'Curió', o herói da ditadura
O major do Araguaia sabe o que aconteceu há 40 anos naquele fim de mundo, tomara que conte. Texto de Elio Gaspari leia
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Bolsonaro, segundo os religiosos, “profana a fé no Deus da vida fazendo uso dela para meros fins politiqueiros e vilipendia o Evangelho de Jesus de Nazaré. Foto Marcos Corrêa/PR
Segundo o manifesto, o presidente da República "usa e abusa da fé como palanque político e tenta reverter suas seguidas derrotas políticas apelando à religião". O presidente "não tem nada de católico, nem de cristão, nem sequer de humano. É um facínora!”.
Mais de 400 padres e 10 bispos católicos emitiram manifesto que acusa o presidente Jair Bolsonaro de ter profanado o Santuário de Nossa Senhora Aparecida no último dia 12, dia da padroeira do Brasil. Na ocasião, o presidente da República foi recepcionado pelos fiéis com vaias e alguns aplausos.
O documento encaminhado na quinta-feira, 14, ao arcebispo de Aparecida do Norte Dom Orlando Brandes e ao reitor do Santuário, o padre redentorista Carlos Eduardo Catalfo, é subscrito por integrantes dos coletivos Padres da Caminhada e Padres Contra o Fascismo. Os religiosos se indignaram pela participação ativa do presidente da República na liturgia.
No texto intitulado O que é de César a César, e o que é de Deus a Deus (Mt 22,21) – A visita de Jair Bolsonaro ao Santuário Nacional de Aparecida, os signatários repudiam o fato de Bolsonaro ter feito a leitura do Livro de Ester e da Consagração à Nossa Senhora Aparecida em uma das celebrações que comemoravam o dia de Nossa Senhora Aparecida no Santuário, no dia 12.
Padre Geraldino Rodrigues Proença, membro dos Padres na Caminhada
Bolsonaro, segundo os religiosos, “profana a fé no Deus da vida fazendo uso dela para meros fins politiqueiros e vilipendia o Evangelho de Jesus de Nazaré que veio para que todos ‘tenham vida e a tenham em abundância’ (Jo 10,10)”, destacaram. Salientaram ainda que “não pela primeira vez”.
O texto ainda afirma que o presidente “não tem nada de católico, nem de cristão, nem sequer de humano. É um facínora!”.
“Ele usa e abusa da fé como palanque político; tenta reverter suas seguidas derrotas políticas apelando à religião. Não, Jair Bolsonaro não é religioso. Ele perverte o ensinamento evangélico porque quer dar a Deus o que é do perverso César (Mt 22,21). Jair Bolsonaro não é de Deus!”, sentencia a nota.
Segundo o padre Geraldino Rodrigues Proença, membro dos Padres na Caminhada, enquanto Ester pede vida e quer o bem-estar do seu povo, tudo o que Bolsonaro tem defendido e feito em seu governo aponta para a morte. De acordo com Proença, o Santuário “deu um tiro no pé e está, agora, em silêncio. Foi usado para o marketing de Bolsonaro que quer posar bem com todas religiões cristãs”.
Se de um lado, as palavras de Dom Orlando proferidas horas antes da chegada de Bolsonaro em uma das missas no santuário “reacendem a esperança”, os sacerdotes afirmam que as atitudes do presidente no Santuário “acendem a indignação”.
O manifesto questiona como alguém como Bolsonaro pode consagrar “o povo brasileiro à Mãe Aparecida”. Lista o que chama de descaso do presidente com a pandemia, as suas ações contra os povos originários, afrodescendentes, mulheres e LGBTQIA+. Os elogios de Bolsonaro à ditadura militar e aos torturadores também não foram esquecidos.
Em sua reflexão, Dom Orlando fez críticas à corrupção e clama por uma república sem mentira e sem fake news. Em uma referência à política de Bolsonaro, o arcebispo ainda sentenciou: “Para ser pátria amada, não pode ser pátria armada”.
Outra contradição apontada pelo documento enviado à Aparecida é o fato de Bolsonaro ter recebido a Eucaristia apesar de ter renegado seu batismo na Igreja Católica ao se batizar no Rio Jordão pelo pastor Everaldo, preso pela Polícia Federal por desvios de recursos no Rio de Janeiro. “Ou bem assume um credo ou outro e não fique usando-os para seus mesquinhos fins”.
Religiosos ouvidos pelo Extra Classe, apesar de dizerem não querer focar “na questão moral”, apontam que o documento foi certeiro ao questionar como Bolsonaro pode “bradar pelos princípios cristãos da chamada ‘família tradicional’, uma vez que em sua vida pessoal não dá provas de que acredita verdadeiramente neles.
Recordam que, em 2018 ,setores conservadores ficaram histéricos com o fato do então candidato Fernando Haddad ter comungado em uma Igreja Católica Romana, apesar de ser Católico Ortodoxo. Mesmo com o Cisma entre Romanos e Ortodoxos, ao contrário das denominações evangélicas, as duas denominações teologicamente observam o princípio que diz que seus bispos, patriarcas e o Papa são sucessores dos apóstolos de Cristo. [Publicado em 15 de outubro de 2021] O que foi dito de Bolsonaro em 2021, pode ser repetido hoje, depois de seu revoltante abusivo retorno eleitoral ontem, dia 12, Dia da Padroeira do Brasil.
“O que é de César a César, e o que é de Deus a Deus” (Mt 22,21)
Somamos nossa indignação à de muitas e muitos que professam a fé católica. A causa dessa indignação é a leitura e a oração de consagração a Nossa Senhora Aparecida feitas pelo Sr. Jair Messias Bolsonaro, em uma missa vespertina no Santuário Nacional.
