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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

05
Jul23

Atentados terroristas do 8/1 causaram prejuízos avaliados em mais de R$ 20 milhões; Abilio Brunini nega

Talis Andrade

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Valor total decorrente dos ataques feitos por bolsonaristas e militantes de extrema direita ainda deve crescer, já que há custos que ainda não foram estimados. Veja filmes reais dos ataques terroristas e versão mentirosa apresentada pelo deputado Abilio Brunini o golpista trapalhão 

 

O deputado Abilio Brunini nega os serviços de barreiras nas rodovias da Policia Rodoviária Federal, para impedir a circulação de veículos com adesivos do candidato Lula da Silva, no dia 30 de outubro, para impedir a livre e democrática e patriótica votação nos candidatos das eleições de 2022. Nega os atentados terroristas das bombas nas torres de transmissão de energia em diferentes estados. Nega os atentados em Brasília, os incêndios de prédios das policias e queima de önibus no dia 12 de dezembro, a bomba armada para explodir o aeroporto de Brasília na noite de Natal, 24 de dezembro, a tentativa também fracassada de tumultuar a posse de Lula no dia 1, e as invasões dos palácios presidencial, do STF e do Congresso Nacional, no dia 8 de janeiro. 

Tao safado que, descarada, enganadora e impunemente fez o seguinte filme mentiroso e escabroso

247 - O montante total de recursos públicos desembolsados ou estimados para cobrir os danos decorrentes dos atos de violência ocorridos nos atentados golpistas do dia 8 de janeiro já ultrapassa a marca de R$ 20 milhões, de acordo com informações fornecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Palácio do Planalto e Congresso Nacional. Segundo a Folha de S. Paulo, os dados divulgados pelas principais autoridades dos Três Poderes, apontam que o STF foi a instituição mais prejudicada, com um prejuízo de R$ 11,4 milhões até o momento, considerando tanto os valores já desembolsados como os estimados.

O Congresso aparece em seguida, com R$ 4,9 milhões (R$ 2,7 milhões na Câmara dos Deputados e R$ 2,2 milhões no Senado). Os danos ao Palácio do Planalto totalizam R$ 4,3 milhões. Ainda conforme a reportagem, “o valor total das perdas causadas por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ainda deve crescer, já que há custos que, seis meses após o ocorrido, ainda não foram estimados”.

No Executivo, o maior custo está relacionado à restauração de obras de arte danificadas. A Coordenação-Geral de Gestão Patrimonial da Presidência identificou danos em 24 delas, das quais 15 tiveram seus valores avaliados pelo órgão, totalizando R$ 3,5 milhões. No que diz respeito à estrutura do palácio, a substituição dos vidros quebrados pelos vândalos foi o maior gasto, totalizando R$ 204 mil.

Além disso, há uma lista de 149 itens desaparecidos, incluindo oito armas de choque tipo spark elite 22.0, equipamentos de saúde (estetoscópio, nebulizador e glicosímetro), algemas, poltronas, gaveteiros e outros objetos.

No Congresso Nacional, assim como no Planalto, os maiores valores informados referem-se à restauração de obras de arte e objetos históricos danificados pelos vândalos. O Muro Escultório de Athos Bulcão, localizado no Salão Verde da Câmara dos Deputados, sofreu perfurações, por exemplo.

Entre os itens furtados no dia 8, destaca-se "The Pearl", um presente do Qatar à Câmara, feito em ouro, pérola e couro, avaliado em R$ 5.000. A Câmara também precisará substituir os 2.000 metros quadrados de carpete do Salão Verde — o espaço principal da Casa —, com um custo de R$ 626 mil.

Ainda de acordo com a Folha de S. Paulo, no Senado, a maior despesa está relacionada à restauração de uma pintura a óleo do século 19, intitulada "Ato de Assinatura da Primeira Constituição". A obra, com dimensões de 2,90 x 4,41 metros, possui moldura de jacarandá maciço folheado a ouro. Durante os ataques, vândalos tentaram derrubá-la, pendurando-se na obra que está exposta no museu do Senado.

Segundo o relatório da coordenadora do Museu Histórico do Senado Federal, Maria Cristina Monteiro, a tela soltou-se da base da moldura, causando mossas e arranhões na pintura. A moldura, feita de madeira, também sofreu danos, e a restauração completa da obra está estimada em R$ 800 mil. Além disso, a tapeçaria de Burle Marx, que foi urinada, rasgada e arranhada até com bolas de gude, tem um custo de recuperação projetado em R$ 250 mil.

Até o momento, a Procuradoria-Geral da República já denunciou 1.390 pessoas pelos atentados golpistas do dia 8 de janeiro, quando militantes bolsonaristas e de extrema direita invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Deste total, o STF já aceitou a denúncia contra 1.290 denunciados, tornando-os réus. A Advocacia-Geral da União (AGU) também ajuizou ações na Justiça Federal para buscar o ressarcimento dos prejuízos causados aos cofres públicos.

De acordo com o órgão, foram solicitadas medidas de indisponibilidade de bens de mais de uma centena de pessoas e empresas, incluindo aquelas acusadas de financiar o transporte dos apoiadores de Bolsonaro a Brasília nos dias que antecederam os atos golpistas.

 

Compare com o filme do falsario Abilio Brunini
 

 

 

 

 

24
Jun23

A voz que acompanha o Brasil de volta a si

Talis Andrade

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Em meio à turnê Que tal um samba?, Mônica Salmaso relembra sua trajetória, desde quando topou com Chico Buarque nos bastidores de seu primeiro espetáculo, até estar ao seu lado – cantando todo o sentimento de um país em busca de reencontrar-se

 

por Mônica Salmaso em depoimento a Thallys Braga na Piauí

Nossa primeira apresentação em São Paulo com o show Que tal um samba? aconteceu no dia 2 de março, quinta-feira. Eu estava apreensiva, as estreias sempre são assim. No meu caso, pesava ainda o fato de estrear na minha própria cidade, com uma plateia cheia de amigos e familiares. Eu me sentia insegura por causa disso, mas a realidade é que não tem muito como dar errado com um repertório como esse, um show tão bem feito por tanta gente boa no que faz e com a celebração, de base, de estarmos todos, palco e plateia, ao lado de Chico Buarque.

Tenho 28 anos de carreira, mas o que estou vivendo agora é uma experiência inédita. No final de 2020, Chico Buarque me convidou para participar de alguns shows que ele faria em comemoração aos 50 anos do disco Construção. Parecia um devaneio. Eu cresci ouvindo a voz do Chico na vitrola dos meus pais, no rádio do meu quarto e no fone de ouvido. Construção foi lançado no ano em que eu nasci. Cantar ao lado dele, saindo do gigantesco deslocamento da pandemia, seria catártico. Aceitei imediatamente. 

Mas houve uma nova onda de Covid, seguida de quarentena, e a ideia foi adiada e modificada – até que, em 6 de setembro de 2022, aconteceu a estreia, em João Pessoa, do show Que tal um samba?. A partir de então, começamos a percorrer o país.

A ideia do Chico, desde o início, era que eu me apresentasse sozinha na abertura e, depois em momentos pontuais, dividisse o palco com ele em algumas canções. Ele me deixou à vontade para que eu escolhesse aquilo que gostaria de fazer sozinha e, por e-mails e telefonemas, levantamos uma lista de possíveis duetos (considerando as formas, os assuntos e as tonalidades). Chico ensaiou com os músicos duas semanas e, comigo, mais cinco no Rio de Janeiro, entre julho e agosto de 2022. Os ensaios fizeram com que eu ganhasse mais segurança para interagir com ele, a equipe e os músicos – todos já meus amigos e conhecidos de longa data –, que formam, com o Chico, um corpo de trabalho de mais de trinta anos. Existe entre eles um modo de convivência tão calmo e respeitoso que faz com que a música aconteça da melhor maneira possível. Era curioso: um pedaço de mim sentia o peso da enorme responsabilidade, e outro, de cara, sentiu estar em um ambiente muito familiar.

Cheguei ao Rio crente que iria visitar os meus amigos, ver o Samba do Trabalhador, o Forró da Gávea, todos os eventos possíveis, cheia de saudade de viajar e encontrar todo mundo, depois de tanto tempo de pandemia. Mas rapidamente me dei conta de que não poderia fazer absolutamente nada disso porque precisaria fazer uma rigorosa preservação da minha voz, em vista do volume de ensaios e da gincana de viagens e shows. 

