GETTY IMAGES Invasão a prédios públicos em Brasília e ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021
por Julia Braun /BBC News
Após os ataques contra o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), uma teoria falsa de que pessoas infiltradas seriam as responsáveis pelas cenas de violência e depredação em Brasília passou a circular em grupos bolsonaristas no WhatsApp e Telegram.
Um dos vídeos disseminados mostra um homem de capacete vermelho quebrando vidraças de grande porte. As legendas dizem se tratar de um integrante do Movimento dos Sem Terra (MST) vandalizando prédios públicos em Brasília para colocar a culpa em apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas o vídeo é falso. Segundo informações do site G1, ele foi publicado antes dos ataques de 8 de janeiro — além disso, "as paredes do prédio mostram inscrições em outros idiomas, a conta que publicou o vídeo no TikTok é chinesa e o vídeo (original) tem legenda e comentários em inglês".
Outra mensagem fala em "um golpe muito bem engendrado pela turma do PT", o partido do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Alguns dos perfis responsáveis por compartilhar esses e outros conteúdos relacionados às invasões em Brasília nas redes sociais foram excluídos após determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas as mensagens continuam a circular nos aplicativos de mensagem.
Da mesma maneira, após a invasão ao Capitólio, o edifício que abriga o Congresso dos Estados Unidos em Washington D.C., apoiadores do ex-presidente americano Donald Trump divulgaram teorias de que infiltrados eram os responsáveis pela violência e pelos danos causados ao prédio em 6 de janeiro de 2021.
Segundo especialistas em grupos radicais e teorias da conspiração, esse fenômeno não é novidade. A transnacionalidade dos movimentos conspiratórios está cada vez mais comum, e elementos são emprestados de um país por outro com certa frequência, especialmente em contextos eleitorais.
"Movimentos conspiratórios têm uma dimensão internacional ou global em alguns casos. Por isso, não é surpreendente que as pessoas envolvidas estejam atentas ao que está acontecendo em outros países, especialmente quando se trata de questões semelhantes ou que são do interesse delas, como a legitimidade do processo eleitoral", explica Anthony Lemieux, professor da Universidade do Estado da Geórgia, nos Estados Unidos, e especialista em movimentos extremistas.
Joseph Uscinski, cientista político especializado na área, afirma ainda que o uso de teorias da conspiração ou narrativas falsas com fundo especulativo é bastante comum no universo eleitoral. "Costumo dizer que teorias da conspiração são para os perdedores", diz o professor da Universidade de Miami.
"Sempre houve quem tentasse usar acusações de fraude para reverter a derrota, mas isso está se tornando mais comum atualmente."
Confira a seguir essa e outras fake news divulgadas no Brasil após a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas e que se assemelham muito ao que circulou nos EUA desde a eleição de Joe Biden.
Infiltrados são responsáveis por cenas de violência
A ideia — falsa — de que os responsáveis pelas cenas de violência e depredação no Capitólio eram na verdade pessoas mal-intencionadas que se passaram por trumpistas começou a circular nas redes americanas logo após a invasão de 6 de janeiro.
Apoiadores do ex-presidente republicano e até membros do partido compartilharam postagens que culpavam membros do movimento chamado "antifa" — abreviação de antifascismo — por se infiltrar entre os manifestantes de direita.
"(Algumas) das pessoas que invadiram o Capitólio hoje não eram apoiadores de Trump", tuitou na época Matt Gaetz, deputado republicano pelo Estado da Flórida. "Eles estavam disfarçados de apoiadores de Trump e, na verdade, eram membros do violento grupo terrorista antifa."
A ideia defendida por alguns dos deputados e outros eleitores de Trump seria a de que a invasão ao Capitólio foi usada pelos antifas para prejudicar a imagem dos trumpistas.
Mas o FBI, a polícia federal americana, afirmou posteriormente que não havia evidências de qualquer envolvimento de antifas.
No Brasil, após a invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília, o discurso que se espalha pelas redes bolsonaristas é bastante similar, com acusações contra infiltrados da esquerda e do MST.
Assim como nos Estados Unidos, os disseminadores dessa teoria falsa usam fotos e prints de pessoas que participaram da invasão e as acusam de serem infiltrados.
Algumas dizem ainda que os próprios funcionários da segurança do STF e do Congresso teriam promovido a destruição nos edifícios com o objetivo de incriminar manifestantes pró-Bolsonaro.
Durante a diplomação de Lula em dezembro, o mesmo argumento foi usado por representantes da direita para explicar os casos de vandalismo.
Líderes mortos
Outra teoria amplamente divulgada nos Estados Unidos e que se assemelha a boatos falsos que circulam no Brasil é a de que o líder eleito estaria morto.
Nos EUA, diversas teorias sobre a morte de Joe Biden foram disseminadas nas redes sociais e na internet.
No ano passado, viralizou no Twitter um vídeo que fomentava desconfianças sobre o presidente democrata e algumas de suas aparições, chamando atenção para detalhes de sua aparência física.
A postagem gerou especulações de todo tipo, inclusive de que o presidente democrata teria sido substituído por diversos dublês ou que a Casa Branca estaria utilizando um deep fake — uma cópia gerada por computador que busca refletir perfeitamente a voz, gestos e expressões faciais de uma pessoa — para acobertar sua morte
Mesmo antes disso, apoiadores do ex-presidente Trump e membros de grupos radicais já haviam divulgado essas mesmas ideias falsas.
Em maio, viralizou no Facebook uma postagem que dizia que o também ex-presidente Barack Obama havia anunciado a morte de Biden, algo que nunca aconteceu.
No Brasil, após o anúncio do resultado das eleições em 2022, áudios e fotos que circulavam pelo WhatsApp e vídeos no Facebook alegaram que Lula teria morrido.
As postagens sugeriam que ele havia falecido no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, mas que seu corpo estaria sendo ocultado. Além disso, especulavam a possibilidade de um sósia ter sido usado para cumprir a agenda oficial em seu lugar.
Quem disseminou a teoria usava fotos recentes e antigas do petista para apontar diferenças e chegava a dizer que o homem que ocupou o lugar de Lula tinha todos os dedos das mãos — ao contrário do petista, que perdeu o mindinho da mão esquerda em um acidente de trabalho em 1964.
Algumas das publicações usaram a informação falsa para incentivar a população a participar de atos antidemocráticos, que apelavam por uma intervenção militar.
Lula de fato deu entrada no hospital paulista em duas ocasiões em novembro, após sua eleição. Em uma delas, fez avaliação clínica multidisciplinar de rotina e, na outra, realizou um procedimento simples. Nos dois casos, foi liberado sem complicações, segundo o Sírio-Libanês.
Trump e Bolsonaro no poder
Uma pesquisa publicada em junho de 2021, cerca de seis meses após o início do governo de Joe Biden, apontou que, naquele momento, três em cada dez republicanos acreditavam em uma teoria falsa que previa o retorno de Donald Trump ao poder até o início de 2022.
Essa ideia, sustentada por aliados e eleitores do ex-presidente, foi bastante disseminada nas redes sociais. Uma das teorias citava especificamente 13 de agosto como a data de retorno de Trump à Casa Branca.
Outras teses, ligadas ao movimento QAnon — uma teoria ampla e completamente infundada de que Trump estaria travando uma guerra secreta contra pedófilos adoradores de Satanás na elite no governo, no empresariado e na imprensa — especulam que Biden não é realmente presidente dos Estados Unidos e que os militares estão secretamente no poder até que o ex-presidente republicano retorne ao cargo. Nada do que foi divulgado é verdade.
De forma similar, muitos eleitores de Jair Bolsonaro divulgam conteúdos nas redes sociais afirmando que seu candidato assumirá a Presidência do Brasil novamente e que as eleições de 2022 serão anuladas.
Diferentes teorias sobre esse tema circularam em vários momentos. Em dezembro, foi disseminada uma imagem de um decreto atribuído ao Superior Tribunal Militar (STM) que supostamente declarava a invalidade das eleições de 2022, dissolvia o Congresso e o STF e mantinha Bolsonaro como chefe do Executivo até que ocorressem novas eleições. A postagem não passava defake news.
Após a posse de Lula no início de janeiro, circularam mensagens alegando que o livro assinado pelo petista no Senado não era oficial e que a faixa usada pelo presidente na cerimônia foi fraudada — e que, por isso, a transferência de poder não era legítima.
Há ainda postagens que divulgam a narrativa de que o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, seria o verdadeiro presidente do Brasil. As mensagens distorcem um trecho do Diário Oficial de 30 de dezembro e dizem de forma falsa que o general teria assumido a Presidência por tempo indeterminado.
