Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

09
Nov23

Otimista ou pessimista?

Talis Andrade
16
Ago23

Eram os deuses comentaristas de TV?

Talis Andrade

 

“O consílio dos deuses”, de Rafael.

Estava na hora dos grupos de mídia promoverem uma reciclagem, pelo menos para seus comentaristas mais conhecidos

 

- - -

Na CNN, com seus modos nada fidalgos, o apresentador William Waack é peremptório, na entrevista com Alexandre Padilha, da coordenação política do governo. Pergunta – em tom acusatório – se o governo vai repetir os erros do PAC e de outras políticas desenvolvimentistas, que levaram o país ao desastre e produziram desemprego. O fim dos estaleiros, apud Waack, se deveu a erros de política econômica, não ao trabalho devastador da Lava Jato.

Na Globonews, Mônica Waldvogel comenta o PAC e diz que a falta de sustentação fiscal jogou o país na crise.

Provavelmente não leram um livro de economia recente, nem acompanham o tema financeirização x investimento público que domina o debate econômico em todos os países desenvolvidos. O que eles sabem, leram nos jornais, de jornalistas que aprenderam o que leram nos jornais, de outros jornalistas que sabem o que leram nos jornais. E, no fim da linha, operadores de mercado repetindo slogans que leram nos jornais. Papagaios em rede!

Um grande especialista em política internacional, Waack, uma analista ligada a bons princípios civilizatórios, Mônica, de repente passam a pontificar sobre economia, não com o espírito do repórter, querendo aprender, mas do juiz assinando sentenças definitivas sobre temas que desconhecem. Tenho o microfone, logo sou a lei.

Estava na hora dos grupos de mídia promoverem uma reciclagem, pelo menos para seus comentaristas mais conhecidos. Não dói. Basta chamar um bom especialista em ortodoxia e um bom especialista em heterodoxia, e, principalmente, alguém em dia com as discussões econômicas globais. E solicitar a seus comentaristas que retomem a curiosidade dos tempos de repórter e façam perguntas, tenham a humildade de se colocar como repórteres dispostos a aprender, não como amadores pretendendo ensinar,

Se escolherem bem os expositores, haverá um notável avanço na qualidade dos comentários televisivos. Waack não precisará rebaixar seu notório conhecimento em outros temas repisando bordões da imprensa financeira, com a mesma segurança ignorante dos jovens repórteres que cobrem o mercado ouvindo o segundo e terceiro escalões.

Aí, serão capazes de entender que a economia é algo um pouco mais complexo do que o debate rasteiro sobre fiscalismo e desenvolvimentismo. Poderão até se dar o supremo benefício da dúvida, e se indagar porque de Joaquim Levy para cá – quando foi inaugurado o modelo mercadista – não houve desenvolvimento algum. Poderão aprender um pouco sobre as disfuncionalidades da Lei do Teto, sobre as restrições políticas de economia, sobre aspectos centrais do desenvolvimento, sobre o poder multiplicador e os limites dos investimentos públicos.

No mínimo conseguirão se livrar da doença do auto-engano, de supor que comentários, multiplicados por grandes redes, têm o poder da infabilidade.

Lava Jato, o mais degradante episódio da história da mídia nacional, por Luís Nassif

Os diálogos dos procuradores ironizando a morte de Dona Marisa e do neto de Lula, são a exposição nua da banalidade do mal

28
Abr23

O tamanho da China

Talis Andrade
www.brasil247.com - { imgCaption }}

Afirmar que os EUA são a maior economia do mundo é bom para o ego de quem o faz, mas isso não é mais verdade

 

por Dean Baker /A Terra É Redonda

- - -

É normal que políticos, repórteres e colunistas se refiram aos Estados Unidos como a maior economia do mundo e à China como a segunda maior. Suponho que essa afirmação seja boa para o ego dessas pessoas, mas isso não é mais verdade. Medindo pela paridade do poder de compra, a economia da China superou a dos EUA em 2014 e agora é cerca de 25% maior do que ela.[1] O FMI projeta que a economia da China será quase 40% maior até 2028, o último ano em suas projeções.

 

A mensuração que os apologetas dos Estados Unidos da América do Norte usam comumente é baseada na taxa de câmbio. É assim que se mede o PIB de cada país em sua própria moeda para depois converter essa moeda em dólares na taxa de câmbio atual. Por essa medida, a economia dos EUA ainda é mais de um terço maior do que a economia da China. Ora, essa medida reflete não apenas a produção, mas a força do dólar como dinheiro mundial.

Os economistas geralmente preferem a medida de paridade do poder de compra para a maioria dos propósitos. A medida da taxa de câmbio flutua enormemente, pois as taxas de câmbio podem facilmente mudar 10 ou 15 por cento em um ano. As taxas de câmbio também podem ser um tanto arbitrárias, pois são afetadas pelas decisões dos países de tentar controlar o valor de sua moeda nos mercados monetários internacionais.

Por outro lado, a medida de paridade do poder de compra aplica um conjunto comum de preços a todos os itens que um país produz em um ano. Com efeito, isso significa assumir que um carro, um aparelho de televisão, uma educação universitária etc. custam o mesmo em todos os países. A aplicação de preços comuns é uma tarefa difícil, os bens e serviços variam substancialmente entre os países, o que dificulta a aplicação de um preço único. Como resultado, as medidas de paridade de poder de compra têm claramente muita imprecisão.

No entanto, é claro que esta é a medida que mais interessa para a maioria dos propósitos. Se quisermos saber a quantidade de bens e serviços que um país produz em um ano, precisamos usar o mesmo conjunto de preços. Por essa medida, não há dúvida de que a economia da China é consideravelmente maior do que a economia dos Estados Unidos e, ademais, tem crescido muito mais rapidamente.

Só para esclarecer, isso não significa que os chineses são, em média, mais ricos do que os americanos. A China tem quase quatro vezes a população dos EUA. Portanto, por pessoa, os EUA ainda são mais de três vezes mais ricos que a China. Mas não deve ser um choque saber que um país com mais de 1,4 bilhão de pessoas tenha uma economia maior do que um país com 330 milhões.

Para as pessoas que precisam de mais dados para melhor se convencerem, podemos fazer comparações de vários itens específicos. Podemos começar com a produção de automóveis, uma medida padrão da produção industrial.

No ano passado, a China produziu mais de 27,0 milhões de carros, mas os Estados Unidos produziram um pouco menos de 10,1 milhões. (A China também lidera o mundo de longe na produção e uso de carros elétricos.) Os carros fabricados nos Estados Unidos, sem dúvida, são maiores e talvez melhores em média, mas teriam que ser muito melhores para compensar a diferença apontada.

