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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

22
Nov23

Olha os militares aí, gente!

Talis Andrade

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por Denise Assis

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Chega a ser constrangedora a timidez do governo frente aos comandos militares. A PEC encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que surgiu vigorosa, parcimoniosamente restritiva e, na medida, sóbria o suficiente para não espantar ninguém que ocupasse as 16 cadeiras do Alto Comando do Exército, é apenas o rascunho do que deveria ser. O texto, que recebeu o apoio do Palácio do Planalto e do Ministério da Defesa, deve ser votado na Comissão na semana que vem.

Depois do estrago de imagem sofrido pelos militares, no desfecho do malogrado mandato do inelegível, em quem apostaram todas as fichas, inexplicavelmente o ministro da Defesa, José Múcio, e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), foram para o exercício de sempre: incutir em quem de direito o medo do bicho-papão, os fardados.

Eles que saíram do episódio do 8 de janeiro desmoralizados, comprometidos e expostos em suas atitudes golpistas - houve quem ainda posasse de herói, com ameaças e bravatas de voz de prisão em reunião com esse fito -, vão ganhando nacos de vantagens, poderes, regalias, para ficarem onde devem estar sempre: em seus quartéis.

Não tem cabimento o ceder contínuo, a demonstração explícita do medo o “acenar” eterno desses senhores para a casta – sim, a casta – que durante toda a história da República nos assombra, nos ronda e nos ameaça. Somando-se todas as escaramuças em que se meteram, não erraríamos se afirmássemos que suas armas estiveram muito mais vezes apontadas para os brasileiros do que para os externos de quem nos deveriam defender.

Não tivemos a oportunidade de ter respondida à pergunta inevitável que se dirigiria ao general Júlio Arruda, Comandante do Exército, se o víssemos na condição de inquirido pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro. Isto porque em reuniões intermináveis, parlamentares e o ministro da Defesa conseguiram livrá-lo do devido dever de responder:

- General, os seus blindados disparariam contra os seus concidadãos, naquela noite em que o senhor os apontou para as colunas de PMs que foram prender os acantonados e seus protegidos, na porta do seu quartel?

Certamente iriam querer saber os deputados e senadores...

Não fosse o perdão concedido pelo então ministro da Defesa, Jaques Wagner, ao general Sergio Etchegoyen, pela indisciplina de se colocar publicamente, em nota, contra a publicação do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) onde familiares seus eram apontados como envolvidos nas torturas da ditadura, e ele não seria alçado à condição de Chefe de Estado Maior do Exército.

Foi desse posto que ele e o general Eduardo Villas Boas tramaram o golpe contra a presidente Dilma Rousseff. Mas esses fatos vão ficando pelo caminho, como os combatentes que no retorno para casa vão deixando mochila, coturno, e todos os apetrechos da batalha, pois é tempo de paz...

Sim, é tempo de paz, mas a que preço? No mínimo R$ 53 bilhões destinados logo depois da tentativa de golpe, à pasta da Defesa, para serem gastos com novos equipamentos e tecnologias, sem necessidade de prestação de contas. (Quem sabe mais algum software espião?). Vai algum funcionário público gastar um lanche numa viagem a serviço sem trazer a comprovação, para ver o enxovalho!

Já foram feitos almoços, regabofes, encontros com direito a foto com todos devidamente “enfaixados” e de mãos unidas! Não lhes faltam mimos, a troco de ficarem quietos intramuros, onde deveriam estar sempre.

O último deles, chamado a colaborar numa grande missão estratégica e logística, deixou morrer dezenas em Manaus sem oxigênio, porque precisou atrasar o calendário da entrega das balas do gás, enquanto negociava sobrepreço de vacinas. Não perdem a chance de estar no canto da foto, com suas fardas vistosas, a tirar “casquinha” dos eventos positivos do governo. Mas têm bons padrinhos, bons amortecedores.

Agora, na última notícia vinda do centro do poder, fica-se sabendo que “em mais um movimento para evitar atritos com as Forças Armadas, o governo atuou para que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impõe limites à atuação política de militares não proíba a presença dos integrantes da ativa no comando de ministérios”. Ora, faça-me o favor! E quem, em sã consciência, irá querer trazer de novo os galardões para os gabinetes do Planalto? Já não deram vexame que chega?

Mas sempre é melhor prevenir – que voltem – do que remediar as suas manobras. Portanto, deixar escrito que não servem para a vida política, que o lugar deles é na defesa do nosso território, e que nem sequer têm talento para a política, seria de bom tom. Mas, por enquanto, isto está longe de acontecer.

Em matéria publicada pelo jornal O Globo, (21/11/2023) o relator, o senador Jorge Kajuru (PSB-GO), defende-se da supressão do ponto que vedava a presença de militares da ativa à frente de ministérios, que chegou a constar em uma versão preliminar do relatório, mas acabou fora do texto, sobre o qual ainda não foram feitas emendas. Kajuru defendia a inclusão do artigo e só desistiu da ideia após conversar com líderes do governo.

— Não foi incluído porque eu ouvi as lideranças, especialmente os senadores Otto Alencar (PSD-BA) e Jaques Wagner (PT-BA). Como eles acham que, por enquanto, não é hora de fazer isso, eu atendi ao pedido. Não faço relatório sozinho — afirmou Kajuru, completando.

— Assim, a PEC consegue aprovação, porque a rejeição fica menor. Se você radicalizar, aí os militares da oposição vão para cima”, esclarece.

Ah! Bom! Que medo! E até parece que se quiserem “partir para cima”, há algo que os impeça... Basta ver como andam votando as propostas do governo.

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04
Out23

III - "Construir um Exército que seja de fato nosso deveria ser prioridade"

Talis Andrade

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Pedro Marin entrevista Ana Penido para Revista Ópera que fala de Defesa, a educação dos militares, a relação de Lula com os militares e a tutela militar sobre o Congresso e o Brasil

 

Militares que eventualmente realmente se preocupam com a Defesa, que não vêem nisso só uma forma pela qual vivem sua vida.

Sim. Então acho que quando chamamos uma discussão de conferência, um ponto é que chamamos mais segmentos para a mesa: é preciso ampliar as perguntas. A primeira e principal pergunta é: o que é objeto da Defesa? O que é que temos de defender? Qual é nossa prioridade enquanto país? A depender da pessoa que perguntar, a resposta será diferente. O militar sempre vai ter a mesma resposta, porque é formado numa lógica de geopolítica muito territorial: ele vai falar que são as fronteiras. Se não tiver um outro Estado nacional nos invadindo, o militar não considera que vender todas as terras da Amazônia para estrangeiro seja um problema, ter a mineração funcionando lá, etc. Se formos conversar com uma pessoa pobre da cidade, é provável que ela diga que quer defender o pouco que tem de possibilidade de consumo. Se você for para a roça, já vai ter outra resposta: “quero defender minha possibilidade de ‘estudar meus filhos’, a escola tá longe…”. Então é necessário trazer para a mesa essa pergunta – o que deve ser nossa prioridade de Defesa?

