O Parlamento Europeu condenou nesta quinta-feira (19) os ataques às instituições democráticas no Brasil, em 8 de janeiro, em uma resolução. Apesar de não ter poder de lei, o documento, que pede punição para os envolvidos, é um instrumento de pressão, especialmente para isolar ainda mais o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A resolução, aprovada por 319 votos a favor, 46 contra e 74 abstenções, destaca que “milhares de militantes da extrema direita e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e vandalizaram o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio da Alvorada em Brasília, pedindo uma intervenção militar para derrubar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.”
De acordo com o documento, todos envolvidos nas “ações criminosas perpetradas por apoiadores do ex-presidente Bolsonaro”devem ser identificados, processados e responsabilizados,incluindo os instigadores, organizadores e financiadores, bem como as instituições do Estado que falharam em prevenir esses ataques.
No documento, o Legislativo europeu lamenta as tentativas do ex-presidente Bolsonaro e de alguns de seus apoiadores políticos em “desacreditar o sistema de votação e as autoridades eleitorais, apesar de não haver indícios de fraude eleitoral”, e os insta a aceitar o resultado democrático das eleições.
Manifestantes, partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro no prédio do Congresso Nacional, em 8 de janeiro de 2023. AP - Eraldo Peres
O texto ainda destaca a aprovação pelo STF de um pedido do Ministério Público Federal para investigar o ex-presidente Bolsonaro, pois ele “pode ter contribuído, de maneira muito relevante, para a ocorrência de atos criminosos e terroristas”.
Preocupação com omissões
Os parlamentares europeus também manifestaram preocupação com “atos e omissões de agentes públicos”, em especial do ex-governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que foi afastado do cargo, e do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, que está preso.
A resolução aprovada pelo Parlamento Europeu reconhece “a conexão entre o crescente fascismo transnacional, racismo, extremismo e os eventos em Brasília, e o ocorrido no Capitólio dos EUA, em janeiro de 2021.”
Três dias depois de distúrbios em Brasília, Lula participou da posse de Sônia Guajajara (esquerda) como ministra da inédita pasta dos Povos Indígenas.AP - Eraldo Peres
Texto por RFI
A imprensa francesa segue acompanhando de perto os acontecimentos no Brasil desde a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. O jornal Le Monde publica neste domingo (15) uma análise sobre o impacto das invasões às sedes dos Três Poderes em Brasília, há uma semana, no governo no petista.
Para o diário, o novo presidente tende a “dar prioridade à estabilização do país em vez de a grandes progressos sociais e reformas profundas”, já que os eventos no Palácio do Planalto, no Congresso e no STF (Supremo Tribunal Federal) "impõem um novo desafio de peso:preservar a democracia”.
Le Monderessalta que, ao longo da semana, Lula se esforçou para transmitir uma mensagem de apaziguamento. Apenas três dias depois dos distúrbios, “manteve a sua reputação de gênio” para colocar diante das câmeras uma cena ideal e protagonizou, como previsto, a posse de Sônia Guajajara e Anielle Franco em dois ministérios emblemáticos, o dos Povos Indígenas e o da Igualdade Racial.
“Mas por trás desta fachada envolvente,Lula herda uma república em mil pedaços”, afirma o texto, assinado pelo correspondente do diário no Rio de Janeiro, Bruno Meyerfeld, autor de um livro sobre o Brasil contemporâneo, “Cauchemar brésilien” (Pesadelo brasileiro, em tradução livre).
Le Monde relata as comparações que têm sido feitas entre o petista e o ex-presidente Getúlio Vargas – que, entre idas e vindas, também marcou história no Planalto. “Gegê foi um patriarca tortuoso, ditador inspirado no fascismo, que aprisionou seus opositores e fechou o Congresso, mas também foi o homem da industrialização, da jornada de trabalho de oito horas, das férias pagas, do salário mínimo, do direito ao voto às mulheres, promotor de um país miscigenado, valorizando a capoeira, o sambe e os cultos afrobrasileiros”, conta o texto.
“Não é surpreendente que, agora, os feitos de Getúlio estejam sendo evocados pelos lulistas. Os dois ‘pais dos pobre’ foram enxotados e enterrados vivos antes de voltar”, compara.
Margem de manobra limitada
Mas o jornal assinala que, ao contrário de seu predecessor, Lula tem um quadro menos favorável para promover as “reformas profundas das quais o Brasil tem necessidade urgente”. O petista venceu as eleições de outubro com apenas 50,9% dos votos, a sua base no Congresso repousa sobre uma vasta gama de partidos políticos e as divergências internas nos 37 ministérios já começaram a aparecer, explica o texto.
