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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

18
Nov22

Com vazamentos para imprensa, militares tentam enquadrar transição

Talis Andrade

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General que mandou Barroso tomar cuidado aumentou em 900% seu patrimônio nos anos Bolsonaro

 

Por Jeferson Miola /247 

Oficiais militares, principalmente do Exército, usam a imprensa para testar o trânsito das suas pretensões na transição de governo; mas, em especial, para tentar enquadrar e/ou influenciar as escolhas do governo eleito acerca do ministério da Defesa e das Forças Armadas.

Plantam informações e versões – algumas verdadeiras, outras falsas –, insinuam planos e propostas e, também, fazem circular factóides e balões de ensaio.

Eles estão centralmente empenhados em emplacar seus interesses político-partidários, corporativos e estratégicos no processo de transição de governo.

Apesar de aquartelarem nas sedes dos comandos militares as hordas de criminosos e fascistas que promovem caos, baderna e atentam contra a democracia, as cúpulas militares fazem de conta que tudo transcorre dentro da mais absoluta normalidade.

Este simulacro de normalidade é funcional e conveniente. Com a simulação de uma falsa normalidade, eles tentam continuar interferindo na política como se nada tivesse acontecido e como se nada de anormal e inconstitucional ainda continuasse acontecendo.

São sintomáticos, nesta condição de normalidade, os vazamentos que eles fazem sobre o perfil do ministro da Defesa que poderiam “aceitar” ou “objetar”. Vazam que “admitem” um ministro civil, mas não sem indicar preferências e restrições.

Não simpatizam com a possibilidade, por exemplo, de que o eventual indicado venha a ser algum jurista egresso do STF ou, então, algum diplomata.

Por outro lado, sinalizam que ficariam satisfeitos com a nomeação de alguém com o perfil de Aldo Rebelo – que, não por acaso, cultiva uma cosmovisão convergente com a deles sobre o papel histórico, presente e futuro das Forças Armadas na tutela da democracia.

Para a escolha dos comandantes das três Forças, eles nem de longe cogitam transferências para a reserva, pois “apostam” que Lula observará o critério de antiguidade e nomeará os mais antigos – estes mesmos generais oficiais e comandantes que estimulam e defendem os atos criminosos e antidemocráticos organizados e reunidos em áreas de administração militar.

Em reportagem do jornal Estadão, o jornalista Felipe Frazão menciona que na visão de generais da ativa ouvidos, “seria natural a preparação da transição pelos generais mais antigos de cada Força, cotados para assumir o comando-geral”.

Esta pretensão absurda evidencia a arrogância das cúpulas partidarizadas das Forças Armadas, que arvoram para si prerrogativas e poderes não previstos na Constituição brasileira. Eles não reconhecem o dever de obediência ao poder civil e às instituições civis.

O fim do governo militar nominalmente presidido por Bolsonaro representa, igualmente, o encerramento de mais um ciclo desastroso de atuação dos militares na política.

No contexto da restauração da democracia, será preciso despartidarizar, despolitizar e, sobretudo, profissionalizar as Forças Armadas à luz da missão exclusiva da defesa do país em relação a eventual agressão estrangeira.

Para isso, é imprescindível transferir para a reserva a geração de oficiais que ainda hoje, século 21, respira os ares do porão da ditadura, idolatra o sanguinário Brilhante Ustra e reverencia como guia intelectual o general-conspirador Villas Bôas.

A tragédia legada pelo governo militar, que deixou o país em escombros e o povo brasileiro em sofrimento profundo, é um testemunho eloquente da incompatibilidade do alto oficialato e dos comandantes não só com a democracia, mas também com um projeto de Forças Armadas competentes, legalistas, profissionais e confiáveis.

Villas Bôas, o general golpista, volta a atacar

 
 
21
Jan22

Peça 3 – os movimentos de opinião pública

Talis Andrade

jornalista imprensa marrom .jpg

Xadrez sobre Bolsonaro, eleições e crime

 

01
Set21

Xadrez das saídas possíveis para Bolsonaro

Talis Andrade

Não haverá mais espaço para blefar. Depois do desfile de tanques velhos, de não conseguir mobilizar as FFAAs e o Congresso contra o STF, esgotaram-se todos os factoides. Terão que aparecer fatos novos. E quais seriam?

 

 

por Luis Nassif /Jornal GGN

 

Peça 1 – o maior pavor de Bolsonaro

O maior pavor de Bolsonaro atende pelo nome de Alexandre Moraes, Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Dele provavelmente sairá a ordem de prisão de Eduardo Bolsonaro, provavelmente depois que a Justiça do Rio de Janeiro decretar a de Carlos Bolsonaro, por crimes relacionados ao gabinete do ódio. Mais à frente, provavelmente sairá do Pleno ou da 2a Turma a ordem de prisão de Flávio Bolsonaro, por crimes diversos, envolvendo não apenas as rachadinhas, mas enriquecimento ilícito.

Mais à frente, ou impichado, ou derrotado nas urnas, será a vez da condenação e provável prisão do próprio Bolsonaro.

Este é o pesadelo recorrente de Bolsonaro que, mais de uma vez, tem demonstrado um medo pânico desse destino manifesto.

Todos os seus atos devem ser analisados sob esta ótica: como anular a ofensiva do Supremo.

 

Peça 2 – o fracasso dos golpes convencionais

De início, Bolsonaro tentou um auto-golpe militar, com a história do “meu Exército”, ou “minhas Forças Armadas”. Não colou. Acabou demitindo o Ministro da Defesa legalista e colocando em seu lugar o general Braga Neto.