Para tomar uma medida mais antiquada, a China produziu mais de 1.030 milhões de toneladas métricas de aço em 2021. Os Estados Unidos produziram menos de 90 milhões de toneladas métricas.

A China gerou 8.540.000 gigawatts-hora de eletricidade em 2021, quase o dobro dos 4.380.000 gigawatts-hora gerados nos Estados Unidos. A diferença é ainda maior se olharmos para a produção de energia solar e eólica. A China tem 307.000 megawatts-hora de capacidade solar instalada, em comparação com 97.000 nos Estados Unidos. A China tem 366.000 megawatts-hora de capacidade eólica instalada contra 141.000 nos Estados Unidos.

Podemos olhar para algumas medidas mais modernas. A China tem 1 bilhão de usuários de Internet. Os Estados Unidos têm 311 milhões. A China tem 975 milhões de usuários de smartphones, os Estados Unidos têm 276 milhões. Em 2016, a China formou 4,7 milhões de alunos com diplomas STEM (Science, Tecnology, engineering e mathematics). Nos EUA, o número foi de 330.000 no mesmo ano. As definições para graus STEM não são as mesmas, então os números não são estritamente comparáveis, mas seria difícil argumentar que o número dos EUA é de alguma forma maior. E o número quase certamente mudou mais a favor da China nos últimos sete anos.

Em termos de impacto na economia mundial, a China representou 14,7 por cento das exportações de bens em 2020. Os Estados Unidos representaram 8,1 por cento. Nos primeiros nove meses do ano passado, a China foi responsável por US$ 90 bilhões em investimentos estrangeiros diretos. Isso se compara a US$ 66 bilhões para os Estados Unidos.

Podemos acumular mais estatísticas, mas categoria após categoria, a China supera os Estados Unidos – e, muitas vezes, por uma margem muito grande. Se as pessoas quiserem colocar seus chapéus de magos e insistir que os EUA ainda são a maior economia do mundo, elas podem fazê-lo, mas o fato comprovável e iniludível é que Donald Trump perdeu a eleição de 2020 e que a economia da China é maior do que a dos Estados Unidos.

E tamanho importa. Não se trata apenas da questão de contar vantagem. A China é claramente um concorrente internacional nos planos econômico, militar e diplomático. Muitas pessoas querem adotar uma abordagem de confronto com a China, com a ideia de que podemos isolar o país e gastá-lo militarmente, como provavelmente fizemos com a União Soviética.

Em seu auge, a economia soviética tinha aproximadamente 60% do tamanho da economia dos Estados Unidos; ora, a economia da China já é 25% maior. E essa diferença está se expandindo rapidamente. A China também está muito mais integrada à economia mundial do que a União Soviética jamais esteve. Isso torna a perspectiva de isolar a China muito mais difícil.

Na prática, não importa se gostamos ou não da China. Ela está aí diante de nossos olhos estupefatos e não está prestes a desaparecer. Precisamos, nós americanos, encontrar maneiras de lidar com a China que não levem a um conflito militar.

Idealmente, encontraríamos áreas onde poderíamos cooperar, por exemplo, compartilhando tecnologia para enfrentar as mudanças climáticas e lidar com pandemias e outras ameaças à saúde. Mas, se alguém quiser seguir a rota da Nova Guerra Fria, deve pelo menos estar ciente dos números. Esta, caras e caros, não será a Guerra Fria de seu avô.

- - -

Tradução: Eleutério F. S. Prado.

Publicado originalmente no portal Counterpunch.

Notas


[1] Incluí Hong Kong e Macau neste cálculo, uma vez que agora ambos fazem efetivamente parte da China.

Craque do jogo

www.brasil247.com - { imgCaption }}
23
Abr23

Vamos nos livrar – enfim – dos bancos privados? (vídeo)

Talis Andrade

banco bala biblia por aroeira.jpg

 

Se os Estados são frequentemente forçados a socorrer os banqueiros, por que não nos livramos deles e convertermos a atividade bancária num serviço público voltado ao Comum? Vale conhecer este debate, que avança várias partes do mundo

Simone Deos, entrevistada por Antonio Martins

25
Mar23

As armadilhas para Lula

Talis Andrade

Renato Aroeira

Banco Central Codependente

www.brasil247.com - { imgCaption }}

 

A economia é o ponto chave da armadilha colocada para o governo Lula

porJean Marc von der Weid /A Terra É Redonda

 

A economia

Há um consenso entre os economistas de que a herança maldita do governo de Jair Bolsonaro é um desafio gigante em si mesma. O executivo está horrivelmente fragilizado em todos os seus instrumentos de ação. Faltam quadros e equipamentos em toda parte, os salários em setores vitais estão super comprimidos, organismos de controle estão sucateados. Só para recuperar a capacidade operativa, que mesmo em seus melhores momentos era carente, vai ser necessário investir muito.

Por outro lado, a infraestrutura de utilidade pública também está sucateada, com centenas de milhares de quilômetros de rodovias em condições precárias, milhares de obras paradas e/ou mal concebidas, investimentos em geração de energia e saneamento paralisados. Isto é só uma pequena amostra. A lista é longa e a superação do desgaste e dos atrasos vai ser cara.

A economia, de modo geral, vai se recuperando devagar e em sentido discutível, do ponto de vista social e ambiental. Inúmeras fábricas, grandes, médias e pequenas foram fechadas e a saúde financeira das empresas abalada, haja visto o escândalo das Lojas Americanas, premiada como modelo de gestão. A participação da indústria na economia vem caindo há tempos, mas levou um baque mais forte nos últimos 10 anos.

Crescem serviços precários, sem qualificação profissional e com remuneração baixa. O setor de construção civil vem retomando algum fôlego recentemente, mas não por acaso, vem privilegiando o setor mais rico. O déficit habitacional gigante está longe de estar equacionado e um novo Minha Casa, Minha Vida vai ter que ser muito turbinado, além de ter que se adaptar a uma lógica de sustentabilidade no desenho urbano que não foi a tônica do seu antecessor.

O que segue rentável e crescendo é o extrativismo e o agronegócio. No primeiro, as atividades ilegais de garimpo e extração de madeira vão ter que ser combatidos (ver adiante) e isto vai representar um freio nesta economia criminosa. Mas a atividade mais importante, a mineração legal, também poderá sofrer inibições, se o governo fizer o que tem que ser feito e obrigar as empresas a cuidar dos riscos ambientais de suas atividades. Nem Lula, nem Dilma Rousseff tentaram botar freios na expansão desenfreada das minas de todo tipo durante os seus governos, com uma legislação frouxa e uma vigilância mais frouxa ainda. Sorte deles que os desastres ocorreram nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, mas eles têm uma parte da culpa.