Todas as noites chego em casa falando pouco, quase nada, e bem baixinho. Faço exercícios de fonoaudiologia de aquecimento e de desaquecimento vocal antes e depois de cantar. Não como nem bebo o que faz mal para a voz. Vou ao otorrino (que chamo de luthier), sigo as ordens da fono. Meu filho, Théo, e meu marido, o músico Teco Cardoso, viraram parceiros incríveis nessa fase de seguidas viagens e da minha rotina de cuidados, que é mais fácil de seguir à risca quando estou viajando, porque chego no quarto do hotel e fico em silêncio até dormir. Aos 30 anos, eu me cuidava menos e tinha maior resistência. Aos 52, qualquer bobeada pode provocar um efeito-cascata porque não há tempo hábil para tratamento e recuperação, com tantos shows – nas temporadas do Rio de Janeiro e de São Paulo, quatro noites seguidas e três dias de descanso. Na condição de convidada, não quero prejudicar o Chico, o show, toda a equipe e o público. Muita responsabilidade e uma vontade enorme de viver essa experiência, esse presente, esse momento histórico da forma mais bonita possível.

Depois de João Pessoa, a turnê passou por oito cidades antes de chegar em São Paulo. Neste ano, começamos com uma sequência de dezesseis apresentações no Rio de Janeiro, todas com ingressos esgotados e uma enorme procura. A produção e o Chico decidiram abrir mais duas datas extras com ingressos a preços mais acessíveis e sem mesas na pista para que mais gente pudesse ver o show. Acabamos gravando e filmando essas duas noites. Foram apoteóticas! 

Houve uma época na música brasileira em que temporadas de shows assim, com essa quantidade de datas seguidas, eram comuns, mas eu faço parte de uma geração de artistas em que isso não acontece com frequência. Nossas temporadas (quando acontecem como temporadas) são mais curtas e espaçadas.

Antes de estrear em São Paulo, tivemos o mês de fevereiro quase inteiro de férias, pude voltar para a minha casa, no bairro da Aclimação, e ficar um pouco mais com meu marido e meu filho, que tem 16 anos. Pudemos ir para nossa casa no interior de São Paulo, descansar. Essa pausa me encheu de vontade de voltar ao palco e começar tudo outra vez. A gente se acostuma com toda a equipe do espetáculo e, quando fica longe, sente saudades. Antes de a turnê começar, eu olhava para a agenda e pensava, assustada, no tanto de shows e de viagens, com medo de não dar conta. Agora que estamos prestes a encerrar a turnê, me bate uma dorzinha no peito. 

Assisti a vários shows do Chico Buarque na minha vida. Ele é certamente o artista que mais ouvi desde a infância. Depois que comecei a cantar, alguns compositores e estilos musicais viraram meus objetos de estudo e, naturalmente, acabei incorporando suas influências e seus aprendizados ao meu trabalho. Mas com o Chico não foi desse jeito. Como os discos dele fizeram parte da minha formação, eu os escutava sem pensar nas características que deveria absorver se quisesse me tornar cantora. Menina, eu nem sabia direito sobre os sentimentos adultos que ele descrevia tão bem, mas, mesmo sem entender algumas músicas, elas foram criando em mim um acervo de emoções. É o que a música faz, com a poesia costurada na melodia e vestida pela harmonia. Ouvir o Chico era assim: ele me despertava muitas vezes algo que eu não entendia e era incapaz de elaborar, mas que gerava tristeza, saudade, alegria, intensidade, tudo isso vivido de forma afetiva, não cerebral. Um movimento muito potente, enorme dentro de mim, e que me compõe.

Quando eu era criança, ninguém na minha casa fazia qualquer tipo de arte. Cresci sem conhecer nenhum artista pessoalmente. Mas meus pais compravam discos, e com isso eu me apaixonei pela música muito cedo. Escutava aqueles LPs coloridos de historinhas infantis com composições do Braguinha que ainda hoje acho maravilhosas. Eu me concentrava nos detalhes das músicas, e um mundo de prazer e emoções se abria para mim. Quando tinha 7 ou 8 anos, um grupo de amigos dos meus pais vinha em nossa casa (um sobradinho) algumas noites para tocar e cantar junto com um professor de violão. Eu descia do quarto, e os adultos me deixavam participar. O que quer que eles tocassem, eu tratava logo de aprender a cantar: Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Milton Nascimento, Caetano Veloso, João Bosco, Gilberto Gil. E Chico Buarque.

Eu fazia um certo sucesso por ser tão pequena, interessada e afinada. Claro, isso me fazia bem. Uma vez, um dos presentes me deu um papel com a letra de O Cio Da Terra, do Milton Nascimento e do Chico, para eu decorar e cantar no próximo sarau. Tem um verso da música que diz “Cio da terra, propícia estação”, mas a pessoa tinha escrito a letra com uns garranchos, e a palavra “propícia” ficou parecendo “propécia”. Na noite do sarau, fui com tudo e cantei, cheia de vontade: “Cio da terra, propécia estação.” Todo mundo ficou se entreolhando e rindo. Quando descobri o erro, morri de vergonha. Hoje é uma lembrança divertida. Aqueles saraus foram o meu parquinho de diversões, e me deixava contente ouvir dos adultos que eu tinha inclinação para cantar. Um comentário assim funciona como estímulo: cantar virou o meu lugar do prazer e a atividade que eu sabia que me renderia elogios.

Durante a adolescência, nos anos 1980, fui aos shows de vários artistas da mpb, como Caetano Veloso, Gal Costa e Milton Nascimento. Também comecei a frequentar festivais de jazz em São Paulo. Eram espetáculos realizados em grandes espaços, para uma plateia gigantesca. Na época, eu não tinha o costume de ir a shows em teatros menores. Ser artista, para mim, significava pertencer a uma gravadora multinacional, aparecer nos programas de televisão e novelas, tocar em rádios e cantar em palcos enormes, e isso parecia estar longe demais da realidade, um sonho para muito poucos, o que anulava qualquer pretensão minha de virar cantora profissional.

Durante o ensino médio, que eu fiz no Colégio Equipe, comecei a tocar “violão de acampamento”. Tive também um amigo incrivelmente musical (hoje advogado) que cantava e tocava bem, fazia rodas de música e me chamava pra cantar. Um dia, andando pelo bairro da Vila Madalena, vi esse meu amigo saindo todo feliz da escola Espaço Musical. Ele me contou que estava fazendo aulas de guitarra e de percepção musical. Eu estava com 18 anos e fazia cursinho para o vestibular. Queria cursar jornalismo, por influência da minha prima, a jornalista Renata Lo Prete. 

O cursinho era uma experiência insuportável: a tradicional turma de Humanas (formada por todos aqueles que se reconhecem nessa área, como eu, e todos os outros que não têm ideia do que querem fazer), espremidos em uma sala sem janelas, com um professor tentando animá-los ora com musiquinhas para decorar, ora com lançamento de giz para acordá-los. Enfim, era o purgatório.

Decidi assistir a uma aula de canto da Espaço Musical e conheci a professora Regina Machado – hoje coordenadora do curso de canto da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e dona da escola Canto do Brasil –, que viria a se tornar a minha primeira referência de cantora profissional. Fiquei fascinada, porque ela não era uma estrela da tevê, mas uma trabalhadora comum, uma pessoa com quem eu poderia conversar e perguntar: “E aí, como é esse negócio de viver de música? Se eu escolher essa profissão, vou conseguir me sustentar, mesmo não sendo o equivalente ao Cristiano Ronaldo da indústria musical?”

Nas aulas de canto, com o auxílio do piano, pude me inteirar sobre a extensão da minha voz, entendi o papel da respiração, do apoio do diafragma. Minha voz fez ginástica, ganhou corpo, cresceu. Comecei a escutar os cantores de outra forma, a estudá-los. Dois meses depois, cheguei em casa e anunciei: “Pessoal, não quero mais fazer o vestibular de jornalismo porque vou viver de música. E descobri que isso é possível.” Como eu era uma jovem responsável e sempre fui bem na escola, meus pais concordaram, depois de fazerem algumas perguntas. O cenário da época apresentava novidades: os pequenos selos musicais se multiplicavam, e a Unicamp estava prestes a abrir inscrições para o curso de graduação em música popular de São Paulo.

Estudei por cerca de um ano e meio na Espaço Musical, intercalando as aulas teóricas com as de violão, canto e percepção musical. Estava diariamente cercada de outras pessoas que também viam a música como uma possibilidade de trabalho. Agora eu escutava os discos de outra maneira, buscando referências para aprender e pensar sobre música. Tentando entender como tudo funcionava e me conscientizar de quem eu seria ou como seria minha estrada. Um tempo depois, a mãe de uma amiga do ensino médio me elogiou para a atriz Rosi Campos, e ela, mesmo sem me conhecer, indicou o meu nome para o diretor de teatro Gabriel Villela. 

