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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

10
Dez20

Segurança pública e os números do perigo

Talis Andrade

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Por Eric Nepomuceno /Brasil-247

 
A verdade é que eu tinha visto, aqui e ali, dados sobre o número exorbitante de vigilantes que trabalham para empresas privadas de segurança. Mas o que o jornal Folha de S. Paulo trouxe em sua edição de domingo, 6 de dezembro, em texto assinado por Thaiza Pauluze é, em primeiro lugar e acima de tudo, aterrador. Mostra a que ponto o armamentismo desenfreado se espalhou país afora.

O Brasil tem hoje mais de um milhão de vigilantes. O total de integrantes das três polícias – a Militar, a Civil e a Federal – é de 531 mil. Os do Exército, Marinha e Aeronáutica em regime ativo é ainda menor: 380 mil. A soma das forças formais de segurança pública e das forças armadas não alcança a de vigilantes de empresas particulares. 
 
A metade desses funcionários não conta com registro de trabalho, e escapam das regras e normas estabelecidas para o setor. Teoricamente deveriam ser obrigados a cursos de preparação e atualização periódica. Alguém controla essa exigência tão óbvia como inexistente?

Mais números preocupantes: no começo de 2019, quando Jair Messias chegou à presidência, havia pouco menos de 200 mil armas de fogo devidamente registradas no país. No fim de ano, foram contabilizados novos 8.850 registros. E entre janeiro e junho deste malfadado 2020, mais 8.844. Em um ano e meio, um aumento de quase 10%. 

E, atenção: esses números se referem apenas às armas que estão em mãos de vigilantes e empresas de escolta. 

O quadro não é propriamente novo, a não ser por um detalhe grave: se desde décadas existem empresas irregulares prestando serviços de segurança particular, quase todas controladas diretamente por militares ou policiais, agora se constata que o volume de armas em mãos despreparadas cresceu assustadoramente. Essa falta de preparo e de controle é ingrediente fundamental para o tremendo aumento de casos de violência, como o que terminou com o assassinato, em Porto Alegre, do soldador João Alberto Silveira Freitas. 

Um de seus assassinos, aliás, foi um policial militar que não poderia estar cumprindo a função que cumpria, e mais: numa empresa controlada de maneira ilegal por policiais. 

Essa máquina geradora de renda surgiu nos tempos da ditadura, quando os bancos passaram a contratar serviços de vigilância. Teoricamente, tais empresas deveriam ser submetidas ao controle da Polícia Federal.

Ora, esse controle não existe. E, se existe, é totalmente falho. Vale repetir: se as empresas contam com o dobro de efetivos das forças de segurança pública, não tem como serem controladas. Simples assim. 

Voltando ao caso do assassinato de um trabalhador negro num supermercado da cadeia global Carrefour em Porto Alegre: os dois assassinos foram presos. Mas nem o contratante – o Carrefour, que tem vários antecedentes de violência registrados em suas instalações Brasil afora – nem a empresa contratada sofreram qualquer tipo de punição. 

Não há, no horizonte, nenhuma perspectiva de mudança nesse quadro, a não ser para pior. A liberdade que as empresas contam para contratar, se armar e atuar em tempos de um regime que espalha militares pelos quatro cantos do governo, enquanto incentiva a compra desenfreada de armas, irá prevalecer. Da mesma forma que continuará em plena ação o trânsito de policiais civis e militares entre as forças públicas de segurança e as forças absurdamente armadas de segurança privada.

Aqui está, pois, outro ponto do nosso dia a dia que exige atenção e deve ser denunciado. 

Aqui está, pois, outro ponto do desmantelamento cotidiano deste país despedaçado: há mais armas em mãos repressoras que atuam sem controle e sem critério que nas mãos das forças públicas de segurança.

Que, aliás, também atuam sem controle e sem critério.

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Qual a saída, além do aeroporto internacional?
 