Como setor apontado como o mais dinâmico da nossa economia nos últimos 30 anos, o agronegócio é um capítulo à parte e que será discutido mais a fundo em outro artigo dessa série. Neste momento o que cabe lembrar é que as condições internacionais que permitiram a expansão inédita deste setor não devem se manter nos próximos anos. Os custos de produção, que vem em processo de ascenso há tempos, tendem a se acelerar, enquanto as restrições dos importadores para produtos oriundos de desmatamento ou do emprego de transgênicos e agrotóxicos tendem a aumentar. O freio nas economias dos países importadores, China e Europa em primeiro lugar, também devem colocar um efeito inibidor para a manutenção da expansão notável do nosso agronegócio. Agregue-se a isso, o aumento do custo Brasil, em particular no que tange o transporte terrestre e o funcionamento dos portos, para que possamos dizer que não teremos a repetição do dinamismo recente neste setor.

Para resumir, temos uma economia que anda de lado, tem problemas estruturais não resolvidos, com baixo nivel de investimentos e uma conjuntura internacional que tende a se manter em banho maria ou em recuperação bem lenta nos próximos anos.

Como o governo Lula pretende dinamizar a economia para ampliar e melhorar a qualidade do emprego, aumentar os salários e a renda dos trabalhadores? Como vai melhorar as condições de vida e o nível do consumo? Como vai enfrentar a brutal desigualdade na distribuição de renda que hoje inibe a expansão do mercado interno?

As ideias genéricas avançadas sobretudo pelo presidente do BNDES, Aluísio Mercadante, apontam para o financiamento de pequenas e médias empresas, o que é uma boa ideia para aumentar a demanda da mão de obra, hoje no desemprego e no subemprego, já que são elas as que oferecem mais vagas por real investido. É um avanço em comparação com os programas dos “campeões nacionais” dos governos petistas anteriores. Investir na economia verde também é um bom princípio, mas é preciso saber o que isso significa concretamente. Vamos colocar recursos na substituição do uso de combustíveis fósseis? Na eliminação de perdas energéticas de todo tipo? Na diminuição do uso de adubos químicos e agrotóxicos na produção de alimentos? Não há um plano de governo claro, nem na campanha eleitoral, nem na transição, nem até agora.

O governo está concentrado ainda em buscar os meios para investir, sem definir exatamente em que. A meu ver, isto é um erro porque significa discutir a reforma tributária apenas em termos de aumentar o cacife do executivo e de sua capacidade de investimento. Como já escrevi antes, este vai ser um debate crucial e ele está sendo travado sem o argumento do emprego futuro dos novos recursos que o governo vai buscar. Há uma ênfase no financiamento dos programas sociais e este é um objetivo importante e que tem que ficar muito claro para todos os contribuintes.

Há também referência à questão da justiça redistributiva e isto não está tão claro para o público em geral. Mas se deixarmos o debate da reforma ficar centrado apenas na racionalização dos inúmeros impostos, estaremos agradando as empresas. No entanto, estas não deixarão de urrar se houver algum movimento de aumento de impostos nesta racionalização. Esta é a reforma que o Lira quer colocar em votação. O que ele não quer, é ver o aumento das taxas para os mais ricos, em particular para os rentistas da economia financeira. O que dificulta fazer uma verdadeira e necessária reforma tributária aliviando os mais pobres e exigindo muito mais dos mais ricos é que os parlamentares fazem parte do bloco do andar de cima e teriam que pagar mais do que hoje desembolsam. Vai ser preciso muita pressão sobre o Congresso.

Se o governo quiser mobilizar a opinião pública para apoiar a reforma tributária ele vai ter que mostrar a importância dos recursos para tocar a economia e montar um programa onde o homem/mulher comum possa encontrar uma resposta concreta para suas preocupações quotidianas. Ou seja, precisamos de um programa que, claramente, se dirija para prover as necessidades do povo em alimentação, moradia, educação, saúde, emprego, saneamento, acesso à água, transporte, energia, lazer e cultura.

A discussão em curso sobre a taxa de juros está mal explicada. Baixar a Selic é uma necessidade admitida por quase todo mundo, até o setor bancário, embora da boca para fora. Mas, no passado, isto não teve qualquer efeito maior nas taxas de juros pagas pelas pessoas, no cartão de crédito, no cheque especial (em extinção), nos crediários das lojas. Com 70% da população com atrasos nos pagamentos das contas e um terço destes inadimplentes, são estes juros escorchantes os que interessam e não a abstração econômica (para o grande público) da Selic.

Anistiar as dívidas dos mais pobres é uma medida paliativa, embora necessária. Sem uma reforma bancária de fundo que baixe as taxas de juros para o consumidor, o reindividamento vai acontecer paulatinamente. A argumentação dos bancos em defesa de seus juros estratosféricos, os maiores do mundo, não se sustenta. Seria um spread para cobrir os riscos de inadimplência, mas ele provoca o próprio risco. Aliás, se este argumento se sustentasse, os bancos deveriam reduzir as taxas dos empréstimos consignados para meio por cento ao mês, já que o risco é zero.

A taxa Selic é “justificada” por ser um mecanismo de controle da inflação. Se estivéssemos com uma economia com forte pressão de demanda poderia até ser o caso, embora, tomado isoladamente, este mecanismo de controle tenha um efeito perverso de punir os mais pobres, e, em casos extremos (acredito ser o nosso) mais do que uma inflação moderada o faria. Mas não estamos diante de uma inflação de demanda, com a economia estagnada, a população endividada e os salários comprimidos. No caso dos alimentos, pelo menos, temos claramente uma inflação de custos e um contínuo aumento de preços devido à dolarização da produção do agronegócio e à alta dos preços das commodities no mundo.

Para quem acha que o pesadelo da inflação de alimentos acabou com a queda nos índices do mês de fevereiro, é melhor examinar melhor o quadro mais amplo. As grandes quedas nos preços de alimentos se concentraram nas carnes, em particular a bovina. Isto é um efeito conjuntural da suspensão temporária das exportações para a China, fruto de questões sanitárias. Por outro lado, o fato de que os frigoríficos e criadores se voltaram, por razões contingentes, para o mercado interno, mostra que é perfeitamente possível adotar políticas dirigidas para o abastecimento interno sem que se instale uma crise entre estas empresas. É óbvio que elas têm mais lucros com as exportações, mas são perfeitamente viáveis vendendo para o consumidor nacional.