O máximo que conseguiu foi a criação de um álibi para atacar o Congresso – o discurso do senador Omar Aziz sobre militares suspeitos – para atacar o Congresso, que resultou em uma carta articulada por Braga Neto, e assinada pelos três ministros militares. Pensava em pressionar a CPI e, por tabela, o Supremo. Não colou. Houve uma crítica generalizada contra a carta, a convocação de Braga Neto à Câmara onde ouviu de um deputado do PT, Paulo Teixeira, que, se tentasse boicotar as eleições, seria preso.

O STF pagou para ver, a própria CPI pagou para ver e Bolsonaro não tinha cartas para mostrar.

 

Peça 3 – a aliança com o Centrão

Em franco desespero, entregou-se completamente ao Centrão. Passou a ele o comando da Casa Civil, entregou o controle total do orçamento, vai entregar mais ministérios.

Foi suficiente para barrar qualquer intenção de abertura de impeachment, mas foi insuficiente para deter a armada Alexandre Moraes e a CPI do Covid.

Para ampliar seu desgosto, a popularidade está se esvaindo e Bolsonaro sabe que a crise de energia trará um desgaste enorme pela frente, ao qual se somarão os desgastes com o fracasso da luta contra a pandemia, e os aumentos da inflação e dos combustíveis.

Ao mesmo tempo, a cada sessão a CPI dos Precatórios continua demolindo a imagem do governo. Será sucedida pela CPI das FakeNews, ai envolvendo diretamente os filhos de Bolsonaro.

Nesse ínterim, as instituições continuaram cercando os radicais. A CPI das Fakenews obrigou a prestar depoimentos o general Ramos e o próprio MInistro da Justiça. O STF ordenou a prisão de youtubers e deputados terroristas. O Ministério da Saúde teve que cancelar as operações de compra de vacinas e assim pior diante, uma derrota atrás de outra.

 

Peça 4 – a armadilha da radicalização

Depois de tantos lances mal sucedidos, restou claro para Bolsonaro que sua última arma é a mobilização dos seus radicais. Daí o fato de ter levantado uma série de temas mobilizadores para sua base.

O bolsonarismo raiz está restrito a três grupos:

1. Ruralistas e garimpeiros, de olho nas terras indígenas.

2. Evangélicos e terraplanistas em geral.

3. As milícias propriamente ditas e as bases de policiais militares estaduais.

Para mantê-los mobilizados, Bolsonaro empunha três bandeiras:

1. A história do voto impresso, peça central para conseguir fraudar ou colocar em dúvida as próximas eleições.

2. Os ataques ao Supremo, apresentado como o grande inimigo da liberdade.

3. A discussão, no âmbito do Supremo, sobre o destino das reservas indígenas.

Mesmo assim, não se trata de tarefa comezinha atender à sede de violência desses três grupos.

O relacionamento de Bolsonaro com sua base exige uma radicalização progressiva. Não pode haver recuo, não pode demonstrar nenhum sinal de fraqueza, sob risco da base debandar. E aí entra em uma armadilha com apenas um desfecho possível.

Bolsonaro ameaça verbalmente o Supremo. 

A resposta tem sido medidas objetivas de punição dos radicais. 

Bolsonaro não pode repetir o movimento anterior, pelo fato do blefe ter sido desmascarado. 

Sua única alternativa é dobrar a aposta, num fenômeno típico do priapismo político que não pode nunca terminar em empate.

Dobrando a aposta, torna-se mais suscetível às reações do Supremo que, no limite, poderá levar ao impeachment.

Nessa roda viva, Bolsonaro criou seu Dia D, as manifestações de 7 de Setembro.

 

Peça 5 – 7 de Setembro, o dia D

A única maneira de segurar o Supremo seria através de um golpe. E golpe só pode ser dado com o endosso das instituições. As duas instituições centrais já pularam foram: Forças Armadas e o Congresso do Centrão.

Sem as armas institucionais, aparentemente, Bolsonaro jogou todas suas fichas nas manifestações de 7 de Setembro. Mas o que ocorrerá no dia 8?

As manifestações terão dois resultados: ou ser muito bem sucedido, ou fracasso. Mesmo se for um sucesso, cinco dias depois haverá as manifestações da oposição, fazendo o mesmo barulho. Jogadas teatrais, como motociatas ou ajuntamento de pessoas em locais específicos – avenida Paulista ou Praça dos Três Poderes – não colam mais. Cada vez mais são aglomerações isoladas, já que as pesquisas de opinião mostram o esvaziamento gradativo do bolsonarismo.

Qual o passo seguinte, então? cha inexorável rumo ao fim?

Tente raciocinar com a cabeça de Bolsonaro.

Na quadra atual, não haverá mais espaço para blefar. Depois do desfile de tranques de guerra velhos, de ameaças diárias, de não conseguir mobilizar FFAAs e Congresso contra o STF, esgotaram-se todos os factoides possíveis. Terão que aparecer fatos novos. E quais seriam?

1. Ações localizadas de violência, tentando criar um clima de insegurança nacional capaz de justificar a convocação da Força Nacional.

Será um gesto de desespero, contra o qual há anticorpos. O Ministro Ricardo Lewandowski previu essa possibilidade e alertou que, uma tentativa nessa direção poderia ser enquadrada em crime inafiançável.

