O governo de São Paulo chegou a anunciar que não ia se integrar ao Programa Nacional do Livro Didático, que vem sendo aperfeiçoado ao longo dos anos com um processo de avaliação que se dá em dois níveis: um deles, Federal, por uma comissão de especialistas; o outro, local, por meio da escolha do livro pelas pessoas que efetivamente trabalharão com ele em sala de aula junto com os estudantes. No lugar disso, elaboraria um material próprio que será acessado pelos estudantes em formato digital.
Além disso, as aulas seriam dadas com base em slides fornecidos pela Secretária de Educação, produzidos de forma centralizada e sem relação com cada cotidiano escolar específico. Seriam os famosos slides lindos, cheios de conteúdo, mas sem qualquer significação nas relações estabelecidas na sala de aula e sem uma ancoragem nos conhecimentos prévios que ali circulam, marcados por suas especificidades idiossincráticas e das comunidades que abrigam cada uma das escolas.
É mais um exemplo de perspectiva do atraso com gostinho de separatismo (São Paulo seria diferente do resto do Brasil, e pior, de novo!). O primeiro erro com tempero de modernidade do atraso é ver a digitalização da educação como um bem em si. Os estudos têm mostrado o contrário. No geral, a digitalização por si mesmo, não apenas não melhora, como piora o desempenho. Sem uma relação com projetos pedagógicos consistentes sob a coordenação do docente presencialmente em sala de aula, que permitam que estudantes acessem adequadamente os conteúdos digitais, eles prejudicam o desempenho. Isso já era claro antes da pandemia, como mostram estudos da OCDE (https://www.oecd.org/publications/students-computers-and-learning-9789264239555-en.htm), e se tornou ainda mais evidente depois da aceleração da digitalização e “remotização” (https://www.norrag.org/lessons-from-covid-19-digitalization-calls-for-strong-public-education-systems-by-margarita-langthaler/). O que esse projeto paulista aprofunda é uma perspectiva de desqualificação do professorado. Pressupõe incapacidade incontornável dos docentes para fazer o seu trabalho e avança na sua imaginada substituição por materiais prontos. Isso serve a um projeto de retirar dos docentes sua autonomia, vista como um mal e um perigo, quando é, ao contrário, a chave para se ter uma educação de qualidade.
Isso tudo já seria péssimo, mas é ainda pior. Notem que o secretário de Educação é acionista de empresa que atua exatamente no campo que ele pretende estimular. Essa empresa da qual ele é acionista tem contrato com a Secretaria de Educação de São Paulo. O Ministério Público abriu investigação para apurar eventual “conflito de interesses” entre a adoção dessa política e a atuação empresarial de Renato Feder.https://www.metropoles.com/sao-paulo/mpsp-investiga-secretario-da-educacao-de-sp-por-conflito-de-interesses
Ao contrário do espírito que anima o governo de São Paulo, que é de desprestigiar e esvaziar o trabalho educacional das comunidades escolares, desqualificando-o, a qualidade da educação depende, como está largamente demonstrado, do fortalecimento da posição do docente e pelo estímulo à sua autonomia na organização dos processos de aprendizagem em sala de aula. Ter um único material para todas as escolas e para todos os professores e alunos é ruim. Na educação, ter uma abordagem única é péssimo sempre, tendo um sabor muito claro de totalitarismo e atraso e ecoando de forma clara o que Chimamanda Ngozi Adichie qualificou como “O perigo de uma história única”. https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt
A professora Marília Cunha critica a decisão do Secretário de Educação de São Paulo, Renato Feder, de abandonar os livros impressos do governo. Que prejudica alunos com menos recursos.
Um voto de protesto contra o discurso nefasto sobre o duro, incompreendido e desvalorizado ofício de professor
por Jean Pierre Chauvin
- - -
Uma das notícias mais tristes, nos últimos anos, foi constatar a existência de colegas que não só votaram no mitômano especializado em matar,[i]mas continuam a defendê-lo em 2023, apesar de tudo o que ele negou, distorceu, corrompeu e desfez; a despeito de todas as ignomínias que cometeu; apesar do absoluto deboche com que desgovernou as pessoas, as coisas, as culturas, as leis e as contas do país, em favor de si mesmo e de seus asseclas, todos situados muito abaixo da mediocridade.