Quatro dias após os ataques de bolsonaristas que depredaram a Praça dos Três Poderes, em Brasília, 46 deputados americanos do partido Democrata enviaram carta ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na qual pedem que o governo do país tome medidas para que o território americano não seja usado como "refúgio" pelo ex-mandatário brasileiro Jair Bolsonaro. No documento, os parlamentares conectam o ex-presidente à invasão do Palácio do Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF) no domingo (8/1). Os legisladores pedem que Biden revogue o visto diplomático americano de Bolsonaro e que o presidente coloque o FBI, a polícia federal americana, para investigar se e como os ataques aos Três Poderes foram planejadas em território americano. Neste vídeo, nossa correspondente em Washington, Mariana Sanches, explica essa história.
As imagens chocaram o mundo: manifestantes apoiadores do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, invadindo o Capitólio, sede do Legislativo federal dos EUA, para parar a sessão que certificaria a vitória de Joe Biden, eleito presidente do país. Neste vídeo, a correspondente da BBC News Brasil em Washington, Mariana Sanches, conta o que viu de perto – do ato com discurso inflamado de Trump, pedindo aos apoiadores que fossem até o Congresso, até a invasão. Quatro pessoas morreram.
Mamadeira inflada em ato golpista /7 de Setembro /São Paulo
por Jornalistas Livres
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Com o fim do segundo turno e a derrota deBolsonaro, os seguidores fiéis do presidente não desistiram da corrida eleitoral e se mantiveram firmes nas ruas questionando o resultado das urnas. Como de costume, o que vem dando sustentação aos argumentos desses golpistas é um vasto acervo de fake news. Tem de tudo. Tem notícia que traz a cantora Lady Gaga representando a primeira-ministra do tribunal de Haia. Tem Alexandre de Moraes preso por favorecer Lula. Tem general das Forças Armadas Beijamin Arrola. E por aí vai. No universo paralelo do bolsonarismo o déficit cognitivo impera. Para os que estão do outro lado, chega a ser cômico. Nós dos Jornalistas Livres reunimos algumas das mais absurdas fake news propagadas por grupos bolsonaristas desde o dia 30 de outubro.
Lady Gaga, a primeira-ministra do Tribunal de Haia
Uma imagem com a cantoraLady Gagaem uma suposta conferência com Jair Bolsonaro começou a circular nas redes sociais bolsonaristas. A foto estava acompanhada de uma explicação: Stefani Germanotta (o verdadeiro nome da cantora), a primeira-ministra do “Tribunal de Haia”, estaria negociando uma possível intervenção militar com o atual presidente.
Lady Gaga é, na verdade, uma cantora que não tem relações com a política brasileira, e não possui um cargo de primeira-ministra (já que esse cargo não existe) no Tribunal Penal Internacional, localizado na cidade de Haia.
Stefani Germanotta (Lady Gaga), em uma suposta conferência de vídeo com Jair Bolsonaro. Foto/Reprodução
Mia Khalifa, diretora do tribunal de Haia
Outra notícia foi compartilhada nas redes sociais do grupo bolsonarista “Direita Brasil” (@direita.brasil_oficial), a matéria contava com uma foto deMia Khalifa, ex-atriz pornô libanesa, em um entrevista que fez para a BBC em 2019 acompanhada de uma foto de Jair Bolsonaro com a seguinte manchete: “Diretora do Departamento Anti-Fraudes Eleitorais do Tribunal de Haia diz que está chocada com as provas obtidas”.
Mia Khalifa não apresenta nenhuma relação com o tribunal de Haia ou com as eleições presidenciais do Brasil. “Ok, a essa altura eu deveria estar me perguntando se estou atrasada para o trabalho, eu acho que eu realmente tenho esse emprego”, ironizou a modelo ao compartilhar a notícia falsa que estava circulando nas redes sociais.
Tweet do portal Direita Brasil chamando Mia Khalifa de Diretora do Departamento Anti-Fraudes Eleitorais do Tribunal de Haia. Imagem/Reprodução
General Benjamin Arrola
Mais uma notícia duvidosa começou a circular nos grupos bolsonaristas nesta semana. Trata-se de um texto que afirma que o suposto general das Forças Armadas “Benjamin Arrola” teria pedido ao TSE uma explicação sobre as eleições. É admirável a credibilidade que um bolsonarista pode dar a uma notícia que traz um nome fictício que sonoramente se traduz em “Beija Minha Rola”. Foi o caso do prestigiado lutador Vitor Belfort, ex-campeão de UFC e eleitor de Jair Bolsonaro. Em seu instagram, o lutador compartilhou um story com a notícia do general e ainda abriu uma enquete para os seus seguidores perguntando se eles acreditavam no resultado das urnas.
“O General Benjamin Arrola das Forças Armadas declarou que o exército deu 24 horas para que o TSE explique o que houve nas urnas no domingo. Segundo ele, as forças armadas já estão apostos para a tomada do poder caso não haja nenhuma explicação coerente”, diz o texto que Belford compartilhou nos stories do seu instagram”.
Vitor Belfort, ex-campeão de UFC, postou em seu stories uma declaração do “General Benjamin Arrola”. Imagem/Reprodução
Nesta terça-feira (08/11), o ex-lutador de UFC postou um vídeo pedindo uma declaração do suposto general.
Onde está o General Benjamin Arrola?
A renomada juíza Anna Ase, cantora do ABBA
A cantora Agnetha Fältskog, do conjunto ABBA, também foi alvo defakenewsbolsonaristas. Um vídeo mostra a suposta juíza Anna Ase, uma autoridade internacional sueca, falando sobre fraudes nas urnas brasileiras.
Anna Ase, na verdade, é Agnetha Fältskog, cantora na banda ABBA. O vídeo que a “juíza” questiona a veracidade das urnas é uma entrevista de 2013, e os bolsonaristas usaram legendas falsas nas falas da cantora para sustentarem sua tese.
Agnetha Fältskog, a cantora do grupo ABBA, é chamada de juíza renomada e comenta as eleições brasileiras de 2022. Imagem/Reprodução
Pedido de prisão contra Alexandre de Moraes
Um vídeo que viralizou na última semana mostra um grupo de bolsonaristas comemorando a suposta prisão do Ministro Alexandre de Moraes. A filmagem aconteceu em Porto Alegre e nela bolsonaristas choram, se jogam no chão e balançam a bandeira do Brasil ao receberem a notícia falsa.
O ministro não recebeu nenhum mandado de prisão e segue atuando no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), confira abaixo o vídeo que viralizou nas redes:
Christmas
Uma foto da reportagem afiliada ao SBT do Rio Grande do Norte, TV Ponta Negra, viralizou na internet. A imagem mostra um idoso em uma manifestação antidemocrática, contrariando a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na Avenida Hermes da Fonseca.
O sujeito segura um cartaz escrito: “intervenção federal 02/11/2022 Natal/RN — Brasil”. No entanto, o que chamou mais a atenção dos internautas foi a tradução em inglês logo abaixo: “federal intervention already 02/11/2022 Christmas/RN — Brasil”. O nome da cidade havia sido traduzido para “Christmas”, como é chamado a data comemorativa em que Jesus nasceu, 25 de dezembro, isto é, Natal.
Homem traduz o nome da cidade de Natal para Christmas. Imagem/Reprodução
Com Camilla Veles e Marina Merlino. Roteiro André Cavalieri e Gabriel Di Giacomo. Direção captação edição André Cavalieri
'Percebemos oportunismo de muitos políticos ligados ao bolsonarismo para usar os ambientes de troca de informação dos evangélicos para ganhar confiança, disseminar desinformação e angariar votos', diz pesquisadora
por Julia Braun /BBC News
(crédito: Getty Images)
Filhos e aliados próximos do presidente Jair Bolsonaro foram peça-chave no compartilhamento a milhões de brasileiros de desinformação sobre perseguição a cristãos durante a campanha eleitoral.
As mensagens — compartilhadas não apenas por políticos influentes como também por usuários comuns — associam candidatos de esquerda, principalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a falsos projetos para proibir pregação de pastores, criminalizar a fé evangélica e até retirar o nome de Jesus da Bíblia.
Outras fazem referência a casos reais de violência contra comunidades religiosas em países da América Latina, Ásia e África e alardeiam que isso pode ocorrer no Brasil.
"No cenário eleitoral e político brasileiro atual, isso se traduz em uma representação de Lula como um anticristão, enquanto que o Jair Bolsonaro é representado como um grande Messias", afirma Débora Salles, professora da Escola de Comunicação da UFRJ e uma das pesquisadoras do NetLab responsável pelo relatório 'Evangélicos nas redes'.
O relatório monitorou perfis de influenciadores com grande alcance no segmento evangélico entre janeiro e agosto de 2022 e identificou os macro-influenciadores e perfis mais relevantes no terreno da desinformação de fundo religioso.
Entre eles, personalidades com ampla base de seguidores nas redes como o senador Flávio Bolsonaro (PL), o deputado Eduardo Bolsonaro (PL) e o vereador Carlos Bolsonaro (PL); os deputados Marco Feliciano (PL) e Carla Zambelli (PL); e o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.