Horas antes ouvimos as palavras de Dom Orlando Brandes, Arcebispo Metropolitano de Aparecida: “Para ser pátria amada, não pode ser pátria armada (…). Para ser pátria amada, uma república sem mentira e sem fake news. Pátria amada sem corrupção e pátria amada com fraternidade.” Sua reflexão enche de esperança quem a ouve, sobretudo em um Brasil que ainda chora a morte de mais de seiscentos mil filhas e filhos por causa da má gestão de uma cruel pandemia; em um Brasil que sente a dor da fome, sobretudo das crianças cujo dia deveríamos estar comemorando; em um Brasil que sofre por ver milhões de famílias novamente empurradas para abaixo da linha da pobreza e obrigadas a sobreviver com uma sopa rala de ossos ou de carcaça de peixe; em um Brasil que vê suas matas arderem e seus povos originários serem encurralados em pequenos espaços de terra.
Sim, as palavras de Dom Orlando Brandes reacendem a esperança! Contudo, o que aconteceu no Santuário Nacional momentos depois acende a indignação!
O Sr. Jair Bolsonaro, ainda Presidente da República, fez uma visita ao Santuário Nacional, participou da missa, leu a leitura do livro de Ester – um escândalo, porque o que menos ele demonstra querer é o bem de seu povo (Est 7,3) – e rezou em nome desse povo a consagração a Nossa Senhora Aparecida. Dizíamos um escândalo, mas, por tudo o que aconteceu, é melhor usar a palavra “profanação”.
Sim, o Sr. Jair Bolsonaro profana a fé no Deus da vida fazendo uso dela para meros fins politiqueiros e vilipendia o Evangelho de Jesus de Nazaré que veio para que todos “tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). E não pela primeira vez, basta relembrar sua ida a uma missa em Brasília durante a qual recebeu a Eucaristia.
Como alguém que se deixa batizar nas águas do Rio Jordão por um pastor evangélico – líder de um partido político e que foi preso em uma operação anticorrupção – ainda se diz “católico”? Ou bem assume um credo ou outro e não fique usando-os para seus mesquinhos fins. Como alguém pode bradar pelos princípios cristãos da “família tradicional”, uma vez que em sua vida pessoal não dá provas de que acredita verdadeiramente neles, como quando ainda era parlamentar e mantinha uma residência oficial na capital federal “para comer gente”? Como alguém consagra o povo brasileiro à Mãe Aparecida tendo manifestado inúmeras vezes descaso por esse mesmo povo, especialmente pelos povos originários, pelos afrodescendentes, pelas mulheres, pelas e pelos LGBTQIA+? Como alguém reza a consagração a Nossa Senhora Aparecida dizendo que poucos morreram durante a ditadura militar, elogiando o torturador Coronel Brilhante Ustra e pregando o uso de armas pela população? Como alguém recorre à proteção da Padroeira do Brasil quando desprotegeu a população toda negando a gravidade da violenta pandemia?
Jair Bolsonaro, que gosta tanto de ostentar seu segundo nome, não tem nada de católico, nem de cristão, nem sequer de humano. É um facínora! Ele usa e abusa da fé como palanque político; tenta reverter suas seguidas derrotas políticas apelando à religião. Não, Jair Bolsonaro não é religioso. Ele perverte o ensinamento evangélico porque quer dar a Deus o que é do perverso César (Mt 22,21). Jair Bolsonaro não é de Deus!
Indignamo-nos com sua participação na missa em Aparecida, com sua profanação do sagrado no templo e fora dele, porque quem despreza a vida profana o sagrado. Indignamo-nos com o apoio que autoridades eclesiásticas católicas ainda expressam a esse homem maldoso que não possui o menor respeito pela fé e por aquelas e aqueles que a professam. Indignamo-nos com seu profano gesto de dar a César o que é de Deus.
Padres da Caminhada & Padres Contra o Fascismo
Para a consolidação da democracia no país, é preciso que venham à tona os crimes cometidos pela ditadura contra seus adversários políticos. Só assim serão criados anticorpos para que aquela barbárie não se repita. O povo foi pra rua, pelas diretas já. Para tirar os militares da presidência do Brasil. Tortura nunca mais
A partir do trabalho do historiador Carlos Fico e de uma matéria da jornalista Miriam Leitão, voltou à pauta na semana passada a tortura de presos políticos na ditadura e o papel da Justiça Militar no aparato de repressão. Dou, então, aqui um depoimento pessoal que ajuda a esclarecer o papel que ela cumpriu nos chamados anos de chumbo.
Fui preso em 21 de abril de 1970. Segundo o DOI-Codi, eu seria o responsável pelo setor armado do MR-8 e, individualmente, o militante que tinha participado do maior número de ações de guerrilha urbana no Rio de Janeiro até então.
Mais ou menos uns 20 dias depois, período em que estive sempre incomunicável, fui retirado da cela em que estava recolhido, vestido com roupas e sapatos de outros presos, pois já não tinha mais os meus, e levado para um local que, a princípio, não tinha como identificar. Era a 1ª Auditoria do Exército.
Só nesse dia a minha prisão foi legalizada. Até então não havia registro oficial dela.
Chegando na auditoria, vi ao longe meus pais e meu irmão Leo. Com eles estava um valoroso advogado que conhecia de fotos em jornais, como defensor de presos políticos: Augusto Sussekind. Eu era o único réu presente e aquela era uma sessão em que estava sendo julgado por participação no sequestro do embaixador Charles Elbrick, dos Estados Unidos, ocorrido em setembro do ano anterior.