24
Nov20

O racismo nosso de cada dia

Talis Andrade

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por Cristina Serra

- - -

Mal celebramos o avanço da diversidade (ainda que insuficiente) nas eleições de 2020, vem o cotidiano violento do Brasil e nos dá um soco no estômago com o assassinato de João Alberto Freitas por dois seguranças brancos a serviço do Carrefour, em Porto Alegre. O sangue no chão, os gritos da vítima e a sequência de agressões nos lembram que ter a pele negra, no Brasil, é uma sentença de morte. 

Todos os componentes da cena mostram o quanto o racismo está entranhado na medula da nossa sociedade. Uma funcionária filma o assassinato com naturalidade e tenta impedir que outra pessoa continue gravando. Em off, dá para ouvir vozes justificando o espancamento. Nada justifica o assassinato de João a sangue frio no supermercado. Aceitar a lei da selva nos dilacera como sociedade e é um atestado do nosso fracasso civilizatório.

O assassinato de João está permeado de ironias amargas. Foi na capital gaúcha que, nos anos 1970, o movimento negro se articulou para instituir o Dia da Consciência Negra em 20 de novembro, data da morte de Zumbi, em 1695, líder da resistência no quilombo de Palmares. 

O crime ocorreu na loja de uma corporação global que, no Brasil, é reincidente em casos semelhantes de violência contra negros. Mais uma ironia é que a rede tenha planejado lançar uma campanha manifestando o “orgulho” de ter clientes “de todas as raças e etnias”. Será que a matriz, na França, tem algo a dizer sobre o tratamento aos clientes no Brasil? Em episódios anteriores, a rede rompeu o contrato com a empresa de segurança em questão e/ou demitiu funcionários e ficou por isso mesmo. Não basta. A rede e as empresas de segurança são co-responsáveis por esses crimes. É a impunidade que reproduz o ciclo de violência. 

Nesta eleição, a primeira vereadora negra eleita em Joinville (SC), Ana Lúcia Martins, recebeu ameaças de morte. Ela respondeu com a determinação que deve nos guiar no combate ao racismo: “Nós iremos até o fim. Ninguém vai nos impedir de ocupar esse lugar”. 

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23
Nov20

Beto estava ‘marcado’ e morte não foi ‘casual’

Talis Andrade

PM de São Paulo imobiliza homem negro que participava de manifestação contra a morte de um jovem da comunidade do Moinho.

PM de São Paulo imobiliza homem negro que participava de manifestação contra a morte de um jovem da comunidade do Moinho.ROVENA ROSA / AGÊNCIA BRASIL

por Fernando Brito

- - -

O novo vídeo obtido pela Gaúcha ZH, divulgado na noite de ontem, mostra que o assassinato de João Alberto Freitas Silveira não foi provocado por uma confusão fortuita. Sem cena, tá? A gente te avisou da outra vez“, diz um outro segurança, de um total de pelo menos cinco funcionários do Carrefour presentes na cena do crime, três dos quais participaram da imobilização fatal da vítima.

Isto induz a uma grande possibilidade de que a primeira agressão física, a de João aos seguranças do supermercado ter sido uma reação ao popular “esculacho”, prática de humilhação nada rara entre policiais e assemelhados diante de alguém sobre quem percebem ter superioridade na situação.

O uso de técnicas perigosas de imobilização – joelho no pescoço do suposto oponente – também deixa claro que os seguranças tinham preparo para essa prática, usada por diversas organizações policiais, como você pode ver na foto de uma ação da PM de São Paulo publicada pelo El País. Também está na página 80 do manual oficial da polícia de Minas Gerais, sem nenhum comentário sobre seu risco fatal.

O famoso “eu não consigo respirar” é, assim, uma ação que faz parte dos treinamentos de agentes de segurança.

Há, portanto, muito mais gente envolvida no caso do que os dois seguranças autuados pelo crime: os que os treinaram para este tipo de comportamento, abordagem e ação e os que, com visível posição de chefia nas cenas que assistimos permitiram que um homem já nitidamente dominado continuasse a ser brutalizado sem defesa possível.

