247 -O ex-procurador Deltan Dallagnol qualificou como “bando de imbecis” os críticos da espetaculosa operação da Polícia Federal, comandada pela delegada Erika Marena, responsável pela operação que perseguiu reitores em Santa Catarina, prendendo ilegalmente Luiz Carlos Cancellier, então reitor da UFSC e que se suicidou em 2017, depois de uma humilhação pública com acusações de corrupção na universidade. Até hoje, nunca foram apresentadas provas do envolvimento de Cancellier no esquema. O diálogo faz parte do arquivo da Vaza Jato e foi divulgado nesta terça-feira (18) pelo siteThe Intercept Brasil.
De acordo com a reportagem, no diálogo travado via Telegram em 2017, o então procurador-chefe da Lava Jato conversava sobre o suícidio de Cancellier com a delegada Erika Marena. “Erika, vi a questão do suicídio do reitor da UFSC. Não sei o que passa pela sua cabeça, mas pelo amor de Deus não se sinta culpada. As decisões foram todas dele. Não sei se publicamente houve algum ataque, mas se Vc quiser qq expressão pública de solidariedade, conte comigo”, escreveu Dallagnol quatro dias após a morte do reitor.
“Erika, eles não prevalecerão. É um absurdo essas críticas. Um bando de – perdoe-me – imbecis. Nessas horas, quando há maior pressão, o importante é focarmos na realidade crua: Vc respeita todas as regras, atuou 100% corretamente e como fazemos em TODOS os outros casos. Não fique chateada, amiga, que eles não merecem. Vc sabe que no processo de luto uma das fases é RAIVA, e faz parte que pessoas que se sensibilizem procurem atribuir culpa, mas isso é absolutamente injusto. Conte com meu apoio e minha prece”, escreveu Deltan em um outro trecho da conversa. “E se quiser conversar saiba que sempre tera (sic) aqui um ouvido amigo”, completou.
Questionado pela reportagem sobre o assunto, Dallagnol [o cruel e verdadeiro imbecil] respondeu por meio de sua assessoria que “nas investigações em que trabalhou com a delegada Marena, ela sempre demonstrou correção, competência, dedicação e qualidade técnica, assim como respeito aos direitos fundamentais dos investigados e réus”. [Competência máxima para prender tem qualquer polícia fascista, nazista. Prender inocentes é pra lá de fácil. Prender milicianos outra história. Bem diferente. Idem prender traficantes de drogas, de moedas. É difícil. Dou o exemplo do doleiro Alberto Youssef, para quem o procurador Deltan Dallagnol pediu o perdão do juiz Sergio Moro. Idem o intocável bandido Dario Messer. Prender um reitor é descomplicado. Prender um professor é acessível. Prender um estudante é compreensível. Todas as vezes que a dupla Moro-Dallagnol prenderam Youssef negociaram com ele a liberdade via a prostituta complacente da delação premiada]
Como sempre aconteceu e acontecerá, Dallagnol não reconhece os trechos dos diálogos divulgados pelo Intercept, e que “um suicídio é sempre uma tragédia humana a ser lamentada, independentemente das circunstâncias”. [Idem os responsáveis por um suicídio são assassinos] A delegada Erika Marena, que atualmente trabalha na Polícia Federal do Paraná, não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem.
Uma reportagem minuciosa e consistente sobre as circunstâncias da trágica morte de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, arrolado por uma operação da Polícia Federal como integrante de um suposto fantasioso esquema de desvios de verbas
No início da manhã do dia 2 de outubro de 2017, o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina subiu ao sétimo andar do Shopping Beiramar, em Florianópolis, e saltou no vão livre. Luiz Carlos Cancellier de Olivo – o Cau – havia assumido o posto de reitor pouco mais de um ano antes e foi um dos investigados na Operação Ouvidos Moucos, da Polícia Federal, num suposto desvio de verbas universitárias focado no sistema de ensino à distância. Envolvido em acusações anteriores ao seu mandato, humilhado publicamente com uma prisão espetaculosa e afastado da universidade por decisão judicial, Cau não resistiu.
Para entender os meandros dessa operação, o jornalista Paulo Markun mergulhou em mais de vinte mil páginas de documentos oficiais, além do vasto noticiário sobre o episódio, e entrevistou parentes, amigos, autoridades, professores, servidores e estudantes da UFSC. Em mente, sempre a pergunta: afinal, a lei é para todos?
“Recurso Final é uma reconstituição primorosa do contexto que culminou no suicídio de reitor”
por Tito Guarniere
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O livro “Recurso Final”, do jornalista Paulo Markun – ex-Globo, Bandeirantes, TV Cultura – é uma reconstituição primorosa em linguagem jornalística, do contexto e dos incidentes dramáticos que precederam a prisão do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, da sucessão de eventos devastadores que culminaram com o suicídio 18 dias depois, dos desdobramentos do episódio infausto, que abalou a Universidade Federal de Santa Catarina, a cidade, o país.