Ele estava para montar a peça O Concílio do Amor, no Centro Cultural São Paulo, um espetáculo que não era um musical, mas tinha uma personagem cantante, a Verônica, que vai na frente das procissões da Paixão de Cristo, abrindo o Santo Sudário e cantando diante das casas. Gabriel me ligou, fiz um teste e entrei para o elenco. Cantar, por si só, oferece à pessoa um lugar de destaque. Começar uma carreira no centro do palco, com a luz dos holofotes sobre si, pode ser assustador para iniciantes rígidos como eu era. Nenhuma pessoa está preparada para esse salto, principalmente se for tímida, como eu também era. Começar em uma companhia de teatro era o que eu precisava para ganhar segurança, porque o ambiente e os atores eram acolhedores, o papel era um entre muitos, mas importante como todos na composição geral da peça. Ensaiamos muito, costuramos figurinos, pintamos cenários e eu mergulhei fundo nas apresentações, que começaram em novembro de 1989, e a peça ficou em cartaz cerca de um ano, acho. Foi uma experiência linda que carrego para sempre.

Em determinado momento, depois de me apresentar na peça, comecei a cantar em bares, onde conheci outros músicos. Formei um primeiro grupo com amigos da minha geração, começamos a fazer shows e decidi que era hora de me dedicar a isso. Saí de O Concílio do Amor, mas fui assistir muitas vezes, inclusive no último dia de apresentação, quando Gabriel me disse para voltar para casa e me vestir toda de preto, porque naquele dia teríamos uma Verônica a mais. Fui sem piscar, e ao voltar ao teatro, esbaforida, abri a porta e dei de cara com Chico Buarque, Marieta Severo e Silvia Buarque, que estavam lá para assistir à peça. Puxei o ar com força e prendi a respiração. Por instantes, fiquei travada, com os olhos bem abertos, diante do Chico. Foi a primeira vez que me encontrei com ele. Estava atrasada demais para continuar ali e então saí correndo, sem falar nada.

Nessa época, os meus amigos começaram a frequentar os bares da Vila Madalena e de Pinheiros. Dois eram especialmente legais para escutar música ao vivo, o Café Paris e o Vou Vivendo. Os artistas eram bons, e aos poucos fui me introduzindo a eles, cantando uma música aqui, outra ali. Eu participava do show de todo mundo, era incansável. Se alguém me convidava, eu ia, mesmo depois de ter me apresentado em algum lugar, e cantava até não poder mais. Acabei sendo contratada.

O compositor Eduardo Gudin frequentava o Vou Vivendo e um dia me convidou para participar de um disco que queria fazer com outros cantores, chamado Notícias dum Brasil. Foi o meu primeiro trabalho profissional. O Gudin também me provocou para fazer um disco só meu. Um tanto insegura, respondi que não tinha um trabalho próprio, nem saberia criar um às pressas. Jamais faço alguma coisa se tenho dúvidas, não sei ser assim. Ele disse para eu ter calma porque era ainda muito jovem, com várias possibilidades por explorar, e me sugeriu gravar Os Afro-Sambas, de Baden Powell e Vinícius de Moraes. 

Dos Afro-Sambas, eu conhecia apenas os mais conhecidos, Berimbau, Canto de Ossanha e Consolação, gravados por muitos cantores. Nunca tinha ouvido o disco original. A jornalista Maria Luiza Kfouri, estudiosa da música brasileira, amiga do Gudin e hoje minha amiga muito querida, me copiou uma fita cassete do LP original, de 1966, e fiquei embasbacada. Aquilo era coisa muito séria: no final da bossa nova, surgiu esse material com células rítmicas africanas, misturando a densidade amorosa do Vinicius de Moraes com os orixás. É um disco lindo, de um tipo de projeto raro na música brasileira. Achei que era um projeto seguro para eu começar a minha estrada e um presente imenso fazê-lo (também ideia do Gudin) com o violonista, compositor e arranjador Paulo Bellinati, músico incrível e generoso, que àquela altura já tinha uma carreira internacional de solista. Gravamos o disco em duo e o lançamos em 1995. Foi um desafio pra mim, um início honroso e uma escola musical.

Nos anos seguintes, gravei discos no selos Pau Brasil e Eldorado (por ter vencido o Prêmio Visa), viajei muito com o Bellinati com nosso show dos Afro-Sambas e recebi um convite para gravar três discos pela recém-criada gravadora Biscoito Fino (onde fiz até hoje oito CDs e dois DVDs). Em 2006, recebi com surpresa o convite do Chico para gravar com ele a música Imagina, parceria com Tom Jobim (que eu conhecia e amava há anos), no CD Carioca. Era inacreditável estar no estúdio com o ídolo da minha infância, cantando uma composição cuja letra eu conhecia de trás pra frente. Foi a segunda vez que o encontrei, desde aquele dia nos bastidores do teatro.

A gravação me deu vontade de agradecer a Chico Buarque, na forma de um disco dedicado à obra dele, o que eu sabia que faria em algum momento. No mesmo ano, comecei a selecionar as canções (eu era tão tímida que sequer considerei a possibilidade de convidá-lo para participar do projeto). Quando planejava esse disco, que chamei de Noites de Gala, Samba na Rua, já estava grávida do Théo, e decidi incluir a canção Você, Você, que o Chico escreveu para o primeiro neto. Cantei no estúdio “imaginando o imaginário” de alguém que ainda estava para nascer e que, desde sua chegada, se tornou um maravilhoso companheiro de viagem, um legítimo “filho de circo” ou um “menino-milhas” como a gente o apelidou. 

Em 2008, consegui, pela primeira vez, patrocínio para realizar uma turnê. A de Noites de Gala, Samba na Rua foi também a primeira de grande porte que eu fiz. Rodei o Brasil com ela. Eu e o Teco não paramos de trabalhar desde o nascimento do Théo, levando nosso filho nas viagens, até ficar inviável – não para nós, mas para ele. Todas as escolhas que fazíamos visavam garantir segurança e o melhor cuidado para o Théo. A gente se divertiu muito! Esse momento que estou vivendo de uma turnê grande novamente, com muitos dias fora de casa, aconteceu em uma hora boa e possível, já que o Théo está crescido e o Teco está trabalhando em casa, compondo e escrevendo arranjos para um trabalho solo, e escrevendo um livro. 

Vivi o período de isolamento social de maneira muito restrita, sentindo ansiedade, uma angústia absurda e também compaixão e vontade de ajudar o mundo. A pandemia interrompeu a minha agenda de shows e a do Teco, e tivemos que reduzir as despesas. Fizemos as malas e fomos com o nosso filho para uma chácara em Sarapuí, no interior de São Paulo, onde o custo de vida é bem menor que na capital. Havia quintal, espaço para pegar sol, cachorros, galinhas, varal para pendurar as roupas, segurança física e emocional, o que era fundamental naquele momento. 

Logo no início da pandemia, em março de 2020, entrei no Instagram e tentei cantar em uma live com Alfredo Del-Penho, meu amigo. Mas havia o delay que tornava impossível sincronizar a minha voz com a dele. Foi engraçado e curioso, e me dei conta de que não só estava impedida de trabalhar como não poderia cantar com os meus amigos.

No dia seguinte, acordei e disse ao Teco que queria consertar o embaraço daquela live. Fiz uma proposta ao Alfredo: “Você topa gravar comigo um vídeo cantando e tocando A Cor da Esperança, do Cartola e Roberto Nascimento? A gente combina a forma da música previamente, você grava da sua casa um vídeo, tocando e cantando, e deixa os vazios onde eu vou cantar. Manda pra mim que eu faço aqui a minha parte e depois junto um ao lado do outro, para a gente se encontrar.” O Teco sugeriu que eu cantasse olhando para um lado e o Alfredo para o outro, assim, depois de editar os vídeos, ficaria parecendo que estávamos interagindo. 

Publiquei o vídeo no Instagram e no YouTube, com o nome de Ô de Casas, em referência ao chamado das visitas no portão, embora ali, naquela gravação, cada um estivesse na sua casa. Fiquei feliz e aliviada com a brincadeira que me fez tão bem e afastou minha cabeça daquele momento difícil. Logo outros amigos viram e disseram que queriam fazer também. Foi uma enxurrada. Fizemos 75 vídeos seguidos, um por dia. Lotou a memória do iPad e do celular, precisei buscar o computador e um HD  externo em São Paulo. Assim como fiz com outros compositores amigos, a cada vez que uma música deles era gravada na série, eu mandava o link por e-mail ou WhatsApp, com o anúncio: “Saiu mais um pão quentinho”, mandava para o Chico as gravações das músicas dele. De vez em quando, inspirada no bem que esses vídeos caseiros e amorosos faziam para a gente e para as pessoas que passaram a esperar por eles (fizemos 175, no total), num ato de coragem que eu não tinha antes, eu convidava o Chico a gravar uma música. 