2. Atentados isolados

Sem haver necessariamente palavras de ordem, estímulos indiretos para a ação dos seus radicais.

3. Um incêndio de Reichstag

Refiro-me, no caso, ao incêndio do Reichstag, preparado por Hitler, atribuído à esquerda e que serviu de motivação para a tomada do poder pelo nazismo.

 
16
Ago21

Xadrez do réquiem do jornalismo

Talis Andrade

Benett on Twitter: "Charge do dia no @pluraljorbr… "

 

por Luis Nassif /Jornal GGN

 
Peça 1 – o jornalismo volta a falar português

Depois de 15 anos nas sombras, o jornalismo brasileiro volta a falar o português. 

Nesse período, em função da guerra cultural promovida pela mídia, o jornalismo brasileiro emulou o período da ditadura, recorrendo a metáforas, metonímias, e todo tipo de figura de linguagem para conseguir driblar a censura dos veículos. Em nada diferente dos anos de chumbo.

Um bom exemplo é Jamil Chade. 
 
Em seu período de Estadão foi o único a furar o bloqueio da mídia em relação aos escândalos da FIFA-CBF-Globo ou sobre a Lava Jato. 

Trazia informações relevantes, mas em uma linguagem anódina, para não estimular a tesoura da redação. Hoje em dia, no UOL, ganhou a liberdade para que seu estilo o consagrasse como relevante repórter de direitos humanos.

Ao mesmo tempo, vê-se a Globonews, dona de um discurso duro e imutável que nem concreto armado, enaltecendo a importância do debate, de se ouvir os dois lados. 

Por enquanto, a diversidade é apenas em suas vinhetas. 

Mas vai atingir os programas jornalísticos e de debates.

Há uma série de eventos explicando as mudanças.

O primeiro deles, o fator Bolsonaro. 

A guerra cultural iniciada pela mídia a partir de 2005, o discurso de ódio, o jornalismo de guerra, de destruição do inimigo, o uso de factoides, saíram do controle da mídia e foram sendo apropriados pelo bolsonarismo, recorrendo às redes sociais para ganhar autonomia. 

Os grupos de mídia perderam o controle sobre suas criaturas. Agora, para se diferenciar dos fake news, precisam voltar a praticar o velho jornalismo.

O segundo evento foi o fator CNN – entrando no país em cima do mesmo modelo e dos critérios da matriz americana. 

É curiosa, aliás, a maneira como a Globonews – cujo jornalismo sempre se baseou na CNN americana – corre atrás do padrão da CNN brasileira. 

Emula os mínimos detalhes:

* os elogios aos cenários mostrados pelos correspondentes nacionais;

* a forma de agradecer os convidados;

* a relevância do bom ambiente interno, que passa a ser parte integrante da interação com os espectadores, contrapondo-se ao velho modelo televisivo brasileiro, de guerra inclemente entre estrelas. As chamadas do novo programa matinal da Globonews são do estilo “como nós nos amamos”.

* o investimento na imagem dos jornalistas, que voltam a ser tratados como estrelas da notícia, valendo-se do mesmo processo de construção de celebridades;

* a permissão para que alguns jornalistas possam avançar em opiniões próprias, espaço que vem sendo bem aproveitado pelos jornalistas mais talentosos e corajosos;

* um aumento saudável do espaço a apresentadores e comentaristas multi-raciais, com predomínio dos negros.

Mas a pluralidade é relativa. 

Combate-se o terraplanismo de Bolsonaro, mas temas ligados a interesses do mercado continuam sendo tabus em todos os veículos.
 

aroeira tv globo.jpg

 



Peça 2 – a informação como direito

Assim como em outros campos, o mercado de opinião foi legitimado sob o égide da competição. 

Ou seja, do confronto de ideias nasce o consenso. 

Esse modelo, de um Ágora grego idealizado, foi distorcido pela mídia corporativa por razões variadas.

Grupos de mídia são empresas cujos interesses econômicos são determinantes para a definição da sua linha de atuação. Em um mercado competitivo, há processos de auto-regulação. 

Quando um veículo sai dos trilhos, colocando explicitamente os interesses próprios acima dos interesses do leitor, o concorrente trata de apontar os pecados.

Mas, para tanto, há necessidade de duas pré-condições:

Sociedade com valores democráticos consolidados.

Mercado competitivo. Para cada Fox News, uma CNN, New York Times, Washington Post.

Isso não ocorre no Brasil, um mercado cartelizado, com princípios democráticos frágeis. 

A partir de 2005, firma-se o pacto de grupos em crise em torno de Roberto Civita, passando a praticar o jornalismo de guerra e de esgoto, sem risco de ver seus pecados explorados pela concorrência. 

Espalharam ódio, notícias falsas, teorias conspiratórias, assassinatos de reputação, jogadas comerciais disfarçadas de denúncias morais. 

E acabaram confirmando o diagnóstico de John Pullitzer: “Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma”. 

O único contraponto foram blogs e sites dissidentes praticando guerrilha informativa.
 

La TV Pública griega no está muerta por Juan S

 



Peça 3 – entendendo a nova lógica da mídia


Para enfrentar os inimigos, a mídia necessita recuperar a legitimidade, praticando jornalismo. 

Isso explica o movimento atual, de defesa dos direitos e de alguma sensibilidade em relação aos vulneráveis. Quanto tempo durará a defesa de princípios?, eis a questão. 

Durará até a próxima onda conservadora.

Para entender a incoerência da mídia – especialmente a brasileira -, seria útil a leitura do livro “A superindústria do imaginário”, de Eugênio Bucci. 