A BBC News Brasil analisou as redes sociais dessas seis figuras expoentes entre 6 de agosto e 6 de setembro e encontrou pelo menos 85 mensagens que usavam o temor de perseguição para "demonizar" adversários como Lula e Ciro Gomes.
Foram identificadas 14 postagens nas páginas do senador Flávio Bolsonaro, 11 nas do deputado Eduardo Bolsonaro, 2 na do vereador Carlos Bolsonaro, 8 nas de Carla Zambelli e 3 na do pastor Silas Malafaia no período. O campeão de postagens, porém, foi Marco Feliciano, com um total de 47 em apenas um mês.
Desse total, três mensagens chegaram a ser proibidas pelo TSE por "deturpar e descontextualizar" notícias a fim de gerar a "falsa conclusão no eleitor".
"Percebemos oportunismo de muitos políticos ligados ao bolsonarismo para usar os ambientes de troca de informação dos evangélicos para ganhar confiança, disseminar desinformação e angariar votos", diz a professora Rose Marie Santini, fundadora do NetLab, laboratório vinculado à Escola de Comunicação da UFRJ dedicado a estudos de internet e redes sociais.
"As pessoas estão mais informadas em relação ao perigo das fake news do que estavam em 2018, quando muitos foram pegos de surpresa. Mas certamente esse tipo de desinformação com fundo religioso terá grande impacto no resultado", diz Magali Cunha, doutora em Ciências da Comunicação, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e editora-geral do Coletivo Bereia, especializado em checagem de notícias falsas com teor religioso.
'Banir a religião cristã'
Uma das fake news compartilhadas nos perfis monitorados pela BBC News Brasil afirma que Lula editou um decreto para "banir a religião cristã" em 2010.
Trata-se de um vídeo que combina reportagens da Band e da TV Globo sobre o decreto conhecido pela sigla PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos), de 2009.
Antes do vídeo, uma narração faz a seguinte pergunta: "Você sabia que em 2010 o presidente Lula assinou o decreto PNDH-3 para censurar a imprensa e banir a religião cristã e dar direito de posse da terra a invasores? Mas o projeto foi barrado pelo Congresso. Acha que se ganhar a eleição, ele não vai tentar novamente?".
A alegação é falsa. O documento assinado por Lula não cita qualquer tipo de banimento da religião cristã. O decreto, que ainda está em vigor, propõe justamente o inverso: incentivar a liberdade religiosa e combater a discriminação.
O documento também não prevê censura à imprensa ou dar o direito de posse de terra a invasores. O vídeo foi compartilhado em diversas redes sociais. No TikTok, uma das postagens tem quase 100 mil visualizações.
Ele também foi compartilhado pelo senador Flávio Bolsonaro em suas páginas no Facebook e Instagram no dia 19 de agosto e retuitado pelo deputado Eduardo Bolsonaro a partir de outro perfil no Twitter em 25 de agosto.
A BBC News Brasil entrou em contato com os dois filhos do presidente, mas eles não responderam aos pedidos de comentário até a publicação desta reportagem.
Nas postagens do senador Flavio Bolsonaro, entre comentários de 'Lula nunca mais' e '#bolsonaro2022', uma usuária escreveu: "Isso precisa ser divulgado em todas redes sociais". Uma outra versão da mesma notícia falsa foi postada pelo deputado Marco Feliciano no Facebook e Instagram em 20 de agosto.
Em 19 de agosto, Eduardo publicou no Twitter, Facebook e Instagram uma montagem afirmando que "Lula e PT apoiam invasões de igrejas e perseguição de cristãos". Na mesma imagem, há recortes de notícias sobre a perseguição de religiosos na Nicarágua e de declarações do PT e de Lula sobre o presidente Daniel Ortega.
Após um pedido da campanha do petista, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) determinou no início de setembro a remoção das publicações, que não estão mais no ar, por "deturpar e descontextualizar quatro notícias a fim de gerar a falsa conclusão, no eleitor, de que o ex-presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores apoiam invasão de igrejas e a perseguição de cristãos".
A reportagem entrou em contato com a campanha de Lula, mas não obteve resposta.
Eduardo Bolsonaro já tinha recebido ordens do TSE para tirar do ar um vídeo que, segundo o tribunal, apresentava de forma descontextualizada e editada um material cujo objetivo era dizer que Ciro Gomes, candidato à presidência do PDT, prega a desarmonia entre as religiões.
A postagem afirma, entre outras coisas, que Ciro "comparou igrejas com o narcotráfico em 2018". "Os recortes são manipulados com o objetivo de prejudicar a imagem do candidato, emprestando o sentido de que ele seria contrário à fé católica e odioso aos cristãos", escreveu o ministro Raul Araújo, do TSE, na decisão.
'Discurso de ódio para destruir as igrejas evangélicas'
As mensagens que fazem referência a uma ameaça de perseguição aos cristãos não estão apenas no Facebook, Instagram e Twitter. São compartilhadas também por usuários desconhecidos em aplicativos de mensagem como WhatsApp e Telegram, com muito menos controle das autoridades.
Segundo levantamento feito pelo Monitor de WhatsApp da UFMG a pedido da BBC News Brasil, a mensagem mais compartilhada nos mais de mil grupos públicos acompanhados na rede social desde o começo do ano e que contém expressões como 'cristofobia', 'destruir as igrejas' e 'intolerância religiosa' é também de ataque ao ex-presidente Lula.
A postagem diz, entre outras coisas, que o candidato "não tem apreço por pastores e militares, faz um verdadeiro discurso de ódio para destruir as igrejas evangélicas" e foi enviada um total de 19 vezes por 6 usuários distintos em 15 dos grupos monitorados pelos pesquisadores.
A segunda mais repostada, porém, também contém distorções, mas contra o presidente Jair Bolsonaro.
"O povo de Deus abandonou Bolsonaro e suas mentiras, ele é o enviado da morte, fome, desgraça e desemprego, que veio para destruir as igrejas evangélicas com política, e jogar irmão contra irmão", diz o texto, enviado 18 vezes por 3 usuários distintos em 10 grupos.
Entre as mensagens detectadas pela UFMG há ainda uma que se refere a uma suposta "lei de proteção doméstica" em debate no Senado Federal que proibiria a pregação religiosa. Ela foi enviada um total de 68 vezes por 49 usuários distintos e apareceu em 63 grupos.
A mensagem cita uma iniciativa debatida no Senado que teria como objetivo, entre outras coisas, determinar a prisão religiosa por pregações em horários impróprios e a sanção de congregações e fiéis. Segundo o coletivo Bereia, trata-se de uma notícia falsa, e não existe Projeto de Lei em discussão denominado "Proteção Doméstica".
O texto em tramitação mais próximo ao citado é o PL 524/2015, que está parado no Senado Federal e prevê estabelecer limites para emissão sonora nas atividades em templos religiosos, sem menção à prisão religiosa, proibição de pregações ou limitação da liberdade religiosa.
'Um alerta à igreja'
Mas nem todos os posts identificados pela reportagem são imediatamente reconhecidos como fake news. Enquanto alguns usam notícias ou declarações tirados do contexto com o objetivo de desinformar, outros simplesmente reproduzem o discurso que explora o temor de restrição à liberdade religiosa.
Um vídeo em que o ex-presidente Lula aparece falando justamente do crescimento das fake news religiosas e acusa algumas pessoas de "fazer da Igreja um palanque político" foi compartilhado com frequência no final de semana de 20 e 21 de agosto e associado a um ataque a pastores e igrejas.
"Tem muita fake news religiosa correndo por esse mundo. Tem demônio sendo chamado de Deus e gente honesta sendo chamada de demônio", diz o petista na gravação feita durante um comício. Em seguida, ele afirma que, em um eventual novo governo seu, o Estado será laico. "Eu, Luiz Inácio Lula da Silva, defendo Estado laico, o Estado não tem que ter religião, todas as religiões têm que ser defendidas pelo Estado", diz
"Igreja não deve ter partido político, tem que cuidar da fé, não de fariseus e falsos profetas que estão enganando o povo de Deus. Falo isso com a tranquilidade de um homem que crê em Deus."
Ao ser compartilhado nas redes sociais, porém, o vídeo foi descrito como uma demonstração de ódio ou zombaria. "Mais uma vez Lula zomba da fé cristã. Desta vez, atacando o sacerdócio e a honra de padres e pastores. INACEITÁVEL!", escreveu a deputada Carla Zambelli.
A BBC News Brasil procurou Zambelli, que afirmou em nota que "existe, sim, uma ameaça à liberdade do Cristianismo no Brasil, e não podemos ignorar isso tão somente argumentando que vivemos em um país majoritariamente cristão".
"Os ataques ocorrem não apenas a templos e igrejas, mas a valores cristãos. A censura à manifestação religiosa é uma tática antiga de ideologias de esquerda, como no regime soviético, que taxou igrejas, proibiu a venda e circulação da Bíblia Sagrada e praticou diversas campanhas antirreligiosas", disse ainda a deputada, que é autora de um projeto de lei para ampliar a legislação sobre crimes contra a liberdade religiosa.