Eu entendo que a nossa prioridade de Defesa tem de ser o que é objeto de interesse deles. E, nesse sentido, os EUA são bacanas, porque se tem um povo sincero, são eles… A comandante [do Comando Sul dos Estados Unidos], Laura Richardson, cada vídeo que grava… É tão sincera que eu fico constrangida. Ela diz em um: “no que estamos interessados? Nos recursos naturais de vocês.” Ponto. Até especificam os recursos que querem: da Bolívia eu quero o lítio, de tal país tal recurso. Essa é a primeira coisa. Mas o que penso que deva ser o nosso principal objeto de Defesa é a nossa vontade. A vontade, mesmo, o desejo, aquela coisa realmente forte, “a minha vontade de ser brasileiro”. E essa vontade perpassa, hoje, pelas comunicações. Qual é a diferença da guerra que é travada hoje para a guerra que já foi travada em outros momentos? A disputa pelos corações e mentes não é uma novidade, é algo que sempre existiu. As pessoas começaram a falar em guerra híbrida – é um conceito que não uso, acho polissêmico, cada um usa de um jeito, acho que não explica. Mas o que tem de novidade na guerra? A área das comunicações. Ela proporcionou velocidade, acontece tal coisa [em um lugar], chega [em outro]. Ela proporcionou abrangência… Quando teve o golpe [de 1964], acho que chegou aqui em Itaúna três anos depois. Hoje não, chega na hora; aconteceu algo, o celular apita. E isso em qualquer lugar: se você for em uma ocupação do MST, vai ver os meninos caminhando para subir num morro e conseguir um sinal. Ou seja, chega em todo mundo. E a terceira dimensão é que essa informação hoje é customizada. Se ela é customizada, eu vou falar o que você quer ouvir – não são mais os panfletinhos que os EUA jogavam em cima de Cuba para falar que o Fidel era ruim, e todo mundo lia. Hoje, para você que é católico, vão falar que o Fidel é ruim porque ele é contra os cristãos; para você que é gay, vão falar que é ruim porque ele é contra os gays. Então se customiza a informação, o que proporciona, para quem de fato está travando qualquer conflito, um mundo de possibilidades em termos de operações psicológicas. Então a qualidade do que era feito mudou completamente – e eu entendo que isso interfere em qual dimensão? Na dimensão da vontade, dos seus desejos, do que você acha que é importante e do que de fato é relevante na sua vida. Para mim essa é a principal questão que eu levaria, por exemplo, para uma conferência dessa hoje. Para mim, a área mais central hoje é essa área, das comunicações, das informações, de como elas circulam, e como de fato regulamentar isso para que não sejamos objeto de interferência externa – independente do país, não quero ser objeto de interferência externa de ninguém, que outros construam nossas vontades.

Quando chamamos uma conferência de Defesa, esse tipo de pergunta vai para a mesa. Então deixa de ser uma discussão sobre qual armamento vão comprar, ou se o avião vai vir daqui ou dali. As perguntas são: o que eu tenho que defender, e de quem? Se essa dimensão da vontade é, no meu caso, a questão a ser defendida, quem tem condições de manipular vontades? Quem tem determinadas tecnologias, porque nossos vizinhos aqui na América do Sul não têm condições de manipular nossas vontades, a não ser mandando reggaeton [risos]. Tirando o reggaeton, não vão conseguir fazer nossa cabeça. Então a pergunta do “o quê?” vem junto da pergunta “de quem?” ou “do quê?” – quais mecanismos os países têm para fazer isso. E essa discussão pode ser feita com qualquer pessoa, com o cidadão comum; ele vai ter uma opinião, vai querer formular sobre isso.

Então eu sou uma entusiasta da ideia da conferência inclusive para romper com uma questão que é muito comum aos intelectuais de esquerda, também, que é: “ah, Lula não fez tal coisa porque não quis”; “não está fazendo agora porque não quer”. Eu sou totalmente contrária a esse pensamento. Eu acho que a principal variável aí é a vontade das pessoas, qual é a opinião pública sobre as Forças Armadas. Eu fico imaginando o Lula no primeiro e segundo mandato: o povo adorava os milicos. Levam água, energia, rio, estrada, doação de sangue – vai ter ódio deles pra quê? O que o povo não gosta hoje em dia? O povo ficou “tiririca” de ver os privilégios que eles têm diante de outras categorias; se perguntou: “por que eu vou morrer e eles têm oxigênio no hospital?”, “por que eu estou na fila do osso e eles estão comendo picanha com uísque?”. São questões concretas e objetivas da vida das pessoas. Acho que temos de interferir, e a conferência contribui exatamente por chamar mais segmentos para fazer essa discussão mais concreta: o que, como, etc. O objetivo é realmente diversificar, ampliar, ter mais gente sentada nessa mesa. Inclusive gente da indústria, e os próprios militares. Acho que teríamos a oportunidade de fazer uma conversa em outros marcos, uma conversa sobre geopolítica mesmo. Que país queremos ser num mundo que está em transformação.

 

É interessante, porque essa sua leitura sobre qual é o problema principal, implicaria aos militares ter como preocupação, por exemplo, o PL 2630, o nível do desenvolvimento tecnológico do país, a regulamentação das redes sociais – não necessariamente se vão ter tal ou qual comando na Amazônia. Quer dizer, desloca um pouco o eixo do que eles estão acostumados.

E subordina a questão de Defesa à discussão de projeto nacional. Faço até piada: nós ainda estamos construindo o submarino nuclear, mas já vendemos o Pré-Sal! Vai ser ótimo, nosso submarino nuclear fazendo segurança privada – imagina, que luxo! [risos]

A área de Defesa tem de estar conectada à discussão de projeto, como qualquer outra área, é mais uma área. E todos os cidadãos brasileiros, com farda ou sem, têm condição de pensar sobre que país se quer. E acho que também rompe com aquela ideia: “não tem civil especialista no assunto, por isso Lula não mexeu”. Não, isso é uma discussão de 20 anos atrás, hoje tem um monte de civil [especialista em Defesa]. E mesmo se não tivesse; se forma, não é um problema. “Ah, não mexeu porque não quis” – não, nesse aspecto não existe vontade; governo funciona igual panela de feijão, só funciona na pressão. E quem está pressionando por mudanças na área de Defesa? Tem de existir força social, gente que queira discutir, participar, debater. Para mim, é nesse sentido que a conferência pode colaborar; melhorar a correlação de forças ao redor do tema, trazer mais gente para debater. Inclusive mais gente que vai gostar dos militares. Vai ter gente que vai vir e falar: “não, eles estão certos”. Mas aí ao menos vamos ter a possibilidade de debater.