As distorções dos últimos anos, mais a face atemorizante das ruas, mereceram de Bucci uma reavaliação competente. 

O Bucci de 2017 sustentava a que “a imprensa livre é a única defesa da sociedade contra a expansão dos populistas com tendências autoritárias”.

Agora, os pontos principais de seu livro esposam outras convicções:

O início da informação sistematizada foi a economia, os negócios, o mercado. 

Reunidos em público, por meio da comunicação, os comerciantes privados tratavam de negócios e, só mais tarde, como num desdobramento, passaram a tematizar questões relativas à política. 

Aquilo a que se entende como esfera pública, portanto, essa esfera que trata, entre outros assuntos, dos destinos comuns de uma sociedade em seu sentido político mais elevado, é uma consequência da atividade prioritariamente econômica dos agentes de mercado.

O enfraquecimento do jornalismo escrito.

Como saber ler não era mais um requisito obrigatório para o consumo dos produtos da comunicação social, multidões iletradas passaram a ter acesso a discursos, anúncios, entretenimento e mesmo notícias, que se tornaram um segmento diminuto do repertório dos meios, agora mais interessados na diversão.

Os malefícios das transmissões ao vivo de sessões do STF.

Faz também, uma revisão corajosa sobre os malefícios da TV Justiça e da transmissão ao vivo dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal. 

Em 2010, tivemos posições distintas sobre o tema. Bucci julgava ser fator de aumento da transparência. 

De minha parte, dizia que quando Ministros entrassem no grande show da mídia, terminariam refém dos donos do roteiro – os veículos de mídia.

Diz Bucci em seu livro:

Na instância da imagem ao vivo, a mesma divindade é impelida a sair para tomar sol de topless e óculos escuros, o que não é uma reles força de expressão. 

Está aí, escancarado, o desserviço que a TV Justiça, pura instância da imagem ao vivo jurisdicional, presta para o protocolo de altivez dos magistrados. 

Se, na instância da palavra impressa podemos reconhecer traços dos fundamentos significantes da hermenêutica, da exegese, do juízo de fato, do juízo de valor e das jurisprudências, na instância da imagem ao vivo o que se vê é a aderência entre um ícone (um amuleto, uma figura, um nome, um logotipo, uma marca) a um sentido imediato (sem mediação da razão), envolvendo estímulos lascivos.

A lógica da mídia e os interesses comerciais

Quando, depois dos jornais de opinião, apareceu a imprensa comercial, com publicidade e com o desenvolvimento da indústria gráfica, o negócio se expandiria mais. (…) 

As redações se estabelecem como artesãs não da democracia em um sentido ideal, mas da novíssima mercadoria da informação jornalística, difratada em notícia, opinião e faits divers, dando a largada para o mercado publicitário maduro. 

A imprensa, diz Habermas, era “o pórtico de entrada de privilegiados interesses privados na esfera pública”.


Do mesmo modo, a opinião pública deixa de ser olhada como o locus da racionalidade e da democracia. É um bicho perigoso, que se move por ondas e é influenciado por signos, por imagens, pelo efeito manada.

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Peça 4 – o movimento pró-cíclico da mídia


Mesmo com um certo retorno aos princípios jornalísticos, pela mídia corporativa, e o trabalho da mídia digital, dificilmente a imprensa cumprirá o poder de mediação, necessário para os tempos atuais.

Primeiro, pela falta de compromisso democrático da mídia, e por sua subordinação às ondas. 

Depois, pelo fim do modelo tradicional de mídia – concentrado em poucos veículos, mas competindo entre si, tendo o ponto forte na habitualidade da leitura ou da audiência.

Com todos seus vícios, o modelo tradicional dos jornais permitia aprofundamentos, enfoques não ligados diretamente à busca de audiência, por duas características principais.

1- Havia uma mescla de entretenimento e artigos de fundo. As seções de variedades, esportes e local garantiam a audiência. E política e economia sustentavam a reputação, a influência. 

2- A continuidade da leitura permitia ao jornal – com todas as limitações e idiossincrasias – praticar a mediação. O articulista podia elogiar o político um dia, criticar no outro, permitindo ao leitor – com a continuidade da leitura – entender a lógica da mediação.

Esses dois movimentos criavam o efeito pedra no lago. Uma matéria inovadora de um grande veículo se propagava pelos veículos menores e pela mídia regional.

No ambiente online, cada matéria tem vida própria. 

Cada reportagem é medida pela quantidade de likes e de leitura. Há uma enorme poluição de informações, palpites, opiniões, diluindo as mensagens de maior impacto. Se o articulista criticar um partido hoje e elogiar amanhã, será criticado pelas partes em todos os momentos. 

Da mídia digital, não se espere discussões aprofundadas sobre as novas ideias. 

Assim como a corporativa, é prisioneira da nova lógica digital, centrada na visualização rápida, nos clicks e curtidas. Nessa lógica, um meme vale mais do que uma reportagem de fôlego. E os veículos tornam-se prisioneiros de seus leitores. 

Há um receio pânico de enfoques inovadores, sequer de ouvir o outro lado, devido à dificuldade de assimilação pela público-manada.

tv pensamento opinião controle indignados.jpg

 



Peça 5 – o controle pelas big techs


A grande questão em jogo é que a imprensa – tal qual conhecemos do início do século 20 até agora – morreu. Nesse período, foi o mais relevante influenciador de opinião da história, mais que as religiões, os partidos políticos, os sindicatos.