A sessão era conduzida por um juiz togado, ladeado por quatro oficiais do Exército fardados. Identifiquei um deles, porque acompanhava futebol e ele participava da comissão técnica da seleção brasileira. Era um capitão de nome José Bonetti.
Não me foi dado o direito de falar com meu advogado antes daquela sessão. Aliás, só pude saber o que acontecia ali quando o juiz passou a palavra para o promotor. Este último leu uma extensa peça de acusação, na qual eu e outros companheiros éramos acusados de ter executado o sequestro de Elbrick.
Terminada a leitura, para a minha surpresa o juiz perguntou se eu admitia ser culpado do que era acusado. Já tinha resolvido admitir em juízo a minha militância política contra a ditadura e a participação no sequestro – que, por sua repercussão, permitiria fazer algum proselitismo. Mas negaria qualquer envolvimento nas demais ações armadas de que era acusado. Disse, então, que sim, que reconhecia a minha participação no sequestro, mas não corroborava a acusação a qualquer outro nome citado pelo promotor.
Para minha surpresa, porém, em seguida o juiz perguntou se eu gostaria de dizer algo mais. Diante da oportunidade, fiz um discurso denunciando a ditadura e descrevendo com minúcias as torturas sofridas. Disse que tinha muitas marcas no corpo, inclusive queimaduras nos órgãos genitais, pois os choques elétricos que tinha sofrido eram muito fortes e prolongados, com os fios presos ao meu corpo. Por isso, além das marcas de pancadas as mais variadas, em muitos lugares a pele estava queimada devido aos choques. O mal estar tomou conta do ambiente. Afinal, estavam ali apenas militares ligados ao DOI-Codi e à Justiça Militar, além de meus parentes.
À medida que eu falava, o juiz ia reproduzindo as minhas palavras para que um escrivão as datilografasse, mas omitia as partes mais contundentes,. O constrangimento era geral.
Quando cheguei ao fim, meu advogado fez um pedido de exame de corpo de delito – direito reconhecido a qualquer preso que alega maus tratos. O promotor se alvoroçou e solicitou que o pedido não fosse atendido. Segundo ele, eu havia resistido à prisão – o que era verdade - e as marcas que tinha no corpo poderiam ser resultado da briga que travei com os cerca de 20 agentes do DOI-Codi que me prenderam. Naturalmente não explicou como queimaduras no pênis poderiam ser resultado de uma briga. Pois bem, perdi por quatro a zero (na minha memória o juiz togado não votou, talvez tivesse apenas o voto de minerva). Os quatro militares não aceitaram o pedido de Sussekind.
Em seguida, como eu tinha advertido que sofreria represálias por estar fazendo aquelas denúncias, o advogado pediu que fosse quebrada a minha incomunicabilidade. Seria uma defesa contra novas violências. Mais uma vez o promotor interveio pedindo que a solicitação não fosse aceita. Segundo ele, eu era um dos “chefes da subversão” e poderia passar instruções para companheiros em liberdade.
Perdi de novo. Mais uma vez por quatro a zero.
Essa era a Justiça Militar.
É verdade que em seu escalão mais alto, o Superior Tribunal Militar (STM), a cumplicidade com os DOI-Codi era menos escancarada. Muitas penas foram reduzidas em recursos àquela corte.
Mas, ainda assim, é de uma ingenuidade atroz pensar que o STM não tinha conhecimento do que se passava nos porões. E – é preciso afirmar com todas as letras - quase sempre foi omisso.
Esta é a verdade dos fatos.
Por fim, deve ser dito que, para a consolidação da democracia no país, é preciso que venham à tona os crimes cometidos pela repressão da ditadura contra seus adversários políticos. Só assim serão criados anticorpos para que aquela barbárie não se repita e o País não corra o risco de voltar a eleger um facínora defensor da tortura para a Presidência da República.
Bolsonaro e o tributo ao facínora Major Curió
Por Altamiro Borges
O general-nanico Augusto Heleno segue ameaçando a democracia brasileira. Em áudio vazado de um discurso seu durante a formatura de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ele disse que toma “dois Lexotan na veia” todos os dias para não levar o “capetão” Jair Bolsonaro a adotar "uma atitude mais drástica" contra o Supremo Tribunal Federal (STF).
As bravatas foram divulgadas pela coluna do jornalista Guilherme Amado, do site Metrópoles, na terça-feira (14). No áudio vazado, o milico-gagá também revela estar “muito preocupado” com o risco de um novo atentado contra o presidente e confessa, em plena formatura do Curso de Aperfeiçoamento e Inteligência da Abin, que reza para que ele sobreviva.
"Esticar a corda até arrebentar"
'Curió', o herói da ditadura
O major do Araguaia sabe o que aconteceu há 40 anos naquele fim de mundo, tomara que conte. Texto de Elio Gaspari leia
Por Altamiro Borges
Perguntar não ofende: No início de novembro, a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, confirmou a decisão que mandou a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do presidente Jair Bolsonaro se retratar pela asquerosa homenagem feita ao sanguinário assassino Major Curió. A ordem de retratação já foi cumprida?
Segundo o Estadão registrou na ocasião, o TRF-3 deu direito de resposta “a um grupo de vítimas e familiares das vítimas da ditadura militar pela homenagem ao tenente-coronel da reserva do Exército Sebastião Rodrigues de Moura, o 'Major Curió', um dos líderes da repressão à Guerrilha do Araguaia (PA)”.
