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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

18
Mai23

Análise: Cassação de Dallagnol é a volta do cipó de aroeira

Talis Andrade

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Ex-chefe da força-tarefa de Curitiba, algoz do presidente Lula, que ousou estender suas investigações contra a corrupção aos tribunais superiores, acabou defenestrado pelo TSE

 

por Luiz Carlos Azedo /Correio Braziliense
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Gravado em 1968, o ano da Passeata dos 100 Mil e do Ato Institucional nº 5, a letra da música Cipó de Aroeira, de Geraldo Vandré, que empresta seus versos à coluna, fez muito sucesso à época. Era uma alusão à Revolta da Chibata (1910) e ao passado escravagista da Colônia e do Império, cujos castigos físicos impostos aos escravos indisciplinados e rebeldes continuaram praticados após a abolição, pela Marinha de Guerra: "Marinheiro, marinheiro/ Quero ver você no mar/ Eu também sou marinheiro/ Eu também sei governar/ Madeira de dar em doido/ Vai descer até quebrar/ É a volta do cipó de aroeira/ No lombo de quem mandou dar/ É a volta do cipó de aroeira/ No lombo de quem mandou dar".
 

Também foi uma espécie de prenúncio da opção pela luta armada que uma parte da oposição ao regime militar viria a adotar, sob a liderança principal do comunista Carlos Marighella. Havia um evidente voluntarismo na ideia de que seria possível combater o regime militar recorrendo à força das armas, o que resultou no fracasso dos grupos guerrilheiros urbanos e rurais constituídos sob a inspiração, principalmente, da Revolução Cubana. Nunca houve a volta do cipó de aroeira. O regime militar seria derrotado nos marcos de suas próprias regras eleitorais.

Os militares se retiraram do poder em ordem. A transição à democracia foi longa e pactuada, os agentes dos órgãos de repressão foram poupados de punições por envolvimento em sequestros, torturas e assassinatos. Por meios pacíficos, o Brasil reconquistou a democracia. Agora, 37 anos após a vitória de Tancredo Neves no colégio eleitoral, os militares novamente se retiraram em ordem do poder, ao frustrar a tentativa de golpe da extrema direita de 8 de janeiro passado. A eleição de Jair Bolsonaro os trouxera de volta ao governo, em 2018, pela força das urnas, fato inédito desde a eleição do marechal Eurico Gaspar Dutra, em 1945.

Magistratura

Os quatro anos de mandato de Bolsonaro foram sombrios. Fora eleito no rastro da Operação Lava-Jato, liderada pelo juiz federal Sergio Moro, de Curitiba, e pelo procurador da República Deltan Dallagnol, entre outros. Nesse ínterim, o Brasil flertou com o autoritarismo, sob a liderança de um ex-capitão que fez carreira no baixo clero da Câmara. Bolsonaro militarizou o governo federal, ao destinar cerca de oito mil cargos aos seus antigos companheiros de caserna, entre os quais, os generais amigos que ocupavam posições-chave no Palácio do Planalto. Dois fatores contribuíram para sua eleição: a cassação dos direitos políticos do líder petista Luiz Inácio Lula da Silva, que passou mais de 500 dias preso em Curitiba, e a desmoralização da política e de seus partidos pela Operação Lava-Jato.

Bolsonaro operou para cooptar os militares, desmoralizar a magistratura, subjugar os diplomatas e escantear a Igreja Católica, os redutos tradicionais da elite liberal do país. As ideias de Oliveira Viana, ideólogo do Estado Novo e autor de Populações Meridionais do Brasil, pareciam saltar das páginas empoeiradas de sua obra para o cotidiano da política atual. No lugar do idealismo constitucional de Rui Barbosa, que inspira nossa República, um projeto autoritário nos moldes de Francisco Campos, o jurista da Constituição de 1937, mais conhecida como "Polaca".

Entretanto, como diria Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o compositor Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes. Que ironia, a onda reacionária que se apropriou da bandeira da ética e promoveu um tsunami na política brasileira esbarrou no Supremo Tribunal Federal (STF), um dos pilares do Estado nacional, enraizado historicamente desde o Império, que até recentemente parecia ser o principal instrumento de criminalização da atividade política no Brasil, com o apoio da mídia e da opinião pública. Como após o Período Regencial (1831-1840), com suas rebeliões que colocavam em risco a integridade nacional, a magistratura federal teve um papel decisivo na defesa da ordem, contra uma extrema direita golpista e reacionária, liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

A cassação do mandato do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), eleito no ano passado, ocorre nesse contexto histórico. O ex-chefe da força-tarefa de Curitiba, algoz do presidente Lula, que ousou estender suas investigações contra a corrupção aos tribunais superiores, foi defenestrado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na terça-feira, por unanimidade, após julgamento de pedido de impugnação de sua candidatura. Eleito com mais de 345 mil votos, o mais votado do Paraná, "Dallagnol antecipou sua exoneração em fraude à lei. Ele se utilizou de subterfúgios para se esquivar de PADs ou outros casos envolvendo suposta improbidade administrativa e lesão aos cofres públicos. Tudo isso porque a gravidade dos fatos poderia levá-lo à demissão", resumiu o relator do processo no TSE, ministro Benedito Gonçalves, ao defender a cassação. Quem maneja o cipó de aroeira é a alta magistratura.

14
Ago22

Crescem chances de autogolpe e atentados como Riocentro à medida que Bolsonaro “desaba”

Talis Andrade

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Auxílio Brasil não faz Bolsonaro crescer significativamente nas pesquisas e o bolsonarismo pode reagir com excessos

 

Johnny Negreiros /Jornal GGN

Em participação ao programa TVGGN 20 Horas na noite de quarta (3), o jornalista, escritor e pesquisador da extrema-direita Cesar Calejon disse que ainda não vê crescimento de Jair Bolsonaro nas pesquisas com a distribuição turbinada do Auxílio Brasil, a ser paga a partir de agosto para 20,2 milhões de brasileiros.

Segundo a nova pesquisa Genial/Quaest, o anúncio do benefício majorado reduziu a intenção de voto em Lula em 10 pontos percentuais entre os que recebem o Auxílio Brasil.

No placar geral, Lula segue liderando com 44% contra 32% de Bolsonaro e tem chances de vencer no primeiro turno. Ambos oscilaram dentro da margem de erro, mas a distância de 12 pontos percentuais é a menor da série histórica. Além disso, a rejeição ao governo Bolsonaro está caindo lentamente.

Na análise de Calejon, o aumento do Auxílio Brasil e a PEC Kamizake podem não ser suficientes para Bolsonaro conseguir virar o jogo sobre Lula. Desesperado, o bolsonarismo pode recorrer a estratégias desonestas e perigosas para tentar reverter a derrota iminente.

