MPF usa contra Greenwald áudio que PF havia julgado favorável ao jornalista
O Ministério Público Federal (MPF) em Brasília denunciou nesta terça-feira o jornalista Glenn Greenwald, fundador do The Intercept, e outros seis investigados por envolvimento na invasão de celulares de autoridades como o ministro Sergio Moro e o Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Operação Lava Jato. As mensagens privadas repassadas a Greenwald originaram série de reportagens feitas pelo The Intercept Brasil e um grupo de veículos, incluindo o EL PAÍS, que revelaram a proximidade entre Moro, então juiz da Lava Jato, e os procuradores e puseram em xeque a imparcialidade da operação. O jornalista norte-americano sempre rechaçou ter participação do hackeamento e tem evocado o sigilo de fonte para defender a utilização do material.
Na denúncia, que foi alvo de críticas de entidades de imprensa nacionais e internacionais, o procurador Wellington Oliveira utiliza um diálogo entre Greenwald e um dos acusados que confessou ter roubado as mensagens das autoridades para dizer que o jornalista "de forma livre, consciente e voluntária, auxiliou, incentivou e orientou, de maneira direta, o grupo criminoso, durante a prática delitiva, agindo como garantidor do grupo, obtendo vantagem financeira com a conduta aqui descrita”. Oliveira não dá mais detalhes. A conclusão do Ministério Público Federal, porém, vai na contramão da Polícia Federal, que não viu nada inadequado na conduta do jornalista. Em dezembro, relatório da PF sobre o caso afirmou, com base no mesmo material investigado e no exato áudio referido por Oliveira, que a troca de mensagens era uma "evidência da adoção por Glenn Greenwald de uma postura cuidadosa e distante em relação à execução das invasões, bem como da escolha de eventuais alvos pelos criminosos”.
“O Governo Bolsonaro e o movimento que o apoia deixaram repetidamente claro que não acreditam em liberdade de imprensa”, protestou Greenwald em nota enviada à Folha de S. Paulo. Seus advogados disseram que vão tomar as medidas cabíveis e que pretendem acionar a Associação Brasileira de Imprensa. A nota The Intercept seguiu a mesma linha e viu na ação como uma tentativa de “criminalizar o jornalismo brasileiro”, e não apenas o site. No Twitter, Edison Lanza, relator da OEA para a Liberdade de Expressão, disse enxergar “preocupantes implicações para a liberdade de expressão” no procedimento movido contra Greenwald. Já a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou uma nota em que analisa trechos da denúncia e chega a conclusão de que ela foi feita “como único propósito constranger" o jornalista. “A denúncia contra Glenn Greenwald é baseada em uma interpretação distorcida das conversas do jornalista com sua então fonte”, afirma. “É um absurdo que o Ministério Público Federal abuse de suas funções para perseguir um jornalista e, assim, violar o direito dos brasileiros de viver em um país com imprensa livre e capaz de expor desvios de agentes públicos”, prossegue. A ONG Anistia Internacional afirmou, por sua vez, que a denúncia “é profundamente grave e representa uma escalada na ameaça à liberdade de imprensa no Brasil”, uma vez que “se soma a uma série de agressões que o presidente Jair Bolsonaro tem praticado contra repórteres, além de medidas que soam como ameaçadoras contra veículos de comunicação nos últimos meses”.
No mesmo áudio e Supremo
Além da rejeição de entidades e políticos, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o caso também reverberou no Supremo Tribunal Federal. Em agosto, o ministro do STF, Gilmar Mendes, vetou a implicação de Greenwald no caso, evocando a proteção ao direito de fonte. Por causa disso, o jornalista não poderia ser investigado.
A denúncia é mais um capítulo da novela política que começou com a publicação da série de reportagens originadas nas mensagens privadas, batizadas de Vaza Jato pelo The Intercept. O material marcou a agenda política brasileira desde junho de 2019 e abalou a percepção pública da Operação Lava Jato. Após as primeiras reportagens, o presidente Jair Bolsonaro chegou a sugerir que Greenwald poderia ser preso. As declarações provocaram protestos de entidades em defesa da liberdade de expressão no Brasil e no exterior.
O EL PAÍS, que assim como Folha, a Veja e outros veículos utilizou as mensagens para fazer reportagens, reitera que não paga para conseguir informações sigilosas nem estimula atos criminosos para tal, mas não se furta de apresentar a seus leitores um cabedal de notório interesse jornalístico, independentemente da forma que tenha chegado à imprensa protegido pelo sigilo de fonte. [Transcrevi trechos]