 

O último trabalho que você publicou – com outros autores, é claro – é um levantamento do Instituto Tricontinental sobre a questão da assessoria militar no Parlamento. Nesse relatório fica evidente que as Forças Armadas, primeiro, têm uma estrutura de lobby; e fica evidente, em segundo lugar, o quão relevante é essa estrutura, particularmente a do Exército. Como vocês apontam no relatório, esse tipo de estrutura de lobby é algo que, entre as instituições públicas, só as Forças Armadas têm. A que você atribui isso? Por que as Forças Armadas têm tal poder de influência dentro do Congresso, enquanto outras instituições não? E quais são os resultados de terem esse tipo de assessoria? Porque, em termos de orçamento, é muito curioso: as Forças Armadas são instituições que usam um orçamento público para estruturar um lobby para conseguir mais orçamento público [risos]. Mas também queria saber dos resultados em termos políticos, da influência que têm sobre discussões que dizem respeito a elas próprias.

Nós ficamos quatro anos, no Instituto Tricontinental, olhando para o Executivo. Nós olhávamos para o Legislativo de vez em quando, só para ver o que estava acontecendo. Mas o volume do que foi a ocupação militar no governo Bolsonaro, o volume de dados que nós tínhamos para tabular e analisar era tão enorme, que na verdade nós já tínhamos esses dados sobre a assessoria militar há uns três anos, mas não conseguíamos chegar neles nunca.

Para começar, lobby é privado. Nós pensamos muito sobre usar essa palavra para as Forças Armadas; porque não existem instituições públicas que façam lobby. Os ministérios mantêm no Congresso quase elos de ligação. E isso vale para nível estadual, muitas vezes até para nível municipal, o que é até bom para a democracia – facilita a discussão, o fluxo das informações. Então fomos olhar a presença do Ministério da Defesa [no Legislativo], e o que era a presença dos militares autonomamente. E aí, quando olhamos, vimos que era muita gente; um andar inteiro de gente para fazer lobby. E é lobby no sentido privado, porque é feito para os interesses particulares construídos pelas Forças. Não são interesses construídos coletivamente, nem entre eles – porque cada [Força] tem sua própria [demanda] – nem pelo Ministério da Defesa e, muito menos, pelo controle presidencial.

Nesse sentido, é algo que passa longe do que deveria ser uma política de Defesa. Porque eles [militares] já têm historicamente autonomia na formulação dessa política de Defesa. Exceto por raras exceções, os documentos – a Estratégia Nacional de Defesa, a Política Nacional de Defesa e o Livro Branco da Defesa Nacional – foram formulados basicamente por militares. Um ou outro civil deu um palpite. Eles [militares] vão para o Congresso, passa batido. O Genoíno tem uma frase: “Defesa não dá voto na democracia e dá cana na ditadura”. E é verdade: ninguém diz que votou em tal parlamentar porque ele defendia uma política de Defesa – saúde, educação, segurança, sim. Então normalmente os documentos vão para o Congresso e ficam lá, cozinhando; quando alguém participa, são os próprios militares que foram eleitos como parlamentares. Então fica tudo numa bolha muito exclusiva e específica deles. Isso já era uma primeira dimensão, que sabíamos: a autonomia que eles têm na formulação das coisas.

E quando olhamos de perto, de fato, percebemos que é uma estrutura [de assessoria no Parlamento] muito maior do que imaginávamos – e nem conseguimos pegar a estrutura inteira, porque não conseguimos ver as estruturas regionais. Nem sabíamos, no começo, que haviam estruturas [de assessoria militar no Parlamento] regionais. Existem trabalhos sobre a CREDEN (Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados do Brasil), por exemplo, há muitas coisas sobre o processo de construção do Ministério da Defesa; mas não encontramos trabalhos que falassem sobre essa assessoria, de forma que nem sabemos qual é a estrutura regional interna que as assessorias militares têm.

Mas o importante: as assessorias não têm o mesmo perfil dos elos de ligação que os ministérios mantêm, seja porque são muito maiores numericamente, seja por terem finalidades que são construídas quase de maneira privada para a própria corporação. A finalidade delas, em última instância, é fazer com que aqueles parlamentares que estão ali, representando diferentes vontades políticas, se alinhem a uma ideia, uma ideologia, e à concepção política que é construída dentro da própria Força. Isso vale para tudo: desde como pensar a Defesa, quais armamentos, orçamento, política de pessoal, reformas na carreira, quem tem direito à carteirinha de porte de arma e quem não tem, etc. Então a intenção dessas assessorias é estar ali convencendo as pessoas. E aí eles têm muitos mecanismos, mecanismos que parecem simples mas que são cativantes, porque é uma instituição total: o parlamentar vai dar uma palestra [para militares], aí levanta aquele auditório todo, para cantar o Hino Nacional. Você vai sendo conquistado pelo coração mesmo, é bonito de ver aquela voz em uníssono. Aí eles pegam esses parlamentares e levam para a Amazônia… “olha a Amazônia, vem cá tirar foto com a onça” – aí os antropólogos quase morrem, uma onça presa como símbolo da nacionalidade [risos] – mas vão lá, tiram uma foto. E como a população de forma geral, os eleitores desses parlamentares, vêem os militares com bons olhos, é bom para eles [parlamentares] mostrarem para sua base eleitoral – na esquerda e na direita – que foram, como estão preocupados com a Nação, com o projeto de país, e como são nacionalistas. Em alguma medida os militares conseguiram essa exclusividade, do ponto de vista do imaginário, como os defensores da Nação; eles se consideram os defensores da Nação, mas não são só eles – muita gente considera que eles são, em última instância, os maiores defensores da Nação. Então eles têm múltiplos mecanismos para fazer o lobby, com a finalidade, em última instância, de que nada do que eles programem seja contrariado. E funciona muito bem.

Funciona do ponto de vista de orçamento – demonstramos no dossiê como eles são um sucesso para conseguir emendas de bancada –; funciona do ponto de vista das políticas, do que vai ou não ser votado; e em última instância eles ainda têm um trunfo, que é a inteligência – vai saber Deus, nessas pastinhas que eles têm, sobre cada parlamentar… Imagine, cada esqueleto no armário que deve ter numa pastinha dessa.

