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O CORRESPONDENTE

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O CORRESPONDENTE

07
Mar22

Arthur do Val e a violência nossa de cada dia

Talis Andrade

www.brasil247.com -

 

por Carla Teixeira

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As falas repulsivas do deputado estadual Arthur do Val (PODEMOS-SP) é apenas mais um capítulo revelador para a opinião pública sobre a imoralidade e a indecência de figuras e grupos políticos da extrema-direita que ascenderam ao poder durante os últimos anos no Brasil. Ele estava na Ucrânia, acompanhado de Renan dos Santos – fundador do MBL -, para prestar apoio ao governo neonazista implantado naquele país a partir do golpe de Estado ocorrido em 2014. Os áudios divulgados foram reconhecidos por Arthur como autênticos.  

Um festival de obscenidades: “as cidades mais pobres são as melhores [para “pegar” mulheres]; “se ela cagar, você limpa o c* dela com a língua”; “assim que essa guerra passar, eu vou voltar pra cá”; “elas olham, são fáceis porque são pobres”; “essas minas, em São Paulo, você dá bom dia e elas cospem na sua cara. E aqui são super gente boa. É inacreditável! (Inacreditável é pensar que alguém gastaria saliva com um sujeito que merece mesmo é água de chuca na cara – o que poderia ser ineficaz enquanto ato de repulsa por, quiçá, contentar sua coprofilia confessa). Renan do Santos foi citado como praticante do “tour du blond” - turismo voltado à exploração sexual de mulheres loiras e pobres.

Depois de ser pego com a boca na botija em seu machismo, misoginia, violência, exploração sexual de mulheres, estimulo à prática de turismo sexual – o que anda de mãos dadas com o tráfico de mulheres e crianças para trabalho escravo e abuso sexual – e toda sorte de preconceito, Arthur do Val foi massacrado pela opinião pública da esquerda à direita.

O presidente Jair Bolsonaro oportunamente afirmou que a fala de Arthur “é tão asquerosa que nem merece comentário”. A ministra Damares – que incentivou a invasão de hospital para tentar impedir o aborto de uma menina de 10 anos estuprada pelo tio em gravidez que representava risco para a mãe e para o bebê – não deixou de condenar os áudios, seguindo a linha do filho 01, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Depois de apoiar e incentivar a ida de Arthur e Renan para a Ucrânia, Sérgio Moro (PODEMOS) também demonstrou repúdio.

Jogado ao mar por seus semelhantes, Arthur tentou justificar-se dizendo que errou e apenas disse o que sentiu num momento de empolgação. “Sou homem, sou jovem. Vi um monte de mulheres bonitas sendo simpáticas, talvez porque em São Paulo as mulheres sejam mais inacessíveis” para um otário machista desprovido de respeito e valores civilizatórios como ele – poderia ser um adequado complemento à sua frase. Renan dos Santos fingiu demência e disse não ter “a menor ideia disso aí”.

Apesar da inevitável repulsa que ouvir os áudios provoca em qualquer pessoa civilizada, é preciso dizer que as reações não passam de mais um episódio político de indignação seletiva. Em 2019, o mesmo Bolsonaro que hoje condenou Arthur ofereceu o Brasil para a prática de turismo com abuso sexual: “quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade”. À época, houve barulho e protestos resignadamente condensados em ineficazes notas de repúdio.

Outro caso de indignação seletiva semelhante, vale lembrar que Bolsonaro também fez declarações e flertou com o nazismo incontáveis vezes antes que toda a opinião pública se voltasse contra o moleque ignorante e inconsequente que apresenta podcast na internet. Refém do verme que ocupa o poder central, impotente diante de seu ímpeto genocida e violento, a sociedade brasileira se volta contra os ovos por ele depositados nos mais diversos espaços públicos e institucionais. É como diz o ditado: “em pau caído, todo mundo faz graveto”.