No meio de tantas questões sobre o presente e o futuro da economia, o debate sobre a “autonomia” do Banco Central é quase obsceno. Para começar, o Banco Central foi declarado autônomo em lei com um único objetivo: tirar o controle da economia monetária das mãos do executivo. Tudo bem, tiraram. E quem controla o Banco Central? Um corpo de funcionários, na sua maior parte vinculados historicamente ao setor financeiro. Em outras palavras, a autonomia em relação ao poder executivo é trocada pela subordinação a um setor da economia, os bancos e financeiras.

Os burocratas de plantão se mostram fiéis às suas origens e interesses. Haja vista a oposição do atual presidente do Banco Central, tanto às pressões eleitoreiras de Jair Bolsonaro no ano passado como as de Lula este ano. Os bancos agradecem e os rentistas também. Entre parênteses, sei que nem todo aplicador em papéis do governo é um desalmado sugador das economias do povo. A grande maioria são pequenos aplicadores que buscam a proteção de suas parcas economias.

Mas o grosso, e bota grosso nisso, dos detentores de títulos do governo são grandes bancos e financeiras. Este mecanismo de financiamento do Estado através de títulos do governo, não tem nada de errado, intrinsecamente. O complicador é quando ele passa a ser utilizado como um enxugador de moeda a pretexto de controle de inflação, em qualquer circunstância, seja qual for o diagnóstico sobre a natureza desta inflação.

A autonomia do Banco Central é uma aberração. Os mecanismos de gestão da economia não podem ser fatiados entre agentes diferentes que podem estar em contradição, como é o caso aqui e agora. É uma jabuticaba brasileira (pleonasmo), salvo exceções aqui e ali e que eu gostaria de estudar, como no caso do Chile.

Para resumir, a economia é o ponto chave da armadilha colocada para o governo Lula. É o típico enigma da Esfinge: “decifra-me ou te devoro”. Se Lula não conseguir reanimar a economia e, mais ainda, se não conseguir reanimá-la na direção correta, ele vai naufragar no governo, por mais que faça bons programas sociais, por mais que reestruture o Estado dilapidado por Jair Bolsonaro, por mais que defenda as instituições democráticas, por mais que proteja o meio ambiente, a cultura, as mulheres, os negros e os LGBTQIA+.

E para fazer isso, Lula depende apenas, por enquanto, de um congresso hostil, de uma classe dominante tacanha e de uma imprensa que vive no passado, com cacoetes de um neoliberalismo abandonado até pelos seus patronos, os americanos. Haja visto o orçamento de Joe Biden, com trilhões de investimento estatal para recuperar a economia. Se prevalecesse a versão tupiniquim do estado mínimo, os EUA estariam falidos.

A questão ambiental

Embora o acordo entre Lula e Marina Silva tenha colocado a questão ambiental como um “tema transversal”, atravessando todas as decisões de governo, tanto as convicções dos dirigentes petistas como as do próprio Lula, para não falar de atores menores de outros partidos, apontam para a repetição dos problemas do primeiro governo. Este princípio de transversalidade já tinha sido enunciado em 2003 por Marina Silva e foi sendo ignorado enquanto ela esteve no governo e abandonado, sem remorsos, pelos ministros que a sucederam.

Decisões que iam da importação de pneus usados ao investimento na barragem de Belo Monte, passando pela transposição do rio São Francisco e pela liberação dos produtos transgênicos foram tomadas tratorando a ministra, que passou a digerir sapos cada vez maiores e mais nojentos. Vai ser diferente? E por que seria? As convicções de uns e de outros são as mesmas e as pressões econômicas e políticas também. A exceção parece estar colocada no tema do desmatamento e das queimadas, mas este já tinha sido o ponto onde Marina Silva conseguiu mais suporte na sua experiência no governo anterior. Carlos Minc manteve a postura de Marina Silva, mas no governo de Dilma Rousseff ela foi enfraquecida, com o apoio da presidente ao novo Código Florestal.

O tema do aquecimento global está sendo tratado, neste governo, estritamente em relação com o desmatamento. Lula ampliou o escopo da questão ao discursar em Sharm-el-Sheik, propondo o desmatamento zero em todos os biomas. Acho que se deixou levar pelo climão triunfante da sua presença na conferência, pois o mais provável é que tudo fique centrado na Amazônia. Ela é o foco da atenção internacional e os recursos do primeiro mundo para apoiar este objetivo estão sendo, até agora, previstos apenas para este bioma.

Desmatamento zero, mesmo que apenas na Amazônia, já seria um avanço enorme, mas é preciso lembrar que há uma diferença legal importante a ser considerada. O Código Florestal permite que agricultores e criadores, dos grandes empresários do agronegócio até os pequenos produtores familiares e assentados da Reforma Agrária, desmatem áreas de sua propriedade, dentro de determinados parâmetros. A ação contra os desmatamentos e queimadas ilegais tem, obviamente, suporte jurídico, mas eles estão centrados, sobretudo, em áreas devolutas ou nas reservas indígenas ou parques naturais.

Controlar o desmatamento não vai ser fácil, mas os instrumentos jurídicos estão disponíveis. Vai ser preciso reforçar muito o IBAMA e o ICMBio e garantir suporte militar (polícia federal, forças armadas) para a repressão aos ilegais. Diga-se de passagem, não vai haver uma colaboração significativa das polícias militares dos Estados da região. Entre governadores bolsonaristas ou próceres da direita não há qualquer entusiasmo por esta empreitada.

O mesmo raciocínio vale para o controle dos garimpos. Vai ser mais fácil sufocar estes empreendimentos através do controle do mercado do ouro do que pela ação direta nos locais de mineração. A operação em curso no território Yanomami mostra o tamanho do problema, com milhares de faiscadores empregados pelas empresas dos cartéis de criminosos de Rio de Janeiro e de São Paulo sendo expulsos da área manu militari. E, em alguns casos, resistindo à bala. O caso deste território é apenas a ponta do iceberg da garimpagem e a tática dos cabeças do crime é recuar para retomar a empreitada mais tarde. A vigilância vai ter que ser contínua e, para sufocar estes garimpos, o controle dos rios e do espaço aéreo (leia-se marinha e aeronáutica) vai ser essencial.