Mas é aquilo: se você conseguir construir hegemonia, não precisa nem da cenoura, nem do porrete; vai dar tudo certo. Então acho que eles têm sido um sucesso do ponto de vista da assessoria: ela tem muitos resultados para as Forças. Não é à toa que eles destacam pessoas importantes da própria corporação [para as assessorias militares]. São generais, em geral, ou coronéis com vistas à promoção – gente que está sendo testada para o manejo político, e é um lugar importante para a carreira ser um assessor parlamentar. Então acho que eles decidiram por isso de uma maneira correta, do ponto de vista deles; é comunicação institucional, garantir o deles, em última instância. E têm sido bem sucedidos nisso. O dossiê mostrou um pedacinho disso, de como eles se organizam para conseguir isso, e como têm tido sucesso.

E a variável principal de sucesso no caso do militar são as finanças – as emendas – e a aprovação do Orçamento [para a Defesa], que é o principal. Ele é aprovado, no geral, sem ninguém falar nada – e mesmo os parlamentares de esquerda que se inscrevem falam o que? “Está faltando dinheiro para as Forças Armadas”. Todo mundo fala isso. E eles pedindo 2% do PIB [para a Defesa]. Você já viu alguém falar mal disso? De onde eles tiraram esse número? Tiraram da OTAN! A OTAN que está lá em guerra, na Ucrânia – o Brasil está em guerra com quem? Aí voltamos ao início da entrevista: que nosso problema principal é pensar qual estratégia de Defesa pensamos para o País. E aí sim há divergências profundas: pensar uma estratégia para uma guerra convencional é muito diferente de pensar, por exemplo, uma estratégia para uma guerra popular prolongada.

 

O que acho interessante, talvez até para deixar a questão mais clara para leitor e leitora: as Forças Armadas são organizações do Estado, permanentes, inclusive. E que têm, portanto, uma série de responsabilidades com o Estado, mas também uma série de benesses que uma empresa privada, uma padaria, um supermercado, não tem. Uma dessas benesses é justamente o Orçamento, a possibilidade de contratar pessoas, ter academias e escolas, editoras, a inteligência, enfim; toda uma estrutura. Não é um sinal patente de tutela que uma instituição do Estado, que recebe recursos do Estado para, em tese, promover a defesa do Brasil, use esses recursos, ao mesmo tempo, para definir, manipular ou influenciar as discussões sobre elas? Ou para conseguir recursos, e naquilo que seria a casa do povo, que seria a representação da vontade popular… Esse esquema de assessoria parlamentar, por exemplo, você considera um elemento da tutela? Existe caminho para isso ser, por exemplo, proibido?

Primeiro, sobre tutela: a lógica dos militares sobre os civis é a mesma lógica do Conselho Tutelar que tem aí no seu bairro. Eles entendem que os civis são menores de idade do ponto de vista da capacidade de gerenciar o País. Nós seriamos isso, mais infantis, e então precisaríamos de alguém que saiba bem o que está fazendo. A tutela, para mim, é um dado histórico: não vejo a tutela como momento, vejo como traço estrutural. Estrutural mesmo, igual o racismo. Não vejo possibilidade de pensar o que é a formação social do Brasil sem pensar a escravidão – é uma marca, está em tudo, é uma pegada. E a tutela militar, para mim, está na mesma chave – por isso não penso nesses termos o Bolsonaro, ou o Temer, ou o próprio Lula. O máximo que muda é a cadeira: antes estavam no banco do motorista, agora estão no passageiro – mas estão ali com a mão perto do freio de mão, entendeu? Qualquer coisa, puxam.

Então ela [a assessoria militar no Parlamento] é uma marca da tutela? Nossa, de manhã até de noite, temos marcas da tutela! E, normalmente, olhamos para as marcas da tutela que existem no Estado – então quando falam da militarização, falam que o governo está cheio de militar, que tem militar no Supremo, que tem um monte de congressista militar, etc… Mas eu acho que as marcas mais preocupantes são aquelas na sociedade. Um exemplo: o aumento do consumo de jogos militares; você entra em uma loja de departamento, aquela febre de roupa camuflada… Então são várias coisinhas que parecem sutis, mas que dizem muito sobre como vemos os militares, como integramos eles na sociedade, qual é a forma de ligação, de vivência política, que estabelecemos com eles. Então a tutela se expressa, para mim, em múltiplos níveis. Para mim o dossiê é só uma quina da tutela; há tantas, e tão diversas…

Você falou uma coisa, falou de padarias, supermercados. A relação público-privada entre os militares é uma coisa que acho que precisamos olhar melhor. Aí os militares como instituições, mas também como indivíduos, porque há um conjunto de ferramentas – algumas institucionais, outras são individuais – que jogam com essa ideia público-privada. A instituição, por exemplo, tem autonomia para organizar seu sistema educacional, então há os colégios militares, que são muito concorridos – filhos da classe média normalmente querem essas escolas, porque são boas, são escolas que recebem normalmente um financiamento por aluno de 3 a 4 vezes maior do que as escolas públicas comuns. Ou seja: é uma escola muito boa porque tem muito dinheiro, não porque tem muitos filhos de militares. É a mesma lógica de um CEFET, desses colégios de aplicação de universidade; é óbvio que são escolas melhores. Só que, na hora de tentar o ENEM, o que acontece? Eles têm direito a cotas de escolas públicas. Embora tenha quatro vezes o orçamento de uma escola pública comum, eles entram enquanto cotistas de escola pública. É uma forma de jogar com o público e o privado. A mesma lógica vale para a regra de transição da aposentadoria. E há também, individualmente, um conjunto de mecanismos; há até o termo, “porta giratória”. Um militar está no Ministério da Defesa e faz um edital para comprar um tipo de equipamento de manutenção que só o seu colega, que está na reserva, faz na empresa dele. Aí ele sai, vai para a reserva, entra para aquela empresa, ou pode até virar lobista de uma empresa de armas – mas você trabalhava ali antes, e portanto tem acesso a um conjunto de informações que um lobista comum, civil, que fosse trabalhar para essa empresa, não tem. Esses militares têm até um apelido, são os “maçanetas”: porque estão sempre abrindo a porta para alguma empresa privada se apropriar de recursos públicos através do Ministério da Defesa.

Nunca fiz um estudo sobre isso em detalhes, mas acho muito relevante; entendermos como eles usam essa tensão entre o público e privado sempre em benefício próprio – ou em benefício da própria coletividade militar (como o exemplo da educação), ou próprio do ponto de vista individual (como aqueles que entram nessa porta giratória).