Que, ao menos, a morte daquele homem desencadeie uma rejeição social àquilo que, durante anos, foi aceito e estimulado por mídia e governantes: as ações desnecessariamente violentas de agentes de segurança, que, agora, pela profusão de câmeras e de vídeos, aparecem diante dos olhos de todos, enquanto ficava antes apenas flagrante quendo se vivia nas periferias e comunidades pobres.

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22
Nov20

Agressões e abusos: rotina no Carrefour, onde negros merecem o pior

Talis Andrade

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por Fernando Brito

- - -

O slogan comercial do Carrefour – “Todos Merecem o Melhor” – ganhou um tom de macabra ironia com o que parece ser uma prática recorrente da empresa (e de inúmeras outras) como a barbárie de Porto Alegre chamando a atenção para o histórico de abusos de seus seguranças.

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Folha relembra o caso de um “homem negro e deficiente agredido em 2018” por ter aberto uma lata de cerveja e há outros casos piores, como o relatado no Twitter  pela juíza Cristiana de Faria Cordeiro, hoje na Vara Criminal de Mesquita, na Baixada Fluminense, que relata ter acompanhado a audiência de custódia de uma mulher, dependente química, que além de espancada foi estuprada por segurança da rede de supermercados.

Uma mulher, negra, lésbica, pobre, dependente química, foi presa por supostamente furtar comida numa filial do Carrefour, no Rio.(…) Ela foi levada para uma salinha onde foi brutalmente espancada com um pedaço de madeira, inclusive. Não teve coragem de nos contar o mais cruel, e só falou para a psicóloga que a atendeu antes de ser liberada: foi sodomizada, estuprada, como 'lição e castigo”.

Uma rede que faturou no Brasil, ano passado, R$ 62 bilhões, não pode se sentir surpresa e chocada depois de dezenas de casos bárbaros como esse. Há na Wikipédia uma longa coleção de links para os seus abusos.

Porque ela sabe que é uma das que alimenta o mercado parapolicial das empresas de segurança, em geral controladas por oficiais da polícia e do Exército, mas também por pessoas de menor patente, como é o caso da que contratou em Porto Alegre, que tem ao menos três policiais entre seus sócios.

Uma promiscuidade que vêm de berço: foi em 1969 que o governo militar permitiu a abertura de guardas bancárias privadas e tente você adivinhar quem pegou a “boquinha”…

Claro que, a grande maioria dos 550 mil seguranças privados do país (com emprego formal, pois há um número muito maior trabalhando em “bicos”), a grande maioria é de trabalhadores, que ganham mal e trabalham sem apoio treinamento e supervisão, geralmente exclusivo para os que lidam com transporte de valores.

Mas, todos sabem, empresas de segurança se tornaram biombos para negócios escusos e para o encobrimento de arsenais milicianos, porque e a fiscalização da Polícia Federal, quando não lhes é cúmplice, é incapaz de zelar por sua qualidade, que dirá por sua moderação e urbanidade.

Mas esta capacidade o Carrefour tinha e, infelizmente, só concorrerá à culpa do assassinato de João Alberto Freitas no aspecto civil, nada que alguns poucos milhares de reais não resolvam.

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Não é crível que uma empresa deste porte não possa ter pessoal treinado para agir com educação, dissuasão e limites ou que seus empregados (ainda que terceirizados) não sejam duramente advertidos contra excessos.

Se todos merecem o melhor, algo diz, pelos casos repetidos, que no Carrefour os negros “merecem o pior”.

 

28
Jul20

"Um agente do Estado que transgride as normas para violentar os direitos de um cidadão tem que responder por crime hediondo, inafiançável e imprescritível"

Talis Andrade

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II -'Atuação policial contra negros chegou ao limite da irracionalidade', diz reitor da faculdade Zumbi dos Palmares

Leandro Machado entrevista José Vicente

 

BBC News Brasil - Um comandante da Rota (pelotão de elite da PM paulista) disse em entrevista que a polícia não pode agir em bairros de periferia da mesma forma que atua em bairros nobres…

Vicente - Agora, a polícia chegou ao absurdo de agredir as pessoas à luz do dia e na frente das câmeras. Um policial pisou no pescoço de uma mulher de 52 anos na frente dos netos, e com todo mundo filmando.