Um dia me lembrei de uma gravação ao vivo da música João e Maria, do Chico Buarque, no Tokio Marine Hall, o mesmo teatro em que nós dois estamos nos apresentando agora, em São Paulo. E convidei o Chico a gravar comigo essa música, no mesmo tom e arranjo, com a participação do Luiz Cláudio Ramos, que toca com ele há anos. O Teco poderia tocar a flauta, e eu cantaria os trechos que ele quisesse. Era uma sexta-feira. Ele me respondeu: “Pode ser na segunda-feira?” Fiquei exasperada. Combinamos o que cada um cantaria, liguei correndo para o Luiz Claudio, que topou e fez o primeiro vídeo. Gravei a minha parte em casa, mandei para o Chico, ele gravou a dele e me enviou. Dali a alguns dias, publicamos o vídeo.

O que se seguiu foi um incêndio numa caixa d’água. Acho que, como eu, as pessoas sentiram conforto em ver o rosto e escutar a voz de Chico Buarque num momento de tanta solidão e angústia, como aquele. E acho também que esse momento de convivência à distância, mas cheio de afeto, significado e confiança, foi um dos motivos de ele me convidar para o seu show.

Agora que os encontros presenciais voltaram, descobri que há coisas, pessoas e modos de conduzir a vida dos quais não preciso mais e que parecem estar relacionados a vidas passadas. Tendo sido obrigada a parar tudo por causa da pandemia e me “encontrado” à distância com tanta gente, pude parar e ter, pela primeira vez, uma percepção que nunca tive: a de que consegui construir uma carreira. Fiz um site novo com esse olhar. Por quase dois anos, não trabalhei nem vi o público, e estava com uma vontade absurda de subir ao palco. O fato de estar fazendo a turnê do Chico e o modo como tenho me apresentado são o resultado de respostas encontradas por uma pessoa que viveu a pandemia dessa forma. É indissociável, como acho certo que seja, tamanho o deslocamento, tamanho o susto e as perdas que tivemos, especialmente no Brasil com sua condução desumana, irracional e negacionista. 

Quando começamos a conversar sobre o repertório do espetáculo, no ano passado, contei ao Chico que a cantora Teresa Cristina e eu fizemos algumas batalhas musicais temáticas no Instagram durante a pandemia. Nós somos muito amigas, e a Teresa estava naquela produção diária de transmitir lives com convidados. Em certa ocasião, o tema da batalha foi “canções para crianças”. Ela selecionou algumas, eu outras, e varamos a noite cantando. 

Já de madrugada, eu me lembrei de Todos Juntos, uma música linda do Chico para o espetáculo infantil Os Saltimbancos. Comecei a cantar totalmente desarmada e motivada pela saudade da infância, e a Teresa me acompanhou, numa alegria bonita de ver. Tudo ia bem até chegar nos versos “Ao meu lado há um amigo/Que é preciso proteger/Todos juntos somos fortes/Não há nada pra temer”. Naquela hora, em plena quarentena, a música ganhou o peso do seu real significado. Eu chorei de um lado, a Teresa do outro, as duas alagaram suas telas, enquanto as pessoas que nos assistiam enviavam uma chuva de centenas de emojis de choro. Chico deu risada dessa história, adorou. Perguntou se eu teria coragem de cantar Todos Juntos no show. E eu respondi: “Eu tenho!”.

Em casa, fui brincar de tocar a música na kalimba, um instrumento musical de origem africana que tem algo de caixinha de música. Tenho uma kalimba pequena, com um pesinho bom, que achei numa lojinha de artesanato de beira de estrada. Mostrei para Chico, Luiz Claudio Ramos e Vinícius França, que disse categórico: “Isso tem que abrir o show.” Pensei: “Vixe!” O público estaria esperando ansiosamente pelo Chico e, quando as cortinas se abrissem, apareceria eu, cantando uma música de criança com voz e kalimba. Mas a ideia era bonita, inclusive conceitualmente, porque localiza o momento em que o Chico entrou na vida de muitas pessoas. Há uma geração que cresceu escutando Os Saltimbancos. Eu mesma assisti ao show com meus pais, nos anos 1980, no Teatro Tuca, em São Paulo, uma das primeiras montagens do musical.

No início da turnê Que tal um samba?, nós vivemos um momento histórico muito agudo, com a proximidade e a chegada da eleição. O show começou a percorrer o país em setembro a partir do Nordeste, a região que poderia ser fundamental para o fim do governo Bolsonaro. Era catártico. A maioria das pessoas na plateia usava máscaras, para muitas delas era a primeira vez que iam a um show depois da pandemia, estavam em estado de euforia por estar no mesmo ambiente que Chico Buarque – o que seria em qualquer tempo um enorme acontecimento –, poder encontrar seus pares e sua própria identidade afetiva, assim como a do país em que se reconheciam. Atravessamos o período entre os dois turnos com agonia, somada a muita força e esperança. Os shows foram vividos com um grau de emoção difícil de explicar. E, depois das eleições, acrescentou-se o sentimento de alívio e confraternização de voltar para casa, uma casa machucada, cheia de estragos, mas que é onde a gente se reconhece.

De todas as rasteiras que o Brasil sofreu nos últimos anos, a pior delas foi pensar que nós, talvez, poderíamos ter perdido nossa identidade. O país foi parar em um tenebroso lugar de mentira e ódio institucionalizados. Um lugar desumano, não só por causa de sua histórica e imperdoável desigualdade social (que temos que resolver, como tantas outras coisas estruturais), mas desumano até mesmo no discurso. Uma espécie de Brasil bizarro, como um mundo paralelo, uma realidade paralela. Sem falar nas pessoas que perdemos para a Covid e para a ignorância. Viver isso distante dos amigos na pandemia potencializou a sensação de “Cadê a minha casa? Cadê todo mundo?”. E então, de uma hora para a outra, nos vimos dentro de um teatro lotado de pessoas, e todas elas são irmãs, porque se identificam umas com as outras – e o show do Chico virou catártico, afetivo, de um modo que eu nunca vi, por propiciar essa celebração da vida, quase da ordem do religioso. Era muito mais que estar no show de um artista de quem gostamos tanto. Para mim, foi um privilégio máximo viver esses momentos em cima do palco e ao lado do Chico.

Que tal um samba? não é um showmício. O Chico teve o cuidado de fazer uma setlist que capta a indignação e a denúncia social, mas também os afetos, os valores que devolvem a identidade de brasileiro. Tudo em nome da esperança. Isso é ainda mais forte, ainda mais profundo. Nós tememos o resultado das eleições. É bem possível que a turnê parasse caso o resultado fosse outro. Como renovar a esperança? O que iríamos dizer àquelas pessoas? Como conseguiríamos? Abraçaríamos o choro? Incentivaríamos a coragem?

E então veio o alívio. Sempre digo que essa turnê significa para mim dois presentes. Primeiro, ter a chance de ver esse momento da história do Brasil de cima do palco. Ver, oferecer e receber plateias enormes e emocionadas. O segundo presente é o Chico ter reconhecido no meu trabalho uma identidade com a música dele. A minha sensação é de que fiz as escolhas certas. Tomei as decisões certas, segui os caminhos coerentes e verdadeiros para mim. É um presente gigante.

A minha carreira se encaixou por muito tempo no que chamam de música de segmento. Eu a defino como sendo a carreira de uma “cantora-instrumentista”, porque fiz uma estrada que aprendi com colegas músicos que admiro. As oportunidades e as escolhas que fiz também colaboraram para eu me tornar uma artista autoral. Por causa disso, o meu público foi sendo construído com capilaridade, a indústria fonográfica (já na minha geração atravessando mudanças radicais) não impôs o meu trabalho a ninguém nem ele foi moldado por ela. Agora sei do meu ofício, moro nele, tenho uma vida nele há 28 anos. Isso conta e faz diferença.

As pessoas às vezes me perguntam o que eu acho que essa turnê vai representar para o futuro da minha carreira. Eu, honestamente, não tenho resposta. Se eu fosse mais nova, provavelmente olharia de outro jeito para o convite que recebi e teria outras expectativas com o que virá depois. Sei que esta turnê está me dando uma visibilidade maior e nova. Ficarei feliz se esse novo público se identificar com o meu trabalho e se somar à minha estrada. O combinado que eu fiz comigo mesma é viver da melhor maneira possível o período musical ao lado do Chico. Essa turnê é para mim, além de um presente muito bonito, uma experiência importante, um sonho lisérgico. Tenho plena consciência disso e brinco, cumprimentando o público: “Boa noite, aqui quem fala é a Cinderela.”

Lancei dois discos depois da pandemia, Cantor Sedutor, com o Dori Caymmi, e Milton, com o André Mehmari, que foram apresentados poucas vezes em shows. Sinto vontade de cantar essas músicas ao vivo para o público. E gostaria de gravar um monte de canções que aprendi durante o isolamento social. 