O vídeo também foi repostado por Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro e pelo deputado Marco Feliciano.
Carlos Bolsonaro não respondeu ao pedido de comentário feito pela reportagem. Em nota, Feliciano afirmou que suas postagens não se tratam de fake news e que parte de "premissas incontestes" quando faz alertas sobre a ameaça à liberdade religiosa dos cristãos.
"Desavisados, manipuladores e as esquerdas atribuem às ideias conservadoras como fake news. Numa narrativa rasa dos assuntos que não lhes convém! Quando eu publico um alerta ao povo que me elegeu, cristãos evangélicos e conservadores, eu parto de premissas incontestes!", disse Marco Feliciano em nota enviada à BBC News Brasil.
"Em todos os países em que a esquerda socialista-comunista tomou o poder à força ou pela urnas, quando não conseguiu uma Igreja subserviente, partiu para a mais atroz perseguição, como estamos assistindo na Nicarágua, que persegue a Igreja Católica expulsando freiras e fechando as emissoras de rádio cristãs, regime que tem muitos amigos por aqui (Brasil). Completo: não se trata de falso temor, mas da sabedoria popular: 'o seguro morreu de velho'".
Mas a professora Marie Santini, da UFRJ, afirma que mensagens como as postadas pelos filhos e aliados de Bolsonaro geram desinformação e alardeiam pânico sem apresentar evidências que justifiquem esse temor.
"Entendemos fake news como algo que parece jornalismo, mas na verdade é só propaganda. A desinformação é algo mais amplo, inclui teorias da conspiração, distorção de fatos, discursos de ódio e que citam a intolerância e o ódio, por exemplo", diz Santini.
Em alguns dos vídeos compartilhados pelo pastor Silas Malafaia, a reportagem também identificou o discurso classificado como desinformativo pelos especialistas e que trata, por vezes de forma implícita, da ameaça de perseguição aos cristãos.
Em um vídeo postado em seu canal no YouTube em 4 de setembro e compartilhado também em suas páginas no Facebook, Instagram e Twitter, o pastor faz um "alerta" à sua igreja e fala sobre um avanço "com toda força" contra os evangélicos.
"Ficamos chocados quando comunistas e ímpios rasgam a Bíblia e tacam fogo nela. E quando os crentes rasgam a Bíblia do seu coração apoiando gente que nos odeia e odeia nossos fundamentos e princípios?", diz Malafaia, no vídeo de cerca de 11 minutos.
"Eu estou dando um alerta, depois não chora. Porque meu irmão, vão vir em cima da igreja com toda força (...), porque nós somos o último guardião contra aquilo que eles creem e acreditam."
O vídeo tem mais de 150 mil visualizações no YouTube. Um trecho compartilhado no perfil de Malafaia no Instagram tem 84 mil curtidas.
A reportagem procurou o pastor Silas Malafaia, que afirmou que suas postagens não são fake news e que suas manifestações fazem parte de seu direito de expressão. "A minha fala não tem relação com perseguição. O que estou dizendo é que não podemos apoiar um candidato que é contra nossas crenças, valores e fundamentos", disse.
Como exemplos de medidas que corroboram sua visão, Malafaia citou a PLC 122/2006, que criminaliza a homofobia, como um projeto cujo objetivo era "botar padre e pastor na cadeia que impedisse que gays dessem beijo no pátio da igreja" e que foi apoiado pelo PT.
Em sua redação final aprovada na Câmara dos Deputados, antes de ser enviado ao Senado, a proposta citada pelo pastor não mencionava padres ou pastores. Um dos artigos previa pena de reclusão de dois a cinco anos para quem impedisse ou restringisse a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público por discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. O projeto, porém, foi arquivado.
Malafaia disse ainda que, durante seu governo, a ex-presidente Dilma Rousseff "promoveu através do secretário Rachid da Receita Federal perseguição às igrejas". "Eu sou um que sofreu perseguição e multas violentas, de pura maldade", disse à BBC News Brasil.
'Cristofobia'
O uso do tema da perseguição a cristãos pela esquerda, porém, não é novo. O discurso remonta às eleições de 1989, quando o PT lançou Lula candidato pela primeira vez e apoiadores de Fernando Collor de Mello usaram o imaginário da ameaça comunista relacionada ao PT e o discurso de que ele fecharia as igrejas para apoiar sua campanha.
A narrativa foi retomada com mais força mais recentemente, nas eleições municipais de 2020, sob o rótulo do termo "cristofobia". Dentro das esferas evangélicas, o termo tem sido usado para se referir a perseguições sofridas por adeptos do cristianismo em diversos países, principalmente em locais onde eles são minoria. Bolsonaro usou a expressão em discurso na ONU naquele ano.
"Há alguns anos, eram mais comuns as postagens que identificavam casos de perseguição a cristãos no Oriente Médio, na China e em países ligados ao comunismo. As mensagens criavam um certo pânico em torno disso e chamavam os cristãos brasileiros para que tivessem solidariedade", afirma Magali Cunha.
"Mas de 2020 para cá, temos observado que se está trazendo para a realidade do Brasil esse tipo de abordagem."
O antropólogo Flávio Conrado é assessor de campanhas do grupo de pesquisa Casa Galileia e coordena um projeto de monitoramento de perfis cristãos nas redes sociais.
Segundo ele, a narrativa de perseguição religiosa tem objetivo de atingir especialmente os grupos evangélicos, mas em muitos momentos também acaba por chamar a atenção de católicos mais conservadores.
"Algumas das vozes por trás das postagens usam uma estratégia de se associar aos católicos e passam a falar em nome dos cristãos como um todo", diz. Para Conrado, o objetivo por trás da campanha de desinformação é usar o temor de um ambiente de perseguição para atrair votos.
De acordo com Débora Salles, o discurso de ameaça à liberdade religiosa dos cristãos também se mistura de forma intensa com uma outra narrativa que vem sendo difundida com frequência nas redes sociais — a de que existe uma "guerra" de valores morais entre evangélicos e a esquerda.
"Essas narrativas se baseiam em uma lógica populista em que tenta se criar a ideia de que há uma guerra político cultural em que os evangélicos deveriam se juntar pela defesa dos seus valores, que estão ameaçados por uma esquerda associada a instituições democráticas, à mídia tradicional e a figuras importantes do cenário cultural", explica a pesquisadora
Em alguns de seus vídeos para as redes sociais, o vereador mineiro Nikolas Ferreira (PL-BH) dá voz a esse discurso.
"Esse vídeo é um alerta para abrir os nossos olhos para a guerra silenciosa que estamos vivendo", diz ele em um vídeo de março, em que fala sobre uma "doutrinação" nas escolas e universidades e cita a criação de um exército pelo que define como "o inimigo" dos cristãos.
Em outra postagem, associa a campanha do ex-presidente Lula à ditadura da Nicarágua e à invasão de igrejas. "Essa galerinha de esquerda gosta de invadir uma igreja né? Imagina quantas igrejas não serão invadidas se o Lula estiver no poder?", diz no vídeo, que tem mais de 500 mil curtidas.
O vereador de 26 anos tem uma grande comunidade de fãs nas redes, com 3,1 milhões de seguidores no Instagram e 1,4 milhão no TikTok.
Nikolas Ferreira, enviou a seguinte nota à reportagem: "Eu não me baseei em achismo ou levantei meras suposições, mas expus fatos que evidenciam igrejas sendo invadidas, imagens sendo quebradas e profanadas nos países da América Latina. A perseguição já existe. Inclusive, o amigo do Lula, Daniel Ortega, está fechando rádios católicas e perseguindo fiéis na Nicarágua. Desinformar é dizer o contrário."
Segundo o antropólogo Flávio Conrado, também são comuns os conteúdos desinformativos que, por exemplo, associam o PLC 122/2006, projeto de lei chamado informalmente de "projeto anti-homofobia", apresentado em 2001 para punir criminalmente discriminação de gênero e de orientação sexual, com a perseguição a pastores e o fechamento de igrejas.
A proposta foi arquivada no final de 2014, mas em junho de 2019 o STF decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, com a aplicação da Lei do Racismo (7.716/1989).
Em um vídeo compartilhado no início de agosto, o deputado Marco Feliciano afirma que pastores de todo o Brasil estão sendo perseguidos e processados por se recusarem a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo. "A liberdade de consciência e crença está em jogo. A Igreja precisa resistir!!!", escreveu na legenda.
Mas há ou não perseguição a cristãos no Brasil?
Todos os anos, a ONG internacional Portas Abertas, que auxilia cristãos que sofrem opressão por conta de sua religião, produz um ranking dos 50 países onde seguidores do cristianismo são mais perseguidos por causa de sua fé.
O estudo é feito a partir de relatos de incidentes de violência. Na edição de 2022 do ranking, os únicos países da América Latina citados como localidades onde há perseguição severa são Colômbia (30ª posição), Cuba (37ª) e México (43ª).