 

É interessante, porque há um autor que tratou da questão militar na América Latina, o Mario Esteban Carranza, que lembra que as Forças Armadas, além de serem forças armadas e tantas coisas, são também órgãos de produção de hegemonia. E ele chega a dizer que são o principal órgão de produção de hegemonia. Lembro de ler isso e ficar com dúvidas quanto a isso, “o principal talvez seja demais”. Mas quando vemos esse dossiê… É a única instituição pública que tem isso, e com tantos assessores, para influenciar tantas questões – Orçamento, aposentadoria, estratégia nacional. Realmente é um tanque no Congresso. Mas, enfim, queria uma avaliação sua sobre o que tem sido o governo Lula até o momento na área de Defesa e, especialmente, na sua relação com os militares. Qual é a sua leitura sobre esses seis meses na área de Defesa?

Vou falar de oito [meses]. Porque acho que a campanha já dizia muito nesse sentido. Ele [Lula] pouco falou sobre militares durante a campanha. O que acho que foi absolutamente correto – uma coisa absurda que aconteceu em outras campanhas foram os candidatos pedirem a benção do Villas-Bôas; “oi, tudo bem, posso ser candidato?”. E os candidatos de esquerda fizeram isso… Então acho que começou bem nesse sentido. A vitória nós sabíamos que seria difícil; acho que foi um feito histórico importante para a classe trabalhadora brasileira, essa vitória. Da esquerda organizada, que lutou por ela desde que Lula estava preso. Mas ali já sabíamos que haveria resistências por parte dos militares. Há a vitória e há a posse. Qual resistência seria, em que proporção seria; tudo isso não sabíamos. E quais negociações foram feitas…

Logo de cara ficou evidente que houve uma negociação: “civil não toca [na questão militar]”. Não houve consenso mínimo para a criação de um Grupo de Trabalho de transição na área de Defesa. E também ficou evidente, creio, essa intenção do Lula de “se eu for mexer em alguma coisa na área de Defesa, tenho dois pepinos: o GSI e o Ministério da Defesa. Vou mexer no GSI”. E aí ele está correto, porque o GSI virou o ninho da serpente, com o [general Augusto] Heleno adiante dele. Já era um problema desde a época do [Sérgio] Etchegoyen, mas o problema ganhou uma proporção… Então acho que, se eu fosse escolher uma área para começar, também começaria por lá. Ia entregar o Ministério da Defesa e ir brigar do outro lado [risos]. Me dói, mas entendo o raciocínio político que ele fez, e acho que está correto.

O [ministro da Defesa] José Múcio foi um ministro indicado pelos militares, então é um ministério deles. O Ministério [da Defesa] seguiu exatamente como era o Ministério do Bolsonaro, então diria que não houve transição na área de Defesa, até hoje. Temos o mesmo perfil de ministro, mesma organização, basicamente a mesma coisa – com mudanças periféricas, mas ainda é o Ministério do Bolsonaro… Que era o Ministério da Dilma, que era o Ministério do Lula, que era o Ministério do FHC, etc. A tutela se expressa aí: o coração vai se mantendo, uma coisa ou outra que vai mudando.

Acho que o Lula acertou muito no dia 8 de janeiro, ao não decretar a GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Quem deu o conselho eu não sei, mas foi algo bem feito. Porque ele iria atribuir aos militares a responsabilidade de resolver – “aqueles que estão retornando com a paz” – um problema que eles criaram. Então teria que jogar na conta deles o problema, não colocá-los como salvadores da Pátria. Achei que foi muito bem no dia 8, decretar intervenção federal foi bom, colocar um civil – independente do civil que colocasse. Não queria que o Múcio tivesse caído naquele momento. Diferenças entre os governos Lula I e II para esse governo: nos anteriores, qualquer crise que houvesse com os militares, caía o civil. Dessa vez, não; quem caiu foi o militar, foi o comandante do Exército, que foi trocado.

Mas aí ele volta a tentar sinalizar acordos com os militares que são paralelos, parecidos com o que fez nos governos anteriores, e que não funcionam. O principal deles tem a ver com dinheiro. Essa ideia que o Múcio repete, de que a área de Defesa gera muitos empregos; ou o Lula prometendo que vai arrumar dinheiro para comprar armamento, equipamento. Os militares lêem isso em uma chave de fraqueza do governo, e não como um governo que pensa nas questões nacionais e que está investindo em Defesa. Pensam: “ele tá botando dinheiro para me dar uns brinquedinhos, me comprar, me chantagear”. Então acho que, quando ele sinaliza nesse sentido… Já deu errado nos outros governos, já tentamos esse caminho e não deu certo. Eu tenho muita resistência a negociar os 2% do PIB para gastos militares, e sobre como é gasto, porque vai para o buraco sem fundo da área de pessoal militar, não para a área de investimentos militares, armamentos, equipamentos. Então considero essa uma sinalização negativa.

E o Lula é o cara da coesão. Ele sempre está tentando fazer as pessoas se entenderem – é por isso que ele é quem ele é. Só que não se pode entrar em entendimentos com alguém que não quer entrar em entendimentos com você. E acho que ele sinaliza continuamente a ideia de fazer com que as relações dele com os militares voltem à normalidade – ele não fez nenhuma sinalização à esquerda, de chamar uma conferência para discutir Defesa. O que houve foi por uma pressão, os veículos de comunicação têm ajudado muito nessa fiscalização, no sentido de compatibilizar a política internacional com a política de Defesa. Então houve aquele encontro em Brasília, todo mundo falou que não chamaram a China, e no final chamaram a China e os chineses vieram – se fosse pelos militares, não tinham chamado. No máximo essas coisas, que têm a ver com a política internacional.

Mas essas sinalizações não foram feitas de volta pelos militares. Não dá para apertar a mão de alguém que não quer apertar sua mão. A conferência de Defesa é importante nesse sentido: amplia as possibilidades de conversa, traz mais gente, o Lula é um cara muito habilidoso para construir consensos em áreas inimagináveis. E tira um pouco dessa picuinha pequena, desse varejo. Acho que seria uma boa oportunidade para ele fazer história.

Já cansei do Múcio, acho que já deu [risos]. Não queria que caísse no dia 8, mas já deu. E acho que, na verdade, a questão do Ministério da Defesa é maior do que simplesmente trocar o ministro. Não há nenhuma burocracia civil dentro do Ministério, nunca houve um concurso para a área, são só militares da reserva, contratados por Tarefas de Tempo Certo, que é uma bocada que existe, com um monte de militares ganhando por meio dela. É um Congresso que olha pouco para a questão. É uma sociedade civil – mesmo entre a organizada –, para quem a discussão sobre Forças Armadas passa longe, como se saúde, educação, segurança, não tivesse relação com a política de Defesa adotada para o País. E como se, para cada ação, não existisse uma reação internacional que faz com que seja necessária uma política de Defesa. Os militares têm uma piada que eu concordo, dizem: “se não tiver um exército seu no seu País, tem de outro. Algum exército necessariamente tem.” Então acho que a ideia de construir um Exército que seja de fato nosso deveria ser prioridade de qualquer partido político que se coloque a dimensão do poder.