Em maio de 2020, após Jair Bolsonaro receber o facínora no Palácio do Planalto, a Secom postou uma nota chamando o Major Curió de “herói do Brasil”. Diante de tamanho disparate, em dezembro do ano passado o desembargador federal André Nabarrete, em decisão individual, ordenou a retratação. Em novembro último, a decisão foi mantida pelo pleno, que ainda definiu os termos da resposta oficial:
“O governo brasileiro, na atuação contra a guerrilha do Araguaia, violou os direitos humanos, praticou torturas e homicídios, sendo condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por tais fatos. Um dos participantes destas violações foi o Major Curió e, portanto, nunca poderá ser chamado de herói. A Secom retifica a divulgação ilegal que fez sobre o tema, em respeito ao direito à verdade e à memória”.
O tribunal ainda concluiu que a Secom “ofendeu a memória e a verdade” sobre a Guerrilha do Araguaia, movimento de resistência à ditadura militar que agiu no sudoeste do Pará nos anos 1970. Como lembra o jornal, “Curió foi denunciado pelo Ministério Público Federal por homicídio e ocultação de cadáveres no embate. Em entrevista concedida ao Estadão em 2009, ele admitiu que executou 41 pessoas no Araguaia”.
“Profanação do Santuário de Aparecida“
por Marcelo Auler, em seu Blog
“Jair Bolsonaro, que gosta tanto de ostentar seu segundo nome, não tem nada de católico, nem de cristão, nem sequer de humano. É um facínora!”
Documento assinado por mais de 400 padres e alguns bispos de diversas partes do país aponta como profanação ao Santuário de Nossa Senhora de Aparecida, em Aparecida (SP), o palco oferecido ao presidente Jair Messias Bolsonaro no último dia 12, quando a igreja celebrou a Padroeira do Brasil.
São religiosos que participam dos grupos, formados através do Whatsapp, Padres da Caminhada e Padres Contra o Fascismo. Juntos eles têm 470 membros, mas como alguns estão em ambos, calcula-se que totalizem 417 adesões ao documento “Profanação do Santuário de Aparecida“.
Na realidade o documento divulgado reflete o pensamento de um grupo bem maior de religiosos. Muitos, porém, por motivos diversos, continuam silenciosos. Alguns simplesmente por falta de oportunidade para se posicionarem publicamente, pois souberam deste texto após ele circular nas redes sociais. Outros não se manifestam por receio.
Há um debate entre os coordenadores do documento se devem ou não abri-lo a novas adesões. Receiam, porém, que leigos engajados na militância dos movimentos da igreja católica incluam seus nomes. Algo que preferem evitar para caracterizar a manifestação como típica de religiosos. Como não foram colhidas assinaturas, mas adesões, os coordenadores do movimento preferem não dar divulgação dos nomes dos religiosos que aderiram ao manifesto: “não temos autorização deles”, explicaram.
Os religiosos que aderiram ao texto reconhecem e elogiam a homilia feita por dom Orlando Brandes na missa da manhã. Na missa da tarde, na presença do presidente, a homilia foi feita por um padre que até se referiu ao sermão matinal do bispo, Dom Brandes, no seu serão, de forma dura e direta alertou em um recado claro ao presidente que ainda não tinha chegado a Aparecida:
A Partir desta fala do arcebispo, os religiosos destacam no documento que começou a circular na quinta-feira (14/10):
“Sua reflexão enche de esperança quem a ouve, sobretudo em um Brasil que ainda chora a morte de mais de seiscentos mil filhas e filhos por causa da má gestão de uma cruel pandemia; em um Brasil que sente a dor da fome, sobretudo das crianças cujo dia deveríamos estar comemorando; em um Brasil que sofre por ver milhões de famílias novamente empurradas para abaixo da linha da pobreza e obrigadas a sobreviver com uma sopa rala de ossos ou de carcaça de peixe; em um Brasil que vê suas matas arderem e seus povos originários serem encurralados em pequenos espaços de terra”.
Os religiosos, porém, não poupam críticas à abertura de espaço a Bolsonaro para participar da celebração religiosa no altar-mor da Basílica de Aparecida. Segundo eles, o presidente “usa e abusa da fé como palanque político; tenta reverter suas seguidas derrotas políticas apelando à religião”. Eles afirmam:
Não, Jair Bolsonaro não é religioso. Ele perverte o ensinamento evangélico porque quer dar a Deus o que é do perverso César (Mt 22,21). Jair Bolsonaro não é de Deus!”
O documento coloca em dúvida o próprio catolicismo do presidente. Os religiosos lembram, por exemplo, que mesmo se dizendo católico, Bolsonaro aceitou ser batizado “nas águas do Rio Jordão por um pastor evangélico – líder de um partido político e que foi preso em uma operação anticorrupção”.
“Sua reflexão enche de esperança quem a ouve, sobretudo em um Brasil que ainda chora a morte de mais de seiscentos mil filhas e filhos por causa da má gestão de uma cruel pandemia; em um Brasil que sente a dor da fome, sobretudo das crianças cujo dia deveríamos estar comemorando; em um Brasil que sofre por ver milhões de famílias novamente empurradas para abaixo da linha da pobreza e obrigadas a sobreviver com uma sopa rala de ossos ou de carcaça de peixe; em um Brasil que vê suas matas arderem e seus povos originários serem encurralados em pequenos espaços de terra”.