Há ainda uma lista de países em observação, que engloba outras 26 nações — entre elas estão Nicarágua (61°), Venezuela (65°), Honduras (68°) e El Salvador (70°). O ranking é elaborado anualmente e a edição atual foi feita entre setembro de 2020 e outubro de 2021, o que significa que a classificação de alguns países pode mudar na próxima publicação.
O governo da Nicarágua, citado em muitos dos conteúdos desinformativos identificados pela reportagem, tem sido, de fato, denunciado por repressão à Igreja Católica no país. A tensão entre o Executivo do presidente Daniel Ortega e a instituição cresceu desde que o clero forneceu abrigo a estudantes envolvidos nos protestos de 2018.
Mas desde que a lista do Portas Abertas começou a ser feita, há quase 30 anos, o Brasil não aparece no ranking e é classificado como livre de perseguição.
Segundo o sociólogo Clemir Fernandes, pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e pastor da Igreja Batista, o discurso em torno da cristofobia sequer faz sentido em um país como o Brasil, onde 86,8% da população se identifica como cristã, entre católicos e evangélicos, segundo dados do censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
"Não é possível falar de perseguição a um grupo que não só é majoritário numericamente, como também tem grande representação nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e na cultura brasileira", diz.
Ainda de acordo com o pesquisador, o ambiente de confiança criado em torno das igrejas evangélicas e os laços formados entre os fiéis facilita a difusão dos conteúdos falsos nesse ambiente.
"Muitas pessoas podem julgar as informações passadas nos grupos evangélicos como verdadeiras porque não verificam a sua veracidade, mas também porque elas foram repassadas por irmãos de fé", diz Clemir Fernandes.
Mas há preconceito?
Embora não haja evidências de perseguição concreta a cristãos no Brasil, pesquisadores afirmam que há "arrogância" e "preconceito", especialmente por parte da elite de esquerda, ao falar sobre evangélicos.
No segundo turno da eleição de 2018, o então candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, chamou o pastor Edir Macedo, fundador da Igreja Universal, de "representante do fundamentalismo charlatão".
Para o historiador e antropólogo Juliano Spyer, isso custou votos a Haddad e deu munição a segmentos evangélicos que defendiam um apoio formal de suas igrejas a Bolsonaro.
"As camadas médias e altas do Brasil têm uma visão fora de foco do Brasil popular e ignoram esse fenômeno [evangélico]. Isso é problemático, porque generaliza a imagem de um grupo de brasileiros com imensa importância cultural, econômica e política", diz Spyer, que é autor do livro O Povo de Deus: Quem são os evangélicos e por que eles importam.
"Ao tratar os evangélicos de forma desrespeitosa, arrogante, desinformada e com uma série de críticas por serem religiosos, estamos abrindo mão do diálogo com as pessoas que têm valores conservadores".
'Realmente acho que pode acontecer aqui no Brasil'
Luciana Casa Grande, de 40 anos, frequenta uma Igreja Batista em São José dos Campos, São Paulo. Assim como muitos outros evangélicos no país, ela vem sendo exposta nas redes sociais a conteúdos que alardeiam uma ameaça à liberdade religiosa dos cristãos.
"Leio com frequência postagens e notícias nas redes sociais que falam sobre invasões, incêndios e atentados em igrejas ou assassinatos de cristãos na África e em outros lugares", afirmou a arquiteta à BBC News Brasil. "Pela intolerância que vejo, principalmente dos partidos de esquerda ou daqueles que se autodenominam socialistas ou comunistas, realmente acho que pode acontecer aqui no Brasil."
Luciana afirma acompanhar com frequência o perfil de alguns dos aliados de Jair Bolsonaro citados pela reportagem, como Nikolas Ferreira e a vereadora Sonaira Fernandes (PL-SP), outra aliada de Jair Bolsonaro que dá voz ao discurso desinformativo de perseguição religiosa.
Em um post na página do Instagram de Fernandes, em que a vereadora que se autodenomina cristã fala sobre a possibilidade de ataques ao cristianismo no Brasil a partir de um vídeo de uma homilia de um bispo católico, Luciana expressou sua apreensão: "Deus é maior! É hora dos cristãos se posicionarem e se colocarem à disposição de Nosso Senhor Jesus Cristo!", escreveu a paulista nos comentários.
Em nota enviada à reportagem, a vereadora Sonaira Fernandes disse que é cristã "antes de ser qualquer outra coisa, e tenho todo direito de expressar minhas convicções religiosas, conforme prevê a Constituição".
"Diz o filósofo Luiz Felipe Pondé que o único preconceito ainda socialmente aceito no Brasil é contra evangélicos e católicos. Isso fica evidente quando uma declaração minha, que reflete minha cosmovisão cristã, é demonizada e criminalizada", afirma.
Luciana já tem seu candidato à presidência definido: "Vou votar no Bolsonaro, principalmente porque ele defende as coisas em que eu acredito", diz.
"Gosto da defesa que ele faz pelo fim da sexualização das crianças. A questão do aborto também, eu sou contra o aborto".
Algumas informações que circulam nas redes sociais sobre o ex-presidente Lula também influenciaram Luciana no momento de escolher seu candidato. "Temos ouvido falar que o Lula vai colocar os padres e os pastores em seu devido lugar. Sempre faz um ataque nesse sentido", diz a arquiteta.
"Vi na internet e em cortes de vídeos, mas não me lembro onde exatamente. Leio muita coisa, não fico catalogando."
Plataformas digitais aceitaram coibir mais as fakenews, mas medidas seguem insuficientes.REUTERS - MOHAMED NURELDIN ABDALLAH
Texto por RFI
A um mês das eleições, as autoridades do Brasil lutam para conter a desinformação que inunda as redes sociais. Embora o país esteja melhor preparado para combater as fake news do que em 2018, os conteúdos e novas plataformas se tornaram mais difíceis de controlar.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder na última pesquisa divulgada em 18 de agosto pelo Instituto Datafolha, com 47% das intenções de voto, e o presidente Jair Bolsonaro (PL), com 32%, são alvos da maioria dos conteúdos falsos divulgados pela internet, à medida que se aproxima o primeiro turno. A desinformação correu solta na campanha de 2018, especialmente pelo WhatsApp, e especialistas concordam que o fenômeno teve impacto nos resultados eleitorais, que deram a vitória a Bolsonaro.
Desde então, instituições, sociedade civil e empresas de tecnologia avançam no combate às informações falsas, manipuladas ou fora de contexto.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes,afirmou no primeiro dia de campanhaque a Justiça seria "firme e implacável" contra "a divulgação de notícias falsas ou fraudulentas". A instância já ordenou a remoção de conteúdos, incluindo publicações do próprio Bolsonaro, como um vídeo no qual criticou, sem apresentar provas, a confiabilidade do voto eletrônico, durante uma reunião em julho com embaixadores em Brasília.
Ações envolvem plataformas digitais
O TSE criou também um grupo de combate à desinformação, integrado pelas principais instituições brasileiras, gigantes da tecnologia como Facebook, Instagram e WhatsApp, Google, TikTok, Telegram e YouTube, além de universidades e meios de comunicação. A iniciativa resultou em diversos compromissos, como a decisão do WhatsApp de adiar, até depois das eleições, a implementação da ferramenta "Comunidades", que permitirá aglutinar vários grupos em um mesmo espaço, e a seus administradores enviar mensagens a todos eles.
A plataforma Telegram, por sua vez, foi forçada a designar um representante legal no Brasil, sob ameaça de ser bloqueada em todo o país por não colaborar com as autoridades.
"Sem as plataformas, fica muito difícil para o Tribunal [TSE] ser eficaz, porque leva muito tempo fazer qualquer ação punitiva a partir da detecção [da desinformação]. Mesmo que venha depois, o estrago já está feito, porque a informação já circulou", explica o sociólogo Marco Aurélio Ruediger, diretor da Escola de Comunicação da Fundação Getúlio Vargas.
Lula “bêbado"
Entretanto, em plataformas como TikTok e Telegram, "a desinformação tem corrido solta" porque elas favorecem, respectivamente, a "edição simples de vídeos curtos" e a criação de canais onde proliferam "discursos de ódio", que não são adequadamente coibidos, afirma Ana Regina Rego, coordenadora da Rede Nacional de Combate à Desinformação.
Segundo um levantamento do jornal O Globo, vídeos com informações falsas sobre Lula foram visualizados milhões de vezes no TikTok. Três vídeos que mostram Lula bebendo um líquido transparente, apontado falsamente como sendo cachaça, alcançaram 6,6 milhões de visualizações; e cinco vídeos que visam desacreditar a facada que Bolsonaro sofreu durante a campanha de 2018 foram vistos 3,3 milhões de vezes.
Outros conteúdos com ampla difusão, verificados pelo serviço de checagem da AFP, incluem afirmações falsas de que, se for eleito, Lula mandaria fechar as igrejas, ou comparações enganosas entre os preços da gasolina durante os governos de Lula (2003-2010) e o atual.