Se o combate ao desmatamento na Amazônia for levado a sério pelo governo, este tipo de operação aplicado no território Yanomami vai ter que ser ampliado e permanente. E o preço político vai ser grande. Como já apontei em outro artigo, o garimpo ilegal tem agora uma bancada no congresso e a colaboração de governadores envolvidos nesta economia predadora. É uma bancada pequena, reconheço, mas ela tem aliados importantes entre os ruralistas. Estes últimos percebem claramente que o golpe nos garimpeiros aponta para controles no desmatamento ilegal que ferem os interesses do agronegócio.

A bancada ruralista tem uma agenda voltada para ampliar o acesso do agronegócio a terras que são hoje, teoricamente, preservadas e estão prontos para entrar com projetos de lei que os favoreçam ainda mais do que no presente. A aliança com o garimpo vai se dar por interesses comuns. A bancada ruralista inclui diretamente mais da metade da Câmara e pode crescer ainda mais com alianças políticas com outros lobbies. A armadilha do Congresso tem múltiplos interesses que podem se combinar, como ocorre no caso do desmatamento, ou não, como no caso da legislação sobre armas.

A questão ambiental passa por outro choque com o agronegócio e sua representação  no Congresso, a bancada ruralista. A redução do uso de agrotóxicos e de transgênicos é uma pauta dos ambientalistas e dos defensores da saúde pública. Já o agronegócio quer ampliar a velocidade na liberação de novos agrotóxicos e transgênicos, limitando inclusive o papel da ANVISA e entregando os processos para o MAPA. Querem mais do que os milhares de agrotóxicos liberados no governo do energúmeno, muitos deles proibidos nos países onde são produzidos. Os projetos de lei em pauta correm na direção de um ‘liberou geral”, sem restrições. O mesmo se dá em relação aos transgênicos. O agronegócio parece não perceber que a resistência às exportações de commodities agrícolas brasileiras na Europa está se exacerbando. Como vão reagir os negociadores brasileiros do acordo com a União Europeia quando estas cláusulas restritivas vierem à baila? Qual vai ser a posição do governo Lula? Vai defender as exportações do agronegócio poluente?

Até no debate sobre a reforma tributária aparece um contencioso com o agronegócio. Estes setor se beneficia de subsídios de todo tipo, desde eliminação de impostos sobre insumos até reduções ou eliminação de impostos sobre produtos, anistia de dívidas sobre o FUNRURAL nunca pago pelas empresas e pelo pagamento de valores simbólicos no Imposto Territorial Rural. Isto sem falar nas taxas de juros favorecidas nos empréstimos bancários. Tudo isto soma algumas dezenas de bilhões por ano e uma reforma tributária vai ter que eliminar este privilégio.

A questão ambiental, mais precisamente o aquecimento global, passa pela redução paulatina até a eliminação do uso de combustíveis fósseis.  Nos acordos de Paris, os governos acertaram a meta de chegar a 2050 com um consumo de combustíveis fósseis no nível de, se não me engano, o ano de 2000. Esta meta, considerada muito insuficiente por cientistas e ambientalistas, agora está vista como totalmente ultrapassada e o ano de 2030 está sendo proposto como o início impositivo da era do carbono zero, em termos do balanço de emissões e absorções. A pressão pela redução do uso dos combustíveis fósseis vai crescer muito a cada ano.

E o que está discutindo o governo Lula? A proposta em pauta é retomar o controle da Petrobras (parte positiva) para abandonar a paridade com os preços internacionais com a clara intenção de manter baixos os preços da gasolina e do diesel. Todo mundo sabe que a redução do uso de qualquer produto tem a ver com aumento de preços, mas o novo governo, tanto como o anterior, não quer pagar o preço político de desestimular o uso de combustíveis fósseis.

Mas se por acaso ou por pressão interna e externa o governo tentar traçar uma política para a redução dos derivados de petróleo (para não falar do carvão, que continua em uso no Brasil inclusive com projetos de mais centrais de geração de energia elétrica) e sua substituição por energia limpa, o choque com o Congresso, mais uma vez, vai ser duro. E com caminhoneiros, bolsonaristas ou não. E taxistas, motoristas de aplicativos, empresas de ônibus e donos de automóveis.

O enfrentamento da questão da eliminação do uso dos combustíveis fósseis é complexa e exige um preparo da opinião pública e políticas ambiciosas de promoção de outras formas de energia e estratégias de substituição. Não podemos ficar na promoção do uso de lâmpadas de led ou de carros elétricos ou de painéis solares no teto das casas dos mais bem aquinhoados. Ou na regulação da carburagem dos motores a explosão para não jogarem tanta fumaça no ar. Se queremos (e, querendo ou não, teremos de fazê-lo) controlar a emissão de gases de efeito estufa temos que começar por tratar o assunto de forma integrada e propor políticas que respondam à complexidade econômica e social do problema.

Ainda sobre a contribuição brasileira ao aquecimento global, notamos que as emissões de gases de efeito estufa geradas diretamente pelas operações do agronegócio são o segundo fator mais importante no nosso passivo, depois dos desmatamentos e queimadas (também provocados  pelo agronegócio). Tratam-se dos gases oriundos da aplicação de adubos nitrogenados, dos arrozais, do gado bovino (arrotos e flatulências) e do esterco produzido por bovinos, frangos e porcos. Também há emissões de CO2, não tão significativas quanto as anteriores, oriundas do uso de maquinário agrícola e do transporte de safras por caminhões.

Alterar este modelo produtivo não vai ser coisa fácil. Há, no entanto, pelo menos uma janela de oportunidade no curto prazo. O governo deveria olhar para as dificuldades crescentes para conseguir comprar adubos no mercado internacional e propor uma política de substituição de químicos por orgânicos. Estes poderiam ser produzidos em massa com uma política de compostagem de lixo orgânico e de lodo de esgoto. Seria uma política “win-win”, ou seja, só com vantagens, pois daria um salto na questão sanitária e resolveria em boa parte o problema do custo de adubação, e ainda adotando um processo sustentável. E, é claro, reduzindo a emissão de N2O.

Tudo isso não se ganha só com uma política de produção de adubo orgânico. O agronegócio não gosta de mudar os seus padrões, mesmo os piores e até mais caros e arriscados. Vão argumentar que o custo de movimentar toneladas de adubo orgânico é muito maior do que espalhar centenas de quilos de adubos químicos por hectare. Mas não é nada que um bom subsídio (neste caso, justificável) não supere.