 

Novo Riocentro

MPF denuncia 3 generais por atentado a bomba no Riocentro em 1981. Ação dos  militares pretendia causar terror na plateia do show e na população,  atribuindo falsamente atentado a organização de esquerdaAtentado do Riocentro: as bombas que tentaram parar a abertura política -  Notícias - Estadão

Com eventual derrota nas urnas em outubro, Calejon acredita não ser provável que “o bolsonarismo passe a faixa presidencial”. Ainda, ele vê a possibilidade de um autogolpe nos próximos dois meses, à medida que a campanha de Bolsonaro “desaba”.

Envolve em algum nível as Forças Armadas brasileiras. Existe materialidade histórica. Desde Plano Cohen, tanto por 1964, passando pela própria Lava Jato (golpe eleitoral de 2018), Riocentro, o caso do Abílio Diniz, que foi usado para minar a candidatura do Lula (em 1989).

Riocentro foi um atentado praticado pela Ditadura Militar em 1981, com objetivo de incriminar grupos de esquerda. Já o Plano Cohen foi um documento forjado por Getúlio Vargas para instaurar a Ditadura do Estado Novo, em 1937.

 

18
Dez21

Peça 4 – o caso Cancellier

Talis Andrade

 

XADREZ DO CASO CANCELLIER E DA MARCHA NÃO INTERROMPIDA PARA A DITADURA

por Luis Nassif

Os estudiosos do nazi-fascismo, do Estado Novo e outras manifestações autoritárias, são unânimes em descrever dois processos paralelos que levam à perda dos direitos e ao fim das democracias.

O primeiro, a Suprema Corte abrindo espaço para o arbítrio. O segundo, sem os freios do Supremo,  o fortalecimento das corporações públicas, especialmente aquelas ligadas a controles e à repressão, disseminando o arbítrio por todos os poros do Estado e do país.

Ambos os fenômenos estão intrinsecamente ligados.

O massacre de Cancellier se deveu à desmoralização do devido processo legal, do “garantismo” alvo de campanhas de Barroso. Condenaram antes de analisar os fatos, inventaram crimes, inventaram provas e levaram o caso inicialmente ao tribunal da mídia, que aceitou passivamente, sem ouvir os réus, para não ser acusada de “bandidolatria”. Transformaram fatos corriqueiros em versões  criminosas.

Primeiro, vamos apresentar os atores finais desta trama macabra, as autoridades diretamente envolvidas com a morte de Cancellier.

Corregedor Rodolfo Hickel – com histórico de violência e de desequilíbrio, foi indicado corregedor da UFSC por uma reitora que saía, visando atazanar o sucessor. Produziu um relatório repleto de inverdades que serviu de ponto de partida para a prisão de Cancellier.

Delegada Erika Marena – atuante na Lava Jato, apresentada como heroína em série da Netflix, chegou a Santa Catarina sem holofotes. Criou o escândalo da UFSC para uma operação com 120 policiais de todo o país.

Procurador André Bertuol – do Ministério Público Federal. Endossou todas as arbitrariedades e prosseguiu na perseguição a Cancellier mesmo depois de morto, processando o filho.

Juíza Janaina Cassol – juíza substituta que endossou todas as arbitrariedades da PF e do MPF.

Procurador Marcos Aydos – denunciou professores da UFSC pelo simples fato de, na cerimônia em homenagem a Cancellier, não terem impedido faixas de protesto contra a delegada Erika (Continua)

17
Dez21

Peça 3 – as portas abertas para o autoritarismo

Talis Andrade

 

 

XADREZ DO CASO CANCELLIER E DA MARCHA NÃO INTERROMPIDA PARA A DITADURA

por Luis Nassif

Nos anos 30, os ventos totalitários chegaram ao Brasil, resultando no Estado Novo, com a  adesão da então Corte Suprema dos Estados Unidos do Brasil. Aboliu o habeas corpus, aceitou as prisões arbitrárias e, finalmente, autorizou a expulsão de Olga Benário, companheira do líder comunista Luiz Carlos Prestres, entregue à morte, com aval do Supremo e da mídia, no apogeu da violência policial comandada por Felinto Muller, o Sérgio Moro da época,

Manchete de O Globo saudou sua expulsão, tratando ela e outras prisioneiras políticas como “Evas indesejáveis”

No trabalho O caso Olga Benario Prestes: um estudo crítico sobre o habeas corpus nº 26.155/1936, Veyzon Campos Muniz estuda o caso à luz dos avanços no direito após a Constituição de Weimar.

(…) Em  uma  simples  análise  cronológica,  um  século antes de a França revolucionária proclamar sua Declaração  dos  Direitos  do  Homem  e  do  Cidadão,  a Inglaterra, em 1689, pôs fim ao regime monárquico absolutista, com sua Bill of Rights. Dessa sorte, a Lei de Habeas Corpus, de dez anos antes, foi um precedente da necessidade social de libertação do indivíduo frente ao Estado, bem como foi a partir dela que o direito ao habeas  corpus passou  a  ser  utilizado  não  apenas  nas situações  de  prisões  eivadas  de  vícios,  mas  também a  todas  as  ameaças  de  constrangimentos  à  liberdade individual de ir, vir e ficar.

(…) Outrossim,  como  outro  marco  jurídico  relevante, temos  a  Constituição  de  Weimar.  Se,  de  um  lado,  o Habeas Corpus Act é, inequivocamente, um exemplo de  diploma  que  consagra  as  liberdades  públicas,  de outro,  a  Carta  alemã  de  1919  demonstra  a  evolução das  instituições  políticas  no  sentido  da  concreção  de um  estado  de  democracia  social. 

No entanto, a própria Constituição de Weimar tinha um artigo que foi essencial para a ascensão do nazismo, mostrando como o autoritarismo pode se infiltrar nas brechas abertas pelas leis e pela jurisprudência firmada pelo Supremo.

O dispositivo estabelecia que, caso a ordem pública estivesse em risco, o presidente do Reich poderia, sem necessidade de aval do Legislativo, tomar as medidas necessárias para restituir a lei e a ordem.

Para isso, poderia suspender direitos civis como Habeas Corpus, inviolabilidade de domicílio, sigilo de correspondência, liberdade de expressão, direito de reunião e associação e autorizar expropriações”

O artigo 47 foi outro dispositivo relevante para a tomada do Estado alemão por Hitler. Segundo ele, o presidente era o supremo-comandante das Forças Armadas, poderia nomear os seus oficiais e tinha competência para tomar as “medidas apropriadas” – incluindo usar militares — para combater distúrbios na ordem ou segurança públicas”.