O TikTok assegurou à AFP que remove os vídeos que violam as Diretrizes da Comunidade e que está empenhado em retirar conteúdos que possam gerar algum tipo de risco ao processo eleitoral, além de evitar dar destaque na aba sugestões a informação "potencialmente enganosa que não possa ser verificada".
Desinformação tem maior potencial viral
Os conteúdos que "combinam fatos com mentiras, com fraudes, descontextualizações, com uma estética sensacionalista, têm um potencial 70% maior de viralizar do que uma informação", afirma Rego. É por isso que é alto o risco de que uma informação falsa ganhar uma dimensão desproporcional, como aconteceu nos Estados Unidos, quando os seguidores de Donald Trump invadiram o Capitólio convencidos de que houve fraude nas eleições nas quais o ex-presidente perdeu para o democrata Joe Biden.
No Brasil, uma das maiores preocupações é que Bolsonaro e seus apoiadores rejeitem uma eventual derrota, devido aos questionamentos constantes que o presidente faz sobre o voto eletrônico. "A sociedade está mais atenta, menos ingênua quanto à desinformação e ao que recebe. Por outro lado, temo o incentivo à violência e à não aceitação do resultado final de uma eleição. Isso é o mais perigoso. A gente pode ter uma situação semelhante à que teve nos EUA", afirma Ruediger.
A decisão de Alexandre de Moraes não somente derruba mais uma vez as informações falsas sobre PCC e Celso Daniel como proíbe, sob pena de multa, que o senador Flavio Bolsonaro, a deputada Carla Zambelli e outros bolsonaristas sigam espalhando mentiras sobre este assunto em suas redes
Uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral, assinada por Alexandre de Moraes na noite deste domingo (17), não somente derruba mais uma vez as fake news sobre PCC e Celso Daniel como proíbe, sob pena de multa, que Flavio Bolsonaro, Carla Zambelli e outros bolsonaristas sigam espalhando mentiras sobre este assunto em suas redes.
A liminar é resultado de uma representação movida pelo PT, que alega “propaganda eleitoral antecipada negativa por meio de notícias falsas, descontextualizadas ou sem qualquer demonstração de provas, em redes sociais e veículos de comunicação que divulgam matérias tendenciosas e parciais”. Vitória da verdade. Derrota do Gabinete do Ódio.
Alexandre de Moraes é ministro do Supremo Tribunal Federal, corte na qual é relator do inquérito das Fake News (aquele que, para desespero de Bolsonaro, foi prorrogado mais uma vez e estará em curso durante as Eleições deste ano). Desde junho, Moraes tornou-se ministro efetivo do Tribunal Superior Eleitoral e será presidente desta corte a partir de 16 de agosto
Na decisão deste domingo, Moraes determina que 14 bolsonaristas, além de veículos apoiadores de Jair Bolsonaro, excluam de seus conteúdos publicações que associam o PT e o ex-presidente Lula à organização criminosa PCC. A decisão também obriga que sejam apagadas fake news que associam Lula e o PT à morte do ex-prefeito Celso Daniel, reconhecendo que se trata de desinformação e disseminação de notícia falsa.
O senador Flávio Bolsonaro, os deputados Carla Zambelli e Ottoni de Paula, o ex-assessor especial de Bolsonaro, Max Guilherme, todos notórios espalhadores de fake news, estão obrigados a remover os conteúdos mentirosos de suas redes (sob pena de multa diária de R$ 10.000) e instados a não voltarem a publicar novas mentiras (sob pena de nova multa, no valor de R$ 25.000).
Flávio Bolsonaro está proibido de espalhar fake news contra o PT (Foto: Reprodução)
Além deles, responsáveis pelos veículos da mídia bolsonarista (aquela que simula um jornalismo sério para embalar mentiras e iludir a plateia que é vítima dessa máquina de desinformação) Jornal de Cidade Online e sua revista “A Verdade”, Jornal Minas Acontece, pelo canal do YouTube PoliticaBrasil24, e por perfis em redes sociais como Kwai e Gettr, também receberam a mesma determinação.
Em sua liminar, Moraes condena expressamente “mentiras divulgadas que objetivam, de maneira fraudulenta, persuadir o eleitorado a acreditar que um dos pré-candidatos e seu partido, além de terem participaram da morte do ex-prefeito Celso Daniel, possuem ligação com o crime organizado, com o fascismo e com o nazismo, tendo, ainda igualado a população mais desafortunada ao papel higiênico”.
Ao se referir especificamente ao caso Celso Daniel, Moraes relembra que é de conhecimento público e notório (e que bolsonarista deveria repetir todo dia até aprender) que “o assassinato do ex-prefeito Celso Daniel se trata de caso encerrado perante o Poder Judiciário, com os responsáveis devidamente processados e julgados, estando cumprindo pena. Também é fato conhecido e amplamente divulgado que o Ministério Público de São Paulo encerrou definitivamente as apurações, não havendo notícia do envolvimento do Partido dos Trabalhadores ou de seus membros”.
A divulgação de um suposto envolvimento de Lula ou do PT com o PCC não tem nenhum lastro na realidade e é fruto do desespero da campanha bolsonarista.
A ação desmente e condena, também as fake news que apresentam vídeos de Lula fora de contexto e cortados para dar a entender que ele tivesse dito diferente do que fez. Isso aconteceu na fake news sobre a opinião de Lula sobre os pobres, espalhada por Flavio Bolsonaro.
A decisão de Moraes vem em boa hora e é um passo importante no combate à fake news e ao ódio. Está em sintonia com o desejo da sociedade. E traz um recado amargo para aqueles que ainda acreditam na impunidade: não vai acontecer. 2018 não vai se repetir, pois não vamos deixar.
Zambelli começoou na política espalhando a mentira de que a filha de Dilma Rousseff era proprietária das lojas Havan, cujo dono é Luciano Hang, bolsonarista negacionista que defende a imunidade rebanho que assassinou milhares de brasileiros.
Jair Bolsonaro desafiou o ministro do STF a prendê-lo por conta das investigações sobre milícias digitais. "Vai ter coragem?" pergunta o presidente confiado nos marechais golpistas da mamata militar
Jair Bolsonaro (PL) criticou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes por ter decidido que as investigações sobre um esquema de financiamento e divulgação de notícias falsas acontecerão por mais 90 dias. Sem falar publicamente, Bolsonaro desafiou o juiz a mandar prendê-lo. "Vai ter coragem?". Uma provocação desnecessária, miliciana, que quebra a harmonia entre os três poderes. Por que esta defesa da fake news versus realidade? Não é uma confissão de que toda propaganda bolsonarista, espalhada pelo Gabinete do Ódio, é baseada em meia-verdades, mentiras, boatos, difamações, em informações enganosas, corrompidas, inventadas?
O político também repetiu o xingamento contra Moraes feito no dia 7 de Setembro do ano passado. "Canalha". Os relatos foram publicados nesta quarta-feira (13) pelacoluna de Josias de Souza.
Bolsonaro fala em nome da mamata militar. Em nome do centrão militar. Em nome dos militares da extrema direita. Dos militares nazifascistas saudosistas dos anos de chumbo, que perduraram de 1964 a 1985, com a prisão, a tortura, o exílio e a morte de adversários civis e militares.
Depois de ter sido eleito, porque Lula da Silva estava preso injusta e ilegalmente, Bolsonaro tenta passar a mensagem de que parlamentares do Congresso Nacional e o Judiciário atrapalham o seu governo. Esses inimigos imaginários seriam imediatamente presos. Acrescentem os militares que não rezam na cartilha da família bolsonaro: de Flávio Bolsonaro senador, de Eduardo Bolsonaro deputado federal, de Carlos Bolsonaro vereador geral do Brasil.
A oposição e setores progressistas da sociedade denunciam tentativa de golpe, caso ele seja derrotado na eleição. Jornalistas e juristas acreditam que o golpe foi iniciado pelo ministro da Defesa quando, em nome de Bolsonaro, considerou = com estranha, safada, assanhada antecipação - como fraude o resultado das urnas de 2 de outubro próximo, 90 dias antes da votação.
Para tanto, vão ressuscitar os coronéis Brilhante Ustra, Paulo Manhães e outros da mesma psicopatia para reinaugurar a Casa da Morte no Rio de Janeiro, com sua Ponta da Praia, e o Doi-Codi de São Paulo.
- Bolsonaro ou morte! = gritam os generais da panelinha dos luxuosos Clubes Militares na comelança de filé, picanha, salmão, e os civis com fome. Que a fome uma exclusividade de milhões de paisanos. 116 milhões de sem terra, de sem teto não sabem se vão comer hoje.
Cantam os marechais: - Vamos fuzilar os petralhas. Os generais de Michel Temer, os marechais de Bolsonaro na farra de vinhos, licores, uísque, Viagra, próteses penianas de 25 cm, e lubrificante íntimo.