Os religiosos, porém, não poupam críticas à abertura de espaço a Bolsonaro para participar da celebração religiosa no altar-mor da Basílica de Aparecida. Segundo eles, o presidente “usa e abusa da fé como palanque político; tenta reverter suas seguidas derrotas políticas apelando à religião”. Eles afirmam:
Não, Jair Bolsonaro não é religioso. Ele perverte o ensinamento evangélico porque quer dar a Deus o que é do perverso César (Mt 22,21). Jair Bolsonaro não é de Deus!”
O documento coloca em dúvida o próprio catolicismo do presidente. Os religiosos lembram, por exemplo, que mesmo se dizendo católico, Bolsonaro aceitou ser batizado “nas águas do Rio Jordão por um pastor evangélico – líder de um partido político e que foi preso em uma operação anticorrupção”.
Trata-se de uma referência ao batismo que o então deputado federal se submeteu, em 2016, no Rio Jordão. Cerimônia realizada pelo pastor Everaldo Dias, da Assembléia de Deus, então presidente do PSC, na época mesmo partido de Bolsonaro, que hoje não está filiado a nenhuma legenda.
Quatro anos depois, em agosto de 2020, o pastor foi preso pela Polícia Federal acusado de envolvimento no escândalo do desvio de verbas da saúde ocorrido no governo fluminense do então governador, o ex-juiz Wilson Witzel, que chegou ao poder com o apoio do mesmo partido.
O documento assinado pelos religiosos lembra ainda que o discurso do atual presidente choca-se com o que prega o Evangelho:
“Jair Bolsonaro profana a fé no Deus da vida fazendo uso dela para meros fins politiqueiros e vilipendia o Evangelho de Jesus de Nazaré que veio para que todos “tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Concluindo, o texto diz: “Indignamo-nos com o apoio que autoridades eclesiásticas católicas ainda expressam a esse homem maldoso que não possui o menor respeito pela fé e por aquelas e aqueles que a professam.”
Em Aparecida foi recebido com vaia de um grupo e aplausos de outro. Em entrevista à TV Aparecida, ele se disse católico e a mulher evangélica. Falou ainda que rezou para que o socialismo e o comunismo não cheguem no Brasil.As críticas dos religiosos ao espaço dado a Bolsonaro encontra eco também em parte da população que vaiou e se manifestou contrária ao presidente em Aparecida (Foto: redes sociais)
Abaixo a íntegra do texto divulgado dia 14 pelos Padres da Caminhada e Padres Contra o Fascismo
“O que é de César a César, e o que é de Deus a Deus” (Mt 22,21)
Somamos nossa indignação à de muitas e muitos que professam a fé católica. A causa dessa indignação é a leitura e a oração de consagração a Nossa Senhora Aparecida feitas pelo Sr. Jair Messias Bolsonaro, em uma missa vespertina no Santuário Nacional.
Horas antes ouvimos as palavras de Dom Orlando Brandes, Arcebispo Metropolitano de Aparecida: “Para ser pátria amada, não pode ser pátria armada (…). Para ser pátria amada, uma república sem mentira e sem fake news. Pátria amada sem corrupção e pátria amada com fraternidade.” Sua reflexão enche de esperança quem a ouve, sobretudo em um Brasil que ainda chora a morte de mais de seiscentos mil filhas e filhos por causa da má gestão de uma cruel pandemia; em um Brasil que sente a dor da fome, sobretudo das crianças cujo dia deveríamos estar comemorando; em um Brasil que sofre por ver milhões de famílias novamente empurradas para abaixo da linha da pobreza e obrigadas a sobreviver com uma sopa rala de ossos ou de carcaça de peixe; em um Brasil que vê suas matas arderem e seus povos originários serem encurralados em pequenos espaços de terra.
Sim, as palavras de Dom Orlando Brandes reacendem a esperança! Contudo, o que aconteceu no Santuário Nacional momentos depois acende a indignação!
O Sr. Jair Bolsonaro, ainda Presidente da República, fez uma visita ao Santuário Nacional, participou da missa, leu a leitura do livro de Ester – um escândalo, porque o que menos ele demonstra querer é o bem de seu povo (Est 7,3) – e rezou em nome desse povo a consagração a Nossa Senhora Aparecida. Dizíamos um escândalo, mas, por tudo o que aconteceu, é melhor usar a palavra “profanação”.
Sim, o Sr. Jair Bolsonaro profana a fé no Deus da vida fazendo uso dela para meros fins politiqueiros e vilipendia o Evangelho de Jesus de Nazaré que veio para que todos “tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). E não pela primeira vez, basta relembrar sua ida a uma missa em Brasília durante a qual recebeu a Eucaristia.
Como alguém que se deixa batizar nas águas do Rio Jordão por um pastor evangélico – líder de um partido político e que foi preso em uma operação anticorrupção – ainda se diz “católico”? Ou bem assume um credo ou outro e não fique usando-os para seus mesquinhos fins. Como alguém pode bradar pelos princípios cristãos da “família tradicional”, uma vez que em sua vida pessoal não dá provas de que acredita verdadeiramente neles, como quando ainda era parlamentar e mantinha uma residência oficial na capital federal “para comer gente”? Como alguém consagra o povo brasileiro à Mãe Aparecida tendo manifestado inúmeras vezes descaso por esse mesmo povo, especialmente pelos povos originários, pelos afrodescendentes, pelas mulheres, pelas e pelos LGBTQIA+? Como alguém reza a consagração a Nossa Senhora Aparecida dizendo que poucos morreram durante a ditadura militar, elogiando o torturador Coronel Brilhante Ustra e pregando o uso de armas pela população? Como alguém recorre à proteção da Padroeira do Brasil quando desprotegeu a população toda negando a gravidade da violenta pandemia?