Minha vontade de cantar e o amor pelo meu ofício só aumentaram. Minha vida ganhou outros sentidos na pandemia, minha percepção, minha forma de viver, de ouvir o outro, de escolher o que vale ou não a pena, de me relacionar com o público através das redes sociais, tudo mudou muito. Mas meus pés estão bem no chão, enquanto meu coração está nas nuvens.(In Outras Palavras)

15
Jan23

Ninho de serpentes está nos quartéis

Talis Andrade
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Ilude-se quem considerar que, superada a intentona, a democracia venceu

 

Por Breno Altman /Opera Mundi /Folha de S. Paulo

A intentona golpista do dia 8 de janeiro não representou um plano de tomada imediata do poder. Tampouco se resumiu a um putsch de bolsonaristas lunáticos.

Mais razoável entender esse acontecimento no bojo do processo decorrente da vitória eleitoral do presidente Lula, com a formação de acampamentos nas cercanias das instalações militares. Ali começa um movimento cujo objetivo era provocar caos e desordem, levando a operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).

Essa aposta poderia ter vários desdobramentos: um dos quais a intervenção das Forças Armadas, a derrubada da administração petista e o retorno à ditadura.

A invasão dos Palácios foi um capítulo desse roteiro. Ilude-se quem considerar que, superado esse episódio, “a democracia venceu”.

Não basta a prisão da raia-miúda e seus padrinhos no governo do Distrito Federal. Ou se chegar nos financiadores. Nem mesmo a eventual responsabilização política e criminal de Jair Bolsonaro permitirá virar essa página.

Para não se embriagar no autoengano, basta listar os fatos principais.

A nota dos três ex-comandantes militares, abençoando os protestos bolsonaristas, ainda em novembro.

Os longos e organizados acampamentos próximos às casernas.

A paralisia do Batalhão da Guarda Presidencial frente aos invasores do palácio.

A postura do comando militar no QG do Exército, na noite do levante, impedindo a ação da PM de Brasília e facilitando a fuga de sediciosos.

A conclusão é óbvia. A moradia da hidra golpista está nas Forças Armadas, que exercem tutela sobre o Estado desde a Guerra do Paraguai.

Essa instituição passou ao controle de fardados sequiosos em reassumir a direção do Estado, agora por via institucional, associando-se a um mequetrefe apaixonado pela ditadura dos generais.

Para implantar um programa ultraliberal, refazer o realinhamento com os Estados Unidos e embolsar gordos privilégios, altos oficiais se envolveram, direta ou indiretamente, em ataques à Constituição.

O presidente Lula tentou apaziguá-los, indicando um ministro da Defesa dócil ao partido militar, capaz de caracterizar atividades golpistas como “manifestações democráticas”, e indicando novos comandantes por critério de antiguidade. Mas bastaram sete dias para que fracassasse a política da pacificação.

Ainda assim, o líder petista teve firmeza e habilidade para debelar o motim, revertendo parcialmente falhas de Ministérios.

A verdade, contudo, é que apenas haverá estabilidade quando o ninho de serpentes for varrido dos quartéis. Outros chefes, de promoção mais recente e leais à autoridade presidencial, deveriam ser nomeados para as três armas, passando à reserva compulsória os oficiais mais próximos do bolsonarismo.

Novas regras para promoção e formação teriam que ser adotadas para combater a cultura antidemocrática.

Com a abertura de inquéritos disciplinares, militares vinculados à sedição poderiam ser afastados, processados e julgados, limpando as Forças Armadas de seus piores elementos.

O fiasco da intentona, por fim, com ampla reação dentro e fora do país, concede ao presidente a melhor oportunidade, desde a transição dos anos 80, para desmontar a tutela militar, abrindo caminho para a refundação do Estado brasileiro.

“Sem anistia”, gritam as ruas, com sabedoria.


31
Dez22

Tomando Posse

Talis Andrade
www.brasil247.com -
Ilustração Miguel Paiva

 

por Miguel Paiva

- - -

Aproveito aqui a posse do Presidente Lula, dos ministros e governadores para tomar posse também de coisas que havia perdido ou estavam proibidas e esquecidas.

Tomo posso do ar mais tranquilo, da democracia, do clima mais feliz e ameno, da alegria e da risada. Tomo posse do meu direito de ser como eu quiser, de amar quem eu quiser e me vestir como eu quiser. Tomo posse do direito de acreditar no deus que eu escolhi, na religião que eu sigo ou mesmo de não acreditar em nada ou ninguém.

Tomo posse do direito de ser gordo, magro, negro, branco, amarelo indígena ou europeu. É meu direito também pensar como eu quero, ajudar o próximo, fazer da educação meu objetivo maior, ler o que eu quiser, ouvir a música que mais eu curto naquele momento. No momento seguinte posso mudar. Tomo posse também de todas as comidas e bebidas que existem nesse país e que estejam ao meu alcance. Tomo posse do direito de matar a fome de todos, de restabelecer o amor entre as pessoas, de conviver com as diferenças, de ouvir as conversas, dar risadas, respeitar o entendimento e o trabalho coletivo.

Tomo posse da terra, da casa, do meu lugar preferido. A posse das ruas, das praças, das praias, das planícies e das montanhas, dos rios, mares, lagos e praias. Posse das riquezas que temos, do petróleo, da pecuária, das florestas, das plantas medicinais, do conhecimento dos povos originários, da tradição passada de boca em boca, dos ensinamentos, dos truques e da sabedoria. Falando em sabedoria temos que tomar posse novamente da ciência, das vacinas, da medicina, do SUS, dos médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, de todos aqueles que nos ajudaram a combater a Covid.

Tomamos também posse da nossa relação de gratidão com os professores, alunos, funcionários, escritores, artistas, atores, músicos, comediantes, cartunistas, jornalistas, pesquisadores e doutores que nos ajudaram a manter de pé não só o país mas todos aqueles que resistiram ao fascismo que ameaçou a nossa identidade e a nossa cultura estes anos todos.

Tomamos posse também do país, do Brasil, dos seus símbolos, das suas características da sua bandeira, suas cores e sua paisagem. Tomamos posse da Amazônia para que não seja mais desmatada nem queimada. Tomamos posse das riquezas deste solo- mãe gentil que nos fornece o suficiente para sermos felizes. Vamos tomar posse novamente do orgulho de ser brasileiro, da alegria de dividir o pão, de compartilhar o trabalho e olhar no rosto do outro o sorriso que gostamos de dar e ver.

Este é o Brasil que eu quero novamente e se faltou alguma coisa para tomar posse é só juntar nessa lista. Temos o direito e o dever de tomar não só posse como tomar conta deste país para que não aconteça novamente de o perdermos de vista. Viva a democracia, as eleições e o presidente Lula. E possuído deste sentimento de Brasil termino por aqui para que todos nós possamos tomar posse da cidadania que tanto nos faltou.

31
Dez22

Em último ato, Bolsonaro se desculpa com apoiadores por não ter conseguido dar um golpe

Talis Andrade

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Golpista confesso

Bolsonaro admitiu ter passado os últimos dois meses nos bastidores tentando tramar um golpe contra Lula, trabalhando para "buscar alternativas"

 

247 - Jair Bolsonaro (PL) realizou nesta sexta-feira (30) sua última live na Presidência da República e, ao final da transmissão, chorou ao pedir desculpas a seus apoiadores por não tentar dar um golpe de Estado no Brasil contra a eleição do presidente diplomado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

"Se você está chateado, se coloque no meu lugar. Eu dei o melhor de mim, com sacrifício de quem estava ao meu lado, em especial a minha esposa, minha filha, minha enteada. Vocês também sofreram, sofrem agora. Alguns devem estar me criticando, ‘deveria ter feito isso, aquilo’. Eu não posso fazer algo que não seja bem feito e, assim, os efeitos colaterais sejam danosos demais. Não é questão de um país. Tudo que um país faz reflete nos outros”, declarou.

[Bolsonaro não falou dos "sacrifícios" dos filhos: O Zero 1, Flavio Bolsonaro, senador da República; Zero 2, Carlos Bolsonaro, vereador geral do Brasil pela ex-Cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro; Zero 3, Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo Estado de São Paulo; e Zero 4, Renan Bolsonaro, o infante que nunca estudou e nunca trabalhou, lobista dos negócios mil do governo militar de Bolsonaro e do Orçamento Secreto e outras transações escabrosas, com sigilo de cem anos]

>>> "Não vamos duvidar das urnas aqui", diz Bolsonaro, em seu último pronunciamento

Ele ainda confessou que ao longo dos últimos dois meses, desde a vitória de Lula no segundo turno da eleição presidencial, tentou tramar nos bastidores, em silêncio, um golpe. Suas falas indicam que ele não conseguiu reunir o apoio necessário para levar o plano adiante. "Como foi difícil ficar dois meses calado, trabalhando para buscar alternativas. Qualquer coisa que eu falasse seria um escândalo na imprensa. Eu quieto sou atacado. Acredito em vocês, acredito no Brasil. Perde-se batalhas, mas não vamos perder guerras".