Ora, se nem mesmo a hecatombe sanitária por negligência federal foi capaz de sensibilizar alguns professores durante a pandemia, o que o discurso leviano do seu filho poderia despertar? É nisso que tenho refletido desde que o deputado comparou “professores doutrinadores” a “traficantes” – em prejuízo moral dos educadores –, durante o final de semana, em ato que “coincidiu” com os seis meses do atentado aos três Poderes da República, no dia 8 de janeiro de 2023.
Alguém objetará que resulta inútil propor qualquer forma de diálogo com essa turma nefasta; mas, persisto.
Comecemos pela suspeita de que pouca gente lembra ou sabe que entre os antigos romanos, o verbo “doutrinar” subjazia o ato de lecionar, ou seja, era prática inerente à relação entre Mestre e Discípulo (veja-se o que ensinou Antônio Geraldo Cunha em seuDicionário Etimológico da Língua Portuguesa).
Entretanto, o correr dos séculos, a mudança dos regimes, as novas formas de conceber o mundo, emprestaram caráter pejorativo ao termo doutrinação. Se até o final do Oitocentos, doutrina traduzia um conjunto de preceitos e, por extensão, a ideia de sistema, o fato é que a palavra assumiu caráter negativo ao longo do século XX, especialmente quando ela passou a ser empregada como sinônimo de perversão, desvio ético e/ou intelectual dos “puros” alunos, por obra do professor “doutrinador”.
Se resgatar a etimologia de doutrina pode resultar em argumento inconsistente (já que foram atribuídas muitas camadas de sentido a essa palavra, ao longo dos séculos), consideremos o uso que Paulo Freire fez dela emPedagogia do Oprimido– publicado em 1968. Contrariando o que disparam seus detratores sem tê-lo lido, repare-se que em nenhum momento ele defendeu o papel doutrinário do professor, mas o seu propósito libertário, no trabalho com os alunos.
Uma explicação possível. A concepção freiriana de ensino-aprendizagem pressupunha solidariedade contra antagonismo; educação crítica em lugar de escolarização ingênua. Em suma, superar a contradição oprimido-opressor envolveria a relação horizontal entre educador-educando e educando-educador.
A lição pode soar óbvia aos colegas familiarizados com a extensa obra de Paulo Freire; mas, provavelmente será condenada como peça de pedagogia “doutrinária” pela extrema direita e seus adeptos – especialistas em ressentimento que fingem acreditar nos absurdos que eles mesmos criam e disseminam, em nome de quimeras como “Pátria” (quintal dos EUA), “Deus” (da prosperidade), “Família” (das aparências) e “Propriedade” (do latifúndio improdutivo) etc.
O que seres dessa estirpe simulam esquecer é que não há professor neutro, tampouco ensino isento de parcialidade. O que eles teriam a dizer sobrecoachsapologetas do neoliberalismo, que transferem toda a cota do insucesso para o indivíduo “fracassado”? Sobre instrutores que “ensinam” o empreendedorismo como se fosse um valor absoluto, alheio aos limites do indivíduo e infenso às assimetrias sociais? Sobre líderes “religiosos” que espoliam os fiéis mais carentes, em benefício próprio? Sobre sujeitos na política que se divertem enquanto alvejam os profissionais da educação?
Em 2018, quando as pesquisas indicavam que o candidato Jair Bolsonaro poderia vencer a eleição e se tornar presidente do Brasil, uma pequenina notícia na Folha indicava que aquele que alcançaria o posto mais alto do funcionalismo público no país poderia ser chamado de Nazista.
Quem dizia isso era o advogado estadunidense Mike Godwin, criador da lei conhecida como "Lei de Godwin".
A chamada lei tem como objetivo convocar a nossa atenção contra a banalização da palavra - e alertar para quando os paralelos são pertinentes.
Então vejamos: o advogado judeu que criou um limite para que não abusássemos das comparações com o nazismo disse que era ok chamar Bolsonaro de nazista.
Desde 2018, o que o então eleito presidente da república fez foi reforçar sua ligação com o nazismo.
Aos fatos.
Em 1998, o deputado Jair Bolsonaro defende Hitler como figura história na tentativa de autorizar que alunos do Colégio Militar em Porto Alegre exaltassem o líder em redação do vestibular.
Em 2001, um grupo de neonazistas organizou uma manifestação de apoio ao deputado Jair Bolsonaro não vão do MASP. O evento foi organizado depois que Bolsonaro deu declarações homofóbicas ao programa de TV CQC.