Jair Bolsonaro, que gosta tanto de ostentar seu segundo nome, não tem nada de católico, nem de cristão, nem sequer de humano. É um facínora! Ele usa e abusa da fé como palanque político; tenta reverter suas seguidas derrotas políticas apelando à religião. Não, Jair Bolsonaro não é religioso. Ele perverte o ensinamento evangélico porque quer dar a Deus o que é do perverso César (Mt 22,21). Jair Bolsonaro não é de Deus!
Indignamo-nos com sua participação na missa em Aparecida, com sua profanação do sagrado no templo e fora dele, porque quem despreza a vida profana o sagrado. Indignamo-nos com o apoio que autoridades eclesiásticas católicas ainda expressam a esse homem maldoso que não possui o menor respeito pela fé e por aquelas e aqueles que a professam. Indignamo-nos com seu profano gesto de dar a César o que é de Deus.
Padres da Caminhada & Padres Contra o Fascismo. (grifo do original)
Foto: Andressa Anholete/Getty Images
Nunca faltaram motivos jurídicos para justificar um impeachment contra Jair Bolsonaro. O que faltavam eram condições políticas, que finalmente podem estar aparecendo
AS CONDIÇÕES POLÍTICAS para o impeachment pareciam inexistentes há um mês, mas o jogo pode estar virando. De lá pra cá muita coisa aconteceu. Passou a ficar mais claro que o descaso do governo com a pandemia não é resultado de incompetência, mas um projeto baseado em negacionismo científico. As panelas voltaram a bater e até ex-bolsonaristas passaram a defender o impeachment. A popularidade do presidente despencou de 36% para 27%. Além disso, Donald Trump, a grande referência moral e política do bolsonarismo, saiu da presidência dos EUA pela porta dos fundos, o que representou um baque imenso para as narrativas bolsonaristas. As condições jurídicas para o impeachment sempre existiram — Bolsonaro tem pelo menos uma dúzia de crimes de responsabilidade indiscutíveis nas costas. Faltavam as políticas, que agora começam a tomar corpo.
Dez dias antes das pessoas começarem a morrer asfixiadas por falta de oxigênio em Manaus, o governo federal foi informado que o sistema de saúde entraria em colapso. E nada fez. Essa tragédia programada trouxe de volta os panelaços e aumentou o clima favorável ao impeachment. Mesmo assim, precisamos ser realistas: o impedimento do facínora que nos governa ainda está distante e com grandes chances de ser enterrado pela eleição de Arthur Lira, o candidato bolsonarista à presidência da Câmara que, até agora, parece ser o favorito. Há muito trabalho pela frente, mas hoje é possível enxergar alguma fagulha de luz no fim do túnel.
A tragédia humanitária pela qual passa o país foi meticulosamente construída pelo bolsonarismo. Em março, quando a gravidade da pandemia já era ponto pacífico entre os principais presidentes do mundo, Bolsonaro afirmou que essa “gripezinha” não chegaria a matar 800 pessoas. De lá para cá o que se viu foi um show de horror negacionista. Enquanto o presidente fazia aparições midiáticas aglomerando sem máscara, as milícias digitais bolsonaristas lideravam uma campanha nas redes para desacreditar a ciência. Depois, quando Doria anunciou a compra da Coronavac, Bolsonaro disse que não compraria dele a “vacina chinesa” e passou a contestar sua eficácia. As milícias digitais atuaram novamente para descredibilizar a Coronavac. Depois de desprezá-la e boicotá-la de todas as maneiras, o governo iniciou uma guerra pela vacina quando percebeu o ganho político do governador paulista. Houve até ameaças de confisco da vacina. Aliás, essa é outra tragédia instalada pelo bolsonarismo: a transformação de Doria em herói apenas por ter cumprido a sua obrigação.
A falta de insumos para produção da vacina, que atrasou o início da imunização do país, é resultado direto do isolamento internacional imposto pelas alucinações ideológicas da extrema direita. O problema do Itamaraty não é de incompetência, pelo contrário. Transformar o Brasil em pária internacional é um projeto que está sendo muito bem sucedido. “Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”, profetizou há 3 meses o chanceler Ernesto Araújo ao falar sobre os novos rumos da política externa bolsonarista. O ministro estava desde março do ano passado sem manter nenhuma conversa com a China, nossa principal parceira comercial, que é também a principal fornecedora dos insumos para as vacinas. O motivo é formidável: o Itamaraty comprou a briguinha de Twitter que Eduardo Bolsonaro arranjou com o embaixador chinês, que também foi iniciada graças aos delírios xenofóbicos difundidos por Olavo de Carvalho. Agora o governo tenta retomar o diálogo com a China para resolver o problema que criou de maneira gratuita.
A farsa da hidroxocloroquina e da ivermectina é um capítulo à parte desse necroprojeto. O presidente virou garoto-propaganda de uma medicação que foi descartada pela sua ineficácia no mundo inteiro, inclusive por Trump. Essa mentira virou uma política oficial do Ministério da Saúde, que chegou a recomendar o uso do medicamento para conter a tragédia em Manaus. Um aplicativo chamado TrateCov foi criado pelo governo para “auxiliar os profissionais de saúde” e sugerir “opções terapêuticas disponíveis na literatura científica atualizada” e “prescrição de medicamentos”. O ministério da Saúde anunciou a criação do aplicativo com toda pompa, afirmando que ele oferece o diagnóstico obedecendo a “rigorosos critérios clínicos“. Tudo mentira. O aplicativo foi programado para receitar cloroquina até para recém-nascidos sem sintomas de covid.