Na mesma live, em um momento anterior, Bolsonaro disse que "ninguém quer uma aventura". "Busquei, dentro das quatro linhas, das leis, saída para isso aí. Se a gente podia questionar alguma coisa… Tudo dentro das quatro linhas. Eu não saí, ao longo do mandato, das quatro linhas. Ninguém quer uma aventura. Agora, muitas vezes, dentro das quatro linhas você tem que ter apoios. Em nenhum momento fui procurado para fazer nada de errado, violentando seja o que for. Fiz minha parte, estou fazendo até hoje, dentro das quatro linhas. Agora, certas medidas têm que ter apoio do parlamento, do Supremo, de outros órgãos, de outras instituições".

 

12
Nov22

Cúpulas militares alimentam caos e baderna

Talis Andrade

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As cúpulas partidarizadas das Forças Armadas são a principal fonte de alimentação da tentativa fascista-bolsonarista de desestabilizar o país e gerar – artificialmente – caos e uma profunda crise política e institucional.

A conduta irresponsável a respeito da eleição é apenas mais um capítulo deplorável da atuação antiprofissional, inconstitucional e conspirativa das Forças Armadas. Atuação irregular, aliás, que vem de longe; pelo menos desde a Comissão Nacional da Verdade, em 2011.

Tivessem o mínimo de vergonha, dignidade e lealdade institucional, as cúpulas militares não teriam propiciado este teatro patético com o relatório sobre o funcionamento das urnas eletrônicas.

Optaram, ao invés disso, em atuar diretamente e/ou em se associar à baderna promovida pela escória fascista na torpe ilusão de que, com o “clamor das ruas”, poderão intervir para “salvar o Brasil”.

A cumplicidade com os atentados antidemocráticos é comprovada pela camaradagem com que os criminosos amotinados nas áreas militares são tratados. Estas áreas dos quartéis e comandos militares viraram quintais para piqueniques de baderneiros.

O cúmulo do absurdo foi o ofício enviado pelo Comando Militar do Planalto ao Governo do Distrito Federal solicitando disponibilização de ambulâncias, instalação de banheiros químicos e realização de serviço de limpeza na área do Quartel General do Exército Brasileiro ocupada pelas hordas fascistas.

Inconformados, porém, com a indiferença do mundo político e do poder judiciário com as falsas denúncias de fraude fabricadas pelo general-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira para tumultuar o processo, os comandantes das três Forças decidiram então soltar um comunicado nesta 6ª feira, 11/11, em mais uma tentativa de desestabilizar e causar uma crise política e institucional no país.

Na mensagem “às Instituições e ao Povo Brasileiro” [como no original, com as iniciais em maiúsculo] os comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica defendem aqueles que “criminosamente não aceitam a democracia e serão tratados como criminosos”, como já disse o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes.

No texto laudatório e de contorno salvacionista, os comandantes das três Forças repetem os delírios que alimentam a respeito de si próprios e do papel das Forças Armadas; delírios, aliás, que não encontram amparo na Constituição, como por exemplo:

– “a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira reafirmam seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil, ratificado pelos valores e pelas tradições das Forças Armadas, sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história’;

– “As Forças Armadas permanecem vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional na garantia de nossa Soberania, da Ordem e do Progresso, sempre em defesa de nosso Povo”;

– “temos primado pela Legalidade, Legitimidade e Estabilidade, transmitindo a nossos subordinados serenidade, confiança na cadeia de comando, coesão e patriotismo”;

– “O foco continuará a ser mantido no incansável cumprimento das nobres missões de Soldados Brasileiros, tendo como pilares de nossas convicções a Fé no Brasil e em seu pacífico e admirável Povo”.

Por um considerável período depois da ditadura, os militares mantiveram um funcionamento político discreto e secreto dentro dos quartéis. Esta etapa vai até a participação subterrânea deles na trama para derrubar a presidente Dilma, como registrado no livro do usurpador Michel Temer.

Depois do golpe de 2016 eles ocuparam postos-chave no governo golpista chefiado por Temer – GSI, Ministério da Defesa e intervenção federal no Estado do Rio. A partir daí, assumiram um protagonismo direto no processo de colonização do aparelho de Estado; processo que alcançou seu clímax no governo militar presidido por Bolsonaro.

A designação do general Fernando Azevedo e Silva para atuar no gabinete do presidente do STF Dias Toffoli durante o processo eleitoral de 2018 se insere neste contexto de avanço da interferência e da tutela militar, cujo sintoma mais traumático foi o tuíte do Alto Comando do Exército assinado pelo general Villas Bôas em 3 de abril de 2018.

A desestabilização do país para justificar uma pretensa intervenção militar sempre esteve nos planos das cúpulas partidarizadas das Forças Armadas, que se articulam e se organizam como um Partido Militar clandestino.

As cúpulas militares são a principal fonte de caos e desestabilização do país.

Para avançar a restauração da democracia, o governo Lula/Alckmin terá de estabelecer, com o Congresso e a sociedade civil, um marco para a atuação profissional das Forças Armadas nos estritos limites da sua missão institucional, ou seja, de defesa nacional contra eventuais ameaças externas e, portanto, totalmente fora da política e de funções civis.
 

O relatório da Defesa e a honra militar

 
 
11
Nov22

E agora, José? As eleições acabaram e as urnas venceram

Talis Andrade

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Por Marcelo Aith /ConJur

Motivo de grandes manifestações pelo país, com o fechamento de estradas e vias essenciais por apoiadores do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, a lisura das eleições do 2022 foi confirmada por três importantes documentos, nos últimos dias: os relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e o relatório final do Ministério da Defesa. Mais importante pelo risco teria à democracia caso uma palavra mal colocada foi emprega no texto. Todos essas auditorias, que fiscalizaram o pleito do dia 30 de outubro, não encontraram quaisquer divergências nos boletins das urnas eletrônicas. 

Assim, todos os ataques sobre as ferramentas e sistemas das eleições no país naufragaram. A narrativa que questionava o pleito, encabeçada pelo presidente e candidato derrotado à reeleição, Jair Bolsonaro, foi sepultada. Principalmente, após o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, encaminhar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o relatório de fiscalização do processo de votação que não apontou nenhuma fraude eleitoral e reconheceu que os boletins de urnas e os resultados divulgados pelo tribunal são idênticos.

Esse boletins são impressos pelos mesários após o encerramento da votação e afixado na porta da seção eleitoral. O documento contém o número de votos por candidato, nulos, brancos e dados sobre o equipamento de votação. E além do Ministério da Defesa, o TCU e a OAB Federal, também no papel de fiscais do processo democrático eleitoral, não encontraram nenhum tipo de alterações ou divergência 

Vale ressaltar que o TCU, em sua análise, destacou que a atuação no trabalho de auditoria das urnas objetiva garantir a confiabilidade das informações públicas repassadas à sociedade. 

Já o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, José Alberto Simonetti, entregou um ofício ao TSE, produzido pela Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB, que reforçou a confiança da entidade no sistema eletrônico de votação. No documento, o presidente da OAB frisou que "evidenciou-se, ao contrário, a postura transparente da Justiça Eleitoral na preservação da lisura e da segurança". Ou seja, deixando cristalino que as eleições transcorreram sem qualquer mácula e com grande transparência.

E o relatório produzido pela Defesa, com participação das Forças Armadas, foi a pá de cal nas manifestações sobre a falta de lisura nas eleições brasileiras. Entretanto, apesar de reconhecer que o pleito ocorreu sem nenhuma evidência ou indício de fraude que possa ter surtido efeito real na votação para o cargo maior do país, os militares fizeram críticas pontuais no sistema de avaliação e fiscalização completa do processo eleitoral. Ou seja, eles não colocaram o sistema atual na parede, mas também não atestam a sua integridade em 100%.

Em uma parte do relatório, os militares avaliaram que por conta da complexidade do sistema, da falta de esclarecimentos técnicos, de acesso a programas e bibliotecas, "não foi possível fiscalizar o sistema completamente, o que demanda a adoção de melhorias no sentido de propiciar a sua inspeção e a análise completas".

Na prática, não estão dando o braço a torcer sobre a transparência da eleição. Uma vez que o código fonte ficou a disposição das autoridades públicas e dos partidos por meses. Oxalá que essa afirmação do Ministério da Defesa ao invés de acalmar os ânimos, não sirva para incentivar mais atentados à democracia.