Em cima do flanco aberto pelo Supremo, após o impeachment o estado de exceção ganhou força no Brasil. Temer passou a estender as Operações de Garantia da Lei e Ordem por todo o país, inspirado pelo Ministro da Justiça Alexandre Moraes. Uma das operações atropelou a Constituição, ao entregar a um militar – general Braga Neto – o controle da intervenção no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, levou a linha dura para dentro do Palácio, nomeando um militar para chefiar a Agência Brasileira de Inteligência. Quebrou o pacto tácito da Constituimte e foi o primeiro presidente a colocar um militar no comando do Ministério da Defesa. E passou-se a recorrer, cada vez mais, a ainda não extinta Lei de Segurança Nacional.

Em trabalho excepcional sobre o caso Olga Benário, o procurador Vladimir Aras dissecou a posição do Supremo, a adesão ou omissão de Ministros ante um clima explícito, liderado por um Ministro da Justiça, Vicente Rao, que entraria para a história como um exterminador de direitos.

E constata como a história, no Supremo, é repleta de versões:

“Foi há 77 anos. Hoje, no site do STF, consta que o ministro Edmundo Lins fora homem de notável saber e grande cultura, honrou a magistratura e, nos cargos que exerceu, legou às futuras gerações os exemplos mais dignificantes de civismo, patriotismo e grandeza moral (sic). Quanto ao relator Bento de Faria, que sucedeu Lins na presidência da Corte, diz o site do Supremo: As notáveis obras, repletas de ensinamentos, que publicou denotam sua alta cultura jurídica e são consideradas por todos os jurisconsultos fontes primorosas da ciência do Direito (sic). Quão generoso é o biógrafo desses homens”.

Ambos foram peças centrais na deportação de Olga Benário, grávida.

No Brasil do Estado Novo, a democracia foi estuprada por uma corte composta por Bruno de Farias, Carlos Maximiliano, Spindola e Edmundo Pereira Lins, sob inspiração de Vicente Rao, os personagens principais na deportação de Olga Benário. 

No Brasil do fim do século, a democracia foi violentada pela ação continuada de Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, instrumentalizando o Supremo para a disputa política, e atropelando qualquer forma de garantia aos direitos. Não se tenha dúvida que se as circunstâncias jogassem o destino de Olga Benário nas suas mãos, o resultado teria sido o mesmo. (Continua)

17
Dez21

XADREZ DO CASO CANCELLIER E DA MARCHA NÃO INTERROMPIDA PARA A DITADURA, POR LUIS NASSIF

Talis Andrade

Peça 1 – a era da infâmia

Há momentos na história em que toda uma sociedade ingressa na era da infâmia. É quando princípios civilizatórios são derrubados e abre-se espaço para a selvageria institucionalizada.

Foi assim com o nazismo, o macarthismo, a ditadura do Estado Novo e o golpe militar de 1964. 

Cria-se um clima que traz à tona o que de pior existe no sentimento coletivo. 

Desperta o ódio indeterminado contra inimigos imaginários, estimula a delação, transforma cidadãos pacatos em justiceiros sanguinários, irmana o populacho na dança ritual do ódio, e permite a liberação do assassino que habita algumas mentes doentias, e que era contido pelos julgamentos morais e legais, dos tempos em que a sociedade ainda era saudável.

GGN está terminando um documentário sobre a tragédia de Luiz Carlos Cancellier, ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), vítima de um crime coletivo que envolveu o pior da Polícia Federal, do Judiciário, do Ministério Público Federal, e cobriu o Brasil com a marca da infâmia,  com os instintos primais liberados pelo discurso de ódio praticado pela mídia e endossado pelo Supremo.

No caso do reitor, o clima criado permitiu a um corregedor desequilibrado montar uma fantasia em tudo semelhante àquelas praticadas pelos chamados dedos-duros do regime militar. Sem filtros, sem checagens, PF, MPF criaram evidências do nada e montaram um show circense, com 120 policiais de todo o país, armados, com coletes à prova de bala, e submetendo professores a humilhações só aplicadas em grandes criminosos e em pretos de periferia.

Cumpria-se, assim, a promessa do principal estimulador da violência judicial, Ministro Luís Roberto Barroso, ao pretender extirpar o garantismo – a teoria jurídica que defende os direitos individuais – a pretexto de igualar ricos e pobres na falta de direitos. (Continua)

16
Ago21

Presença nazista no Brasil cria raiz histórica para adesão à extrema direita, diz historiadora

Talis Andrade

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por Fernanda Mena /Folha de S.Paulo /Grupo Prerrogativas 

 
 

Para Heloísa Starling, fato de o país ter sediado a maior filial do Partido Nazista fora da Alemanha gera apelo ideológico que reverbera até hoje

Ecos de um passado distante e pouco conhecido podem ajudar a explicar como o Brasil se tornou um dos expoentes de uma onda conservadora global que retoma ideologias totalitárias de extrema direita: o país foi sede da maior filial do Partido Nazista fora da Alemanha.

Presente em 83 países, sob o comando centralizado na Organização do Partido Nazista no Exterior, com sede em Berlim, a legenda se internacionalizou a partir do final dos anos 1930 e teve 29 mil membros fora da Alemanha de Adolf Hitler (1889-1945).

No Brasil, o partido se expandiu entre 1928 e 1938, sob a tolerância e até mesmo simpatia do presidente e depois ditador Getúlio Vargas (1882-1954).

O Partido Nazista teve presença em 17 estados brasileiros e chegou a manter 57 núcleos organizados que somavam quase 3.000 membros, como apontou pesquisa da historiadora Ana Maria Dietrich, professora associada da Universidade Federal do ABC.

 

Há registros de celebrações nazistas em espaços públicos, como estádios, praças e avenidas em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e no Recife. Na capital paulista, até o estádio do Canindé foi palco de eventos do partido de Hitler.

“O Partido Nazista teve expressão no Brasil, o que não quer dizer que o Brasil foi nazista, mas que existe uma raiz histórica, um passado sobre o qual é possível construir uma linguagem e um apelo ideológico”, avalia a historiadora Heloísa Starling, professora titular da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Ela relaciona a história do nazismo no Brasil a um imaginário reacionário brasileiro cada vez mais evidente nos dias atuais. “É impressionante que nós não conheçamos essa história.” Para Starling, é preciso entender os movimentos extremistas de hoje a partir do repertório que eles estão mobilizando.

“Quando você volta para os anos 1930, encontra a raiz de uma mitificação, de uma utopia muito reacionária”, afirma ela, autora de livros como “República e Democracia: Impasses do Brasil contemporâneo” (Editora UFMG) e “Brasil, Uma Biografia” (Companhia das Letras), este último em parceria com a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz.

Starling prepara um livro sobre o imaginário reacionário no Brasil, que hoje encontra sua expressão mais radical na retórica inflamada e sectária do presidente Jair Bolsonaro, cuja trajetória e governo já flertaram com elementos e referências nazistas.

