento de garantias, a destituição de autoridades do Judiciário de seus cargos e outras violências do mesmo jaez. Liberdade como alvará de permissividade, como licença da prática de crimes de lesa-pátria e lesa-democracia.
Causa muita estranheza juristas da maior envergadura estarem entendendo que o Supremo e os demais tribunais não devem interferir. Pergunta-se: quem pode no País pôr fim aos conflitos senão o Judiciário? É incrível que as críticas à conduta dos magistrados, que são chamados a atuar, não sejam apenas do leigo, mas dos homens da lei. Os juízes podem errar, podem acertar, mas não podem ser objeto de repreensão porque estão cumprindo o seu dever de dizer o direito e tentar pôr fim aos conflitos.
É preciso que se entenda: a liberdade é um bem comum. Não se pode querer a liberdade apenas para alguns e negá-la para outros nas mesmas situações. Eu posso falar o que quiser, você, não, só o que eu consentir. Não existe liberdade sob medida e ninguém é seu proprietário.
Já em 2013, antes de Sergio Moro ser alçado ao frágil posto de ídolo, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal teve a chance de declarar o suspeição do ainda pouco conhecido juiz de primeiro grau. À época, a Corte julgou um caso envolvendo Rubens Catenacci, ex-sócio de uma casa de câmbio no Paraguai que acusou Moro de ter cometido excessos na condução de seu processo.
Ao apreciar o pedido, o então ministro Celso de Mello não poupou Moro de críticas. “O magistrado surge como travestido de verdadeiro investigador, desempenhando funções inerentes ao próprio órgão de acusação, ao Ministério Público”, disse o ex-decano em tom profético, sem saber que estava dando a definição precisa do que viria a ser, a partir de 2014, a “lava jato”.
A suspeição não veio, mas nem por isso o juiz, que ainda atuava na 2ª Vara Criminal de Curitiba, saiu ileso: O STF entendeu que atos abusivos e censuráveis foram de fato cometidos, mas que tais condutas, mesmo quando sucessivas, não comprovam que houve parcialidade.
Esse e outros episódios são contados no documentário Sergio Moro: A Construção de um juiz acima da lei. A obra, produzida por Lourdes Nassif, com roteiro de Luis Nassif e Marcelo Auler, foi lançada nesta segunda-feira (8/2) pela TV GGN.
Dividido em 12 capítulos, o documentário conta a história de Moro desde a faculdade em Maringá até a atuação em casos que evidenciam o notório punitivismo do magistrado. Para isso, conta com a participação de Alberto Toron, Celso Tres, Cezar Roberto Bitencourt, Cristiano Zanin Martins, Fernando Augusto Fernandes, Geoffrey Robertson, Gerson Machado, Mário Magalhães e Michel Saliba.
Segundo contou à ConJur o jornalista Luis Nassif, a ideia foi mostrar como um homem comum de ar provinciano pode ser impulsionado ao posto de um mito nacional que atua fora do radar da lei. Para ele, a ascenção do magistrado se deve a uma série de situações, algumas alheias ao próprio juiz.
“O ponto central que explica o surgimento de Moro é a criação das varas especializadas em lavagem de dinheiro. O Gilson Dipp, mentor de tudo isso, é o pai de Moro. Os dois entram em contato com o Departamento de Estado norte-americano, que ensina toda a metodologia do que se tornou a ‘lava jato'”, conta.
“Depois”, prossegue o jornalista, “há outros episódios marcantes que ajudaram a criar esse monstro jurídico: ele recebeu uma condenação expressa do Celso de Mello, mas o STF não reconheceu a suspeição”.
O documentário foi produzido depois que o GGN, que é tocado por Nassif, conseguiu angariar fundos por meio de um financiamento coletivo. Um livro sobre Moro, escrito por Nassif e Auler, também está para sair.
O tempo de produção do documentário durou cerca de três meses e a obra dá continuidade a uma série chamada Lava Jato – Lado B, que tratou da influência norte-americana nas operações tocadas pelo MPF no Paraná e por Moro.
Agricultores perseguidos por Moro
Para além da investida contra figurões da República, a produção lançada hoje conta como a vocação inquisitorial de Moro também acaba por vitimar pessoas comuns. Um dos capítulos, por exemplo, conta a história de pequenos agricultores que ficaram presos por 48 dias após o que se mostrou mero erro contábil.
O processou correu em 2013, quando diversas famílias de agricultores tiveram suas vidas devassadas, tendo que deixar suas terras e buscar novos empregos na cidade. Na ocasião o Ministério Público Federal investigava supostos desvios no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Segundo a denúncia, que foi acatada por Moro, os agricultores “forjavam a entrega de produtos às entidades destinatárias”, além de usarem notas fiscais falsas.
Acontece que, ao que se constatou posteriormente, os agricultores substituíam um produto por outro quando a safra era menor. Assim, se estava prevista a entrega de 20 quilos de determinado alimento, mas a produção era de apenas 15 quilos, os 5 quilos restantes eram substituídos por outro produto. O problema é que isso não estava constando na nota fiscal.
Em 2016, a juíza Gabriela Hardt absolveu os envolvidos. Além das prisões autorizadas por Moro, pequenas associações de produtores acabaram sendo prejudicadas e, até hoje, segundo os relatos presentes no documentário, não houve recuperação.
“A falta de respeito pelos direitos pega todo mundo. Por causa desse pequeno erro administrativo, Moro destruiu uma cooperativa e prendeu pessoas, mostrando que a sua principal característica é a absoluta falta de escrúpulo”, diz Nassif.
Para ele, no entanto, agora o Brasil vê a derrocada de Moro e dos procuradores que lhe serviam. “Moro e o MPF não se deram conta de que movimentos de opinião se revertem. Enquanto é novidade, vai em frente. Depois a onda reverte. Eles foram derrotados pela própria arrogância”.