Os apoiadores do presidente, quando exaltam e pedem a intervenção militar na porta dos quartéis, não podem se esquecer que estão a incorrer nos crimes previstos nos artigos artigos 359-L e 359-M, ambos do Código Penal, na medida em que buscam com a tomada do poder pelas Forças Armadas à abolição violenta do Estado democrático de Direito (artigo 359-L), com a imposição de golpe de estado (artigo 359-M). Que os relatórios apresentados ao presidente do TSE, que confirmam a lisura das urnas e das eleições, acalmem os revoltosos e a paz volte a reinar, minimamente, no país.

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08
Nov22

O sinistro do golpismo

Talis Andrade

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Por Juan Manuel Palomino Domínguez 

Sair às ruas, interditar rodovias e estradas, vestindo a camisa da seleção brasileira, portando a bandeira do país, se apropriando do hino nacional, para pedir para o exército que aponte seus fuzis para irmãos compatriotas que tem uma ideologia diferente, com o fim de amedrontá-los, até de atentar contra sua integridade física, é algo bem sinistro. 

Como cidadão, como humano, quem pede golpe de estado é um ser sinistro, macabro, funesto. Não tem outra forma de nomear essas pessoas que hoje estão na rua  prejudicando a economia do país de forma deliberada por não admitir um resultado eleitoral. A ignorância e a alienação, alimentadas de forma permanente pelas redes de comunicação do gabinete do ódio, tem solo fértil no mau caratismo de quem acredita estar certo em impedir o percurso da história democrática da nação por mera intolerância e mesquinidade, além da incompetência cognitiva para entender os limites que a cidadania tem dentro do campo de ação democrático.    

Não existe hoje na situação institucional e social brasileira nenhum fenômeno que possa servir de argumento para pedir a intervenção das forças armadas, a não ser que seja a intolerância política, religiosa, classista, racista e patriarcal. É uma combinação lúgubre dos piores sentimentos cidadãos.   O ódio pelo ódio mesmo. 

As agressões já não tem somente como alvo militantes petistas, comunistas, professores, cientistas, ativistas sociais.  Hoje se agride jornalistas da Globo, da Record, do SBT, da Jovem Pan. A situação está chegando a limites onde o bolsonarismo está a um degrau de se tornar uma forma de terrorismo de extrema-direita (se não é que já se tornou isso há tempo). A  imprensa toda tornou-se um empecilho entre a realidade paralela, a idolatria obcecada, o delírio místico e violento. 

A agressão tornou-se uma prática legitimada pela própria insanidade e perversão da massa golpista. Passou-se da agressão verbal, praticada pelo presidente Bolsonaro contra jornalistas sobre tudo, que questionassem qualquer ação do governo, a agressão física praticada pelos grupos golpistas contra todo aquele que não se submeta aos pedidos e reclamações lunáticas que os mantêm na rua.

Foram agredidos trabalhadores, estudantes menores de idade, famílias dentro de carros, pessoas que precisavam chegar a algum lugar com urgência por questões de saúde, caminhoneiros, motoristas de ônibus e transeuntes.

Percebe-se uma ostensiva despreocupação por parte dos bolsonaristas em partir para  agressão física ante qualquer obstrução aos seus pedidos.  O preocupante é ver como essa gente consegue ter proximidades assustadoras com as forças policiais e do exército. O golpismo é um caldo assassino conformado por diversos setores sociais decididos a exterminar toda oposição, toda diversidade e pluralismo.  A imprensa toda hoje mostra sua preocupação. É preocupante. Não vale de nada agora sinalizar a responsabilidade óbvia da mídia tradicional brasileira que alimentou a barbárie desde os atos apropriados pela direita no ano 2013. Que foi cúmplice do golpe constitucional de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff.

As feras estão descontroladas. Acreditam que se foi possível dar o golpe uma vez, podem dar um golpe as vezes que quiserem. Só que dessa vez o pedido é mais radical. O pedido hoje é pela militarização da sociedade, o que barraria de vez com todos os privilégios dos setores civis que foram comparsas durante o destituição ilegal da Dilma. A militarização da sociedade é algo que iria prejudicar setores de poder que estão ferreamente interligados: setores da alta burguesia junto a setores da alta cúpula do judiciário.  Esses setores são hoje o muro de contenção entre o golpe de estado e a democracia no Brasil. Como diria Cazuza no plural, “estamos sobrevivendo pela caridade de que nos detesta”. A democracia nesse país, poderia se dizer, sobrevive hoje em parte, graças à resistência de setores de poder que detestam, em essência, a democracia.

O que fica no ar é esse ambiente de medo, de pasmo, ante essa loucura violenta que parece ter tido seu pico de evolução durante o feriado do dia 2 de novembro. A transição já  foi iniciada por Geraldo Alckmin. E Bolsonaro não tem poder nem competência para dar um golpe. Essa direita, tão perigosa, que se agigantou tanto, sabemos, está conformada por um bando de ratos cobiçosos e medrosos. As armas são o instrumento do medo para destruir a liberdade e o amor.

Por sorte, não existem no Brasil hoje armas suficientes para demolir o ato de amor à democracia encarnado por uma grande proporção do povo brasileiro durante as eleições do dia 30 de outubro de 2022.

05
Nov22

Violência eleitoral: noite da votação teve pico de assassinatos

Talis Andrade

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Levantamento inédito da Agência Pública registrou cinco assassinatos apenas no final de semana do segundo turno


por Anna Beatriz Anjos, Caio de Freitas Paes, Clarissa Levy, Giulia Afiune, José Cícero, Júlia Rohden, Karina Tarasiuk, Laura Scofield, Mariama Correia, Matheus Santino, Nathallia Fonseca, Rafael Oliveira, Yolanda Pires /Agência Pública

 


* 40% dos ataques foram por bolsonaristas e 7% por apoiadores de Lula
* Desde o início da campanha houve pelo menos 15 assassinatos e 23 tentativas


Pedro Henrique Dias Soares, 28 anos, foi assassinado em Belo Horizonte (MG), enquanto comemorava a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a presidência, no último dia 30 de outubro. Ele estava com familiares, na garagem de casa, quando um homem que vestia uma máscara chegou atirando. Além de Pedro, a mãe dele e uma prima saíram feridas, mas sem gravidade. A menina Luana Rafaela Oliveira Barcelos, de 12 anos, também baleada pelo mesmo agressor, faleceu nesta quinta-feira (3) em decorrência dos ferimentos.

As mortes são o ápice de uma campanha extremamente violenta, na qual ocorreram pelo menos 324 casos de violência eleitoral, uma média de quatro casos por dia, de acordo com levantamento exclusivo feito pela Agência Pública. Em 40% deles, os agressores eram apoiadores do presidente Bolsonaro. Apoiadores de Lula protagonizaram 7% dos ataques. Em 57% das ocorrências não foi possível identificar os agressores. Em dois terços, os agressores eram homens cisgênero.

Apenas em 30 de outubro, dia do segundo turno eleitoral, registramos 36 casos de violência política. Ao menos dez envolveram o uso de armas de fogo. Em todo o período eleitoral, houve pelo menos 15 assassinatos e 23 tentativas de assassinato. O segundo turno foi expressivamente mais violento. O fim de semana da ida às urnas teve 14 ocorrências com arma de fogo, 23 agressões físicas, cinco atentados ou tentativas de assassinato e cinco assassinatos. No final de semana do primeiro turno não houve registros de assassinatos. 

“Eu não consigo expressar a dor que eu tô sentindo em ver um amigo querido, uma pessoa tão nova com uma caminhada imensa pela frente assassinado friamente por sua escolha política”, disse uma amiga de Pedro Henrique, nas redes sociais. Ruan Nilton da Luz, de 36 anos, foi preso em flagrante, acusado de homicídio e tentativa de homicídio. Ele tinha armas e certificado de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC). Antes do crime, segundo o portal O Tempo, o homem gritava “Bolsonaro” nas ruas e teria feito uma postagem nas redes sociais afirmando que se o presidente perdesse a reeleição, ele sairia fazendo “uma desgraça” nas ruas, o que pode indicar a premeditação do crime.

Em uma das eleições mais violentas da história do país, a reportagem da Agência Pública mapeou e checou ataques contra eleitores, candidatos, jornalistas e trabalhadores de institutos de pesquisa. Os dados foram colhidos desde o início oficial da campanha, em 16 de agosto, até o segundo turno, realizado em 30 de outubro, a partir de notícias divulgadas na imprensa local e nacional, nas redes sociais e em um questionário aberto ao público. O levantamento considera apenas ataques presenciais, excluindo ataques por telefone, por email e pelas redes sociais. 