“Por que uma fatia relevante da sociedade brasileira continua a apoiar esse presidente?”, questiona Starling. “Uma parte da resposta pode vir desse passado, cujos ingredientes totalitários fluem debaixo da sociedade democrática e parecem ter sido destampados nos anos recentes.”

Starling aponta que o Brasil foi constituído a partir do colonialismo e da escravidão, sendo, portanto, de base “violenta, racista e autoritária”, e cita o rompimento daquilo que o político e abolicionista Joaquim Nabuco chamou de “epiderme civilizatória” da sociedade brasileira.

Segundo a historiadora, “o imaginário reacionário evoca um lugar seguro e serve de liga ideológica para coisas como o anticomunismo delirante e o nacionalismo xenófobo, além de ser capaz de nazificar novos grupos sociais, como o antinordestino, o racista e o homofóbico”.

“Conhecer essa história nos ajuda a entender e a enfrentar o problema da degradação da ordem política do Brasil de hoje a partir de uma mobilização efetiva em defesa da democracia e da liberdade.”

Foi Ana Maria Dietrich quem revelou o sucesso do partido de Hitler por aqui e sua adaptação ao país na tese “Nazismo tropical”, que aponta que o Partido Nazista no Brasil era restrito aos nacionais da Alemanha que haviam imigrado para cá. Os teuto-brasileiros, ou seja, filhos de alemães nascidos aqui, não eram aceitos por serem considerados de segunda categoria, menos puros.

Com isso, mesmo a contragosto do Terceiro Reich, esse contingente de centenas de milhares de descendentes de alemães, concentrados no Sul do Brasil, foram atraídos para a Ação Integralista Brasileira (AIB), influenciada tanto pelo fascismo italiano como pelo nazismo alemão.

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Criada em 1932, a AIB se tornou o primeiro partido político de massa do país. Há registros fotográficos que mostram as sedes dos nazistas e dos integralistas lado a lado.

Para Dietrich, a presença de partidários do nazismo na sociedade brasileira “tem repercussão porque seus integrantes na zona urbana trabalhavam em bancos e em firmas e, portanto, estavam em diálogo com a comunidade local”. Esse diálogo pode ter ajudado a naturalizar discursos e simbologias próprias dessa ideologia extremista.

Neta de um alemão que esteve nas fileiras nazistas nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial, dos quais retornou quando todos pensavam que havia morrido e então se mudou com a família para o Brasil, Dietrich se debruçou os arquivos do Deops, no Brasil, e do Ministério das Relações Exteriores na Alemanha.

“Sinto imensa responsabilidade social por esse passado e, por isso, dediquei 20 anos da minha vida aos estudos desses arquivos”, explica.

Neles, descobriu que, mais do que a tolerância do governo brasileiro, o partido de Hitler contou com a simpatia interessada de Vargas, que estreitou laços comerciais com a Alemanha durante a vigência da legenda nazista no Brasil.

Vargas partilhava com Hitler da caça aos comunistas e criou sua polícia política à moda da Gestapo, a polícia secreta nazista, que chegou a treinar policiais aqui. Além disso, o governo brasileiro entregou presos políticos, como Olga Benário, ao Terceiro Reich, que a matou na câmara de gás de um campo de concentração.

“Essa aproximação entre Vargas e Hitler também fez com que a população brasileira da época visse com bons olhos um tipo de movimento totalitário”, afirma Dietrich.

Com a liberdade que tinham no Brasil, proliferaram aqui estruturas partidárias como a Juventude Hitlerista, a Associação das Mulheres Nazistas, a Frente de Trabalho Alemão e a Associação de Professores Nazistas. Quando o partido foi proibido pela ditadura varguista do Estado Novo, a instituição e suas estruturas caíram na clandestinidade.

Um dos aspectos da tropicalização do nazismo de que Dietrich trata é a mudança de alvo dos nazistas no Brasil, do antissemitismo para o racismo contra a comunidade negra e mestiça brasileira. “Brasileiros eram chamados de macacos, e o casamento mestiço era proibido. A miscigenação, para os nazistas, era sinal de degradação.”

Dietrich chama a atenção para o fato de a memória do nazismo estar muito viva na Alemanha, onde ela está presente na grade curricular e nas explicações dos monumentos históricos “para que, ao ser sempre lembrado, nunca mais aconteça”.

“Aqui no Brasil não houve uma transição democrática nem há uma memória desse passado. E as comunidades que entraram em contato com o nazismo ainda têm um olhar de exaltação que você não encontra na Alemanha, onde quem exalta nazistas é execrado”, avalia.


FLERTES DO BOLSONARISMO COM O NAZISMO E GRUPOS NEONAZISTAS

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Bolsonaro defende alunos que elogiaram Hitler
Em janeiro de 1998, o então deputado Jair Bolsonaro defendeu alunos do Colégio Militar de Porto Alegre que escolheram Hitler como o personagem histórico que mais admiravam. Em seu discurso, Bolsonaro disse que os estudantes escolheram o líder nazista porque ele soube “de uma forma ou de outra” impor ordem e disciplina. Ao final, disse não concordar com as atrocidades cometidas por Hitler

Sites neonazistas exibem banner de Bolsonaro
Em 2004, três sites neonazistas fizeram propaganda de Bolsonaro com banners que levavam diretamente para a página do político na internet. O registro estava nos arquivos da antropóloga Adriana Dias, que pesquisa células neonazistas no Brasil, e foi revelado no mês passado, quando a doutora pela Unicamp encontrou uma carta de Bolsonaro publicada em site neonazistaCharges | Brasil 247

Foto ao lado de “sósia” de Hitler
Em 2015, Bolsonaro foi fotografado ao lado de Marco Antônio Santos, que estava vestido como Hitler, após audiência pública na Câmara Municipal do Rio de Janeiro na qual o “sósia” do ditador nazista foi impedido de falar. Santos depois se candidatou a vereador pelo PSC, que era então o mesmo partido de Bolsonaro

Slogan da campanha presidencial imita brado nazista
A campanha de Bolsonaro à Presidência em 2018 elegeu como slogan o lema de um grupo de militares paraquedistas identificado como Centelha Nativista, de cunho nacionalista e anticomunista. “Brasil acima de tudo”, que remete ao brado nazista “Deutschland über alles”, ou “Alemanha acima de tudo”

Secretário de Cultura imita ministro da Propaganda nazista
Em um vídeo de janeiro de 2020 ao som de ópera de Richard Wagner, compositor favorito de Hitler, o então secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, parafraseou trecho de um discurso de 1933 do ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels. Sob pressão, inclusive da embaixada de Israel no Brasil, o secretário foi exonerado

Secom usa termo que remete a lema nazista
Em maio de 2020, para divulgar ações do governo na pandemia, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência usou numa postagem no Twitter frase que remete a um lema associado ao nazismo: “o trabalho liberta” (“Arbeit macht frei”, em alemão). A frase estava escrita nas fachadas de diversos campos de concentração

Em julho de 2021, Bolsonaro recebeu a deputada ultradireitista alemã Beatrix von Storch, vice-líder do partido populista AfD (Alternativa para a Alemanha), fora da agenda, no Palácio do Planalto. Beatrix é neta de Lutz Graf Schwerin von Krosigk, ministro das Finanças na Alemanha nazista. Investigada por disseminar ódio contra muçulmanos, a congressista alemã também se encontrou com os deputados Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF)​

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29
Jun21

Rara chance de reflexão sobre os militares

Talis Andrade

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por Paulo Moreira Leite /Brasil-247


Neste país onde generais ocuparam o centro do poder político através de um governo eleito pelo voto, é fácil reconhecer a urgência de se debater o papel dos militares na vida pública - passo indispensável para uma correta compreensão de seu papel numa democracia. 