Há uma pletora de outros temas na área ambiental, de menor impacto, porém também importantes. Entre outras a questão da poluição por plásticos e espuma de detergentes que estão sufocando rios, lagos e a orla marítima. Ou o descarte de pneus usados. Ou a existência de lixões. Mas o espaço é curto e tratei das questões ambientais mais agudas e abrangentes, mirando nos problemas que o governo vai ter que enfrentar no congresso e na sociedade.

Para ler o primeiro artigo dessa série clique em https://aterraeredonda.com.br/a-armadilha/

Niara contra a desigualdade

www.brasil247.com - { imgCaption }}
24
Mar23

Taxa de juros alta é sabotagem

Talis Andrade

Renato Aroeira

Selic a 13,75%

www.brasil247.com - { imgCaption }}

 

Queremos e lutaremos pela imediata redução dos juros e pela retomada do Brasil

 

por Julimar Roberto

Mesmo após intensa pressão da Contracs-CUT, de centrais sindicais, dos movimentos populares, e do próprio presidente Lula, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano, a maior do mundo.  Uma completa desarmonia com o plano do governo eleito pelo povo para a condução do Brasil.

Mas quem é que define esse percentual? É nada mais, nada menos que o Copom, formado pelo presidente e diretores do Banco Central. Um seleto grupo que, a cada 45 dias, define os rumos do país.

Isso porque, a taxa de juros influencia muita coisa no Brasil, a começar pela própria economia, já que todos os investimentos do mercado sofrem, de alguma forma, com a Selic alta. Uns direta, outros indiretamente, mas a verdade é que todos são afetados.

Mas o que muitos não sabem é que Roberto Campos Neto, presidente do BC, é um indicado de Bolsonaro. E, sendo o BC uma instituição com autonomia, Lula não pode trocá-lo, a não ser que ele saia por vontade própria. Dessa forma, o país esbarra em dois projetos distintos e o que está sendo tocado pelo BC não é bom para o povo brasileiro. Por isso, é fundamental que, ou Campos Neto se demite ou busca entrar em harmonia com o Governo Federal. Do jeito que está não pode ficar!

16
Fev23

Economistas defendem queda dos juros do BC

Talis Andrade
 
Charge: Cicero
 
Por Altamiro Borges

Diante do terrorismo do “deus-mercado” e da mídia rentista, um grupo de economistas lançou nesta sexta-feira (10) um manifesto em defesa da queda dos juros e contra a política monetária ortodoxa do Banco Central. Com o título “taxa de juros para a estabilidade duradoura: economistas em favor do desenvolvimento”, o documento é encabeçado por Luiz Carlos Bresser-Pereira, Leda Paulani, Monica De Bolle, Luiz Gonzaga Belluzzo, Luciano Coutinho, Nelson Marconi, Antonio Correa de Lacerda, Paulo Nogueira Batista Jr., entre outros intelectuais de renome. 

O texto reforça as críticas recentes do presidente Lula aos juros pornográficos de 13,75% mantidos na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Ele destaca que a “superação dos desafios brasileiros só pode ser alcançada com uma nova política econômica, promotora de crescimento e prosperidade compartilhada”, e que a “razoabilidade da taxa de juros é uma condição indispensável”. Conforme aponta, mantida a orientação atual do Banco Central, “os investimentos perderão para as aplicações financeiras e as remunerações do trabalho e da produção vão perder para a especulação”. 

“A taxa de juros no Brasil tem sido mantida exageradamente elevada pelo Banco Central e está hoje em níveis inaceitáveis. O discurso oficial em sua defesa não encontra nenhuma justificativa seja no cenário internacional ou na teoria econômica e o debate precisa ser arejado pela experiência internacional... Os economistas signatários deste manifesto declaram publicamente o apoio a uma política que seja capaz de reduzir substancialmente a taxa de juros, propiciando as condições para a retomada do desenvolvimento com estabilidade sustentável”, afirma o documento – que está aberto a novas adesões no site Change.org. 

O terrorismo do "deus-mercado" e da mídia rentista

O lançamento do manifesto tem grande significado no atual momento. Nos últimos dias, os abutres financeiros – que deram sustentação ao fascista Jair Bolsonaro e perderam as eleições de outubro – têm feito um grande escarcéu para tentar enquadrar o governo Lula. É puro terrorismo do “deus-mercado” e da mídia rentista – que tem objetivos tão deletérios quando ao terror bolsonarista do 8 de janeiro que vandalizou Brasília. O presidente tem resistido à violenta pressão – externa e interna. 
 
Na entrevista à mídia alternativa na terça-feira (8), Lula reafirmou suas críticas à política de juros e ao bolsonarista que comanda o Banco Central – o nada autônomo Roberto Campos Neto, ou Bob Fields Neto. A pressão pela queda dos juros e por mudanças na meta de inflação, porém, não pode se restringir às declarações do presidente eleito. É urgente elevar a pressão das ruas e das redes contra a política monetária que sabota o crescimento da economia e o combate à pobreza.
 

03
Set22

O grande capital e a corrupção bolsonarista

Talis Andrade

Patrimônio da família Bolsonaro: Compra em dinheiro vivo desperta suspeitas, diz Maierovitch

 

Por Jair de Souza

Qualquer pessoa com algum conhecimento sobre a vida política brasileira já sabia de longa data, bem antes das eleições de 2018, que Bolsonaro e sua família jamais poderiam servir de paradigma de honestidade para ninguém. Por isso, não há nada a estranhar nas recentes revelações que trazem ao conhecimento público as mais de uma centena de transações imobiliárias realizadas pelo ex-capitão e sua família nos últimos anos.

É espantoso saber que cinquenta e uma dessas negociatas foram realizadas com pagamento em dinheiro vivo, em espécie. Em sã consciência, alguém poderia considerar como normal e acima de suspeita que uma compra de um imóvel valorado em milhões de reais seja efetuada com o uso direto de papel moeda? Bem, quem sabe, talvez, em uma situação excepcional, poderia ser. Mas, neste caso, estamos falando de cinquenta e uma operações. É um pouquinho diferente. Concordam?

Image
Fazendo uma comparação com o ocorrido com o ex-presidente Lula, já tem gente dizendo que Bolsonaro está se mostrando como o presidente mais corrupto de toda nossa história republicana. Como Lula foi condenado e mantido em prisão por 580 dias em função de um apartamento no Guarujá cujo valor de venda não superava os 2,2 milhões de reais, e as transações imobiliárias suspeitas da família bolsonarista ultrapassam em mais de dez vezes esse valor, até que esta argumentação que sustenta que estamos diante do maior corrupto da nação não está tão fora de propósito.