Em 2002, no mesmo programa, Bolsonaro desfila teses negacionistas sobre o Holocausto e diz que os judeus morreram de doenças nos campos de concentração. Não tinham sido, portanto, assassinados.
Em 2015, Carlos Bolsonaro convidou o professor Marco Antônio Santos para discursar na Câmara dos Vereadores em defesa do Escola sem Partido, um movimento que estabelece regras sobre o que pode, ou não, ser dito em sala de aula por professores.
Marco Antônio Santos apareceu na Câmara vestido como Hitler - usando um bigode característico do nazista, um corte de cabelo semelhante e um terno com broches militares.
Em 2016, um internauta resgatou uma foto de Bolsonaro ao lado de Santos. Na época, ambos eram do Partido Social Cristão (PSC).
Em 2019, já presidente, Bolsonaro discursou sobre sua ida ao Museu do Holocausto diante de uma audiência evangélica: "Fui, mais uma vez, ao Museu do Holocausto. Nós podemos perdoar, mas não podemos esquecer".
Podemos perdoar, Jair?
Ainda em 2019, o assessor de Bolsonaro, Felipe Martins, aparece em vídeo durante sessão no Senado fazendo com a mão o sinal associado ao antissemitismo.
Flagrado no ato, foi convidado a se retirar da sala pelo deputado Randolfe Rodrigues. Martins ainda trabalha com Bolsonaro.
Em 2020, Roberto Alvim, Secretário Especial da Cultura de Bolsonaro, encenou imitação de um discurso de Joseph Goebbels, ministro de propaganda nazista.
Alvim, teatrólogo renomado, escolheu um cenário quase idêntico ao usado por Goebbels, cortou o cabelo como o do nazista, usou as mesmas paleta de cores no cenário.
Trechos de Alvim: "A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional". "E será igualmente imperativa". "Ou então não será nada"
Trechos de Goebbels: "A arte alemã da próxima década será heroica" "Será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada"
Ao fundo, enquanto Alvim falava, tocava ópera de Richard Wagner, compositor alemão celebrado por Hitler.
Depois da apologia ao Nazismo feita por Alvim, houve revolta generalizada com repercussões internacionais. Bolsonaro demorou mas finalmente percebeu que seria obrigado a demitir Alvim.
Ainda em 2020, Bolsonaro aparece em live ao lado do então presidente da Caixa, Pedro Guimarães, demitido depois de ser acusado de inúmeros crimes de abuso sexual e moral, tomando um copo de leite.
O uso do leite como símbolo neonazista nos Estados Unidos vem de 2017. Começou como uma brincadeira até se tornar linguagem de supremacistas brancos nas redes sociais.
Adriana Dias, doutora em antropologia social pela Unicamp e pesquisadora do nazismo, disse à revista Forum que há uma referência clara entre o episódio que envolve a live de Bolsonaro e o neonazismo.
"O leite é o tempo todo referência Neonazi. Tomar branco, se tornar branco. Ele vai dizer que não é, que é pelo desafio, mas é um jogo de cena, como os neonazistas historicamente fazem".
Em 2021, Bolsonaro confraterniza com Beatrix von Storch, vice-presidente do partido neonazista alemão (AfD). Trata-se de figura radioativa evitada por todos os líderes democráticos do mundo.
Bolsonaro termina seus discursos e alguns documentos com o lema do fascismo: Deus, Pátria, Família.
Bolsonaro tem como slogan de campanha uma frase textualmente nazista: Brasil acima de tudo - "Alemanha acima de tudo, era a de Hitler.
São fatos. Não são crenças ou teorias da conspiração.
Mas fica pior.
Em 2017, Bolsonaro fez um discurso ao mesmo tempo cheio de raiva e de deboche contra pessoas pretas e quilombolas.
A plateia riu e aplaudiu. Onde o discurso foi feito? Na Hebraica do Rio.
Do lado de fora do clube, um grupo barulhento de judeus se manifestava contra a presença de Bolsonaro ali.
Vamos parar aqui e definir neonazismo: promoção de ódio contra diferentes grupos da sociedade por motivos étnicos raciais, nacionalistas, religiosos, de gênero ou políticos, sem excluir argumentos eugênias.
O antissemitismo são ataques feitos diretamente contra judeus.
Nos dois casos, o que conta como ataque: agressão verbal, propaganda de natureza antissemita, nazista ou fascista, manifestações como uso de símbolos e tatuagens, violência física e vandalismo.