Então acho que o Lula pode fazer mais do que já fez, mas compartilho essa responsabilidade também com o Legislativo, com as organizações políticas, com os movimentos. Era um tema muito de especialista, um ou outro que estudava. Acho que precisamos repensar de fato o que a gente entende como projeto de país e em que mundo nós estamos. Porque se não discutirmos Defesa, as outras discussões são só vontades. A Defesa é o escudo que te proporciona a possibilidade de fazer as outras vontades acontecerem.

19
Ago23

A conta das Forças Armadas

Talis Andrade
 
 
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O esforço de isolar o Bolsonaro dos generais que estiveram por trás de sua aventura golpista não condiz com os fatos. Desde Temer, eles atuaram para que o ex-capitão fosse a face do projeto de poder dos militares. Agora que gorou, querem descartá-lo

15
Fev23

O general Etchegoyen e a covardia

Talis Andrade

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por Cristina Serra

- - -

Setores das Forças Armadas, certamente frustrados com o fracasso do atentado no domingo infame, encontraram um porta-voz para mandar recados em tom de ameaça ao presidente Lula. Trata-se do general da reserva Sérgio Etchegoyen, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do golpista Michel Temer.

Etchegoyen emergiu das sombras, onde atua com desenvoltura, e reapareceu num programa de entrevistas para afrontar Lula. Disse que o presidente praticou “ato de profunda covardia” ao manifestar a desconfiança de que militares tenham sido coniventes com a invasão e depredação do Palácio do Planalto.

As investigações mostram que Lula está coberto de razão em suas suspeitas. A estrutura militar da Presidência era um valhacouto de contaminação golpista que só agora começa a ser depurado.

Volto ao general tagarela. Em 2014, ainda militar da ativa, Etchegoyen também usou a palavra “covardia” para referir-se aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Ele não gostou de ver os nomes dos generais Leo e Ciro Etchegoyen, respectivamente seu pai e seu tio, na lista de autores de graves violações de direitos humanos durante a ditadura.

O general tem um entendimento muito peculiar do que seja covardia. Difícil saber se por má fé ou por ignorância. Como se sabe, covardia é usar de violência e brutalidade contra alguém indefeso, dominado, mais fraco. Exatamente como fizeram agentes da ditadura com prisioneiros sob custódia do Estado. A ditadura perseguiu, torturou, estuprou, assassinou e desapareceu com os corpos de opositores. Mais de 200 não foram encontrados até hoje.

Covardia, senhor Etchegoyen, foi o que aconteceu na Casa da Morte, em Petrópolis. Covardia, senhor Etchegoyen, foi deixar faltar oxigênio nas enfermarias de Manaus e estimular a imunidade de rebanho durante a pandemia. Covardia é valer-se dos instrumentos da democracia para apregoar o golpe contra a República. Covardes!

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22
Jan23

Sérgio Etchegoyen e os negócios militares

Talis Andrade
 
 
 
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A imagem das Forças Armadas foi jogada no lixo. Cada cena de vandalismo em Brasília é associada à proteção dada pelo Exército aos bandidos acampados em área militar

21
Jan23

General Etchegoyen é exemplo encarnado de uma força que ameaça a democracia

Talis Andrade
www.brasil247.com - General Sérgio Etchegoyen
General Sérgio Etchegoyen 

 

Família do general se envolve na política há quase um século e agiu contra a soberania popular em vários momentos

 

por Joaquim de Carvalho /Portal 247

O general Sérgio Westphalen Etchegoyen deu uma entrevista esta semana à rádio Gaúcha em que demonstrou desrespeito ao comandante supremo das forças armadas e, em razão disso, uma visão deturpada do papel das Forças Armadas em uma república.

Lula disse que perdeu a confiança em parte das Forças Armadas, depois dos atos terroristas de 8 de janeiro. E ele tem motivo para externar esse sentimento. 

Afinal, o Palácio do Planalto foi invadido e vandalizado por militantes de extrema direita que se encontravam acampados em área do Exército. A invasão ocorreu apesar de existir o Batalhão da Guarda Presidencial, desmobilizado antes dos atos terroristas e, durante estes, seu comandante, o coronel do Exército Paulo Jorge da Hora, foi gravado em vídeo sendo advertido por policiais militares, aparentemente porque tentava interferir em favor dos invasores. “Está doido, coronel?”, disse um oficial da PM, segurando-o pelos ombros.

À rádio Gaúcha, Etchegoyen disse: “Um presidente da República, comandante supremo das Forças Armadas, que vai à imprensa dizer que não confia nas suas Forças Armadas, sabe desde já que nenhum general vai convocar uma coletiva para responder à ofensa. Então, isso é um ato de profunda covardia, porque ele sabe que ninguém vai responder”.

Na cabeça de Etchegoyen, os militares estão em pé de igualdade com o comandante supremo das Forças Armadas, e não são subordinados. Sendo subordinado, nenhum integrante das Forças Armadas tem o direito de responder ao presidente da República, sob pena de incorrer em grave ato de indisciplina.

Sem obedecer aos princípios de hierarquia e indisciplina, uma Força Armada deixa de ser instituição de Estado, e passa a ser uma milícia ou gangue. 

A posição de Etchegoyen segue um padrão da família, segundo registros históricos. Seu avô, Alcides, era tenente do Exército em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, quando, ao lado do irmão, liderou motim para impedir a posse do presidente Washington Luiz.

Eles eram do movimento tenentista da época, do qual fazia parte também Luiz Carlos Prestes, na época já comandando a coluna que, pela definição de hoje, poderia ser considerada de caráter progressista.

Alcides e o irmão, no entanto, logo se revelaram com uma visão bem diferente da de Prestes, quando Alcides, no complexo governo de Getúlio Vargas, assumiu a chefia da polícia no Distrito Federal, então no Rio de Janeiro, em substituição a Felinto Muller.

Nos anos 50, ele já era oposição a Getúlio Vargas, e encabeçou a chapa “Cruzada Democrática” para o Clube Militar, e derrotou o general nacionalista Newton Estilac Leal. Em agosto de 1954, Alcides assinou o manifesto que exigia a renúncia de Getúlio Vargas, a quem havia servido, num ato que agravou a crise política e levou ao suicídio do então presidente.

Quando o general Alcides morreu, em 1956, dois filhos já estavam no Exército, Cyro e Leo, este pai de Sergio Etchegoyen. Em 1964, eles participaram do golpe contra Goulart. Leo seria nomeado, um ano depois, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, e o irmão, Cyro, assessoraria o general Milton Tavares, chefe do Centro de Informações do Exército, o poderoso CIE.