“A negociação e a busca do consenso fazem parte do DNA deste sindicalista (…), enquanto as reformas estruturais foram deixadas para a sua sucessora, Dilma Rousseff”, sublinha a análise.
“Cercado por fúria e pavor, 'Lula 3’ corre o alto risco de ser mais um mandato de estabilização e controle dos danos do que de grandes progressos sociais e reformas”, antecipa Le Monde, antes de “esperar" que o presidente brasileiro "não enfrente a maldição que parece atingir os líderes que voltaram ao poder” – a exemplo do próprio Vargas, que acabou por se suicidar em 1954, além do francês Charles de Gaulle, desprezado pelos eleitores ao tentar se reeleger em 1969, Winston Churchill, vítima de um AVC e forçado a ceder o poder em 1955, ou ainda o argentino Juan Domingo Perón, morto menos de um ano depois de voltar à presidência, em 1974.
No Live UOL, a colunista Madeleine Lacsko falou sobre o vídeo que circula nas redes sociais com apoiadores do presidente da República Jair Bolsonaro (PL) cantando o Hino Nacional ao lado de uma pessoa fantasiada de robô.
Policiais controlam bolsonaristas radicais que invadiram o Palácio do Planalto.AP - Eraldo Peres
Por RFI
No dia seguinte à invasão da Praça dos Três Poderes, em Brasília, e ataque violento de bolsonaristas às instituições federais, a RFI conversou com o cientista político Gaspard Estrada, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o Sciences Po, para analisar as consequências desses eventos, que foram manchete no mundo todo nesta segunda-feira (9).
RFI:Mais uma vez, o Brasil esteve na capa do jornalThe New York Times,da mesma forma como aconteceu quando o presidente Lula tomou posse. Porém, dessa vez não pelas boas razões. Qual é o principal impacto não só internacional, mas principalmente dentro do Brasil? Qual a primeira leitura que se pode fazer desse episódio inédito na história recente do Brasil?
Gaspard Estrada:Sem dúvida, há o ineditismo da situação. Eu acho que devemos enfatizar esse caráter inédito que, esperamos, seja a primeira e a última vez que aconteça. Desde a eleição do presidente Lula, há um sentimento de uma parte dessa militância bolsonarista mais radical de querer contestar o resultado das eleições. É por isso que eles estiveram acampados na frente dos quartéis. Houve, também, uma tentativa de atentado, no aeroporto de Brasília, antes da posse. Não podemos esquecer que isso foi evitado porque o motorista de um caminhão percebeu que tinha uma coisa estranha. Então, havia sinais de que poderíamos ter um desfecho violento. Agora, é claro que, num primeiro momento, a opção do presidente Lula foi de tentar esvaziar aos poucos esses movimentos golpistas. Havia uma espécie de debate no gabinete do presidente: de um lado, o ministro da Justiça, Flávio Dino, que foi muito claro e muito assertivo na tentativa de acabar de vez com esses acampamentos. E, por outro lado, oministro da Defesa, José Múcio, que ficava numa posição meio dúbia a respeito desses acampamentos. Eu acho que esta discussão acabou com o que aconteceu ontem. Hoje, é muito claro que os acampamentos não podem ficar. Eles têm que acabar nas próximas 24 horas. Foi a decisão da Justiça, do ministro Alexandre de Moraes. Então, eu acho que isso vai dar mais clareza ao governo. Agora, a resposta será a lei.
É possível imaginar que haja uma continuidade desses movimentos, desses radicais golpistas ou uma ação enérgica da Justiça rapidamente vai fazer com que isso se disperse? Qual você acha que vai ser o futuro desse movimento a partir dos episódios de ontem?
G.E:Eu acho que agora a Justiça vai agir. Houve uma nota muito relevante não só do STF, mas de todos os tribunais superiores, incluindo o Supremo Tribunal Militar, condenando a invasão. Então, eu acho que há uma resposta da Justiça que vai ser célere. Agora, o que nós temos que ver é qual será a reação do Exército, porque até hoje o Exército não queria deixar de apoiar as pessoas que estavam nos acampamentos. E só após essa decisão do STF, assinada por todas as cortes superiores, que o Exército está começando a desmontar esses acampamentos. Então, eu acho que é muito claro que a decisão tem que ser firme, no sentido que o Exército tem que cumprir as orientações do poder civil. Então, eu acho que é isso que vai ser o ponto central da questão.
Muito se questiona em relação às investigações que devem ser feitas para apontar as eventuais falhas que efetivamente houve em relaçãoa esses episódios. Já é possível identificar algum tipo de falha, algum tipo de responsabilidade de alguma autoridade, seja do governo, do Distrito Federal ou em nível federal?