Bolsonaro faz uso de linguagem nazista cifrada, como no caso do copo de leite, e de linguagem extremista direta (vamos metralhar a petralhada ou vamos levar os inimigos da nação para a ponta da praia - uma referência ao local onde, durante a ditadura, muitos foram assassinados).
Desse modo ele vai autorizando e legitimando que seus apoiadores ajam de forma violenta contra grupos minoritários.
Aqui a gente lembra que o nazismo perseguia e assassinava judeus, mas também gays, comunistas, negros e ciganos.
E lembra também que Hitler, que chegou legalmente ao poder, tinha apoio popular, foi amparado por inúmeras pessoas que não detestavam nenhum desses grupos mas se sentiam confortáveis para apoiar o Fuher por "motivos econômicos".
A história deu um nome para as pessoas que apoiaram Hitler por motivos econômicos, aliás: são chamadas de nazistas.
"Ah, mas o Bolsonaro usa a bandeira de Israel aqui e ali. Gosta de Israel. Já foi algumas vezes", você pode dizer.
Tudo verdade.
Só que a aproximação de Bolsonaro com Israel é uma aproximação econômica e ligada a um israelense que ele entende apenas como masculino, branco, heterossexual armado e neoliberal.
Para entender o risco que Bolsonaro representa ao futuro do Brasil seria preciso voltar um pouco no tempo.
Auschwitz não aconteceu da noite para o dia.
Hitler e o partido nazista chegaram ao poder de forma absolutamente legal nos anos 30.
Depois disso, foi muito tempo de preparação, de discursos de ódio, de separação, de legimitização das mais corriqueiras violências.
Quando os campos de concentração começaram a ser erguidos, eles pareceram apenas um desenrolar natural e a população não se articulou para impedi-los.
O nazismo e o fascismo não são eventos históricos localizados no tempo passado. São também modos de gestão de vida. Eles se atualizam e retornam.
O fascismo, para existir, precisa de um líder que cultue a morte e a violência, que pregue o extermínio de quem enxerga como inimigos, que aponta os inimigos dentro de sua própria população.
Esse líder precisa ser ao mesmo tempo uma espécie de fanfarrão porque essa imagem é conveniente para que absurdos sejam ditos e, no dia seguinte, desmentidos: era brincadeira, pessoal.
O líder fascista é desprovido de empatia: ele não se comove com a dor ou a morte dos seus.
O líder fascista não é capaz de chorar diante de horrores como 700 mil mortes, não vai a hospitais visitar quem sofre, não conforta aqueles que representa - ou deveria.
O líder fascista é perfeitamente capaz de dizer "E daí? Não sou coveiro" quando questionado sobre as perdas na pandemia.
O líder fascista é igualmente preparado para mandar que as pessoas circulem e espalhem o vírus entre si.
O líder fascista é movido por ideias paranóicas e persecutórias: as instituições atuam contra ele, querem eliminá-lo, não deixam ele trabalhar.
Todas essas definições são técnicas.
Todas elas servem a Jair Bolsonaro.
O Bolsonarismo é, portanto, uma espécie de fascismo.
Está tudo aí revelado.
No Brasil, o fascismo bolsonarista encontra campo fértil: temos uma longa e perversa história com ele.
Não vou nem citar - embora talvez devesse - os discursos políticos da época em que a abolição era debatida, sugerindo que negros deviam ser exterminados, que não deviam fazer parte da sociedade brasileira, que era inaceitável incluí-los. Vamos deixar isso pra lá agora.
Recomendo que escutem o podcast Projeto Querino para descobrir por que o fascismo e o nazismo encontram campo fértil nessa nação chamada Brasil.
O partido fascista (integralista) brasileiro foi um dos mais fortes do mundo nos anos 30.
Quando o partido nazista alemão se expande, ele cria filiais em 82 países. Onde você acham que esteve a maior militância fora da Alemanha?
Exatamente: no Brasil. Havia núcleos oficiais do partido nazista em 18 estados brasileiros.
Bolsonaro explodiu a tampa do bueiro.
Assim como suas matrizes - o nazismo e o fascismo - o bolsonarismo tem uma linguagem própria.
Bolsonaro é um troll.
É o cara que faz o bulling.
Ao se colocar nesse lugar, ele se apresenta como um deboche. Mas ele está longe de ser um deboche.
Ele é o articulador de uma espécie de mal totalitário que funciona através da trituração da consciência social.
