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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

25
Out22

Banheiros unissex e os novos fantasmas das lendas urbanas eleitorais

Talis Andrade

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Quase um quarto da população não tem lar adequado. MARCELLO CASAL/AGÊNCIA BRASIL

 

Banheiros unissex em todas as residências das classes média e alta. Casa de pobre não tem disso não 

 

por Lígia Ziggiotti /Mídia Ninja

Em São Paulo, há quem acredite que a rua Visconde de Guaratinguetá seja mal assombrada. Nela, uma mansão de cores brandas situa a atual Escola Estadual Conselheiro Rodrigues Alves, onde, ao final do século XIX, o corpo sem vida de uma jovem chamada Maria Augusta foi exposto em uma redoma de vidro. Filha do proprietário cujo nome batizou a rua, a moça de cabelos claros aguardou a preparação de seu túmulo nestas circunstâncias dignas de uma historia de terror. De fato, os estudantes daquela instituição, ao longo dos anos, trataram de contá-la com tanta
minúcia que a trama ganhou o país. Tornou-se um consenso que, se chamada três vezes diante dos espelhos de banheiros de escolas, uma loira inspirada em Maria Augusta apareceria para assombrar a meninada.

Esta é uma lenda urbana criada por crianças. Outras envolvendo banheiros de escolas, com consequências mais violentas, são hoje criadas por adultos. Ainda em outubro de 2022, a Justiça Eleitoral determinou a retirada de fake news ligadas a supostas tentativas de candidatos à esquerda de unificarem os gêneros em sanitários de instituições de ensino. De modo falacioso, aliados ao governo bolsonarista seguem investindo em pânico moral para catapultar lideranças que apenas nestes contornos patéticos tangenciam algo ligado à educação.

A receita para a produção do terror coletivo se tornou conhecida nos últimos anos. Para as historias dos estudantes, basta misturar um falecimento macabro, um prédio com uma porção de corredores e uma evocação mais ou menos ritualística que se garante alguma gritaria. Já para as historias dos políticos neoconservadores que desejam conquistar votos também por histeria, parece recomendável misturar, de um modo irresponsável e distorcido, infância como vítima; feminismo e diversidade sexual como fantasmas.

Neste sentido, há representantes importantes do poder institucional que comprovam ser possível angariar um bom espaço midiático para as corridas eleitorais sem tanto trabalho. Basta aplicar a fórmula acima e se pode até mesmo ignorar qualquer problema real da população que demande empenho orçamentário, técnica legislativa e criação de estratégias em políticas públicas, como falta de merendas ou precarização da docência.

Por exemplo, propositor de homenagens de Cidadanias Honorárias para profissionais da psicologia que conduzem tratamentos de cura para homossexuais, um pastor da capital paranaense é também quem conduz um projeto na Câmara Municipal para proibir banheiros unissex em prédios públicos. Em 2020, este mesmo vereador dedicou forças inexplicáveis e, por fim, vencidas, para aprovar localmente o Escola Sem Partido, tentando amordaçar o debate de gênero em escolas. Nada, porém, foi por ele pensado para incrementar estrutura ou função das instituições de ensino municipais.

De autoria dele, o Projeto de Lei Municipal 005.00296.2021, em Curitiba, só tem três parcos artigos, e é de conteúdo risível. Um deles serve, literalmente, para celebrar a garantia da privacidade de se fechar a porta durante a realização das necessidades fisiológicas em repartições públicas. De acordo com os seus defensores, a questão produz reclamações frequentes aos vereadores de pais e responsáveis. Por outro lado, em investigação recente do jornal Plural, não se constatou pedido desta natureza em 375 mil registros encaminhados àquela Casa Parlamentar – com exceção de uma denúncia sobre a falta de diligência de uma professora durante o uso dos sanitários pelo filho da reclamante.

A lógica proibitiva de práticas inexistentes revela um charlatanismo eleitoreiro que não se situa em uma única cidade. Ganha o Brasil. Vedar algo que provoca pânico moral nada custa aos cofres públicos e a técnica legislativa, para isso, beira à dificuldade pré-escolar. O que custa investimento, exige seriedade e implica diálogos plurais é garantir direitos – como a possibilidade de banheiros públicos serem usados em conformidade com a identificação de gênero de cada cidadão. Aliás, aqueles sem especificação sobre destinação pelos públicos feminino ou masculino nem são tão desconhecidos. Em ônibus, aviões, lanchonetes, constituem até um formato comum.

Mas a nova lenda urbana eleitoral, como qualquer historia de ficção, não tem compromisso com evidências. Aproveitando-se de um odioso preconceito social, encontra em transexuais e travestis as principais personagens para, da trivialidade que deveria surgir da mera concretização de garantias, criar-se uma narrativa caótica. Os
contornos da masculinidade cisheterossexual, em que realmente se situa a causa para os estupros e para a pedofilia, não ocupa a ordem do dia bolsonarista. Pelo contrário, é deste imaginário pretensamente imbrochável que o grupo se sustenta.