E agora? 

O Ágora grego se transformou em um mercado persa, com cada veículo expondo seus produtos de forma desordenada, tentando monetizar de qualquer forma, ampliando a espetacularização da notícia, fugindo do aprofundamento dos temas, buscando cada vez mais o fígado e o estômago do que o cérebro do público.

Hoje em dia, há veículos que atendem à demanda da esquerda, da direita, do centro e dos apolíticos. 

Os mais eficientes tornaram-se grandes propagandistas de suas ideias.

Sem a bússola da relevância, o jornalismo torna-se joguete de algoritmos, cenário no qual as convicções são formadas pelo efeito repetição, pelo título e pelo lead da matéria.

O grande desafio será como se dará a reinvenção do jornalismo. Se é que ainda tem sobrevida.

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15
Ago21

“Bolsonaro produz um som estridente cada vez mais alto, mas sem efeito”

Talis Andrade

Mitolândia! | Humor Político – Rir pra não chorar

Cientista política diz que instituições até agora têm conseguido frear o golpismo do presidente, mas alerta: “há sempre risco de ruptura, pois temos um presidente que gostaria de destruir a democracia”

 

 
03
Mar21

Percepção de risco e exposição ao vírus na pandemia

Talis Andrade

 

por Wilson Gomes /Cult
 
- - -

Fevereiro de 2021 termina com grande parte do sistema de saúde dos estados e municípios brasileiros entrando em colapso diante da nova onda de Covid-19. Há pelo menos um mês a chamada média móvel está acima de mil mortes por dia. As novas e mais contagiosas variantes da doença saturam a capacidade dos hospitais ao mesmo tempo em que incapacitam os médicos e enfermeiros da linha de frente. 

Já completamos um ano convivendo com a tragédia, e a sensação que se tem é que voltamos ao pior patamar alcançado no ano de 2020, se é que não estamos em pior situação. Um pesadelo sem fim.

O bolsovírus

Sabemos, claro, que não estamos nesta situação por acaso. Os especialistas têm muita clareza de que muitas dessas 250 mil mortes teriam sido evitadas se não tivéssemos no comando do país Jair Bolsonaro, sua incapacidade de gestão, seu narcisismo de louco que não permite compartilhar poder e cercar-se de gente competente, suas convicções de fanático avesso a ciência e a conhecimento, sua paranoia política que lhe impede de escutar quem quer que não seja convertido às suas crenças ideológicas e pensar um país para todos. O fator Bolsonaro explica por que faltam vacinas, por que não há um cadastro de vacinados nem uma fila clara e indiscutível de vacinação, dentre outras tantas coisas que todo mundo sabe. 

Mas nem toda autoridade política no país é composta de gente de padrão moral tão vil a ponto de politizar ao extremo, e da forma mais amesquinhada, medidas sanitárias, de um lado, e a vacinação da população, do outro. Nem da combinação absolutamente letal de uma personalidade paranoica – que resolve ser presidente República e ministro da Saúde ao mesmo tempo por não confiar em mais ninguém – com um perfil de incompetência tão absoluto que nada que não possa ser realizado apenas com saliva, factoides, perdigotos, maldade e insultos é efetivamente feito pelo governo central do país.

Temos gestores dignos nos estados e municípios que tiveram respaldo da opinião pública e do STF para, na medida do possível, tomar medidas para minorar a pandemia para os seus governados. Além disso, tivemos um jornalismo que, em geral, foi responsável, consciencioso e corajoso ao ponto de enfrentar a insensatez mortal do presidente e dos seus seguidores do movimento bolsonarista. Sem mencionar os pesquisadores e divulgadores científico que foram aos meios tradicionais e aos meios digitais de comunicação para defender fatos e evidências e enfrentar as campanhas de fake news e narrativas de complôs da extrema-direita. 

Entretanto, apesar de tanta informação de qualidade e de tantos gestores que assumiram corajosamente todas as medidas possíveis para a evitar a disseminação acelerada da doença e a sobrecarga dos hospitais, uma parte da população desafiou as informações oferecidas, desobedeceu às determinações das autoridades para uso de máscara facial, isolamento e lockdown, e sabotou todas as medidas sanitárias consideradas essenciais para evitar o estado de coisa em que nos encontramos. 

Por que uma parte dos cidadãos insiste em se expor ao vírus? 

É da mentalidade dos brasileiros que as explicações preferidas para os problemas sociais coloquem a maior parte da responsabilidade nos ombros de quem governa. E Bolsonaro e Pazuello facilitam esse trabalho, tanto pelo que não fizeram quanto pelos seus feitos e malfeitos. Mas o fato da inépcia e da sabotagem das duas patéticas figuras não explicam, sozinhas, as festas clandestinas durante a pandemia; as aglomerações, a resistência ao uso de máscaras em lugares públicos, a recusa a cooperar com regras mínimas de isolamento social. 

 

E, é claro, não vamos nos iludir,
nem todos os que se entregaram
a este ano de desobediência civil
eram bolsonaristas, muito
embora inegavelmente parece
haver uma correlação entre a
ideologia bolsonarista e a
resistência às medidas sanitárias.

 

Existe uma área multidisciplinar de pesquisa desde os anos 1960 que estuda a chamada “percepção de risco”. Percepção é um julgamento subjetivo, uma opinião ou sentimento pessoal. A percepção de risco é a sensação ou julgamento subjetivo que as pessoas fazem sobre a gravidade envolvida em uma determinada situação. 