Sem ela, nascem soldados da barbárie que atuam no dia-a-dia praticando a violência contra corpos e sujeitos políticos considerados inimigos.
A disseminação dessas violências é ao mesmo tempo pandêmica e irracional porque ela se espalha pelo afeto, pelo rancor, pela amargura, pelo ódio.
Não existe compromisso com a verdade, apenas com o que chamam de liberdade de expressão, ambiente dentro do qual eles colocam absolutamente todas as distorções históricas:
"Não houve Holocausto nenhum". "As pessoas morreram de doenças nos campos".
"Não existe racismo no Brasil". "Não impus sigilo nenhum de 100 anos em nada". "Não tenho nada a ver com o Bolsolão".
O bolsonarismo transforma tudo em opinião, em conversa de boteco.
E conversa de botequim não pode ser contestada ou confrontada sob pena de "estarmos matando a liberdade de expressão e virando a Venezuela".
Bolsonaro age desse jeito como forma de gestão.
Transformar tudo em opinião é uma forma de gestão.
Não é acaso, não é diversão. É gestão.
No cargo de presidente, ele, ao se utilizar desse recurso, institucionaliza o assédio.
Nada a respeito de Bolsonaro está dentro do campo democrático. Nunca esteve. Nunca houve polarização nenhuma.
Bolsonaro não é aceitável sob nenhum aspecto.
Desde que ele entrou em cena, saímos do campo da normalidade. Não é apenas "mais uma eleição".
As instituições já colapsaram: Bolsonaro não é aceitável enquanto candidato e não devia estar concorrendo.
Por que insistimos em naturalizar as ações desse homem?
É nisso que você vai depositar seu voto?
Quem apoia o nazi-fascismo é o quê?
Para saber mais:
A linguagem da destruição, livro de Miguel Lago, Heloisa Starling e Newton Bignotto:
247 -No Brasil, meninas e mulheres entre 14 e 24 anos representam, ao menos, 20% de jovens que menstruam e já deixaram de ir à escola por não terem absorvente. A pesquisa divulgada peloUOLrevela ainda que entre meninas pretas com renda de até dois salários mínimos o número sobe para 24%.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostra, por exemplo, que mais de 700 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em suas casas. Além disso, mais de quatro milhões não têm acesso a itens básicos de cuidados menstruais, o que tem contribuído significativamente para a intensificação da pobreza menstrual no mundo.
Segundo relatos na internet, a placa do único servidor que abriga a Plataforma Lattes queimou no sábado 24 de julho. MCTI não informa quando e se voltará ao ar e ninguém sabe se e quanta informação de todos os pesquisadores em atividade no País foi perdida
Quantos pesquisadores estão em atividade hoje no Brasil? Como as pesquisas se dividem por estados e regiões? Quantos são homens? Quantas mulheres? Quantos negros? Quantos pesquisam em nível de graduação? Quantos são doutores e doutoras? Quais são os Grupos de Pesquisa? Que tipos de projetos estão sendo realizados? Há convênios internacionais? Pesquisadores e pesquisadoras do país estão atuando em quais universidades? Todas essas questões e muitas outras estão, ou melhor ESTAVAM, disponíveis nos sistemas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, subordinado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI.
Desde sábado 24 de julho, devido a um problema ainda não oficialmente esclarecido pelo MCTI, todos os sistemas de informática do CNPq estão indisponíveis, incluindo a Plataforma Carlos Chagas (que controla as bolsas de pesquisa da instituição) e a Plataforma Lattes (de registro das atividades de pesquisa superior no Brasil como o Currículo Lattes, o Diretório de Grupos de Pesquisa, o Diretório de Instituições e Extrator Lattes). Com mais de 70 anos de atividade, o CNPq lançou em 1999 um dos principais sistemas públicos e gratuitos de registro de atividades de pesquisa do planeta, a Plataforma Lattes, exportado para vários países como Chile, Argentina e Portugal. Mas os investimentos em Ciência e Tecnologia, que já estavam caindo no começo do segundo mandato de Dilma Roussef, despencaram desde o Golpe de 2016 e estão sofrendo cortes históricos no governo negacionista e anticiência de Bolsonaro.