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Pedro Henrique foi assassinado durante comemorações das eleições em MG

 

“A violência política é sistemática e afeta diretamente nossa democracia”, analisa Gisele Barbieri, coordenadora de incidência política da Terra de Direitos, organização que também monitora casos de violência nas eleições junto com a Justiça Global. De acordo com o levantamento feito pelas duas organizações, que utiliza uma metodologia própria, apenas nos dois meses que antecederam o primeiro turno das eleições deste ano, o número de episódios de violência política quase se igualou à quantidade de casos registrados nos primeiros sete meses do ano. Entre 1 de agosto e 2 de outubro de 2022, as organizações registraram 121 casos de violência política. Ou seja, até o primeiro turno, duas pessoas foram vítimas de violência eleitoral por dia.

“O acirramento da violência é crescente e segue um padrão consolidado antes mesmo do período eleitoral. Existe um discurso público contra determinados grupos de pessoas, vindo principalmente da autoridade máxima do país, que incentiva outros atores a reproduzirem a violência política e eleitoral”, considera Barbieri. “Nós percebemos uma concentração de casos contra candidaturas que atuam na defesa dos direitos humanos. Ou seja, a violência está cada vez mais sofisticada, intensa e direcionada a determinados grupos de pessoas, que já estão apartados dos espaços de poder e decisão”, acrescenta.

A coordenadora da Terra de Direitos alerta ainda que os números de casos de violência política e eleitoral podem ser muito maiores do que mostram os levantamentos em razão da subnotificação das ocorrências.

Gisele também destaca que é muito difícil identificar quem são os agressores. “Mas em mais de 70% dos casos onde é possível identificar os agressores, eles são homens cisgênero brancos e muitos são agentes políticos”, informa.

Do total de ocorrências de violência eleitoral mapeados pela Pública, 51% (166) foram motivados por discordância política. Em 125 houve violência contra mulheres, 19 envolveram racismo e oito, LGBTfobia.

Um dos casos de violência mais explícitos, envolvendo armas de fogo, foi protagonizado pela deputada federal bolsonarista reeleita Carla Zambelli (PL), na véspera do segundo turno. Ela apontou uma arma para o jornalista Luan Araújo, que é um homem negro e apoiador do PT, e com a arma em punho o perseguiu pelas ruas de São Paulo, em plena luz do dia. O vídeo que mostra a cena viralizou. Zambelli chegou a afirmar que tinha sido empurrada por Araújo, mas o argumento foi desmentido por testemunhas ouvidas pela Pública e também por um vídeo que mostra a deputada caindo sozinha, após ter sido xingada pelo militante. O PSOL entrou com um pedido de cassação de Zambelli e a Polícia Federal investiga o caso. (Continua)Image

 

03
Nov22

Seria uma catástrofe não punir o uso abusivo da máquina pública nessas eleições

Talis Andrade

Setembro 2022 - O CORRESPONDENTEPresidente brasileiro, Jair Bolsonaro, transforma ato pelo 7 de Setembro no Rio de Janeiro em campanha eleitoral.

Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, transforma ato pelo 7 de Setembro no Rio de Janeiro em campanha eleitoral.

Charge Márcio Vaccari. Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, transforma ato pelo 7 de Setembro no Rio de Janeiro em campanha eleitoral. AP - Rodrigo Abd

 

Analistas ouvidos pela RFI defendem a apuração de denúncias sobre as ações do Estado a favor da reeleição de do presidente Jair Bolsonaro, assim como sobre o envolvimento de empresários e políticos nos protestos contra o resultado das urnas

 

Por Raquel Miura /RFI 

O problema não é de hoje e se acentuou desde que foi permitida a reeleição para cargos no Executivo, em 1997. Porém, este ano, as denúncias de uso da máquina pública para angariar votos à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) surpreenderam analistas, que afirmam ser imperioso uma resposta da justiça para que não se abra uma jurisprudência perigosa à democracia no país.

O sociólogo e analista político Paulo Baía, da URFJ, considera que a ação mais explícita do Estado foram as operações da Polícia Rodoviária Federal no domingo de eleição (30), especialmente em áreas onde a força política do PT é maior, como no Nordeste. A fiscalização nas rodovias só foi suspensa quando o TSE ameaçou prender o diretor da corporação.

“Nunca se viu uma eleição, desde a redemocratização em 1989, em que a máquina pública tenha se transformado em máquina eleitoral de forma tão ampla como agora. Não que antes não tenha existido, existiu sim. Mas desta vez foi num patamar muito maior”, afirmou Baía à RFI. “É muito importante que o Ministério Público Eleitoral e o Ministério Público que atua na Justiça Federal ajam de forma eficaz nesses casos. Entretanto, não haverá resposta imediata, porque há todo um processo, tem o tempo da justiça”, completou o analista.

O advogado Antônio Ribeiro Júnior, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, disse à RFI que as regras eleitorais foram claramente atropeladas com vistas à reeleição do presidente Bolsonaro. Ele cita a Emenda das Bondades, como ficou conhecida a PEC que permitiu o reajuste de benefícios sociais e concedeu vantagens financeiras a diversas categorias, além de antecipações de valores às vésperas do segundo turno, e acrescenta ainda que a democracia corre risco se não houver uma análise cuidadosa desses casos pela Justiça.

“Essas medidas, de imediato, acarretariam uma cassação ou uma ação por abuso de poder econômico e político a gestores municipais. Então precisamos esperar uma posição da Justiça sobre tudo o que vimos nessas eleições. Ou corremos o risco de abrir uma exceção às regras eleitorais, o que, num país continental e com mecanismos ainda falhos de combate à corrupção, seria uma catástrofe”, afirmou o advogado.

Há suspeita também envolvendo gestores locais, como prefeitos aliados do presidente, que teriam pressionado eleitores a votarem em Bolsonaro sob risco de ficarem sem o Auxílio Brasil, ou que estes não teriam disponibilizado transporte coletivo necessário a moradores de determinadas localidades. Na esfera privada, a Justiça Eleitoral recebeu diversas denúncias de assédio de patrões sobre seus funcionários.

 

Manifestações

 

Procuradores também estão investigando a participação de empresários e autoridades políticas nos protestos contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A mobilização começou com o bloqueio de estradas e agora passou a se concentrar em frente a quartéis do Exército em muitas cidades brasileiras.

Os dois analistas que conversaram com a RFI disseram que a democracia assegura manifestações mesmo contra o resultado legal das urnas, mas que há limites, o que não inclui o cerceamento do direito de ir e vir de outras pessoas e a apologia a símbolos de tortura e massacre. Num desses protestos, manifestantes teriam feito um gesto nazista, com os braços levantados para cima durante a execução do hino nacional. Diante da repercussão das imagens nas redes sociais, alguns organizadores alegaram ser uma saudação à bandeira.

“É preciso apurar, acompanhar o que está acontecendo, verificar, por exemplo, se empresários estimulam e financiam esses atos, se partidos e autoridades estão por trás disso. A força das instituições precisa prevalecer, mas sem excesso. Porque esses grupos visam também se vitimar e fazer disso uma questão ideológica”, avaliou Ribeiro Júnior.

Para o advogado, “o derrotismo é claro porque o presidente reconhece que perdeu ao indicar o representante para a transição de governo, bem como setores que apoiaram o presidente também reconheceram a derrota. Mas o grupo que protesta tenta clamar uma intervenção para salvar a família, os costumes do que eles consideram como mal maior, que seria a esquerda”.

 

“Uma anomalia”

 

O sociólogo Paulo Baía acredita que essas mobilizações estão sendo acompanhadas pelos órgãos públicos e que a situação irá se normalizar. “Estou muito tranquilo com relação ao que está acontecendo no país. Nós temos uma anomalia quando olhamos esse pessoal questionando as eleições, o que não é uma novidade, era esperado. Mas ao mesmo tempo existe uma extrema normalidade com o funcionamento da Justiça, dos órgãos de segurança e da atuação dos procuradores”, avalia o professor da URFJ.

O Ministério Público de São Paulo informou que apura quem está por trás da organização e do financiamento do que chamou de grupos criminosos que atuaram no bloqueio de rodovias no estado, inclusive com a presença de menores no meio dos manifestantes.

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Michelle Bolsonaro com a farda da golpista Polícia Rodoviária Federal - PRF

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Baderneiro, golpista, inimigo da democracia, sua tropa da câmera de gás tentou impedir o voto livre, democrático e soberano dos eleitores de Lula. Cadeia nesse safado
Sérgio A J Barretto
@SergioAJBarrett
As investigações sobre a cumplicidade do ex-dirigente da PRF com os caminhoneiros golpistas foram também colocadas em sigilo de 100 anos. É um século que vai virar dois meses

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