O jornalista Marcelo Godoy registrou em artigo no jornal O Estado de S. Paulo que Léo dizia, talvez justificando a tortura, que "quem enfrenta a guerra suja tem de usar métodos semelhantes ao do inimigo, sob a pena de ser derrotado”.

Em 1979, segundo Godoy, o pai de Sergio Etchegoyen elogiou o tenente-coronel Dalmo Lúcio Muniz Cyrillo, chefe do DOI-Codi em São Paulo, pela atuação dele na prisão coletiva de sindicalistas e líderes metalúrgicos do ABC paulista, entre estes Lula.

Durante o governo de Dilma Rousseff, Sergio Etchegoyen era chefe do Departamento Geral do Pessoal do Exército e atacou o relatório da Comissão Nacional da Verdade, que citava o pai dele como comandante de unidades onde ocorreram violações de direitos humanos.

Etchegoyen disse que o trabalho, criado por lei proposta pelo Executivo e aprovada no Congresso Nacional, era “leviano”. Não foi punido, porque o governo Dilma considerou que a manifestação dele se dava em caráter familiar. O general tentou retirar o nome do pai no relatório da Comissão Nacional da Verdade com ação na Justiça, mas perdeu.

É nessa época que generais, conspirando contra Dilma, se aproximaram de Jair Bolsonaro, para que ele representasse os militares nas eleições de 2018. Justamente Bolsonaro, que havia sido condenado em Conselho de Justificação do Exército, por mentir e ser indisciplinado, considerado sem vocação para a carreira militar, entre outros motivos pelo desejo de enriquecer rapidamente

Depois do golpe contra de Dilma, Etchegoyen assume o Gabinete de Segurança Institucional, a que está subordinada a Abin, e se destaca como homem forte de Michel Temer. Ao mesmo tempo em que a presença militar volta à rotina da vida civil no país, é mantido um acampamento em frente ao Comando Militar do Sudeste, que, em 2016, já pedia intervenção militar.

Antes disso, o ativista Jair Krischke participou de um projeto regional que pretendia instalar pedras memoriais em frente a estabelecimentos do Rio Grande do Sul onde, durante a ditadura, houve violação de direitos humanos, a exemplo do que existe na Alemanha (nazismo) e Argentina (ditadura militar).

Etchegoyen convidou Krischke para uma conversa, e os dois se falaram, durante horas. A certa altura, Etchegoyen perguntou a Krischke: “Você está querendo colocar pedras em frente a meus quartéis?”. Krischke respondeu: “Pensei que os quartéis fossem do Estado brasileiro”. A conversa terminou, e o projeto não foi adiante.

Na eleição de 2022, os militares foram derrotados juntamente com Bolsonaro. Sim, os militares estavam na disputa, direta e indiretamente. 

Com o resultado das urnas, o país tem agora a oportunidade de superar esse longo período em que generais como Etchgoyen se colocam em pé de igualdade com o presidente da República, detentor do mandato que reflete a soberania popular e lhe confere o lugar constitucional de comandante supremo das Forças Armadas.

 

19
Fev22

Avança a ofensiva militar contra as eleições

Talis Andrade

 

Não se tenha dúvida de que, por mais que o TSE tenha sido claro, na resposta às dúvidas da Defesa, o conteúdo do relatório será utilizado na ofensiva contra as eleições.

 

03
Fev22

Nara, militares e bolsonarismo (vídeos)

Talis Andrade

tortura morte ditadura ossário de bolsonaro.jpg

 

por Cristina Serra

- - -

A entrevista do comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior, à Folha, ofende os fatos e a lógica. Baptista repete a ladainha de que “a política não entrará nos nossos quartéis” e que os militares sempre prestarão continência “a qualquer comandante supremo das Forças Armadas”.

Para ser levado a sério, ele teria que explicar com clareza, e não com ambiguidades e recados mal disfarçados, a nota intimidatória do ministério da Defesa à CPI da Covid no Senado e o tuíte do alto comando do Exército, publicado por Villas Bôas, em 2018, com ameaças ao STF, na véspera da votação do habeas corpus de Lula.

Bolsonarista raiz, Baptista compara a presença de militares no atual governo à atuação de acadêmicos nos mandatos de FHC e à de sindicalistas na era Lula. Cinismo ou ignorância?

Para dimensionar o necessário debate sobre o papel dos fardados na democracia, trago argumentos do historiador Manuel Domingos Neto, um dos maiores estudiosos do tema no Brasil, em artigo publicado no portal “A Terra é Redonda”. O professor toca num dos nervos centrais da questão: a dependência tecnológica das nossas FAs de fornecedores de armas e equipamentos “que não defendem o Brasil, mas reforçam o poderio de potências imperiais”.

Sem romper essa dependência, o que esperar dos militares quando – e se – voltarem aos quarteis? Segue Domingos Neto: “Formar novos Bolsonaros, Helenos, Villas Bôas, Pazuellos, Etchegoyens ou coisa pior?” Continuarão os homens armados a arrogar-se a condição de “pais da pátria”, “estigmatizando os que lutaram por mudanças sociais?” Manterão suas “operações de garantia da lei, que beneficia os de cima, e da ordem, que massacra os de baixo?”

Para ampliar a discussão, sugiro ainda a série “O Canto Livre de Nara Leão”, que resgata momento de luminosa coragem da cantora. Em plena ditadura, ela diagnosticou sem meias palavras: “Esse exército não serve para nada”. Nara, atualíssima, cinco décadas depois.

23
Out21

Brasil tem 100 generais nomeados marechais. Coronel Ustra também ganha patente

Talis Andrade

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A patente de marechal foi extinta em 1967 após uma reforma no regramento da força terrestre que pôs fim ao título

 

por Henrique Rodrigues /Revista Fórum /Sul 21

Dados públicos disponibilizados no Portal da Transparência informam que 100 generais de exército (último posto da escala hierárquica do Exército Brasileiro) receberam a patente de marechal, extinta desde 1967 após uma reforma no regramento da força terrestre que pôs fim ao título, normalmente atribuído a oficiais de alto escalão considerados heróis nacionais por comandarem tropas em conflitos bélicos. A partir da promulgação da Lei Federal 6.880, de 1980, chamada de Estatuto dos Militares, a possibilidade de um general passar ao posto de marechal voltou, mas em condições restritíssimas: somente em tempos de guerra.

Entre os generais elevados a tal posto, que não existe mais, exceto em casos de campanha, estão Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) do governo Bolsonaro, os ex-comandantes do Exército Edson Leal Pujol e Eduardo Villas Bôas, além de Sérgio Etchegoyen, que ocupou também o GSI, mas na gestão de Michel Temer. Enzo Peri e Francisco Roberto de Albuquerque, ex-chefes máximos da maior organização militar brasileira durante os governos Lula e Dilma Rousseff, são outros que engrossam a lista de marechais.