As mentiras vão se sobrepondo, junto com os cadáveres da pandemia, sem causar o menor constrangimento entre os governistas.
Desmontada a farsa, o que fez o governo? Contou novas mentiras. Com uma cara de pau própria dos psicopatas, Pazuello afirmou que o ministério jamais indicou esses medicamentos e que o aplicativo era apenas um “projeto piloto” que foiinvadido e colocado no ar por hackers. Um outro dado da realidade surgiu para atestar a ineficiência: 90% das grandes cidades que usaram o “kit covid” do governo tiveram taxa de mortalidade mais alta que a média dos seus estados. Mesmo sendo espancado pela realidade dos fatos, o governo não abandonou a sua narrativa de morte. As mentiras vão se sobrepondo, junto com os cadáveres da pandemia, sem causar o menor constrangimento entre os governistas — um traço característico dos grandes genocidas da história.
O Brasil vive sob um governo criminoso que durante a pandemia fez do atentado à saúde pública uma estratégia permanente. Isso já tinha ficado claro quando Bolsonaro foi trocando ministros da Saúde que insistiam em se fiar na ciência até encontrar um militar negacionista. Repito: empurrar seu povo para a morte é uma estratégia governista. Uma estratégia elaborada com os requintes de crueldade próprios de uma extrema-direita que tem Pinochet e Ustra como referências morais.
Assim que a palavra “impeachment” passou a rondar pela primeira vez com força no noticiário, o governo ressuscitou as ameaças golpistas. A PGR, que parece atuar quase que exclusivamente em defesa de Bolsonaro e sua família, emitiu nota afirmando que o estado de calamidade pública causada pela pandemia é “a antessala do estado de defesa”. Isso significa estado de exceção. Com ele, o Estado ficaria autorizado a impor medidas que violam os direitos do cidadão, como restrição de reuniões e a quebra de sigilo telefônico. Um dia antes dessa ameaça via PGR, Bolsonaro voltou a dizer que são as Forças Armadas que decidem se o povo vive em democracia ou ditadura. O clamor pelo impeachment fez a sanha golpista voltar com força. O Ministro da Justiça, por exemplo, começou a intimidar os críticos do governo. Ele requisitou um inquérito policial contra um advogado que responsabilizou Bolsonaro pelo alto número de mortes durante a pandemia.
Ultrapassamos a marca de 200 mil mortos por covid. Isso significa que aproximadamente um de cada mil brasileiros morreram em virtude do que Bolsonaro chama de “gripezinha”. Só o impeachment pode interromper esse projeto de destruição da democracia e da saúde pública. O impeachment virou uma questão de vida ou morte. A matemática da pandemia no Brasil agora é essa: quanto mais tempo demorar para sacarmos o presidente do poder, mais pessoas irão morrer.
A postura omissa de Rodrigo Maia até aqui normaliza o projeto bolsonarista de destruição do estado. A tragédia da covid terá as digitais do presidente da Câmara.
O presidente está destruindo as tentativas de seu país de conter a disseminação do coronavírus
Por The Guardian
Editorial
Muito do Brasil está agora fechado. Governadores impõem quarentenas rigorosas. O ministro da Saúde pede às pessoas que fiquem em casa, alertando que, a menos que a transmissão seja reduzida, o sistema de saúde entrará em colapso até o final de abril. Até gangues de traficantes fecham favelas para impedir a disseminação do coronavírus. Enquanto isso, um cidadão desrespeita as restrições e sai para passear no mercado local. Facebook e Twitter removem suas postagens por divulgar remédios não comprovados e atacar o distanciamento físico. Um homem normalmente não pode causar muitos danos. Infelizmente, este é o presidente.
A ascensão de Jair Bolsonaro sempre foi assustadora, e seu histórico desde que assumiu o poder no ano passado – com ataques a direitos humanos, minorias, artes e promovendo a destruição da Amazônia – tem sido vergonhoso. Sua resposta ao coronavírus atingiu novas profundezas. Muitos governos terão que responder por seus erros e complacência quando a pandemia terminar. O desempenho de Bolsonaro está em uma liga própria.
Ele repetidamente descartou o coronavírus como "apenas uma gripezinha" ou "resfriadinho" e como um truque ou fantasia da mídia. Tendo finalmente reconhecido a realidade, disse às pessoas que “encarem isso como homens, não crianças. Todos nós vamos morrer um dia”, e instou o país a “voltar ao normal” – como se isso fosse possível. Conhecer e cumprimentar seus cidadãos em Brasília no último final de semana foi duplamente irresponsável, dado seu contato próximo com casos conhecidos de coronavírus: o perigo não é apenas as mensagens que enviou, mas o risco físico que pode representar para os outros. (A Fox News informou recentemente que o filho de Bolsonaro disse que seu pai havia testado positivo, embora isso tenha sido negado mais tarde.)
O governador de São Paulo, o estado mais populoso e economicamente poderoso do Brasil, disse ao público para não seguir as orientações do presidente. O próprio ministro da Saúde de Bolsonaro alertou que ele teria que contradizê-lo publicamente, aparentemente recuando apenas depois que foi ameaçado com demissão.
O Brasil já tem 4.579 casos confirmados e 159 mortes. Em um país de 210 milhões de pessoas, o curso imprudente do presidente pode ser a diferença entre dezenas ou centenas de milhares de mortes. O perigo para os povos indígenas – pelos quais o desprezo de Bolsonaro é bem documentado – é particularmente grave. As doenças altamente infecciosas devastaram comunidades no passado; o coronavírus pode ser uma ameaça existencial.