Mais difícil é ter a oportunidade de encontrar um debate qualificado sobre o assunto, com a presença de professores e autoridades que conhecem o tema de perto, seja pela convivência direta, seja por décadas de reflexão - ou pelas duas atividades combinadas. 

Preparado pelo professor Manoel Domingos Neto, hoje a principal referência naquele universo intelectual em que a atividade acadêmica se encontra com o debate político, a partir de terça-feira, 6 de julho, o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé inicia um ambicioso curso remoto, que tenta responder a este desafio. 

Intitulado "Introdução ao Estudo do Militar Brasileiro -- como se formam e se expressam os humores dos quartéis", a ideia é atravessar cinco séculos de história do país através de 32 aulas, com duas horas de duração cada uma, para debater o papel dos militares ao longo da história do país.

Embora focalize o período colonial, a República Velha, o Estado Novo e assim por diante, sua prioridade é debater o período histórico atual, que inclui a ditadura militar de 1964-1985, a repressão política, a democratização, a Constituinte e o governo Bolsonaro.

Idealizador do curso, Manoel Domingos dará todas as aulas e, em vários momentos, contará com a companhia de convidados especiais - 35 ao todo - para debater temas específicos, em aulas determinadas. 

Estará presente José Murilo de Carvalho, autor do indispensável Forças Armadas e Política no Brasil, pioneiro ao desenvolver o conceito de tutela militar sobre o sistema político. 

Para falar de um tema delicadíssimo da Carta de 1988, o artigo 142, que define o papel das Forças Armadas na defesa da Lei e da Ordem, o curso contará com José Genoíno, testemunha ocular da intervenção do general Leônidas Pires Gonçalves, então ministro do Exército, nos trabalhos da Constituinte.

Em momentos diferentes, terá o testemunho de Nelson Jobim e Celso Amorim para falar das respectivas passagens pelo Ministério da Defesa, em épocas distintas.

A brasilianista francesa Maud Chirio, autora de uma pesquisa original sobre a política nos quartéis -- focalizada em militares de baixa patente, que deram apoio ao golpe de 64, mas terminaram derrotados politicamente -- também foi convidada a participar.

"Precisamos qualificar o debate político para poder controlar os instrumentos de força do Estado", explica Manoel Domingos, referindo-se ao imenso desconhecimento sobre o universo militar que impera na sociedade civil brasileira. 

"A gente não pode controlar aquilo que não conhece", acrescenta. Antigo militar da Ação Popular, o professor foi preso e torturado sob o regime militar. Expulso do país, exilou-se na França, de onde retornou no final de 1974, com um doutorado na Sorbonne. 

Quase meio século depois, impossível deixar de concordar com uma das mais clássicas advertências sobre a evolução humana:

- Os povos que não conhecem a própria história estão condenados a repetí-la.

Alguma dúvida?

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07
Fev21

Herança da vergonha

Talis Andrade

 

Por Cléa Corrêa e Everardo Gueiros

Quando a Lava-Jato surgiu em 2014, o Brasil todo aplaudiu as ações de um grupo de procuradores de Curitiba empenhados em combater a corrupção e defender os cofres públicos das chamadas tenebrosas transações. Conforme o tempo foi passando, os profissionais do Direito começaram a desconfiar de que havia algo muito errado por detrás de todo aquele ímpeto heroico e midiático. Depois da Vaza-Jato, como ficou conhecido o vazamento das conversas entre Sergio Moro e os procuradores publicadas pela imprensa, o que era uma desconfiança virou uma certeza.

Foram expostos à luz os métodos com os quais o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores de Curitiba conduziram investigações e afrontaram as mais altas esferas do Judiciário, do Executivo e do Legislativo. Quebram as principais empresas de construção civil do país, um celeiro de conhecimento e tecnologia, desempregaram mais de 200 mil pessoas, quando poderiam ter preservado tudo isso, fazendo com que somente os verdadeiros responsáveis pagassem pelos seus erros. Os diálogos contidos em meios eletrônicos que formam uma montanha de gigabytes, mostram um juiz que negociava com procuradores desde a produção de provas até prisões de suspeitos questionando inclusive os termos de recursos a serem interpostos. É um despautério cogitar-se a investigação de Ministros do STJ (com prerrogativa de foro) sem competência para tal e nenhum indício de terem praticado crime algum.

Na medida em que a Lava-Jato deixava de ser um instrumento de Justiça para se transformar num instrumento de poder, se esperava que a Ordem dos Advogados do Brasil, especialmente a seção do Distrito Federal, se posicionasse em defesa da lei e do Estado de Direito, a exemplo do que fez o Ministro Maurício Corrêa na época da ditadura militar. Especialmente depois de revelados casos de grampos e mandados de busca e apreensão em escritórios de advocacia cujo “crime” era simplesmente defender aqueles acusados pela Lava-Jato.

A omissão foi denunciada pelo grupo Prerrogativas, que reúne advogados preocupados em garantir o cumprimento do que é primordial ao exercício profissional. Um destes advogados é Antonio Carlos de Almeida Castro, nosso Kakay, incansável na defesa do direito pleno da advocacia. O direito faz parte da nossa cultura e formação e crescemos com a consciência de que sem lei e sem Estado de Direito não há civilização.
O que os procuradores de Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro fizeram beira a barbárie e é digno de açougueiros como o lendário procurador Honorato Himalaya Vergolino, capaz de todo tipo de ilegalidade quando atuou no Tribunal de Segurança Nacional durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. A diferença entre Vergolino e o grupo de Deltan Dallagnol era que o primeiro tinha salvo-conduto para agir em nome de uma ditadura, enquanto os de Curitiba solaparam a democracia e passaram por cima da lei em nome do combate à corrupção. Felizmente ninguém consegue enganar todo mundo todo o tempo e este verdadeiro crime de lesa pátria está sendo descortinado.