Além do mais, está inteiramente provado legalmente que o badalado tríplex que serviu para a condenação de Lula não era de sua propriedade. E, por sua vez, a intensa varredura feita em todas as contas de Lula e sua família, no Brasil e no exterior, não conseguiu descobrir um centavo sequer que pudesse ser caracterizado como fruto de atividades ilícitas. Em vista disto, todos os processos e acusações que tinham sido abertos contra Lula foram anulados e desconsiderados pelo STF. Como William Bonner se viu forçado a reconhecer: Lula não tem nenhuma pendência com a Justiça.

No entanto, o principal propósito deste texto não é ressaltar o elevadíssimo nível de corrupção pessoal de Bolsonaro e sua família. Mesmo que isto seja um fato que vai se tornando mais e mais visível para todos a cada dia, quero demonstrar que os mais angustiantes problemas do país se encontram muito além da questão da moralidade ou ética pessoal do governante de turno.

Em um artigo publicado aqui neste blog em junho do ano passado, eu busquei deixar claro que o tema da corrupção pessoal dos governantes quase nunca pode ser tido como a razão principal para explicar os descalabros sociais de um país como o Brasil. O que eu procurei mostrar naquele momento é que, em sociedades de classes antagônicas como a nossa, a verdadeira corrupção se consume naqueles mecanismos que permitem que a transferência de renda de uns setores sociais a outros seja executada da maneira mais eficaz possível.

Isto que acabei de mencionar é importante para que não venha a predominar a conclusão de que, se conseguíssemos eliminar os vícios de corrupção pessoal presentes em Bolsonaro e sua família, poderíamos resolver os problemas da nação sem necessidade de alterar as regras de funcionamento atualmente em vigor. No caso brasileiro, bastaria substituir a figura asquerosa e desonesta de Bolsonaro por outra mais limpinha e de bons modos, como a de Simone Tebet, por exemplo, para que o país entrasse nos eixos de um bom rumo.

Porém, como já tentei explicar no texto anterior, a distribuição da renda produzida em uma determinada sociedade vai depender da correlação de forças existente entre as diferentes classes que a disputam. A troca de nomes no comando com a manutenção das condições vigentes na atualidade, significa que a parcela que vinha sendo apropriada pela família bolsonarista, simplesmente, iria ser adicionada ao bolo correspondente ao grupo daqueles que se beneficiam com as políticas que o governo do miliciano vem levando a cabo.

Por exemplo, a mera retirada de Bolsonaro e sua família da repartição do botim não vai implicar que a renda gerada pela Petrobrás passará a atender as necessidades do povo em seu conjunto. O mais provável é que isso até contribua para elevar o montante relativo a juros e dividendos que vai para o pequeno grupo de pessoas que detêm a maioria das ações privadas da Petrobrás, em detrimento dos interesses do restante da população. Portanto, sem alterar as bases de funcionamento de nossa empresa petroleira e sua política de preços, não vai fazer muita diferença para o povo em termos concretos que o presidente da nação seja uma pessoa honesta e menos desbocada. Vai ser preciso trazer a empresa de volta à sintonia com os interesses nacionais

Como é sabido, o ministro Paulo Guedes ganhou centenas de milhões de reais ao se aproveitar dos ganhos que sua empresa offshore pôde auferir em razão de medidas tomadas por ele mesmo em sua função de ministro. E, é bom ressaltar, os ganhos desse ministro não são, de modo algum, os mais expressivos nessa modalidade. Assim que, não há nenhuma probabilidade de que este tipo de problema seja eliminado tão somente com a substituição da figura deplorável que hoje ocupa o cargo presidencial por outra algo mais palatável em termos pessoais.

De igual maneira, de nada vai adiantar para as maiorias se o novo chefe de governo for comedido, honesto e respeitador das leis, mas não se empenhar em mudar o atual modelo de taxação que isenta de pagamento os grandes capitalistas agroexportadores, os rentistas que ganham de seus dividendos, e que continue privilegiando a arrecadação de impostos pela taxação dos bens de consumo e não pelo nível de renda

Portanto, embora seja muito válido denunciar com veemência toda a podridão que as práticas criminosas e corruptas da família bolsonarista representam, é preciso apontar para mudanças que não se limitem a uma substituição pura e simples de figuras de aspecto repugnante por outras de melhor aparência.

Sem que se altere a essência do sistema que sustenta o quadro de apropriação de renda prevalecente no momento, o nível de desigualdade social, a pobreza aguda e a fome não vão desaparecer.

Quase metade do patrimônio em imóveis do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) e de seus familiares mais próximos foi construída nas últimas três décadas com uso de dinheiro em espécie, de acordo com levantamento patrimonial realizado pelo UOL. No UOL News, o jurista Wálter Maierovitch, colunista do UOL, fala sobre o tema

As declarações de bens e renda da família Bolsonaro entregues ao TSE mostram que o presidente e seus filhos não têm o costume de guardar dinheiro vivo em casa. De 1998 até as eleições deste ano, apenas o vereador Carlos Bolsonaro informou à Corte ter guardado 20 mil reais em espécie por ao menos oito anos, apurou o Estadão. O UOL revelou ontem que o clã Bolsonaro comprou 51 imóveis de quase 19 milhões de reais, em valores corrigidos, com dinheiro vivo. Tales Faria

Novas denúncias detalham o funcionamento do suposto esquema de rachadinha em gabinetes legislativos de filhos de Jair Bolsonaro. Segundo um ex-funcionário da família, o sistema de corrupção era operado por Ana Cristina Valle, ex-esposa de Bolsonaro.

Veja a matéria completa no UOL: https://uol.page.link/if7b7 Quase metade do patrimônio em imóveis do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) e de seus familiares mais próximos foi construída nas últimas três décadas com uso de dinheiro em espécie, de acordo com levantamento patrimonial realizado pelo UOL. Desde os anos 1990 até os dias atuais, o presidente, irmãos e filhos negociaram 107 imóveis, dos quais pelo menos 51 foram adquiridos total ou parcialmente com uso de dinheiro vivo, segundo declaração dos próprios integrantes do clã. As compras registradas nos cartórios com o modo de pagamento "em moeda corrente nacional", expressão padronizada para repasses em espécie, totalizaram R$ 13,5 milhões. Em valores corrigidos pelo IPCA, este montante equivale, nos dias atuais, a R$ 25,6 milhões.