Neste debate, especificamente, o contrapeso à violência não está exatamente num programa de governo adversário, e, sim, no Supremo Tribunal Federal, que há anos tem a possibilidade de julgar sobre o uso de banheiros públicos por transexuais e travestis.

O Recurso Extraordinário 845.779, proposto em 2014, não trata de modalidades interssex de sanitários nem se dedica ao contexto escolar. Apenas visa ao óbvio: que mulheres possam usar os espaços femininos e que homens possam usar os espaços masculinos para realizarem as suas necessidades fisiológicas – independentemente de suas genitálias, porque estas não definem identidade de gênero.

Abarrotada pela responsabilidade de conter parte do desmonte democrático, a Corte segue silente quanto a esta demanda, cujos elementos, fantasiados de modo perverso, criaram uma historia de mau gosto para uma nação que, infantilizada, acredita em qualquer bobagem que lhe é contada.

Retornando a lendas urbanas mais inofensivas, é curioso saber que, desembarcada de Paris para São Paulo já falecida, Maria Augusta viajou foragida para terras europeias, onde morreu de causa desconhecida, para escapar de um casamento com um homem vinte e um anos mais velho do que ela. Ao que parece, a loira do banheiro e as crianças que dela fogem têm mais em comum do que se imagina. Para todas estas personagens, é o heteropatriarcado que ainda configura o maior motivo de suas verdadeiras tragédias.

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De acordo com o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas. Relatório da Unicef

Mais de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e 100 milhões não têm coleta adequada de esgoto.

Os dados preocupantes são de um levantamento do Instituto Trata Brasil, que analisou as condições de saneamento básico no país.

Cerca de 2,8% da população brasileira (5,7 milhões) não têm acesso a um banheiro exclusivo ou utilizam de um buraco, segundo estudo divulgado em novembro de 2020, pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). 

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27
Jun20

Privatização da água: “Esse projeto de lei é absolutamente silencioso e omisso em relação aos direitos humanos”

Talis Andrade

 

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Esse projeto de lei é absolutamente silencioso e omisso em relação aos direitos humanos”. A declaração é de Léo Heller, relator especial da ONU sobre o direito à água e ao saneamento e pesquisador da Fiocruz

por Pedro Martins, em Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco / IHU On-Line

O senado aprovou na quarta-feira, dia 24 de junho o projeto de lei nº 4162 de 2019, que tem como principal ponto a ampliação da entrada do setor privado no fornecimento dos serviços de água e esgoto. Segundo o relator especial da ONU sobre o direito à água e ao saneamento, o abrasquiano Léo Heller, “esse projeto de lei é absolutamente silencioso e omisso em relação aos direitos humanos”. A declaração foi dada em entrevista concedida ao podcast “Café da Manhã” da Folha de São Paulo, onde o Léo também afirma que “o enfoque não foi garantir água e esgoto para todos, respeitando os direitos humanos, mas inserir a iniciativa privada”.

Ao longo da entrevista, Léo Heller, que também é pesquisador da Fiocruz, faz um histórico acerca da regulação dos serviços de água e saneamento no Brasil e aponta que a atual lei se apresenta como uma reforma do Marco Legal aprovado em 2007, a lei nº 11.445. Ele aponta que a imprensa tem dado pouco espaço às vozes dissonantes acerca do projeto: “Poucas vozes dissonantes em relação a esse marco têm tido espaço, e eu sou uma voz dissonante. Minha visão não é essa. Todas as reformas estruturais que o país faz, você tem ganhadores e derrotados. A gente precisa entender que vivemos em uma sociedade muito desigual e com muitos interesses econômicos que transitam. Então, reformas como essa vão atender determinados interesses e não vão atender outros”. E quais interesses serão atendidos? Léo não tem dúvida: “A principal alteração que essa reforma traz é uma maciça privatização do serviço, sem precedentes em qualquer país num período mais recente. Parte de um pressuposto de que tudo vai melhorar com a maciça privatização dos serviços sem fazer o que é necessário para uma medida como essa”.

Outro aspecto apontado durante a entrevista é a dificuldade de empresas privadas se disponibilizarem a operar em áreas rurais, periferias das grandes cidades e cidades pequenas e de a falta de clareza acerca das licitações facilitar esquemas de corrupção nos contratos. O pesquisador aponta também que entre os anos de 2000 e 2018, 311 cidades remunicipalizaram os serviços de água e esgoto que haviam sido privatizados por conta de diversos tipos de insatisfação com o serviço privado e também pela vontade do Estado de fornecer um serviço melhor. Essa movimentação ocorreu na maioria das vezes na Europa, mas também em cidades como Buenos Aires e La Paz na América Latina.

Associação Brasileira de Saúde Coletiva endossa a determinação da Organização das Nações Unidas (ONU) de que a água limpa e segura e o saneamento básico são um direito humano essencial. Não é mercadoria.

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