Muitas das atitudes e dos comportamentos adotados pelas pessoas nesta pandemia dependem da percepção do risco de se contaminar, do risco de morrer ou do risco de que outras pessoas morram e se contaminem por causa das minhas atitudes e comportamentos. É razoável supor que quanto maior a percepção de risco de morte ou doença, maiores os cuidados e precauções, e quanto menor a sensação de que se pode morrer ou adoecer gravemente, menor adesão às medidas de saúde recomendadas e menor colaboração com as autoridades. 

Muita gente não compreende como as pessoas continuam se expondo a todo tipo de risco nesta pandemia e apostam que isso decorre da falta de informação de qualidade. Mas o que menos faltou neste período foi um fluxo constante de informação correta, transparente e confiável, apesar das campanhas de desinformação do obscurantismo bolsonarista. Não é certo que todas as pessoas que se expuseram intensamente, de maneira constante ou eventual, à contaminação, eram todas mal informadas ou desinformadas, muito menos dogmáticos bolsonaristas.

Na verdade, a questão social mais relevante não é quanta informação exata as pessoas têm, mas como fazer com que as pessoas tenham percepções exatas sobre os fatores pessoais e sociais de risco, como aproximar a percepção de risco e o risco real e objetivo. O que, infelizmente, não são a mesma coisa. A sensação de risco não depende apenas de fatos, mas também da nossa mente e da nossa cultura, é uma construção psicológica subjetiva, influenciada pela variação cognitiva, emocional, social, cultural e individual que há entre pessoas diferentes e até mesmo entre sociedades distintas. 

Não conheço pesquisa sobre percepção de risco e a vontade do público de cooperar e adotar comportamentos para a proteção da saúde durante pandemias no Brasil, mas há alguns estudos internacionais já publicados, inclusive comparativos, que li esta semana. Há certas descobertas que talvez nos ajudem a compreender a resistência à cooperação neste país.

Tudo indica, por exemplo, que quanto mais a informação em circulação na sociedade é magnificada, ampliada, em ambientes familiares e amigos, maior a percepção de risco e maior a adesão às políticas de prevenção e isolamento. Ou seja, quanto maior a coesão familiar na convicção sobre o risco de morrer, maior a adesão do indivíduo a esta avaliação e maior a probabilidade de que adote comportamentos correspondentes. De colaboração ou de desobediência.

Outro fator importante tem a ver com mentalidade. Quem é mais pró-social, isto é, quem pensa que é importante fazer coisas em benefícios dos outros e da sociedade mesmo que isso lhe custe pessoalmente alguma coisa, tem mais percepção de risco e, portanto, expõe-se menos à contaminação. Por outro lado, quanto mais individualistas forem as suas visões de mundo, menos riscos as pessoas percebem. Aqui temos um componente interessante, onde a posição ideológica na polarização política é muito importante, mas também conta a diferença entre uma mentalidade mais e menos hedonista, voltada para a própria satisfação e prazer. Perspectivas individualistas e perspectivas pró-sociais são decisivas para a sensação de risco e, portanto, para a adoção ou rejeição deste ou daquele comportamento. 

Além disso, quem teve experiência direta e familiar com adoecimento grave e morte percebe, naturalmente, mais riscos em comparação com aquelas que não tiveram experiência direta. 

A confiança na ciência e no pessoal da saúde foi constante e positivamente correlacionadas com a percepção de risco. Assim como se descobriu que os homens têm percepções de riscos mais baixas do que as mulheres em muitos países. É de se esperar também, por observação, que jovens se sintam mais invulneráveis que velhos, que esportistas se considerem menos vulneráveis do que sedentários.  

A conclusão é que talvez as campanhas de comunicação nesta pandemia, as governamentais e as das empresas de jornalismo e de plataforma, não tenham entendido que comportamentos não são modificados apenas com base em informação ou dados exatos, confiáveis e atualizados. Que entre a informação, de um lado, e a atitude e o comportamento, do outro, estão os julgamentos subjetivo e intersubjetivo sobre riscos e sobre a própria imunidade. Que a sensação de risco é socialmente negociada com base nas experiências pessoais e sociais, nos valores e nas crenças na própria invulnerabilidade. Uma campanha de comunicação precisaria também ser uma campanha de comunicação de risco, para diferentes públicos, entendendo exatamente, portanto, como cada um deles avalia o próprio risco de se contaminar ou morrer. 

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23
Fev21

MPF distorceu notícia para desviar atenção da imprensa sobre decisão desfavorável da Justiça da Suíça

Talis Andrade

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Tribunal Penal Federal da Suíça considerou ilegal entrega de documentos a procuradores brasileiros que atuavam na "lava jato"

A Lava Jato fabricava depoimentos de presos e testemunhas. Portanto, muito mais fácil criar informações falsas para a imprensa. Era uma fábrica de boatos, de mentiras, de injúrias, de calúnias, de meias-verdades. Mantinha assessoria de imprensa e agências de publicidade. Era uma organização criminosa. Acabou de podre.

Publica o portal Consultoria Jurídica: Integrantes da chamada "lava jato" em Curitiba criaram um factoide para esconder uma decisão desfavorável e se antecipar ao trabalho da imprensa. A informação consta em novos diálogos enviados pela defesa do ex-presidente Lula ao Supremo Tribunal Federal.

O episódio envolve decisão do Tribunal Penal Federal da Suíça que considerou ilegal uma entrega de documentos do país a procuradores brasileiros que atuavam na "lava jato". 