Reinaldo Azevedo: A "Imobiliária Família Bolsonaro" e o crime

 

01
Set22

Natália Bonavides requer derrubada de Medida Provisória contra a cultura

Talis Andrade

Image

 

De acordo com a deputada do PT-RN, Jair Bolsonaro 'interfere de forma indevida na atuação do Legislativo, para atacar a cultura'

 

247 - A deputada federal Natália Bonavides (PT-RN) enviou, nessa quarta-feira (31), ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), um documento pedindo a devolução à Presidência da República da Medida Provisória nº 1135/2022. A MP adia e retira a obrigatoriedade do repasse de dinheiro ao setor cultural por meio das Leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, que autorizam R$ 6,8 bilhões para quem se sustenta com a arte. 

"Bolsonaro mais uma vez interfere de forma indevida na atuação do Legislativo a partir do uso inadequado de Medida Provisória, cujo propósito é de, mais uma vez, atacar a cultura e negar direitos a quem foi duramente impactado pelos efeitos da pandemia", disse a parlamentar. 

A Lei Paulo Gustavo determina o pagamento de R$ 3,8 bilhões para estados e municípios. Os repasses deveriam ocorrer "no máximo" em 90 dias após a publicação da lei, prazo que se encerraria no início de outubro, mas com a medida provisória, Bolsonaro adiou para 2023. A Lei Aldir Blanc 2 prevê um repasse anual de R$ 3 bilhões aos governos estaduais e municipais, durante cinco anos, para o financiamento de iniciativas culturais. A medida valerá só para 2024.

"Requeremos ao presidente Rodrigo Pacheco que negue a tentativa de Bolsonaro de acabar com as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, de apoio à Cultura. Os trabalhadores da cultura tiveram graves prejuízos financeiros, foram os primeiros a parar e os últimos a poderem retomar suas atividades por conta da pandemia de COVID-19. Precisam do auxílio emergencial pra ontem", afirmou a parlamentar. "No Congresso lutaremos para derrubar essa medida absurda", complementou.

 
Natália Bonavides 1311 
@natbonavides
Começou o Setembro Amarelo, a campanha anual que lembra da importância do cuidado com a saúde mental. Sabemos que saúde mental não parte só de dentro pra fora. A fome, a miséria e o desemprego impactam diretamente em nosso psicológico. (Arte:
 

Na imagem, o presidente Lula (homem branco, idoso, vestindo um paletó e uma camisa branca) está abraçando a deputada federal Natália Bonavides (mulher branca, jovem, vestindo uma blusa jeans).

                     

Lula quer cultura como fonte de emprego e renda para quem produz

Em encontro com artistas em Belém (PA), ex-presidente destacou importância da cultura para a economia e para dar civilidade, nacionalidade e respeito aos povos

 

25
Abr22

Brasil profundo

Talis Andrade

Brasil à noite

 

Na escuridão do desconhecido, o Brasil profundo tem cada vez mais pessoas que têm apenas velas para iluminar os caminhos, e seguem as vias do fanatismo religioso

 

por Marcio Pochmann

- - -

Visto de cima, o Brasil segue dominado por suas aparências, como se fosse uma espuma boiando na superfície. O Brasil profundo se mantém pouco conhecido, com sua essência incapaz de ser completamente decifrada.

Esse ponto de partida é a chave que permite abrir um novo horizonte de saída para uma sociedade apartada desde o seu nascimento enquanto nação, há dois séculos. Ao inserir-se no mundo da Era Industrial como um país consumidor de produtos manufaturados, passou mais de cem anos dependendo das importações de bens e serviços industriais. E, por não dispor de moeda de pagamento para importar, tornou-se prisioneiro do modelo econômico primário-exportador. Isto repartiu a população em dois grupos. Um menor, que constitui o andar de cima da sociedade, ligado às atividades da produção e exportação dos bens primários. O país da sobremesa, conforme Oswald de Andrade revelou no seu manifesto de 1937: “País de sobremesa. Exportamos bananas, castanhas-do-pará, cacau, café, coco e fumo. País laranja! (…). Os nossos economistas, os nossos políticos, os nossos estadistas deviam refletir sobre este resultado sintético da história pátria. Somos um país de sobremesa. Com açúcar, café e fumo só podemos figurar no fim dos menus imperialistas. Claro que sobremesa nunca foi essencial”.

A outra parte da população, a maior, teve que se acomodar no apertado andar de baixo, distante do acesso à educação, saúde, cultura e transporte decente. Esta parte da sociedade foi exposta às profundezas da reprodução da vida pelo trabalho em atividades de subsistência humana, que passou a ter acesso ao consumo de bens e serviços da Era Industrial somente a partir da Revolução de 1930, que ousou substituir o modelo econômico primário-exportador pelo de substituição de importações.

A valorização da produção nacional abriu espaços para incluir a população do andar de baixo em postos de trabalho com identidade reconhecida por uma carteira de acesso a direitos sociais e trabalhistas – férias, descanso semanal, salário mínimo e outros até então desconhecidos.

Nos dias de hoje, em pleno avanço na Era Digital, o fosso que separa o andar de cima do de baixo aumentou significativamente. Para a maioria da população, já não há mais a perspectiva de trabalho com identidade e pertencimento superior. Resta apenas a subsistência no interior do antigo e cada vez mais apertado andar de baixo da sociedade.

Na escuridão do desconhecido, o Brasil profundo tem cada vez mais pessoas que têm apenas velas para iluminar os caminhos, e seguem as vias do fanatismo religioso.

Ocupando este mesmo espaço reduzido à essencialidade da vida humana, também está o banditismo social, com as promessas de abertura de túneis de ligação direta com alguns dos cofres que guardam riqueza acumulada pelo andar de cima.

Essa divisão poderia ser rompida pelas novas oportunidades que a Era Digital oferece. Mas isto requer ultrapassar a condição de país consumidor/importador de bens e serviços digitais condicionado ao modelo econômico primário-exportador.

Mas, a manutenção do modelo atual apenas aprofunda a separação da sociedade em orgânica, vinculada à produção e exportação, e a inorgânica, submetida a qualquer atividade de subsistência, seja legal ou não.

A retomada da complexidade econômica, com a internalização da produção e consumo da Era Digital, poderia trazer à tona o Brasil profundo, pois é a única saída capaz de oferecer uma efetiva perspectiva de vida soberana à nação.

Para isso é preciso inverter o plano das imagens. Um olhar a partir de baixo do Brasil profundo.

Leia mais

EUROPA À NOITE - Satélite infravermelho registra imagem da Europa à noite.  O VIIRS (Visible Infrared Radiome… | Light pollution, Earth at night, Mind  blowing images

Europa à noite iluminada

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub