O fascismo vive em nós através do dispositivo do neoliberalismo
Interrogar o fascismo radicalmente deve nos levar a uma reflexão séria acerca da democracia, pontua Rodrigo Karmy. Produção de sujeitos “dóceis”, que “amem” seu patrão e a precarização permanente de sua condição são características dessa conjuntura
“Uma mutação radical da soberania moderna em uma definitiva inscrição biopolítica.” Assim o filósofo chileno Rodrigo Karmy caracterizaria o fascismo em nosso tempo. Um regime que não reconhece a lei, porém sua exceção permanente, “não conhece a técnica, senão como imperialismo; não sabe do outro mais do que como inimigo; não conhece o exército, senão como aparato policial; converte o silêncio em seu aliado mais forte, combinado com uma estetização completa da vida social; reduz a noção de progresso à extensão de suas rodovias e vislumbra o passado apenas como um mito que, tendo sido esquecido por muito tempo, é reeditado em e como presente”. Contudo, Karmy adverte que é preciso problematizar não apenas o fascismo, mas também o discurso humanista: “O fascismo, diríamos, é um humanismo. Para o fascismo, trata-se de salvar a ‘raça’ que serão os últimos propriamente ‘humanos’ que sobreviveram à invasão parasitária dos ‘outros’ (muçulmanos, judeus, índios, negros etc.)” E acrescenta: “Somente como ‘humanismo’ o fascismo pode identificar o ‘outro’ como não ‘humano’ e fazer do fascista um ‘humano’ nesse mesmo ato de exclusão – de sacrifício”.
De acordo com Karmy, o fascismo vive em nossos corpos, “porque o “revés” entre soberania e biopoder se aprofundou na cena capitalista contemporânea. Sob essa luz, o neoliberalismo seria o nome do fascismo feito dispositivo”, define. Sua consumação na sociedade contemporânea é um desdobramento da anarquia do capital como uma verdadeira e já explícita guerra civil global.
Karmy tece, ainda, uma profunda crítica ao neoliberalismo e sua disseminação até as camadas mais profundas da sociedade: “o neoliberalismo é uma doutrina aristocrática, pois privilegia os “melhores”. Um aristocratismo econômico, e não político, como se pode depreender a partir da tradição grega. Essa cena mostra que, no Chile, a vida está inteiramente financeirizada”.
O fascismo, observa Karmy, é uma espécie de “captura total da vida e a privação do seu mundo.
Confira a entrevista de Rodrigo Karmy à Márcia Junges (Tradução Moisés Sbardelotto) aqui
Ilustração: “El nacimiento del fascismo” (1936) David Alfaro Siqueiros