Na primeira semana de fevereiro o procurador-geral da República Augusto Aras acabou de vez com a Força-Tarefa da Lava-Jato em Curitiba. Interessante notar que não houve choro nem vela, não houve tuitaços, manifestações de rua, protestos no Congresso, na frente da PGR ou na porta do Supremo. Dias antes, a reação de Deltan Dallagnol, ao tentar impedir que se cumprisse a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, liberando o conteúdo das conversas apreendidas pela Polícia Federal na Operação Spoofing a pedido da defesa do ex-presidente Lula, mostrou desespero e o desconforto. Ele bem sabe o que fez no verão passado, assim como Moro também sabe.

Quando a imprensa publicou as mensagens hackeadas, a primeira reação de Moro e dos procuradores foi negar, dizer que tudo não passava de mentira. Entretanto, as conversas acabaram sendo confirmadas por integrantes da própria Força-Tarefa e até personalidades da TV. Depois da Operação Spoofing, as provas foram para as mãos da Polícia Federal, periciadas e entregues ao Supremo. No decorrer da operação, o então ministro Sergio Moro chegou a telefonar para o presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, para avisá-lo de que tinha sido alvo dos hackers. Noronha reagiu de forma elegante e correta, dizendo que nada tinha a esconder. Mas é no mínimo estranho que um ministro da Justiça se disponha a vazar informações de uma investigação em curso a quem quer que seja.

Tudo isso aconteceu debaixo das barbas da OAB do Distrito Federal, comandada por um presidente a quem, lamentavelmente, faltou coragem e atitude para enfrentar e denunciar publicamente os atos praticados por Moro e Dallaganol. Creio que o pouco apetite para o enfrentamento de causas como estas se deve ao fato de o doutor Délio Lins e Silva Junior nunca ter demostrado apreço pela defesa das prerrogativas dos advogados durante a sua gestão. Ele mantém a Comissão de Prerrogativas numa salinha, enquanto o Tribunal de Ética, com seu poder de punir e constranger, ocupa todo um andar da nossa sede.

Nos recusamos a acreditar que este é o exemplo que a OAB-DF deixará para os jovens advogados, os quais estão embarcando na advocacia vindos das universidades, sempre cheios de sonhos, esperanças e uma enorme vontade de vencer na vida. É na prática, no dia a dia, que o advogado forma sua cultura profissional e aprende a valorizar tanto os seus direitos quanto seus deveres. Eles não merecem uma OAB alheia aos direitos dos seus profissionais e, em especial, dos cidadãos. Precisam se orgulhar dela e, mais do que isso, confiar. A eles não podemos oferecer a vergonha como herança.

O que aconteceu em Curitiba nos últimos anos merece uma apuração rigorosa e correta, dentro da lei e com todas as garantias, incluindo juízes imparciais e procuradores submissos a Lei e ao Direito. Algumas situações se tornaram símbolo do autoritarismo de Moro e Dallagnol, como a falta de acesso aos autos, a pressão para a delação, o terror da ameaça às famílias dos investigados e a espetacularização das ações com exposição de pessoas que não tinham sequer culpa formada, numa clara obstrução do direito de defesa. São atitudes que não podem ficar impunes.

A OAB não é entidade sindical, muito menos clube associativo. Ela é antes de tudo um dos guardiães da democracia, porque representa a defesa do que há mais essencial no processo civilizatório, qual seja o direito pleno à cidadania. A omissão diante de abusos como os cometidos pela Força Tarefa de Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro é uma mancha numa instituição que, acima de tudo, tem a missão de exercer o papel de advogada dos advogados.

Artigo publicado originalmente no Diário do Poder.

 
 
 
 
 
13
Jan20

A manifestação que se fez em torno da "lava jato" tem característica fascista.

Talis Andrade

Vivemos em um permanente caldo de cultura da violência. Sobretudo, a violência estatal. Rafa Santos entrevista o criminalista Alberto Zacharias Toron

 

 

Em tempos de punitivismo exacerbado e populismo penal, o criminalista Alberto Zacharias Toron protagonizou um dos grandes momentos da advocacia no último ano.

Sua vitória teve repercussão em outras esferas além da Justiça. Ganhou contornos sociais e virou tema de discussão de bares, em programas jornalísticos e nas redes sociais. Mas, sobretudo, preservou as garantias do réu no sistema penal.

Durante o julgamento de agravo regimental no HC 157.627,  Toron demonstrou que o réu tem o direito de se defender e de rebater todas as alegações com carga acusatória. Portanto, deve apresentar as alegações finais só depois do delator. E provou, ainda, que os direitos de seu cliente — o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine — foram violados. A tese do criminalista foi vencedora e a sentença do então juiz Sergio Moro anulada.

Sobre a vitória de Toron, se convencionou dizer que foi o primeiro grande golpe sofrido pelo consórcio formado a partir da 13ª Vara Federal em Curitiba. Para o criminalista, no entanto, o ponto mais marcante do caso foi a defesa do Habeas Corpus como instrumento de controle do devido processo legal.

Em entrevista à ConJur, além de falar sobre o caso, Toron prevê que o punitivismo pode se tornar ainda mais intenso no país e diz acreditar que o ex-presidente Lula foi vítima de lawfaretese defendida pelo advogado Cristiano Zanin.

 

Rafa Santos /ConJur — O pêndulo da Justiça brasileira atingiu o ápice do punitivismo e agora está se movimentando em direção ao garantismo?
Alberto Toron
 Acho que dá para ser mais punitivista. E corremos o risco de nos tornarmos um país muito mais punitivo. Basta dizer que o próximo passo é o sujeito ser condenado por um júri e já sair preso. Isso remonta ao Código de Processo Penal de 1941 em sua versão original. Na época, quando condenada em primeira instância, a pessoa já saia presa se não tivesse hipótese de fiança. Voltamos a uma situação que era muito característica do Estado Novo [governo Getúlio Vargas, de 1937 a 1946], em que a regra era prender após o julgamento em primeiro grau. Hoje, a desculpa de que o julgamento pelo júri é um julgamento de órgão colegiado legitimaria a prisão do acusado. Só que se esquece de, pelo menos, duas coisas: a primeira é que, embora não sejam tão comuns as anulações do julgamento do júri pelo tribunal, são muito comuns as modificações na pena. Isso pode sujeitar o réu desde o começo a um regime fechado mesmo com a perspectiva de o tribunal diminuir a pena ou determinar um regime menos grave. Isso é um erro, sobretudo debaixo de uma Constituição como a nossa, que, mal ou bem (e eu acho que bem), ainda garante a presunção de inocência até o trânsito em julgado. Temos também o aumento de pena máxima para 40 anos. Isso é uma coisa que já havíamos superado ao estabelecer 30 anos de penas máximas.