G.E: Acho que tem dois pontos. O primeiro é que a Justiça já decidiu e o ministro Alexandre de Moraes afastou o governador do Distrito Federal durante 90 dias por causa de uma negligência. Isso já é um fato, enfim, consumado. Houve uma conivência da polícia do Distrito Federal. O próprio presidente Lula fez uma intervenção na Secretaria de Segurança Pública do DF. Então, isso é uma mostra, uma prova dessa conivência. Agora, outro ponto que para mim é mais preocupante a longo prazo, é como o governo federal vai rearticular os serviços de inteligência do governo? Porque claro que o governo federal pode até ter essa informação. Só que o governo acabou de tomar posse, há sete dias,estão começando a fazer as nomeações. Então, é claro que também na Abin, no GSI e no próprio Exército, precisará haver uma troca de lideranças para que o governo federal possa estar informado do que está acontecendo no país.
Você acredita que haveria cooperação do governo americano para a extradição de pessoas envolvidas nesses atos que estão nos Estados Unidos? Talvez Anderson Torres ou o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro?
G.E:Eu acho que tem dois pontos. O primeiro é que, se houver um caso juridicamente claro, sustentado para justificar uma extradição, eu não vejo nenhum impedimento político para o governo americano não extraditar o ex-presidente Bolsonaro e os seus familiares. Agora, tem outro ponto, que é a pressão política que está acontecendo dentro do próprio Partido Democrata para tomar uma providência já e expulsar o presidente Bolsonaro. Então, acho que tem essas duas vias, uma via jurídica e outra via política.
Destaque na imprensa francesa para o papel das forças de segurança durante a invasão da Praça dos Três Poderes, em Brasília, no último domingo.AP - Eraldo Peres
por Maria Paula Carvalho /RFI
O jornalLe Mondeque chega às bancas nesta quinta-feira (12) discute o papel das forças de segurança durante a invasão da Praça dos Três Poderes, em Brasília, no último domingo (8). Reportagem do correspondente Bruno Meyerfeld analisa porque a polícia militar é acusada de conivência com os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
"Passado o susto,agora é hora de encontrar e prender os culpados", diz o texto, relatando os últimos fatos da investigação aberta para apurar as condições que permitiram aos vândalos entrarem em prédios públicos e depredarem o patrimônio.
O jornal lembra que as forças de ordem do país são acostumadas a grandes multidões, devido ao carnaval e aos jogos de futebol. Porém, de acordo com a antropóloga Jaqueline Muniz, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em segurança pública, "tudo foi construído de forma premeditada, autorizada e incitada por muitos no topo da hierarquia da polícia".
A reportagem afirma que "horas antes do ataque, quando milhares de bolsonaristas se dirigiam para a capital, a agência brasileira de inteligência (ABIN), já transmitia às autoridades alertas preocupantes".
O texto aponta que o governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha, um aliado de Bolsonaro, se recusou a obedecer ordens do ministério da Justiça para bloquear a Praça dos Três Poderes, enviando poucos homens para o local e permitindo que a multidão se aproximasse.
Enquanto os vândalos corriam em direção à sede do poder, os policiais "tiravam selfies e conversavam com os invasores", relata o diário francês.
"Os policiais foram contaminados pelo vírus do bolsonarismo", constata Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum brasileiro de segurança pública (FBSP). De acordo com a ONG, que estuda essa questão há vários anos, em 2021, 51% dospoliciais militares se diziam próximos da extrema direita. "Uma radicalização e uma ideologização em forte alta nos últimos anos", afirma a organização, destacando que agentes de segurança "sempre foram a base eleitoral de Jair Bolsonaro".
Citando mais uma vez a antropóloga Jaqueline Muniz, a reportagem termina dizendo que "no Brasil a polícia se vê como uma corporação à parte ou um quarto poder", que no dia 8 de janeiro "deixou os outros três, Executivo, Legislativo e Judiciário serem arrasados".
Os atos antidemocráticos de domingo (8) evidenciaram o radicalismo da oposição bolsonarista ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tendem a marginalizar ainda mais a extrema direita, avalia o cientista político Anthony Pereira, diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho Kimberly Green, na Universidade Internacional da Flórida. Os ataques contra os Três Poderes poderão até "ajudar" no projeto de reconciliação nacional do novo governo, mas a pacificação provavelmente não virá no tempo de um mandato, avalia o estudioso.