A vereadora Jessi cão Opressora, de Londrina, acaricia imagem de Jair Bolsonaro durante a eleição de 2018
Apoiadores do presidente estimulam atos violentos contra os mais fracos ou adversários políticos. Para suspeitas envolvendo a administração federal, não cobram nem as investigações previstas em lei
As ameaças de morte feitas por três deputados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana retrasada não são mais surpresa na política brasileira. Desde a eleição de 2018, os apoiadores de Jair Bolsonaro defendem abertamente práticas como assassinato e tortura, sem sofrerem nenhum tipo de punição. Quatro anos depois, o ímpeto por justiçamento continua, mas se mostra bem seletivo.
Os bolsonaristas só consideram a lei “muito branda” quando os alvos são opositores ou os mais vulneráveis. Tentam justificar ações ilegais, como espancamentos e execuções, contra os que consideram “bandidos”. Já para os escândalos envolvendo o governo ou os familiares do presidente, os apoiadores de Bolsonaro não cobram nem explicações, quanto mais a abertura de investigações previstas em lei.
Um exemplo foi o escândalo que levou à demissão do ministro da Educação, Milton Ribeiro, flagrado em áudio dizendo que pastores evangélicos intermediam a liberação de recursos da pasta “a pedido do presidente”. Implacáveis com adversários políticos ou gente sem poder político ou econômico, como professores, artistas ou ativistas, os bolsonaristas se calaram diante do maior escândalo já envolvendo o MEC. A vontade de “meter bala” e “baixar o cacete” deu lugar a outras denúncias (na maior parte das vezes vazias ou requentadas), a teorias conspiratórias ou à comemoração de datas cívicas.
Não importa nem se o alvo está vivo ou morto. Um vereador de Curitiba tem predileção por atacar a vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio em 2018. Atacar alguém que não está aqui para se defender pode não ser crime, mas autores desse tipo de ataque costumam ser qualificados com um conhecido adjetivo que denota ausência de coragem.
No começo de abril, a deputada federal Carla Zambelli (União-SP), o deputado estadual do Paraná Coronel Lee (PSL) e o deputado estadual de Minas Gerais Junio Amaral (PL) ameaçaram Lula de morte. As ameaças foram motivadas por uma fala de Lula em que o-ex-presidente pede para a militância pressionar os deputados. Para os bolsonaristas, Lula quer “invadir as casas” dos parlamentares. Zambelli prometeu “mete chumbo”. Lee disse que mandaria “a turma de Lula” para o inferno. Armando uma pistola, Amaral disse que Lula seria “bem recebido” em sua casa em Contagem (MG).
Junio Amaral: pistola
Lee
Zambelli: chumbo
Código Penal
Ignorar denúncias e criticar adversários sempre fez parte do jogo político, mas no caso dos apoiadores de Bolsonaro há duas diferenças. A primeira é que eles se apresentam como pessoas que não fazem parte do que consideram o corrompido mundo político. Na prática, agem como os demais ao blindar o governo que apoiam.
A segunda diferença é que muitos deles, em sua atuação política nas redes sociais, incorrem (ou já incorreram) em práticas que poderiam ser consideradas como de incitação ao crime. O próprio Bolsonaro, em campanha no Acre, prometeu “fuzilar a petralhada”. Incitação à violência não é garantida pelo direito à livre expressão. Defender o fechamento de um tribunal com armas na mão e sugerir o espancamento de juízes são práticas criminosas. Injúria, calúnia e difamação têm penas previstas no Código Penal.
“A liberdade de expressão, como qualquer outro direito, não está assegurada sem limites. Não estão abarcados discursos de ódio ou que preguem a eliminação de pessoas. O Código Penal contempla o delito de incitação ao crime.”
Bruno Milanez, advogado criminalista
Bolsonaro em campanha no Acre em 2018: “fuzilar a petralhada”
A imunidade parlamentar, explicou aoPluralo criminalista Bruno Milanez, não dá a ocupantes de cargos públicos o direito de incentivar atos violentos. “O parlamentar tem foro privilegiado e imunidade, mas o texto constitucional contempla as manifestações relacionadas ao exercício do cargo. Quando ele xinga alguém ou quando diz que uma pessoa deveria ser espancada, estaria fora do âmbito.” Vereadores não têm foro privilegiado.
O tema deixa margem para interpretações. Um parlamentar teria a liberdade de chamar o governo de “ladrão”, por exemplo, mesmo sem provas. “As manifestações públicas no sentido de desaprovar o adversário político, ou no sentido de tentar reduzir a importância do adversário, fazem parte do jogo democrático”, afirmou Bruno Milanez. “Os tribunais possuem orientações sobre o que ocorre no âmbito das discussões acaloradas. Mas há situações diferentes, fora do calor dos fatos.”
“Não passamos pano”
Um caso recente que mostra a tática de testar os limites da lei em ataques a adversários e recuar quando o escândalo atinge o próprio grupo político foi registrado no mês passado em Londrina. Antes da passagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela cidade, no dia 19, a vereadora bolsonarista Jessicão (PP) compartilhou um vídeo em que seu assessor pede para os opositores de Lula não deixarem o petista sair da cidade “numa boa”.
Simei: “Qualquer novidade eu divulgo sim”
“Não vamos deixar esse vagabundo pisar aqui em Londrina e sair numa boa”, disse no vídeo o assessor de Jessicão, Pablo Simei, que prometeu divulgar a agenda de Lula na cidade (o PT não divulga a agenda por causa das constantes ameaças). “Qualquer novidade eu divulgo sim. Aqui nós não queremos esse vagabundo.”
Procurado peloPlural, Pablo Simei disse que a intenção era jogar ovos em Lula (o que acabou não acontecendo). No vídeo, o assessor disse para manifestantes contrários ao petista comprarem ovos podres (depois corrigiu) — o que poderia ser considerado um ato falho diante da inflação sem controle no governo apoiado por ele: depois sopa de osso, só falta o brasileiro incorporar o ovo podre ao cardápio.
“Eu como cidadão, brasileiro, de bem, patriota, não posso deixar um vagabundo como esse ex-presidiário, pisar na cidade aonde (sic) eu moro, e não fazer o meu protesto contrario a ele e seus lacaios”, escreveu Simei. “Jogar ovo podre na cara deste ex-presidiário não chega nem perto ao que os lacaios seguidores dele fazem.”
Simei, para quem Lula é um “criminoso da pior espécie que existe” e um “lobisomem em pele de cordeiro”, se comprometeu a enviar aoPluralpublicações de teor semelhante feitas por parlamentares de esquerda ou apoiadores do ex-presidente. Mais de uma semana após o contato, nada foi enviado.
A vereadora Jessicão Opressora (ou Jessica Ramos Moreno) endossou o conteúdo do vídeo. “Estranho seria se um assessor meu estivesse recepcionando o ex-presidiário, Lula, com um buquê de rosas na mão! Eu e minha equipe não passamos pano pra bandido”, escreveu noTwitter.
Na última semana, a vereadora fez postagens em defesa do deputado federal Daniel Silveira (União-RJ), preso no ano passado, entre outros motivos, por ter sugerido o espancamento de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Na semana passada, Silveira passou uma noite na Câmara dos Deputados por se recusar a usar tornozeleira eletrônica.
Jessicão e seu assessor devem julgar que nenhum brasileiro está autorizado a ligar dois pontos ou considerar a possibilidade de parte da extrema direita abandonar o discurso violento e partir para a ação — que seria facilitada caso o decreto presidencial que dispensa o rastreamento de munições estivesse em vigor, diga-se de passagem.
Para a vereadora, Silveira é perseguido em ataques à liberdade de expressão. Liberdade não exercida por ela para sequer cobrar explicações a respeito do escândalo no Ministério da Educação. Dez prefeitos já confirmaram que pastores pediam “ajuda financeira” para suas igrejas ao liberar recursos. Se ficar comprovado que os religiosos cobravam barras de ouro, como denunciou um prefeito, alguém em Londrina terá muito pano para passar no produto da propina.
Jessicão não quer oprimir os pastores do MEC
“Tá com dó leva pra casa”
Com mais de 311 mil votos, Sargento Fahur (PSD) foi o deputado federal mais votado no Paraná em 2018. Ficou conhecido como agente da Polícia Rodoviária Estadual que postava vídeos nas redes sociais e se aposentou em 2017. No ano passado foi chamado de “o homem que não tem medo de ninguém” em entrevista ao programa “Pânico”, da rádioJovem Pan.
Fahur tem 101 mil inscritos noYouTubee 626 mil seguidores noTwitter, onde mantém fixado um discurso feito em 2019 na Câmara. “Se tapa e pescoção em vagabundo desse cadeia, eu mereço sair daqui preso e pegar prisão perpétua, porque já arrebentei muitos desses vagabundos no cacete, na bala”. Para ele, “lugar de vagabundo é no mármore do inferno” e mortes de suspeitos não devem ser investigadas. “Não tem que investigar nada não. Tem que arquivar e acabou.”