Conforme noticiou com exclusividade a ConJur em 2 de fevereiro de 2016, a promotoria do país europeu fez um pedido de cooperação solicitando que diversos investigados no Brasil fossem interrogados. Junto com os questionamentos, entretanto, foram enviados documentos bancários sigilosos de uma empresa offshore suíça. Os dados haviam sido solicitados anteriormente pelo Brasil para tentar provar que a Odebrecht pagou propina a terceiros. Esses documentos foram considerados ilegais pelo tribunal suíço.

Em 20 de janeiro de 2016, 13 dias antes da ConJur publicar a reportagem, o MPF em Curitiba já começou a se movimentar sobre como abafar a decisão desfavorável.

"Pepino com a Odebrecht. Se preparem. Um tribunal suíço deu razão a eles num pedido que o MPC [Ministério Público suíço] fez ao MPF", disse uma pessoa não identificada em um grupo lavajatista. A identidade de quem enviou a mensagem não aparece porque o nome dos responsáveis por criar chats hackeados do Telegram é suprimido. 

Em seguida pessoa identificada como "Renata", provavelmente assessora de imprensa do MPF, respondeu: "Isso deve sair na imprensa já, já. Quando tiverem informações, por favor, me passem". A partir daí foi articulado um release que seria enviado apenas aos jornalistas que eventualmente questionassem o MPF sobre a decisão do tribunal suíço. 

"Essa informação será trabalhada pela comunicação. Mas eu e Jeanne tb pensamos que podemos trabalhar de alguma forma a investigação Suíça. Seria mais ou menos algo na linha de que a empresa que questiona tanto a condução da investigação, se diz inocente etc, é investigada na Suíça por corrupção", prossegue Renata. 

"Mas só falamos [com a imprensa] se nos procurarem. É isso? Sem divulgação…", pergunta outro assessor, identificado como Rubens. 

 

A decisão


O questionamento do envio de dados na Suíça foi feito por uma das empresas offshore apontada por investigadores da "lava jato" como responsável pelo pagamento de propina a ex-diretores e gerentes da Petrobras. Os dados bancários dessa empresa foram enviados pelo MP suíço e utilizados como prova na "lava jato".

Inconformada com a atitude, a offshore recorreu ao Tribunal Penal Federal da Suíça afirmando que o envio dos dados foi ilegal, uma vez que houve produção de provas disfarçada de cooperação. 

Ao analisar a ação, o tribunal concluiu que houve um caso de entraide sauvage ("auxílio judicial selvagem", em tradução livre do francês). Na decisão, a corte ressaltou que em alguns casos o envio de dados sigilosos é permitido no processo rogatório. "Porém, o fornecimento de provas caracteriza uma forma da 'entraide sauvage' repudiada", diz a sentença.

Com base na decisão do tribunal suíço, a defesa do executivo da Odebrecht Marcio Faria da Silva pediu o desentranhamento das provas da ação penal que resultou em sua prisão. O executivo foi condenado por Sergio Moro. 

Os advogados de Silva lembraram que o próprio Moro, então juiz, afirmou que "as provas materiais principais" do processo são os documentos bancários anexados ao pedido de cooperação encaminhado pela Suíça ao Brasil em 16 de julho de 2015.

 

O release do MPF


Já no release do MPF, publicado um dia depois da reportagem da ConJur, a decisão suíça foi tratada como uma vitória dos procuradores brasileiros.

A manobra se deu da seguinte forma: ao invés de falar que a Justiça do país europeu considerou ilegal o envio dos dados bancários e cobrou informações das autoridades locais, o MPF noticiou apenas que a Odebrecht buscava impedir o uso do material no Brasil, mas que a empreiteira não conseguiu. 

"Com o recurso, a Odebrecht almejava impedir o uso, no Brasil, dos documentos bancários suíços que comprovam que ela pagou propinas multimilionárias, mediante depósitos diretamente feitos nas contas controladas por funcionários da Petrobras. Contudo, o Tribunal suíço concedeu à empresa apenas o direito a um recurso interno, tal qual ocorreria caso o pedido de cooperação tivesse partido do Brasil para a Suíça", diz a nota. 

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07
Fev20

Sem conseguir comprovar, tentam confundir…

Talis Andrade

Goya’s Inquisition: from black legend to liberal legend

 

Com a arrogância típica dos salvadores da pátria, alguns promotores e alguns juízes prometeram a “cura” para a corrupção. Para se esconder daquilo que jamais poderão entregar, precisaram criar uma máquina de marketing baseada em factóides e na intimidação. Tratam de manter o ar pesado, para validar sua prática de atirar primeiro e perguntar depois

 

 

Toda investigação, em qualquer área do conhecimento, começa com suspeitas e teses. Não é raro vermos especulações improváveis abrirem caminho para grandes e importantes descobertas. É tão comum que existem até programas de TV especialmente voltados para as reviravoltas em pesquisas médicas e em investigações criminais. Suspeitar, pode-se dizer, é o primeiro passo para esclarecer.

Investigadores responsáveis, no domínio da boa técnica, sabem que seu trabalho deve ser mantido em silêncio, especialmente nas etapas especulativas. Nas ciências, evita-se a criação de falsas expectativas —a cura para uma doença, por exemplo. Na apuração de crimes, preserva-se um simples suspeito da execração pública de crimes que não cometeu.