Em áudio amplamente difundido pelas redes sociais e grupos acadêmicos, uma servidora não identificada do CNPq explica que houve a queima da placa do único servidor do CNPq e não há como prever a quantidade de informações perdidas. Podem ser de alguns minutos, dias… Ao que parece, o último backup completo dos sistemas do CNPq foi realizado em 2018, antes portanto do astronautavendedor de travesseiros falsificados da NASAassumir o MCTI. Muitos pesquisadores na pós-graduação lembram, ainda, que este ano a Coleta Capes, que afere a produtividade acadêmica e dá nota aos programas de mestrado e doutorado, incluiu pela primeira vez a exigência de preenchimento do Google Acadêmico, transferindo aos professores a tarefa de alimentar gratuitamente com suas informações pessoais e profissionais um sistema privado transnacional sem qualquer controle da comunidade acadêmica.
O fato é que o apagão do CNPq reflete exemplarmente o desmonte de todas as instituições públicas do Brasil feito por um governo de destruição nacional e entrega do patrimônio brasileiro (sejam terras, empresas ou mentes) a qualquer preço. É a política de terra arrasada. Salve-se quem puder! Se isso está sendo feito no melhor programa de imunização do mundo bem no meio da maior pandemia em um século, ao custo de mais de 550 mil vidas e milhões de órfãos e sequelados, imagine então com algo tão vilipendiado por bolsonaristas como a pesquisa e as universidades? [Transcrevi trechos]
Ministério Público apura denúncias de assédio em escola cívico-militar de Paranavaí. Foto: Jonathan Campos/AEN
Alunos e alunas forçados a praticar atos sexuais com velhos militares aposentados
O Ministério Público do Paraná instaurou notícia de fato para investigar uma denúncia de assédio em umcolégio cívico-militarde Paranavaí, cidade de cerca de 90 mil habitantes no Noroeste do Paraná. A investigação tramita sob sigilo, mas o Plural apurou que se trata de uma denúncia de assédio a alunas por parte de um militar incorporado à escola na função de fiscal de pátio.
Segundo o relato, o militar persegue as alunas e as convida para entrar em seu carro e praticar sexo oral. Em pelo menos um caso ele teria mostrado uma arma prateada a uma adolescente e dito que caso a aluna contasse a alguém sobre o assédio, ele “acabaria com ela”.
O Plural procurou o governo do Paraná nesta terça-feira (28), mas como as secretarias estão em recesso, e a assessoria do governo trabalha em regime de plantão, o estado só poderá dar mais informações a partir do dia 3 de janeiro.
Esse não é o primeiro caso de assédio a alunas nas escolas cívico-militares do Paraná. Em agosto, um policial militar da reserva que integrava a equipe de uma escola em Francisco Beltrão, no Sudoeste do Paraná,foi preso sob suspeita de abusar de alunas. A forma de abordagem era similar à que o MP agora apura em Paranavaí. Segundo os relatos, o militar deu carona a alunas e tentou assediá-las. Alémdisso, ele constrangia as estudantes enquanto as revistava e ainda as abordava via WhatsApp com conversas que não condiziam com assuntos do colégio.
Modelo inconstitucional
Em novembro, o Ministério Público do Paranáemitiu um parecer entendendo inconstitucionala lei de implantação dos colégios cívico-militares no estado. Ao se manifestar pela procedência dos pedidos, a Promotoria de Justiça e Procuradoria-Geral de Justiça reiteram as teses de que o Paraná teria atropelado competência da União ao criar um novo modelo de ensino e usado a modalidade para viabilizar a intromissão militar na administração da escola pública, em um sistema marcado pelo “patrulhamento ideológico” e de “aniquilamento da liberdade de cátedra”.
“O legislador estadual usurpou competência da União e transgrediu as normas gerais criadas pelo ente central, porque fundiu elementos do ensino regular com caracteres próprios do ensino militar, concebendo os colégios cívico-militares como instituições híbridas. Se o decreto federal é inconstitucional porque supera as fronteiras do poder regulamentar, a Lei Estadual (inspirada e integrada pelo decreto federal) não encontra fundamento na ordem constitucional por implantar sistema de ensino que não é previsto pelas leis em sentido estrito, editadas pela União, que normatizam os sistemas de ensino”, diztrecho do parecer.
Mudanças no modelo
Em novembro, a Assembleia Legislativa do Paraná aprovou alterações no modelo das escolas cívico-militares que intensificaram a presença de militares nos colégios do estado. O cargo de diretor militar, destinado a PMs de mais altas patentes para exercer atividades compartilhadas com o diretor civil, foi extinto após o sistema completar seu primeiro ano sem ter conseguido ativar com militares nem dois terços das 197 escolas migradas para o sistema. Na prática, o fim da função horizontalizou o acesso, e todos os policiais aprovados para integrar o programa, muitos em lista de espera, passaram a cumprir expediente no cargo de monitor.