Na Marinha e na Aeronáutica, os postos equivalentes ao de marechal são, respectivamente, o de almirante e de marechal do ar, igualmente extintos. Nessas outras duas organizações militares a nomeação para a posição inexistente também corre solta. Na listagem disponível no Portal da Transparência é possível perceber que vários almirantes de esquadra e tenentes-brigadeiros (postos compatíveis com o de general de exército no Exército) receberam a “promoção” que deixou de existir há 54 anos. Eles somam 115 nesses dois ramos militares.

Os ex-comandantes da Aeronáutica Luiz Carlos Bueno, Juniti Saito e Nivaldo Rossato, que chegaram ao topo da hierarquia da FAB como tenentes-brigadeiros, figuram no site que divulga os gastos do governo federal como marechais do ar, da mesma forma que os almirantes de esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, Julio Soares de Moura Neto e Eduardo Bacellar Leal Ferreira, que chefiaram a Marinha no passado, e que hoje são classificados como almirantes.

Foi a partir de uma Lei Federal que entrou em vigor em 2019, de número 13.954, que dispõe sobre questões previdenciárias dos militares e que não revogou o ordenamento jurídico anterior, que aparentemente esses generais passaram a figurar como marechais. Não se sabe qual foi a interpretação dada pelo governo federal para proceder com tais promoções, até porque o Ministério da Defesa não esclarece as circunstâncias dessas mudanças na hierarquia, tampouco a data em que elas ocorreram.

A reportagem da Fórum entrou em contato três vezes com a assessoria da pasta chefiada pelo general Walter Braga Netto, desde a última sexta-feira (30), por e-mail e via plantão do Centro de Comunicação, por WhatsApp, mas diferentemente da área de imprensa de outros ministérios, que respondem prontamente, o Ministério da Defesa ignorou os questionamentos sobre o assunto.

 

Ustra está entre ‘marechais’

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Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel do Exército condenado em 2008 pela Justiça brasileira como torturador durante a Ditadura Militar (1964-1985), também foi elevado ao posto de marechal, segundo o levantamento da Fórum.

O fato mais conflitante fica por conta de Brilhante Ustra ter ido para a reserva como coronel, o que no máximo, se passasse a um posto acima, poderia conduzi-lo ao grau de general de brigada, três níveis abaixo da extinta patente de marechal, legalmente possível apenas em tempos de guerra.

Falecido em 2015, o oficial que usava o codinome Dr. Tibiriçá durante as sessões de tortura na sede do DOI-CODI, em SP, transmitiu sua pensão de marechal às filhas Patrícia Silva Brilhante Ustra e Renata Silva Brilhante Ustra, que recebem cada uma 15.307,90, totalizando R$ 30.615,80, valor correspondente aos vencimentos de outros “marechais” do Exército.

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Bolsonaro, o fã do torturador

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O presidente Jair Bolsonaro nunca escondeu sua admiração pelo coronel Brilhante Ustra, a quem se refere como um “herói nacional”, em que pese todas as acusações de violações aos direitos humanos praticadas pelo torturador condenado, inclusive na presença de crianças filhas de suas vítimas. Durante a sessão que votou o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, o então deputado federal dedicou sua decisão favorável ao afastamento da petista com a seguinte frase: “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor da Dilma.

A fala repercutiu entre autoridades e entidades da sociedade civil, no Brasil e no mundo, e foi classificada, entre outras coisas, como “execrável”, “estarrecedora” e “deprimente”. Os filhos de Bolsonaro, todos parlamentares, também costumam prestar homenagens ao torturador usando camisetas com a foto do militar já morto.

Eduardo Bolsonaro segue o pai na defesa do torturador Brilhante Ustra

 

26
Ago21

Militares brasileiros: do abandono do monopólio do uso da força para manter a Democracia e a Constituição a biscates de um capitão malcriado e ignorante

Talis Andrade

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por Luís Costa Pinto /Plataforma Brasília

- - -

Houve um tempo em que três patetas, um general, um brigadeiro e um almirante, ocuparam por breve período o comando político do País. Vivíamos sob a ditadura e dava-se ali um golpe dentro do golpe – facções de milícias militares não confiavam nos milicos da outra facção.

Houve um tempo, também, em que o presidente da República, um sociólogo de trajetória acadêmica à esquerda, exerceu a Presidência com uma aliança do centro à direita e não titubeou em demitir o ministro da Aeronáutica, o brigadeiro Mauro Gandra, por suspeita de corrupção e favorecimento indevido a empresas privadas na implantação do SIVAM – Sistema de Vigilância da Amazônia.

Reinando a normalidade depois da demissão do brigadeiro, meses adiante o Brasil evoluiu para a extinção dos ministérios militares, criou o Ministério da Defesa e o entregou a um senador civil.

A vida seguiu sem solavancos, bravatas ou arrepios da soldadesca até o golpe jurídico/parlamentar/classista de 2016. Tendo usurpado a cadeira presidencial e sem a legitimidade do voto popular, Michel Temer entregou a Defesa para um general da ativa, Silva e Luna, e nomeou outro ativo general, Sérgio Etchegoyen, para seu Gabinete de Segurança Institucional. Estava aberta a porta para a balbúrdia fardada.

Vestindo uniformes de gala ou de campanha, pijamas ou terninhos bem cortados cuidados pelos taifeiros que lhes servem como vassalos a senhores feudais, a milicada começou a ganhar ousadia. Passaram a se comportar como o idiota tão bem descrito por Umberto Eco depois do advento das redes sociais: sem pudor, vergonha ou limites, gostaram de ter opinião para tudo.

Sob Jair Bolsonaro, catapultado à presidência da República pelo voto dado em urnas eletrônicas, seguras e auditáveis, por 39% dos eleitores brasileiros aptos a votar em 2018 e que o fizeram com a baba elástica dos estúpidos com os olhos embaçados pela bile verde de se fígados estourados por recalques, vivemos agora o tempo em que generais, almirantes e brigadeiros se dão ao desfrute de serem biscate de um patético capitão.

Capturado por seus delírios e desvarios napoleônicos, típicos de homens frustrados pela descoberta da própria impotência sempre visível para aqueles mais críticos, Bolsonaro humilha, diminui, enxovalha, acadela e acoelha as Forças Armadas. O desfile de blindados velhos, ultrapassados e inúteis no Eixo Monumental de Brasília na manhã deste 10 de agosto envergonha e enfraquece uma instituição que deveria deter o monopólio do uso da força para a manutenção do Estado Democrático de Direito e se viu corrompida por um presidente embusteiro.

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