Nos últimos anos, o Ministério Público assumiu um papel de grande evidência na condução de investigações criminais no Brasil. Infelizmente, em vários casos, notamos que alguns de seus integrantes não usaram a suspeita como método científico para buscar a verdade, mas sim para produzir especulações, envolver a mídia e mobilizar a opinião pública.

A série de conversas entre integrantes da operação Lava Jato publicadas pelo The Intercept Brasil, no episódio conhecido como Vazajato, trouxe vários exemplos desse tipo de manipulação, ilustrados com detalhes desconcertantes

Neste momento, uma nova safra de especulações está sendo distribuída aos jornais. Criteriosamente, quase todos os dias aparecem novos documentos, emails, folhas avulsas de contabilidade, papéis rabiscados e até os rascunhos de uma história em quadrinhos já foram usados para revestir de veracidade meras suspeitas dos investigadores. Dessa vez, o esforço é para construir vínculos entre a empresa de telefonia Oi e o famoso sítio de Atibaia. O elo, a grande suspeita, seria uma empresa da qual é sócio Fábio Luís da Silva, a Gamecorp.

Segundo notícias recentes, os promotores “suspeitam” que o ex-executivo Otávio Azevedo tenha omitido informações em sua delação premiada sobre supostos pagamentos da Oi, empresa controlada pela Andrade Gutierrez, para viabilizar a compra do imóvel de Atibaia.

Ignoram, os promotores do caso (ignoram?), que a própria Justiça confirmou que o verdadeiro dono do Sítio, Fernando Bittar, o adquiriu com recursos provenientes de seu pai. Tudo devida e fartamente comprovado.

O mais curioso é que a delação de Otávio Azevedo foi apresentada pelo Ministério Público como uma das maiores conquistas da Lava Jato. É de se pensar o porquê, de só agora, anos depois, os aguerridos promotores ainda terem “suspeitas” contra, inclusive, extensa documentação probatória em sentido contrário.

As cifras que vem sendo mencionadas nas matérias, por sua vez, foram claramente manipuladas. Os números das suspeitas vazadas variam: 87, 103, 285 milhões. Precisão?! Às favas! Para fazer manchetes, quanto maior o número melhor. Além disso, ao sabor das conveniências da acusação, trata-se como único recebimento a somatória de todo o faturamento bruto da Gamecorp ao longo de 12 anos de serviços prestados. Aliás, “suspeita” pelos promotores de nem sequer existir, a empresa chegou a ter quase 200 funcionários e vários outros clientes importantes, entre os quais Microsoft, Sony, Hyundai, AMD, Sadia, Ambev, Warner Games e Cinemark. Um programa de TV criado pela empresa disputava o primeiro lugar no Ibope em seu segmento com um dos maiores grupos de comunicação do Brasil. Fábio Luís da Silva, tratado como neófito, vive o mundo dos games há muito tempo. Ainda garoto escrevia colunas sobre o assunto para os jornais. Ele e seus sócios perceberam o surgimento de uma “onda” no negócio dos games em suas origens, e foram pioneiros em uma indústria que hoje fatura no mundo todo centenas de bilhões de dólares. Fosse outro o país, Fábio Luís e seus sócios teriam ao menos a chance de ser julgados pelo que fizeram como empresários. Provavelmente seriam celebrados.

De um modo geral, os promotores sabem que seu objetivo é levantar fatos e provas para instruir uma ação. Sabem que a melhor forma de obtê-las é fazer seu trabalho em silêncio. Sabem que suspeitas levantadas em vão podem destruir vidas e reputações. Quando atropelam a boa técnica, que conhecem bem — ou deveriam conhecer—, agem de uma forma que nos autoriza a levantar muitas e muitas “dúvidas”, ou, por quê não dizer, robustas suspeitas?

Segundo o advogado Fábio Tofic, respeitado criminalista responsável pela defesa de Fábio Luís da Silva, “as atividades de suas empresas e sua vida pessoal foram devassadas por anos a fio e nenhuma irregularidade foi encontrada”. Por essa razão, reafirma o advogado, partiu do próprio Ministério Público Federal de São Paulo a iniciativa de pedir o arquivamento das investigações. O que mais admira, na verdade, é que não se aponta um único ato ou um mero gesto de Fábio para defender interesses privados no governo. Nada, absolutamente nada. Os negócios celebrados pelas empresas em questão tem indiscutíveis propósitos negociais e inequívoco significado econômico.

Essa nova safra de suspeitas e ilações vazadas sugere uma estratégia clara da força-tarefa para requentar um caso encerrado, a fim de tentar fixar artificialmente sua competência para conduzir uma nova investigação”, prossegue Tofic.

Com a arrogância típica dos salvadores da pátria, alguns promotores e alguns juízes prometeram a “cura” para a corrupção. Para se esconder daquilo que jamais poderão entregar, precisaram criar uma máquina de marketing baseada em factóides e na intimidação. Tratam de manter o ar pesado, para validar sua prática de atirar primeiro e perguntar depois.

É estarrecedor notar que o “modus operandi” revelado pela Vazajato para envolver a mídia e ameaçar investigados ainda esteja sendo usado com tanta naturalidade.

A corrupção precisa ser combatida por todos, mas dentro dos limites da lei.

Ao final das presentes investigações , a defesa de Fábio Luis esclarecerá tudo quanto até agora se veiculou. Dará sua contribuição para que parte dos prejuízos experimentados por Fábio e sua família sejam devidamente reparados. [Publicado pelo Grupro Prerrogativas]

 
 
 
 
 
 

 

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