O respeitado brasilianista anglo-americano acompanha a política brasileira desde a redemocratização e vê o movimento formado em frente aosquartéis brasileiros, para pedir uma intervenção militar mesmo após a posse de Lula, como integrado por pessoas com “uma perspectiva um tanto esquisita da história".
"Não é somente uma evocação do regime militar, mas uma afinidade com uma parcela desse regime, a mais linha dura, autoritária e intolerante, representada por pessoas como o general Sylvio Frota, que enfrentou Ernesto Geisel para manter um regime forte e repressivo, na fase da liberalização”, observa Pereira, em entrevista àRFI. “É também uma reflexão sobre o desespero com a democracia: a ideia de que ela é tão corrupta e disfuncional que seria necessário limpar o terreno para começar de novo. Mas acabar com democracia para salvá-la nunca funcionou”, salienta. "Você não vai melhorar a democracia acabando com as instituições democráticas, incluindo eleições legítimas.”
Risco político da antidemocracia
O cientista político nota que Jair Bolsonaro, ao se manter passivo diante das manifestações golpistas desde a eleição e dissuadir as Forças Armadas de dissipá-las em meio à ameaça crescente de atentados terroristas na posse de Lula, seguiu o exemplo “infeliz” de Donald Trump nos Estados Unidos. Bolsonaro e seus aliados, que também se recusaram a transmitir o cargo ao novo presidente e seu governo, "provavelmente receberam conselhos" de pessoas como o guru americano da extrema direita Steve Bannon.
"Talvez seja ingenuidade da minha parte, mas apesar dos danos e do choque das imagens, talvez isso vá ajudar no projeto de reconciliação. Muitas pessoas que apoiaram o Bolsonaro na eleição se juntaram àqueles que condenaram os atos de vandalismo e enfatizar que o Brasil terá eleições em 2024 e em 2026 – e esse é o canal legítimo para expressar as divergências políticas", afirma o pesquisador em Harvard. "O efeito de tudoserá, talvez, marginalizar ainda mais a ala radical do bolsonarismo, porque essas pessoas não tem lugar no espaçol público democrático.
Pereira ressalta que "havia outros exemplo melhores a seguir" no campo da direita latinoamericana, como José Antonio Kast, que ao perder para o Gabriel Boric no Chile, foi ao escritório do rival e o parabenizou. Rodolfo Hernández, embora seja apelidado de 'Trump colombiano’, também saudou o opositor nas urnas. Em ambos os países, a cultura democrática se mostrou forte apesar do avanço da extrema direita.
"Você não pode ser a favor da democracia em outros lugares e apoiar alguém que tentou derrubar a democracia no seu próprio país. Acho que Bolsonaro agora está entrando nesse terreno”, avalia o pesquisador, fundador do Instituto de Estudos Brasileiros no King’s College de Londres.
Pereira frisa ainda que, diferentemente do ex-colega americano, Bolsonaro nunca contou com uma máquina como a do Partido Republicano. Ele avalia que as omissões do ex-presidente deixam o caminho aberto para outras lideranças emergidas no bolsonarismo, como o ex-vice Hamilton Mourão ou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ocuparem o espaço na oposição nos próximos meses e anos.
Alianças para base aliada não significam reconciliação nacional
Enquanto isso, Lula se esforça em acomodar as forças políticas aliadas, mas também divergentes, como o União Brasil, em um novo governo com 37 ministérios. Pereira observa que, ao trazer Geraldo Alckmin e outras pessoas associadas a Fernando Henrique Cardoso, como Pedro Malan e Armínio Fraga, o petista "colapsou" o antigo eixo PSDB-PT e consolidou a frente anti-Bolsonaro.
"Essa coligação, me parece, não vai ser igual às maiorias que ele teve nos anos 2000, quando Lula chegou a ter 80% dos votos favoráveis no Congresso. Mas pelo menos ele vai conseguir chegar a uma maioria básica para passar projetos ordinários”, aposta Pereira.
“Apesar de as pesquisas mostrarem que Bolsonaro tem um índice maior de rejeição do que Lula, é por pouco. Vai ser difícil convencer a parte do eleitorado que associa Lula ao Petrolão e à corrupção sistemática”, sublinha. “Se você olha a questão das restrições de orçamento do novo governo,é pouco provável que todas as ansiedades da população brasileira, como a questão social, a inflação, o emprego, serão resolvidas. Duvido que o governo Lula vá solucionar todos esses problemas em quatro anos.”
Dados mostram aumento de 30% nos casos nas últimas duas semanas. Especialistas ouvidos pela RFI afirmam que são esperadas novas mutações do coronavírus diante da baixa vacinação em muitos países e orientam que cuidados como uso de máscara sejam mantidos. Eles destacam também que situação brasileira hoje, com cobertura vacinal de quase 80% da população, reduz muito o risco de novo pico de mortes.