Por mais errático que Bolsonaro seja, seu curso atual deve, sem dúvida, algo a seus cálculos políticos. Ataca as restrições agora e, quando a economia avançar, ele pode culpar as terríveis decisões tomadas por outros. Ele já acusou os governadores de serem "exterminadores de empregos". Alguns observadores também suspeitam que ele vê a pandemia como uma maneira de agitar sua base; ele sempre prosperou em confrontos e caos.
No entanto, até os ex-aliados estão finalmente se recusando a agir. Ronaldo Caiado, governador de direita de Goiás, cortou laços com o presidente na semana passada, descrevendo seu comportamento como terrível. O chefe do estado de Santa Catarina, um homem de direita fortemente pró-Bolsonaro, declarou-se "perplexo" pela posição do presidente. Há relatos de rumores nas forças armadas. Bolsonaro pode não acreditar no distanciamento físico, mas está se mostrando notavelmente bem-sucedido em se isolar.
*Publicado originamlente em 'The Guardian' | Tradução de Olimpio Cruz
Sua má vontade com a situação é explícita – o governo já deveria ter tomando providência para resolver o impasse. Nem a situação dramática do país foi capaz de demover o ministro de suas convicções
por Osvaldo Bertolino
Vermelho
A atitude do ministro da Economia, Paulo Guedes, de jogar para o Congresso Nacional a responsabilidade de liberar o pagamento do auxílio de R$ 600 para quem não tem fonte de renda na crise da Covid-19 chega a ser criminosa. Para ele, depois de ser cobrado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a liberação do pagamento só é possível com a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
Segundo Guedes, “se Maia aprovar em 24 horas uma PEC de emergência, o dinheiro sai em 24 horas”. A resposta do presidente da Câmara dos Deputados veio imediatamente com a chamada PEC do Orçamento de Guerra, já em tramitação, que vai liberar o governo de seguir algumas regras fiscais nos gastos extraordinários, assinada por ele e outros sete deputados.
De acordo com o ministro, sem essa PEC não há fonte no Orçamento para bancar o pagamento, apesar da instrução do presidente de “não deixar ninguém para trás”, conforme suas palavras. Com seu conhecido palavreado agressivo, Guedes também jogou suas responsabilidades nas costas do funcionalismo público, que “não está sob ameaça de perder emprego nem nada”.
“É bom trabalhar 24 horas por dia para que o dinheiro chegue ao Banco do Brasil e à Caixa”, agrediu.
Poder dentro do poder
Sua má vontade com a situação é explícita – o governo já deveria ter tomando providência para resolver o impasse. Nem a situação dramática do país foi capaz de demover o ministro de suas convicções. Ele chegou ao governo Bolsonaro com a missão de retomar a velha ordem neoliberal, a duras penas superada já no primeiro governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a saída do então ministro da Fazenda Antônio Palocci, agora de forma ainda mais autoritária.
É preciso recordar que Lula foi eleito em um cenário catastrófico. O Brasil está engolfado pela crise do neoliberalismo e, ainda na elaboração do programa de governo, a questão agora levantada por Gudes esteve em pauta.
Discutiu-se o exemplo da Malásia, que estabeleceu, durante um ano, controle de fluxos de capital e obteve resultados notáveis — iniciativa que partiu de um superávit comercial expressivo. Discutiu-se também o fim das amarras da imoral Lei de Responsabilidade Fiscal – corretamente corrigida pelo então candidato a vice-presidente da República José Alencar para “irresponsabilidade fiscal” – e até o rompimento com o acordo falimentar com o FMI.
A “era FHC blindou a economia, principalmente com a imoral “Lei de Responsabilidade Fiscal” e um conjunto de “reformas” neoliberais, para imobilizar a parte do orçamento que alimenta o circuito do rentismo, às custas do sacrifício dos investimentos em questões sociais e na infraestrutura do país.
O resultado foi a grande contradição entre avanços democráticos e a continuidade, na gestão de Palocci, do antigo modelo econômico como uma ilha inatingível dentro do governo. Este poder dentro do poder — uma autêntica ditadura — era a antítese de um movimento político comprometido com os reais interesses nacionais.
Perspectiva republicana
Essa ordem só poderia ser restaurada com esses métodos de Guedes. Ou seja: a imposição da velha ordem neoliberal à base de chantagens e mentiras mil vezes repetidas como verdades. Recentemente ele disse que, “numa perspectiva republicana, o governo é para servir às pessoas, não aos partidos”.
Há nessa afirmação dois sofismas que revelam a essência dos seu pensamento autoritário. O primeiro é a deliberada generalização das “pessoas” a quem um governo republicano deve servir prioritariamente.
Contra os neoliberais pesa a tradição republicana, que é essencialmente progressista — nenhum presidente da República elegeu-se com o voto popular prometendo claramente defender o que a direita representa. Em nossa história, existem muitos exemplos de governos odiados pelo povo por prometer uma coisa e fazer outra.
O segundo sofisma de Guedes é a tentativa demagógica de negar que os partidos são expressões de classes sociais. Se há interesses antagônicos em uma sociedade, como é o caso brasileiro, há também a disputa política expressa por meio do embate entre os partidos que refletem as concepções de um ou outro conjunto de forças sociais.
Numa perspectiva republicana, portanto, governos democráticos levam a sério o papel dos partidos. A negação desta obviedade implica, em última instância, cercear a manifestação democrática do povo, prática comum dos defensores do regime neoliberal. Paulo Guedes – e o governo Bolsonaro como um todo – é um exemplo de que o povo, para esse projeto de poder, é um mero detalhe.
Por Esther Solano
11 seguidores
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.