Uma única autoridade envolvida, com um pouco de humanidade e senso do Direito, teria evitado a tragédia – uma conjunção de erros, um conluio de vontades neuróticas, de juízos mal concebidos de fatos mal avaliados.
O que estava em causa era quase banal – irregularidades formais, possíveis ilegalidades, no programa de ensino à distância da Universidade. De pouca monta, já sob o escrutínio dos órgãos de controle, inflados de uma manipulação cavilosa dos fatos, se transformou numa ação de quadrilha, num caso de grossa corrupção.
Quem pôs em movimento a máquina sinistra foi o então corregedor Rodolfo Hickel do Prado, um servidor buliçoso, com mania de grandeza – achava que a UFSC era “uma grande zona”, e só ele poderia enfrentar a “turma que está no poder há 30 anos”.
O corregedor passou o resultado de suas investigações, com todas as ilações fantasiosas e exageros, à Polícia Federal. A delegada Érika Marena, titular do caso, com o habitual excesso de zelo da turma da Lava Jato, de onde ela tinha vindo, agregou novos expedientes à narrativa, e encaminhou o procedimento ao procurador André Bertuol, do MPF.
O procurador, ligado no piloto automático da função acusadora, concordou com os pedidos da delegada Marena. A juíza Janaína Cassol, depois de alguns dias, atendeu às solicitações da delegada e do MPF, e expediu mandados de busca e apreensão e prisão para 7 servidores da UFSC, incluindo o reitor.
Não ocorreu a nenhuma dessas autoridades perguntar se a origem das denúncias era confiável. Teriam descoberto facilmente que o corregedor era um homem irascível, encrenqueiro, cheio de rolos na Justiça. Nada no seu currículo, ou na sua vida pregressa o recomendava para a função de corregedor.
Nenhuma dessas autoridades levou em conta que os casos do Ensino à Distância eram anteriores à gestão de Cancellier, nem que os sete presos, o reitor inclusive, tinham a ficha limpa, emprego estável, endereço certo.
Nenhum refletiu por breves momentos na proporção que deve existir entre a decisão que tomam e o bem que se pretende preservar. Não passou pela cabeça que o aparato espetacular de sempre (mais de 100 agentes, uma parte deles vindos de outros estados) no caso, além da truculência manifesta, poderia custar mais caro do que o prejuízo que se queria apurar.
O livro de Paulo Markun é obrigatório para entender o suicídio do ex-reitor Cancellier, e as consequências sinistras que podem resultar da sanha punitivista, da ação insensata, desmedida de autoridades que, a título de passar o Brasil à limpo, acabam jogando o bebê fora junto com a água do banho.
De Manaus, Ennio Candotti, presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, denuncia o descaso e a tragédia que tem nomes e sobrenomes
“A situação é trágica. É uma oportunidade para pensar se hoje somos o Brasil de amanhã. As origens dessa tragédia têm nomes e sobrenomes. Têm culpados, têm responsabilidades: Pazzuello, o presidente Bolsonaro e seus quatro valetes. A batalha de Manaus é provavelmente uma das decisivas. Dependerá da nossa capacidade de mobilização para dizer: O Brasil é Manaus! Vamos defender oxigênio para todos. E, com isso, chegar às últimas consequências, no Congresso Nacional, no STF, nas instituições que possam nos ajudar a evitar o colapso mais amplo. Enquanto esse grupo não for retirado das posições de poder vai continuar e vai se espalhar. Isso é o que deve ficar claro com o exemplo de Manaus. Não imaginem que Manaus ficará em Manaus”.
Para o cientista, deve haver uma ruptura: “Deve haver um júri popular que condene o ministro Pazzuello e sua equipe pelos desastres que cometeu. Que condene o presidente da República pelos desastres que incentivou. Da mesma maneira com que incentivou as queimadas na Amazônia. Faz parte do mesmo pacote. [Para eles] não interessa a biodiversidade, o papel floresta no estudo da evolução humana e da natureza. O interessa é produzir soja e quatro cabeças de gado. Não há meio termo. Os militares argentinos se retiraram apenas quando perderam a Guerra das Malvinas. E a Malvinas brasileira é a batalha de Manaus”.