A manobra do governo mais que dobrou colégios com PMs da reserva em sala de aula ao mesmo tempo em que manteve os gestores civis no topo da hierarquia das escolas.
O Ministério Público do Paraná (MPPR) emitiu parecer favorável à ação que pede para tornar inconstitucional a lei de implantação dos colégios cívico-militares no estado. Ao se manifestar pela procedência dos pedidos, a Promotoria de Justiça e Procuradoria-Geral de Justiça reiteram as teses de que o Paraná teria atropelado competência da União ao criar um novo modelo de ensino e usado a modalidade para viabilizar a intromissão militar na administração da escola pública, em um sistema marcado pelo “patrulhamento ideológico” e de “aniquilamento da liberdade de cátedra”.
O órgão dá um passo a mais do que a petição e reclama ainda o reconhecimento incidental de inconstitucionalidade do decreto federal de 2019 que implementou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) pelo Ministério da Educação (MEC) e alicerçou a regionalização do modelo. Além do Paraná, governos de pelo menos outros cinco estados criaram um sistema próprio de educação assistida por militares. A sustentação do subprocurador-geral de Justiça, Mauro Sergio Rocha, e do promotor de Justiça Gustavo Henrique de Macedo, é de que a ilegalidade do decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro por si só prejudicaria os programas locais – por sua vez amparados no modelo estabelecido pelo decreto da União.
O parecer é do dia 10 de novembro e faz parte do trâmite da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo PT, Psol e PCdoB em abril deste ano. A petição requereu deferimento de medida cautelar, mas o relator do processo, ministro Dias Toffoli, optou por decisão em caráter definitivo devido à relevância da questão.
À Corte caberá decidir se é ou não inconstitucional a lei estadual 20.338/2020 tanto no aspecto formal, ou seja, quanto à legislação em si, como material, relacionado ao seu conteúdo.
Por um lado, o MPPR sustenta que a elaboração da norma desrespeita parâmetros legais, pois o estado não teria competência para criar o regime de escolas cívico-militares. Na interpretação do órgão, o modelo concebe um novo sistema de ensino, distinto dos previstos pela União e que, portanto, só poderia ser implementado com aval do Congresso Nacional.
Assim, o mesmo desvio prejudicaria o decreto do governo federal, pois a modelagem de ensino proposta no Pecim – de escolas que não são nem regulares nem militares, mas híbridas – desrespeitaria de igual maneira a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que determinar as diretrizes e bases gerais da educação nacional.
“O legislador estadual usurpou competência da União e transgrediu as normas gerais criadas pelo ente central, porque fundiu elementos do ensino regular com caracteres próprios do ensino militar, concebendo os colégios cívico-militares como instituições híbridas. Se o decreto federal é inconstitucional porque supera as fronteiras do poder regulamentar, a Lei Estadual (inspirada e integrada pelo decreto federal) não encontra fundamento na ordem constitucional por implantar sistema de ensino que não é previsto pelas leis em sentido estrito, editadas pela União, que normatizam os sistemas de ensino”, diz trecho do parecer.
Também em manifestações distintas encaminhadas ao STF, a Assembleia Legislativa (Alep) – onde a lei tramitou em regime de urgência – e o governo de Ratinho Jr. defenderam não haver irregularidades, uma vez que a lei de base das escolas cívico-militares do Paraná é um complemento às normas nacionais e não trata, portanto, de novas diretrizes e bases.
Homeschooling
O imbróglio jurídico é o mesmo que coloca em xeque a prática do homeschooling no Paraná.
Em setembro deste ano, o estado foi o primeiro do país a aprovar o ensino domiciliar como modalidade oficial de educação, criando uma espécie de terceira via entre as escolas regulares e as cívico-militares. Mas mesmo sancionada, a prática não está ainda consolidada, pois o debate esbarra em aspectos jurídicos substanciais que hoje não contemplam o exercício do ensino de crianças em casa e, ao mesmo tempo, não permitem que mudanças estruturais no sistema sejam feitas sem estarem em acordo com a legislação federal. Nesse caso, a LDB também não sustenta o homeschooling, e o próprio STF já reconheceu a necessidade uma mudança nas diretrizes da União para que governadores possam, então, se adaptar a ela.