O código é o seguinte: 'não adianta vocês filmarem ou se rebelarem, porque a lei quem determina sou eu', a despeito de existir o Estado.

Imagina se essa polícia pega alguém do Morumbi (bairro rico de São Paulo)…

 

BBC News Brasil - Quais ações o sr. acha que deveriam ser tomadas para que esse tipo de cena não se repita no Brasil?

Vicente - Precisamos criminalizar de forma rigorosa esse tipo de conduta. Não basta afastar o policial ou transferi-lo para o serviço administrativo, ou instaurar inquérito na Corregedoria, pois a gente não sabe o que acontece lá dentro. Os casos se diluem dentro das instituições.

Um agente do Estado que transgride as normas para violentar os direitos de um cidadão tem que responder por crime hediondo, inafiançável e imprescritível.

O pano de fundo é que nossas forças de segurança são tomadas pelo espírito e pela crença da contenção social. O inimigo da polícia é o povo pobre que coloca em risco a tranquilidade da classe média e da elite brasileira.

Precisamos transformar a polícia em uma polícia cidadã, desmilitarizando-a. Precisamos desconstruir essa crença de que a corporação existe para combater ao invés de proteger.

Também precisamos ter um controle mais efetivo das instâncias da sociedade, sem corporativismo. O Ministério Público, que faz esse controle externo da atuação policial, não cumpre seu papel. As Assembleias Legislativas têm instâncias de monitoramento, mas também não atuam nesse sentido. O mesmo ocorre no Tribunal de Contas, no Judiciário, na Defensoria...

Por causa disso, a atuação policial não tem controle, transparência e participação da sociedade. Quem constrói a política de segurança pública no Brasil é a polícia, e não pode ser ela. Tem que ser a sociedade.

 

BBC News Brasil - No manifesto que o sr. escreveu é citada a violência inclusive de empresas privadas, como bancos e supermercados. Como essas instituições também propagam violência contra negros?

Vicente - Com silêncio e omissão. Quando há um comportamento violento, a responsabilidade nunca é do ambiente empresarial, e sim sempre do outro.

Essas empresas usam segurança privada, que cumpre dois papéis. Um deles, em tese, é fazer guarda patrimonial.

O outro serve para criar um muro de proteção. Quando chega alguém desavisado, mal ajambrado e com aparência que não condiz com a estética padronizada, a segurança sai do seu papel patrimonial para o de contenção social.

Na maioria das vezes, há uma seletividade de quem é o 'marginal', aquele que vai poluir a padronização. Quando entra um negro no shopping, o guarda se coloca a acompanhá-lo. As próprias lojas também recebem esse público com estranhamento, com diferenciação.

Quando há uma situação limite, a vítima preferencial é sempre o negro.

Houve aquele episódio (em 2019), no supermercado Extra da Tijuca, no Rio de Janeiro, em que um garoto foi morto por um segurança. Como se mata alguém na frente de todo mundo, sem que o gerente do estabelecimento sequer saia da sua cadeira para impedir? Depois, a empresa afirma que não 'coaduna' com essas ações e que o problema é da terceirizada de segurança.

O problema é que a segurança que a empresa contrata é estruturada de maneira racista e discriminatória.

Por outro lado, a maioria das empresas de segurança são comandadas por militares ou ex-policiais. Ou seja, esse sistema violento sai das polícias para entrar nas empresas privadas.

Quando algo acontece, o ambiente empresarial sequer é chamado à responsabilidade, a reparar o erro e o crime. O conselho de administração não responde, não acontece nada com o presidente, o compliance não está nem aí… A loja abre no dia seguinte como se estivesse 'tudo bem'.

 

BBC News Brasil - Quais a dificuldades que um jovem negro recém-formado na universidade enfrenta para entrar no mercado de trabalho?

Vicente - Primeiramente a cor da sua pele. Não existem mais placas dizendo 'não aceito negros', mas há restrições pedindo 'boa aparência'. E a gente sabe o que isso quer dizer.