Físico e diretor do Museu da Amazônia, ele ressalta que a mortandade em Manaus, acentuada pela carência de oxigênio dos hospitais, reflete a política que está sendo implementada no país e contém um aspecto militar:
“Essa é a batalha da cloroquina. E, nessa batalha, o primeiro general foi derrotado. Claramente, do ponto de vista militar, o quadro é de uma derrota militar do sr. Pazzuello. É indiscutível. Entregaram o Ministério da Saúde a um grupo de militares, bem ou mal intencionados, deu no que deu. É como a derrota do exército argentino nas Malvinas. São as Malvinas do nosso exército. Importantes figuras do exército estão tentando se desvencilhar dessa cilada, para evitar que o exército seja confundido [com a derrota]. Mas ficaram apenas nas declarações. O sr. Pazzuello é ainda da ativa. E ainda propaga a cloroquina. Não há meios termos para ver isso. Não podemos imaginar que com rezas e com boas intenções se possa resolver essa trágica situação. Estamos sob bombardeios. Não temos armas para nos defender. Está acontecendo algo que temos que contar a todos de modo que em outros centros se prepare uma resistência um pouco mais articulada”.
Nessa resistência, Candotti afirma que é preciso articular “o que nos resta das instituições de regulação da vida social no país para colocar um pouco de ordem nessa confusão gerada pelas agressões da política do Planalto”. Na sua visão, o impeachment é uma medida muito suave.
“Deveria ser uma criminalização pura e simples. Há crimes em jogo. É preciso um tribunal de guerra. É preciso que um júri popular condene, o que também que estão querendo fazer com o Trump. Não é apenas um impeachment. É algo mais. É uma condenação após uma devida avaliação dos males que essa política causou. Já vimos essa política em relação às queimadas nos meses passados na Amazônia e no Pantanal. Isso foi proposital, deliberado, agravado pelas mentiras. Mentira como meio de comunicação, que é transformada em política de governo, ou de desgoverno. Dizem não ser verdade que a floresta não foi incendiada por milícias a soldo de presidente e de seus articuladores de políticas públicas. Da mesma forma foi mantida a cloroquina como solução, enquanto se sabia que iria faltar tubos de oxigênio se a situação se agravasse”.
Nesta entrevista (acompanhe a íntegra no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV), o cientista analisa o fato de que tubos de oxigênio terem sido escondidos em Manaus. “São a fotografia mais significativa do quadro que encontramos em Manaus e no Brasil. Tenho certeza de que em muitos outros Estados fotografias como essas estão presentes, mais ou menos envergonhadas. O quadro que o Planalto está favorecendo é o quadro da devastação, é o quadro em que as milícias financeiras, econômicas e políticas estão preparando para o nosso convívio social”.
Na avaliação de Candotti, “Manaus está ocupada por milícias administrativas ou de interesses alheios à Amazônia ou à uma vida civilizada. Milícias que buscam lucros imediatos. É a mesma que quer substituir florestas por boi ou por venda de madeira. Que diferença há entre os tubos de oxigênio e as toras que são contrabandeadas ao arrepio da lei? São as mesmas elites do atraso”.
Nesse ambiente de salve-se quem puder, de todos contra todos ou de “agrida quem puder” –como aponta o cientista—a valorização da ciência é ponto central.
“Eu me dedico à divulgação científica há 50 anos e me considero muito mal sucedido nessa batalha. O grande público responde hoje com as mesmas respostas de 1300, 1500, 1600. Giordano Bruno foi queimado em praça pública; Galileu foi confinado. Por serem contrários à cloroquina. Dito de maneira simples, é isso. É preciso acabar com esse reinado de desmoralização da civilidade. Não só da ciência, mas de todos os direitos conquistados. Imaginar que em 2021 tenhamos que discutir conquistas da Revolução Francesa é tragicômico. Não imaginava que fosse possível retrocesso desse tipo. Daqui a pouco vamos discutir trabalho escravo”.
Nesta entrevista ao TUTAMÉIA, Candotti trata dos cortes nos investimentos para a ciência e ataca a mercantilização da saúde:
“A mercantilização da saúde em casos de pandemia é um escândalo. Tem a ver com a própria credibilidade da ciência. Mina a credibilidade. São empresas que têm interesses próprios acima dos interesses coletivos, da humanidade. Estamos nas mãos de quatro, cinco ou seis grandes empresas que não escondem seus interesses comerciais, de vendas e de sucesso econômico. E as bolsas de valores é que têm o pulso da situação. Isso é um escândalo imenso! Minam a credibilidade das instituições científicas, permitindo que os monstros possam ser gerados. Os monstros são filhos do segredo e o segredo é filho dos interesses privatistas das empresas. As empresas nos contam o que querem porque são donas do desenvolvimento, e nós ficamos calados. Com isso, a credibilidade da ciência vai competir com a terra plana. Construímos em centenas de anos uma credibilidade da ciência que hoje vem sendo desmoralizada por medidas relativizantes. Ah, minha opinião é que a cloroquina funciona. E isso é crime. Esse crime está se espalhando, e a crise de Manaus é um bom exemplo para a gente repensar isso”.