Interferência da Secretaria de Segurança na Educação
De acordo com o Ministério Público, jurisprudência do STF consolidada no sentido de que só o legislativo federal pode tratar de novos currículos e maneiras de exercício da docência, por exemplo, é um indicativo da inconstitucionalidade da lei paranaense das escolas cívico-militares. O programa instituído pela gestão de Ratinho Jr. romperia, assim, as barreiras constitucionais, pois também cria fendas que permitem a interferência da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) em práticas pedagógicas de domínio exclusivo da educação.
De fato, o sistema criado por Ratinho Jr. é uma cooperação entre as pastas de Educação e Segurança Pública e, portanto, as atividades extracurriculares cívico-militares praticadas nas instituições adeptas ao modelo são de responsabilidade compartilhada. A gestão conjunta, questionam os promotores, acaba criando uma falsa impressão de equilíbrio porque “as atividades “cívico-militares” têm a tarja de “extracurriculares”, mas a substância de disciplinas essenciais, a revelar seu caráter estruturante no programa concebido”, uma hierarquização que “aniquila a liberdade de cátedra e a apresentação de divergentes métodos pedagógicos”.
Mudanças no programa
Uma mudança nas regras do modelo paranaense, no entanto, tirou mais poder, ao menos em tese, das mãos dos policiais militares da reserva que hoje integram o corpo militar do programa.
O cargo de diretor militar, destinado a PMs de mais altas patentes para exercer atividades compartilhadas com o diretor civil foi extinto após o sistema completar seu primeiro ano sem ter conseguido ativar com militares nem dois terços das 197 escolas migradas para o sistema. Na prática, o fim da função horizontalizou o acesso, e todos os policiais aprovados para integrar o programa, muitos em lista de espera, passaram a cumprir expediente no cargo de monitor. A manobra do governo mais que dobrou colégios com PMs da reserva em sala de aula ao mesmo tempo em que manteve os gestores civis no topo da hierarquia das escolas.
De toda a forma, a inclusão de PMs no quadro funcional das escolas sem concurso público é outro impasse destacado pelos autores. A manifestação ainda conduz a transformação de policiais militares em profissionais de educação como fomento a um ambiente propício à “militarização generalizada e supressão das liberdades de manifestação do pensamento e de expressão”.
“Sabe-se que o militarismo é regido pelos princípios de hierarquia e disciplina que, se são adequados para a preservação da ordem em contingentes de corporações castrenses, não o são para o ambiente escolar, onde há alunos, e não soldados”, diz o texto encaminhado ao STF. “A introdução de disciplina militar, em escolas públicas, traz ínsita a ameaça de se as transformarem em câmaras de eco, ou seja, de patrulhamento ideológico de professores e de alunos, e que noções próprias do militarismo (e adequadas – somente – ao ambiente castrense) sejam difundidas como se fossem as únicas corretas”, complementam em paralelo à exposição de ocorrências polêmicas já registradas dentro das escolas do modelo.
Uma delas, noticiada pelo Plural, aponta a suspeita de abuso de alunas por uma policial em um colégio de Francisco Beltrão, no Sudoeste do Paraná. Outro caso citado foi registro feito pela RPC de alunos de 14 e 15 anos de um colégio de Curitiba usando simulacros de arma durante uma atividade cívica. A situação repudiada pela própria Secretaria de Educação.
Muito embora a decisão final seja dos ministros do STF, o parecer do Ministério Público alerta que, além de transgredir a Constituição, a lei das escolas cívico-militares podem ter consequências negativas para o sistema de ensino público do estado.
“Não é difícil perceber que se almeja transplantar para algumas escolas públicas, cujo corpo discente é marcado pela vulnerabilidade social, práticas arraigadas em Colégios Militares, que têm outra finalidade institucional. E justamente essa distinção entre as finalidades que torna o programa nacional e sua derivação estadual absolutamente desconformes com o perfil democrático da Constituição da República de 1988, que refundou o Estado brasileiro com inspiração marcadamente liberal, repulsiva a iniciativas que possam comprometer o pluralismo e a tolerância. Ademais, a ideia se pauta num sofisma, qual seja, a presunção de que os profissionais de educação falharam e que os militares vão eliminar a indisciplina e a evasão escolar”
Até está quinta-feira (16), ainda não havia previsão de quando a ação será apreciada no STF, apesar de que a maior parte dos requisitos do processo já tenha sido cumprida.