Nós somos uma sociedade patrimonialista, de grupo sociais. A estrutura de manutenção desses grupos se dá em cima de uma rede que se comunica entre si. Mesmo uma vaga de trabalho é resolvida dentro desses grupos, nos quais o negro não tem acesso.

Às vezes, quando surge a oportunidade, o jovem negro nem tem a informação sobre essas vagas de emprego, simplesmente ela porque não chega até ele. Quando a vaga é minimamente publicizada, às vezes para cumprir algum procedimento obrigatório, o candidato que vai passar já foi escolhido antes.

Isso não quer dizer que um ou outro não consiga furar esse cerco. Isso acontece, mas não é uma regra, é exceção.

Atualmente, com as proliferação das cotas, milhares de estudantes negros vão se formar em breve. Nós precisamos criar condições para furar esse muro.

 

BBC News Brasil - Pessoas negras costumam ganhar bem menos do que os brancos. Na sua avaliação, quais seriam medidas efetivas que empresas poderiam tomar para melhorar esse cenário?

Vicente - Cumprir a lei.

Neste mês o Estatuto da Igualdade Racial completa 10 anos. Ele é a constituição de políticas públicas para combater o racismo, a discriminação e elevar o negro ao patamar de igualdade. Está tudo previsto ali: cotas, financiamento, escolas… Mas 10 anos depois, o que aconteceu? Nada.

O que se sabe é que o negro abandona a escola porque precisa trabalhar — ou trabalha ou vai para escola e morre de fome. O estatuto fala em construir condições para que os negros não abandonem a escola.

Mas a escola, por natureza, já exclui o negro. Ela é europeizada: trata o negro de forma discriminatória de modo que ele não se veja em lugar nenhum, nem nos livros didáticos nem nos currículos.

Proporcionalmente não existe professor negro. Não existe história do negro nas aulas. Não existe o negro realizador, grandioso, fantástico. Existe o negro escravo, o negro que apanha da polícia, o negro bandido.

Mesmo quem se mantém na escola não encontra estágio. Quase não há negros na massa de estagiários no Brasil, proporcionalmente. Jovens negros não são escolhidos.

Depois, se o jovem quiser entrar em uma faculdade, vai precisar pagar um preço bastante salgado, porque na universidade pública ele vai enfrentar um limite intransponível, mesmo que hoje existam cotas.

Se ele continuar, as empresas impõem um Muro de Berlim difícil de atravessar. Mas, mesmo aqueles que entram, encontram outra barreira: ele entra assistente e continua assistente para sempre, não desenvolve a carreira. Além disso, o salário é menor em comparação com os brancos.

Imagina que coisa absurda e surreal um país onde as 5 mil maiores empresas não têm negros em seus quadros diretivos. E isso ocorre em um país que tem 54% da sua população formada por negros. (Continua)

 

26
Jul20

'Atuação policial contra negros chegou ao limite da irracionalidade', diz reitor da faculdade Zumbi dos Palmares

Talis Andrade

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por Leandro Machado/ BBC

Para José Vicente, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, a sociedade precisa criar uma "barricada" para "dizer um basta" à violência policial sofrida por jovens negros e periféricos no Brasil.

"Como indivíduos e sociedade, não tem outra ação ou postura que não seja a de dizer um basta. É indispensável que nos juntemos para dar um salto civilizatório contra esse tipo de prática que remonta a tempos do primitivismo", afirmou em entrevista à BBC News Brasil.

Desde junho, Vicente tem liderando o "Movimento AR", uma mobilização voluntária que visa "realizar mudanças e transformações sociais por meio de ações efetivas de combate ao racismo, preconceito e discriminação racial contra negros."

Entre o membros do grupo, há intelectuais e formadores de opinião, como a especialista em educação Claudia Costin, o economista Luiz Carlos Bresser Pereira e a empresária Luiza Helena Trajano.