Nas ruas do Brasil, a maioria da população já circula sem máscara e mesmo em locais fechados o acessório já cai em desuso. Nos últimos dias, entretanto, o setor farmacêutico alertou para o aumento da procura por exames e autotestes com resultados positivos.
ARFIouviu três especialistas na área para entender os riscos de uma nova onda de coronavírus no país. A avaliação deles é de que a pandemia não acabou: muitos países têm uma taxa baixa de vacinação, criando um terreno propício para o aparecimento de uma nova variante global, como aconteceu com a ômicron.
A situação atual, dizem, ainda exige um esquema vacinal com doses de reforço e cuidados, como o uso da máscara em locais fechados. Nenhum deles, porém, acredita que haverá ondas graves de casos no país a curto prazo.
“Eu não acredito em uma nova onda importante de óbitos num espaço breve, embora possa haver aumento de casos.O Brasil tem uma cobertura vacinal satisfatória, apesar de deixar um pouco a desejar na aplicação da dose de reforço. Além disso, como grande parte da população foi exposta ao vírus durante a onda da ômicron, a gente ainda passa por um momento onde o grau de imunidade na população permite que os indicadores continuem num patamar confortável”, disse àRFIMauro Sanchez, epidemiologista do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília.
“Essa flexibilização das regras que a gente tem visto é compreensível, mas é preciso ter consciência de que a situação pode mudar no curto ou médio prazo porque já há consenso na literatura científica de que novas variantes vão parecer. O que a gente não sabe é quão transmissíveis e virulentas elas serão”, alerta Sanchez. A média móvel de novos casos subiu 29% em duas semanas. Já a variação média de mortes por Covid é estável: foram registrados cem óbitos diários nos últimos sete dias.
Remédio contra Covid
Para o médico André Bon, infectologista do Hospital Universitário de Brasília, o mundo ainda terá de conviver com a realidade do coronavírus por um bom tempo, diante da possibilidade de novas mutações do vírus, mas ele lembra que o Brasil hoje pode encarar o problema de forma muito mais favorável do que em ondas anteriores.
“Nesse momento, além da vacina, a gente tem cada vez mais medicamentos disponíveis para o tratamento da Covid, algumas inclusive com previsão de uso no SUS. O cenário epidemiológico é bem diferente do que o que a gente tinha no começo da pandemia”.
Segundo o infectologista, é preciso trabalhar no sequenciamento genético dos casos e monitorar o aumento do contágio e as ocupações de leito. O objetivo é poder reagir rapidamente no caso de uma nova onda.
“As pessoas estão deixando de fazer os testes, como o PCR, como acontecia antes e têm procurado o autoteste ou exames de farmácia. Isso pode dificultar um pouco o monitoramento e a notificação. A gente precisa manter os registros porque ainda terá de lidar com essa situação por um tempo, já que vivemos num mundo globalizado e pode haver novas versões do vírus”.
Manifestante exibe cartaz durante protesto contra a gestão da crise sanitária pelo governo de Jair Bolsonaro. Brasília, 18 de outubro de 2021.AP - Eraldo Peres
Mãos limpas e uso de máscaras
No Brasil, 77% da população tem um esquema de vacinação completo, com a segunda dose, e 41% receberam uma dose extra de reforço. Estados e municípios retiraram exigências sanitárias como uso obrigatório de máscaras diante da redução de casos e mortes este ano.
“Não dá para falar nada ainda sobre fim da pandemia. Todos que fizeram previsões muito assertivas sobre a situação envolvendo o coronavírus erraram. Uma das características dessas doenças emergentes é a imprevisibilidade e a capacidade de evolução desses organismos, com surgimento de variantes”, explicou Eliseu Waldman, do departamento de epidemiologia da USP. “ É possível que ocorram novos surtos, novos picos. Porém o mais provável é que esses eventos passem a ser menos frequentes e menos intensos.”
Waldman, no entanto, ressalta que apesar da situação mais controlada no Brasil por conta da vacinação, continua havendo mortes diárias em número considerável e por isso é preciso manter os cuidados pessoais e coletivos.
“É bom lembrar que os óbitos continuam porque a doença atinge de forma mais grave aqueles com maior vulnerabilidade. Então o recado é que as pessoas tomem a vacina, não fiquem apenas no esquema básico de imunização, tomem também as doses de reforço. Devemos continuar com o uso de máscara, evitar aglomeração, especialmente em locais fechados, e manter a higienização das mãos.”