Então, acho que o cenário caminha para mais punitivismo. A diferença é que, quando a “lava jato” começou a ser executada, houve uma espécie de deslumbre. Um delírio punitivo.  Todos aplaudindo e acreditando que agora era a hora e a vez dos ricos irem para a cadeia. Isso sem atentar que se estava criando um caldo de cultura da violência estatal. E só agora, passados mais de cinco anos dessa operação, os tribunais passaram a acordar para o tipo de manifestação popular que se fez em torno do aplauso à "lava jato", que tem característica fascista.

Existiu a busca de um consenso extraprocessual junto ao povo e à mídia para legitimar decisões que não se equilibravam no Direito. E agora, sobretudo em 2018 e 2019, os tribunais acordaram para coisas como o delator não pode falar junto com o delatado nas alegações finais. As cortes passaram a acordar para exigir uma coisa que se chama devido processo legal.

Acho que pode ser mais punitivo, mas também é possível os tribunais exercerem o seu poder para impedir abusos e impor a aplicação da lei de forma escorreita e impedir penas excessivas e absurdos.

 

ConJur — E quais seriam os ingredientes desse caldo de cultura de violência estatal?
Alberto Toron — O principal ingrediente é a percepção que as pessoas têm da realidade a partir do que elas veem e ouvem na mídia. A ideia de que vivemos no país da impunidade. Só que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. A crença de que a impunidade existe para os ricos também não é totalmente verdadeira. Estamos vendo que os ricos também vão para a cadeia. Não por acaso, há uma explosão de deputado tenente, deputado capitão, deputado major, deputado coronel. As pessoas votam em vozes que representam a possibilidade de ter leis mais duras. Elas querem o endurecimento do sistema penal que muitos acreditam que é frágil. Esse caldo do punitivismo é formado em grande parte pela distorção da realidade.

Um exemplo eloquente é o da tragédia de Mariana [MG]. A acusação expressa na denúncia do Ministério Público dizia que, quando a barragem rompeu, a onda de lama levou a tudo e todos matando 19 pessoas. No entanto, a denúncia falava do crime de inundação e a prática de 19 homicídios triplamente qualificados.

Quando li aquilo, vi que estava errado. O que se teve ali é uma inundação qualificada pelo resultado. Impetrei um Habeas Corpus arguindo a falta de justa causa para as 19 acusações autônomas de homicídio triplamente qualificado e o TRF-1, por 3 a 0, acatou nosso pedido e trancou a ação penal nessa parte.

Dias depois eu vejo o fato noticiado no Jornal Nacional. Primeiro mostraram as mães e as mulheres chorando a perda dos seus entes queridos. Depois contaram a história dizendo que "apesar disso, o tribunal tirou da denúncia do MP os homicídios" e, por fim, entrevistaram um procurador da República dizendo que a defesa fez um malabarismo e encontrou brechas nas leis antigas. E acabou!

Não tiveram a preocupação de ouvir o outro lado. A realidade é que o tribunal reconheceu que a denúncia era inepta. Ela estava errada. E o povo não sabe disso. O povo que assistiu àquela edição do JN deve ter achado uma sacanagem. A impressão que fica é que a empresa tinha se livrado por conta da astúcia de advogados e não porque o promotor denunciou errado.

A contraface disso aconteceu agora em Paraisópolis [favela na zona oeste de São Paulo], quando nove pessoas morreram por conta de uma ação, no mínimo, inadequada da Polícia Militar. A PM alega que estava perseguindo uns caras de moto e foi recebida a tiros. Quando fugitivos vão de encontro a uma multidão, a polícia deveria parar a perseguição. Os policiais não pararam porque estavam pouco se lixando para o que iria acontecer com aquelas pessoas pobres que estavam ali. Esse é o caldo de cultura da violência. Eles sempre têm uma história bonita para contar sobre como foram recebidos a tiros e tinham que agir dessa maneira. Vivemos em um permanente caldo de cultura da violência. Sobretudo, a violência estatal.

 

ConJur — Essa cultura da violência representa uma ameaça às prerrogativas da advocacia? A situação piorou?

Alberto Toron  A situação é pior. O advogado atualmente é uma espécie de bola da vez para ter sua atividade criminalizada. O advogado e o político. Outro dia pegamos um caso aqui de um sujeito que havia sido intimado para depor como testemunha. Essa pessoa já havia sofrido busca e apreensão em casa e no escritório, e já havia sido alvo de pedido condução coercitiva. Ou seja, ele não era uma testemunha. Era, no mínimo, um investigado. A burla de etiquetas de querer ouvi-lo como testemunha e não investigado é um artifício para forçá-lo a falar sob pena do falso testemunho. Obtivemos o Habeas Corpus para que ele não fosse ouvido. E quando a delegada foi fazer o relatório, escreveu que os “advogados obstruíram a Justiça quando ganharam a liminar”. Estão confundindo o trabalho legítimo da advocacia com a própria obstrução de Justiça.

Outra coisa que me preocupa é essa ideia de enxergar nos honorários do advogado uma forma de lavagem de dinheiro. Se o advogado recebe honorários fruto do seu trabalho e declara esse valor, não existe margem para dizer que isso é lavagem de dinheiro e tentar incriminar o advogado. Veja o que aconteceu no caso João de Deus. Eles o asfixiaram de tal maneira, com tantas precatórias pelo país afora, que eu estava pagando para trabalhar. E fui praticamente expulso do caso. Essa estratégia do Ministério Público de asfixiar o réu para impedi-lo de até mesmo pagar honorários é muito ruim. Tira do cidadão o próprio direito de defesa e, por via transversa, quando se incrimina os honorários do advogado, também se limita a ação da advocacia.

 

ConJur — Qual a sua opinião sobre a lei contra o abuso de autoridade que entrou em vigor neste ano?
Alberto Toron —
 
Era uma necessidade, e lamento que artigos importantes dela tenham sido vetados, como a questão dos vazamentos. Acredito que esta lei traduz a necessidade de um equilíbrio entre a possibilidade de ação dos órgãos repressivos e, por outro lado, o respeito as garantias dos cidadãos. Melhor isso do que nada.

 

ConJur — O que o senhor acha do posicionamento de entidades de classe de juízes que questionam a criação do juiz das garantias?
Alberto Toron —
 Boa parte dos estados já tem esse juiz. São Paulo tem há mais de 30 anos. Isso é um avanço positivo. Alguns são contra porque acreditam que isso seria algo contra a “lava jato”. Isso é de uma ignorância atroz. Olha o modelo de São Paulo instalado na gestão do desembargador Bruno Affonso de André (1915-2015), de saudosa memória. Esse sistema deveria ser adotado pela Justiça Federal para garantir a imparcialidade do juiz que julga. Estranhamente as entidades de classe estão se colocando contra e reforçando uma cultura do magistrado que investiga e depois condena. Em última analise, a figura do juiz que perde a condição de ser imparcial.