Além disso, Vicente escreveu um manifesto com críticas à atuação policial e de empresas privadas de segurança contra jovens negros e moradores da periferia. "Chegamos ao limite do que nos separa da irracionalidade", afirmou ele, sobre operações em que policiais foram flagrados agredindo pessoas negras já sob custódia.

Vicente, de 60 anos, nasceu em Marília, interior de São Paulo, e chegou a trabalhar como boia-fria antes de se formar em Direito — ele também é doutor em Educação.

Vicente é um dos fundadores da Zumbi dos Palmares, instituição criada em 2004 como a primeira (e até agora única) faculdade negra do Brasil. Com sede em São Paulo e 1.500 estudantes — 80% deles negros —, a faculdade tem cursos de Direito, Comunicação e Administração.

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BBC News Brasil - O sr. tem participado de encontros com autoridades e formadores de opinião para discutir violência policial, principalmente contra a população negra. O que o sr. tem dito nessas reuniões?
José Vicente - Digo que chegamos ao nosso limite civilizatório. Ou temos a capacidade de nos rebelar contra esse destino manifesto ou não teremos um legado para os que virão: não vamos olhar para as futuras gerações sem nos sentirmos como um bando de incompetentes e covardes.
Como indivíduos e sociedade, não tem outra ação ou postura que não seja a de dizer um basta. É indispensável que nos juntemos para dar um salto civilizatório contra esse tipo de prática que remonta a tempos do primitivismo social e político.
A polícia está pisando no pescoço de uma mulher, mãe e avó, na frente dos seus filhos e netos, de uma maneira injustificada, desnecessária, opressiva e criminosa. E ninguém está levantando contra isso: nem a corporação, nem o Estado nem as pessoas que são mais aguerridas na defesa de dignidade humana. Ninguém está se rebelando contra esse tipo de coisa.
Por isso que digo que chegamos ao limite do que nos separa da irracionalidade.

BBC News Brasil - Como as pessoas que o sr. conversa têm reagido?
Vicente - De uma maneira bastante responsável e coerente. Querem juntar forças para fazer os encaminhamentos que a situação exige.
Bandeira do Brasil com buracos para representar tiros de 111 balas disparadas contra 5 jovens no Rio, em 2015. Os grupos que se formaram no entorno desse 'Movimento AR' são pessoas da sociedade que tradicionalmente não estavam agrupados dentro dessa agenda. Mas agora elas entenderam que precisavam dar um passo adiante, que era criar um grande grupo de formadores de opinião em uma barricada contra esse estado de coisas.
Nas conversas, existe pelo menos uma convergência de que chegamos ao fundo do poço e de que precisamos dar um salto em todas as direções. Mas principalmente no que diz respeito às ações das forças de segurança em relação ao jovem negro.


BBC News Brasil - 'Não consigo respirar' é uma frase que tem dita por pessoas que sofrem esse tipo de violência. O sr. acha que essa frase (dita por George Floyd, americano negro morto por um policial branco) também tem um sentido simbólico para o negro no Brasil?
Vicente - O nome movimento capta justamente esse fio condutor do racismo e da discriminação sinuosa em nosso país. Ao final, o joelho, os braços ou coturnos visíveis, mas também os invisíveis, produzem o mesmo resultado.
Ou seja, eles asfixiam, sufocam e trucidam. Eles impedem que nós, negros, possamos respirar livremente e ter uma vida regular e normal, usufruindo do Estado democrático de direito como qualquer cidadão.
Essa asfixia se manifesta nos indicadores sociais e econômicos. No Brasil, as comunidades e periferias viraram bantustões (território separado para negros da África do Sul durante o apartheid). Sair de lá e atravessar a linha demarcatória pode significar o risco de você ter sua vida eliminada pela força policial.
Ou, dentro dessas comunidades, você pode ter sua vida eliminada por não ter nenhuma instituição do Estado do seu lado: você não tem a escola de qualidade, não tem posto de saúde, cultura, a segurança... De um lado você está entregue às milícias e aos Comandos Vermelhos; do outro, quando você passa do limite demarcatório, encontra uma polícia que te agride, vilipendia e desumaniza gratuitamente, só porque você é negro.(Continua )

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