Duas postagens feitas no dia 17 de fevereiro deste ano poderiam ser interpretadas como incentivo a atos violentos. Em uma, ele sugere que um professor da rede estadual de Roraima tome “um cacete” por supostamente dizer que “quem rouba está trabalhando” (segundo o jornalGazeta do Povo). Na outra, sugere novamente o “cacete”, dessa vez para um religioso suspeito de abusar de crianças no Mato Grosso.
Fahur: política do “cacete” para professor
Em nota, Sargento Fahur (ou Gilson Camargo Fahur) disse que “ser bandido é uma escolha” que traz consequências. “Uma delas é a sentença prisional, como também o possível óbito devido à livre e espontânea vontade de estar em enfrentamento com a polícia por circunstâncias no mínimo questionáveis. Atuei por 35 anos como policial militar e ainda não entendo o porquê de tanto espanto quanto a este posicionamento. Eu posso dizer com propriedade sobre as barbaridades que este tipo de gente é capaz de cometer.”
Sim, a possível (e mais provável) consequência de entrar em confronto com a polícia é a morte. Entrar em confronto com a polícia é crime, o que independe de qualquer circunstância anterior, questionável ou não. Mas não consta que o professor de Roraima tenha cometido algum crime. Se tivesse, “cacete” não faz parte do Código Penal. Já o padre a que se refere a outra postagem foi solto com a imposição de medidas cautelares. Ele ainda não foi julgado.
Bolsonarista raiz, Fahur finalizou a nota enviada aoPluralcom a já conhecida recomendação: “Se alguém estiver com dó, é só levar pra casa”. Recomendação que não precisaria ser feita a Frederick Wassef, advogado de Jair e Flávio Bolsonaro, que levou para casa um foragido da Justiça ligado à família apoiada por Fahur, sem qualquer pedido de esclarecimento por parte do deputado. Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio e apontado como operador das rachadinhas (ou peculato) na Assembleia Legislativa do Rio, foi preso em junho de 2020 em uma casa de Frederick Wassef em Atibaia (SP).
Queiroz faz churrasco em Atibaia, em foto enviada à família em 2019: alguém levou pra casa mesmo
Risco nas eleições
O resultado da naturalização de discursos violentos em um cenário eleitoral polarizado e radicalizado como o brasileiro é imprevisível, pois ninguém sabe no que ovos podres fora de controle podem se transformar. O policial civil e vereador em Porto Alegre Leone Radde (PT), que criou um grupo para monitorar discursos de ódio nas redes sociais, não se mostra otimista.
“Tenho certeza que teremos atentados durante a eleição deste ano. Ou logo depois, dependendo do resultado.”
Leonel Radde, policial civil e vereador em Porto Alegre
Radde encaminha à polícia postagens racistas ou que contenham ameaças. Uma pessoa já foi presa. Além de ameaças, ele recebe fotos de armas, vídeos feitos por supremacistas brancos norte-americanos (um deles mostra uma mulher negra enforcada) e avisos de que outras pessoas serão assassinadas.
Há duas semanas, alguém avisou que o vereador e o ex-presidente Lula serão mortos antes da eleição deste ano. Em outra mensagem, a data das mortes foi marcada para o dia 31 de outubro. Outros alvos seriam a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) e o ativista LGBTQIA+ Antônio Isuperio.
Algumas das ameaças recebidas por Leonel Radde
O vereador recomenda que pessoas que se sentirem ofendidas ou ameaçadas procurem a polícia ou Ministério Público. Ou que denunciem seus autores nas redes sociais. “Muitas vezes o melhor efeito é atingido com a exposição nas redes. Os autores podem sofrer algum tipo desgaste no ambiente de trabalho ou de estudo”.
Mas é bom pensar duas vezes antes de divulgar mensagens que incentivem a violência. No caso de postagens feitas por candidatos, as eleições de 2018 provaram que o efeito pode ser o contrário e que o autor pode ganhar um cargo em alguma casa de leis ou em algum governo por aí.
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Guerra na Ucrânia tem muito mais ver com nosso país do que sugere imprensa corporativa (e ideológica). Mas essa análise não é feita por jornalistas de cativeiro
por Joaquim de Carvalho
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A guerra na Ucrânia não começou nesta quinta-feira, 24 de fevereiro, mas muito antes, e não me refiro especificamente a questões culturais que remontam há séculos, mas a um movimento extremista que ganhou força em 2013, e que teve como palco o pais que faz fronteira com a Rússia, e também o Brasil.
As semelhanças são gritantes. Em 2013, quando o governo democraticamente eleito pelos ucranianos decidiu não assinar acordo de livre comércio e associação política com a União Européia, extremistas foram às ruas para derrubar o então presidente Viktor Yanukovich.
A pauta era muito parecida com a das jornadas de junho no Brasil, colocada depois que, por ingenuidade ou não, militantes do Movimento Passe Livre abriram as portas para a extrema direita no País.
Na Ucrânia, as pessoas que pegaram em armas para matar militantes que queriam uma relação independente com os poderosos países ocidentais martelavam na tecla da corrupção. O presidente acabou derrubado por um golpe parlamentar, e nações como EUA e Inglaterra se associaram a fantoches ucranianos.
No Brasil, uma presidente democraticamente eleita também foi derrubada pela violência institucional, num movimento apoiado por organizações cujo financiamento ainda não está esclarecido, como o MBL e o Vem Pra Rua.
Agentes políticos como Eduardo Cunha e agentes públicos como a turma de Sergio Moro e Deltan Dallagnol deram o verniz legal a um golpe que, assim como as guerras com pólvora, geraram mortes e tragédias em geral -- que o desemprego e a retração econômica geram.
Não é exagero. Basta andar pela avenida Paulista para ver que as vítimas dessa violência estão por aí, na forma de famílias que deixaram de ter um teto para viver em barracas e lonas improvisadas. São pessoas que foram jogados à miséria e sobreviveram.
É uma inegável consequência de uma guerra.
Movimento Femen na Ucrânia
Movimento Femen no Brasil
Não é à toa que, entre bandeiras brasileiras usurpadas pelos extremistas brasileiros, apareceram bandeiras de movimento extremista da Ucrânia, como se o país do leste europeu fosse exemplo a ser seguido.
Comício golpista de 7 de setembro de 2021 de bolsonaro
A diferença é que, lá, a paz ameaçada encontrou obstáculo poderoso, a Rússia. Num primeiro momento, a Crimeia, território que culturalmente sempre foi russo, não quis conviver com nazistas e fascistas empoderados, e, por plebiscito, esmagadora maioria decidiu retornar à nação a que, historicamente, pertence.
Nazistas na Ucrânia
O mesmo ocorreu no leste da Ucrânia, região conhecida como Donbass e que tem maioria que fala russo, mas esta foi subjugada pelo exército golpista e por milicianos. Em 2014, um acordo foi assinado, para cessar a barbárie — a Rússia é signatária desse acordo, que previa autonomia crescente dos territórios de Donetsk e Lugansk.
Mas o governo ucraniano — primeiro liderado pelos golpistas, depois por um comediante eleito — não moveu uma palha para implementar o acordo assinado. Recentemente, o governo de Volodymyr Zelensky sinalizou que queria uma base da Otan no país.
É legítimo interpretar que o plano do governo era ganhar musculatura com anabolizante ocidental para não cumprir o que foi tratado -- o acordo que recebeu o nome de Minsk.
Joe Biden, como lembrou o professor Lejeune Mirhan naTV 247, poderia ter evitado o conflito armado, se tivesse declarado que a instalação de base da Otan na Ucrânia estava fora de cogitação.
Mas não.
Tanto ele quanto os generais da Otan fizeram fizeram manifestações ambíguas. Rússia reagiu, o que é legítimo, pois a instalação de bases na Ucrânia colocaria Moscou a 300 quilômetros de mísseis da Otan.
Nenhuma pessoa lúcida quer guerra — ela mata pessoas. Mas, no cenário que se estabeleceu com o avanço extremista que começou em 2013, ela seria inevitável, exceto se a política tivesse prevalecido, mas, nesta área, acordos e palavras precisam ser cumpridos.
Biden, que poderia seguir o exemplo de Franklin Roosevelt e combater o fascismo (e sua vertente nazista), preferiu manter a aliança com Kiev. Ele, naturalmente, não é fascista, mas não foi capaz de compreender que o fascismo sempre foi, em qualquer circunstância, inimigo da humanidade.
O mercado pode ter ganhos imediatos com o fascismo, mas seu desfecho será sempre trágico, se não for contido.
Os golpes militares, os golpes da extrema direita, os golpes nazifascistas sempre foram financiados e tramados pelos serviços de inteligência dos Estados Unidos. São promovidos sempre por fardados. Por togados e políticos nazistas como aconteceu recentemente no Paraguai contra Ludo, na Bolívia contra Evo Morales, no Brasil da Lava Jato contra Dilma.