 

ConJur — Como o senhor enxerga a resolução do CNJ que fixa regras para os magistrados nas redes sociais?
Alberto Toron —
 Esse é um tema muito delicado porque esbarra na liberdade de manifestação da qual os juízes também podem usufruir.  Só que no caso da magistratura existe um problema muito sensível, ligado à atividade deles. O trabalho do magistrado perpassa todo o tecido social e isso reclama uma espécie de imparcialidade do juiz. E, se ele se manifesta nas redes sociais, passa a não poder decidir os casos que lhe são submetidos. Acho correta a decisão do CNJ.

 

ConJur — O senhor acredita que os mecanismos existentes para fiscalizar o Ministério Público funcionam bem?
Alberto Toron —
 Tenho dúvidas em dizer que eles são eficazes hoje.

 

ConJur — Existe espaço para a advocacia puramente criminal com a consolidação do modelo de força-tarefa? E com a consolidação do instituto da delação?

Alberto Toron — No velho sentido? Existe sim. Muitas vezes a pessoa não é culpada e não quer fazer acordo. Eu vi isso claramente no caso do Aldemir Bendine. Fizeram uma acusação contra ele usando todo o Código Penal para forçá-lo a fazer uma delação. É o que os americanos chamam de “overcharging”. Uma acusação excessiva. Ele não quis fazer a delação. Fizemos a defesa dele e foi absolvido de 90% dos crimes que foi acusado. Isso é expressivo. Então, existe espaço para advocacia tradicional. E eu sou um representante dela.

 

ConJur — A sua vitória no STF no caso Bendine foi um dos grandes momentos da advocacia de 2019. Fale um pouco sobre a experiência desse caso.
Alberto Toron
 Eu não dava muita bola para a questão das alegações finais, por acreditar que era uma coisa óbvia. O acusado que sofre uma delação tem o natural direito de se contrapor a uma acusação, inclusive a que venha do delator, não só do Ministério Público. Eu achava o tema uma obviedade e não acreditava que os tribunais fossem se contrapor a isso. O grande tema não é exatamente a anulação determinada pelo Supremo Tribunal Federal. Para mim, o grande tema dessa história é o resgate do Habeas Corpus como instrumento de controle do devido processo legal.

O que nós vimos aí é que, para o cerceamento do direito de defesa prevalecer, basta que os tribunais aleguem que esse tema não deve ser tratado pela via do Habeas Corpus. O réu estava preso quando o STJ alegou a mesma coisa, e o ministro Luiz Edson Fachin tentou sepultar a discussão, levando o agravo regimental para o Plenário Virtual, em que o advogado não pode intervir. Isso só foi desconstruído quando o ministro Gilmar Mendes levou o caso para o Plenário presencial. E quando eu fiz, depois, a sustentação oral. Aí foi possível expor o absurdo. Nessa história, o mais importante, para mim, foi o resgate do Habeas Corpus do que propriamente o reconhecimento da nulidade.

 

ConJur — Como foi a sua experiência na Justiça Eleitoral?
Alberto Toron —
 Minha experiência foi muito rica. Aprendi muito com os juízes daquela corte e olhei um pouco papel do juiz e pude entender melhor as dificuldades do exercício da magistratura. Conheci uma Justiça que, apesar das dificuldades, cuida de prover ao magistrado excelentes auxiliares. O tribunal também dispunha de departamentos técnicos excepcionais. Votei muito vencido em algumas coisas por conta de um posicionamento mais liberal, mas nem por isso me senti desprestigiado.

 

ConJur — O que o senhor acha da lei da ficha limpa?
Alberto Toron —
 Eu sempre fui contra. Acredito que quem deve fazer a peneira sobre quem deve se candidatar é o povo e o voto. Acho uma lei autoritária e profundamente equivocada.

 

ConJur — O ministro Luís Felipe Salomão, do TSE, defende uma quarentena efetivas para juízes se candidatarem a cargos eletivos. O que o senhor acha dessa proposta?
Alberto Toron
 Acho uma proposta boa porque desvincula o magistrado de posturas populistas e muitas vezes eleitoreiras. É importante garantir que o juiz possa ser candidato, mas não pelo que ele fez quando estava na magistratura. Às vezes, alguns adotando uma postura de prender muito para ficar famoso e se candidatar.

 

ConJur — A discussão em torno da "lava jato" tem alguns temas chaves. Um deles é o lawfare. O senhor acredita que o ex-presidente Lula foi vítima da utilização do direito como instrumento de perseguição?
Alberto Toron —
 
Acho. O fato de o Lula ter sido julgado com a velocidade que foi no caso do tríplex escancara que quiseram tirá-lo do páreo eleitoral para favorecer um candidato. E pior. O juiz que o julgou se tornou ministro do concorrente vencedor. Isso escancara o uso do Direito como instrumento de perseguição política.

Recentemente, uma procuradora da República propôs absolvição sumária do Lula, da Dilma, do Mantega e de outros do caso conhecido como “quadrilhão do PT”. Essa procuradora alegou que a denúncia oferecida pelo ex-PGR Rodrigo Janot instrumentalizava a criminalização da política, que não é outra coisa que não usar o Direito Penal para perseguir políticos.

 

ConJur — Como foi defender a lei da anistia na Corte Interamericana de Direitos Humanos?
lberto Toron — Fui nomeado perito em leis para falar sobre a legislação incidente em torno do caso do Vladimir Herzog [1937-1975], para explicar as razões de não ser possível processar os torturadores no Brasil, como definiu o Supremo Tribunal Federal. Eu falei sobre o julgamento da ADPF 153, quando se julgou constitucional a lei da anistia. Expliquei que essa lei não era uma farsa, mas resultado de muito debate. Levando em conta que os pactos firmados pelo Brasil em que crimes como tortura são imprescritíveis, a subscrição dos pactos internacionais foram posteriores aos crimes. E, sendo posterior, não podem retroagir para abarcar coisa do passado sob pena de violência a um princípio cardeal de nosso ordenamento penal e constitucional, que é a irretroatividade da lei penal mais gravosa. Foi basicamente para isso que eu fui investido na condição de perito.

Eu só aceitei essa posição por entender que o Brasil assumiu que essas pessoas, e não apenas o Herzog, foram mortos por agentes do Estado. O país, além de reconhecer o crime, também indenizou a família dessas pessoas. Por isso, me senti moralmente confortável em mostrar do ponto de vista jurídico que não era possível processar esses facínoras.

Também queria dizer que o caso Herzog foi determinante para que eu optasse pelo Direito. Meu plano era estudar engenharia, mas diante daquela injustiça e violência, me senti motivado a estudar Direito.

 

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