A prática de exploração sexual de vulneráveis é comum em nosso país. Samuel Klein, fundador das Casas Bahia, é o mais recente exemplo que tornou público a prática abjeta de estuprar meninas pobres menores de idade em troca de dinheiro e condições de vida digna para elas e suas famílias. Apesar dessa monstruosidade ser conhecida por funcionários e frequentadores de suas lojas, a mídia corporativa jamais ofereceu espaço para as denúncias. As Casas Bahia sempre foram as principais anunciantes dos grandes jornais.

Todavia, essa história violenta é mais antiga. O Brasil é uma nação construída a partir da violação e exploração de povos vulneráveis. Como mostrou o projeto “DNA Brasil”, 70% das mães que deram origem à população brasileira são africanas e indígenas enquanto 75% dos pais têm origem europeia. O estupro de mulheres, assim como assassinato de homens pretos e indígenas – que deixaram poucos descendentes – são as marcas da violência que carregamos em nosso DNA. É impossível fugir da própria história.

Cabe ressaltar que o teor repulsivo das falas divulgadas compõe o cotidiano de diversos homens que se colocam à esquerda do espectro político. Qualquer pessoa que frequenta espaços masculinos já presenciou um sem número de ocasiões em que homens brancos, heterossexuais, cisgêneros - alguns gostam de aparecer nas redes sociais como defensores dos pretos e das mulheres, entre arco-íris da luta LGBTQIA+ - se referirem às mulheres como objetos que devem estar à sua disposição para satisfação pessoal e prazer sexual. Trata-se do ordinário em conversas entre amigos da irmandade conivente com a violência simbólica cotidiana. Em outras palavras: é a violência nossa de cada dia.

Esses sujeitos são os mais perigosos e costumam passar despercebidos por dominarem o código de conduta social que lhes permite reafirmar e desfrutar de seu lugar de privilégio, na vida pessoal, enquanto na esfera pública aparentemente combatem a desigualdade e a violência que sustenta esse mesmo privilégio. Mencionar isso pode significar colocar o dedo na ferida de alguns, mas não haverá como superar aquilo que não for combatido em sua realidade mais incômoda.

O deputado Arthur do Val desistiu de sua pré-candidatura ao governo de São Paulo e aparece em todas as mídias que lhe dão espaço como um garoto errático que, acostumado a viver sem responder pelas consequência dos seus atos, foi finalmente chamado à responsabilidade do lugar social que ocupa como político e cidadão. Sabe que corre o risco de ser expulso do PODEMOS, perder o mandato parlamentar e já anuncia que poderá deixar a carreira política. Tomara.

O que essa situação traz à tona é a noção de uma masculinidade anacrônica e decadente, ainda muito presente e aceita em nossa sociedade, que representa o que de pior acontece no mundo: guerras, violência, estupro, tortura e todo tipo de violação física, psíquica, emocional, política, cultural, econômica e social.

É difícil olhar para tudo isso, principalmente quando notamos essas práticas tão próximas em nossa vida, inclusive em nossos atos inconscientes do cotidano. Se queremos avançar no processo civilizatório, como nação, precisamos enfrentar a questão do machismo e da exploração sexual em suas formas mais dissimuladas. Foi tolerando o intolerável que Jair Bolsonaro tornou-se Presidente da República trazendo consigo Monark, Renan dos Santos, Arthur do Val, Sérgio Moro e outros. Que aprendamos a lição para interromper esse ciclo de violência e garantir que essa Era macabra do Brasil jamais se repita.

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04
Jul20

Uma batalha inglória

Talis Andrade

 

 

IV - Ministro do STJ teve filho com doméstica e nunca o reconheceu

por Edson Rosa/ Fábio Bispo

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“O pior de tudo é a rejeição, que deixa sequelas morais e psicológicas”, conta Tiago Silva.

Em 1999, Tiago decidiu levar a batalha para o terreno de primazia de Jorge Mussi, a Justiça. Disposto a não abrir mão do nome do pai no registro de nascimento, processou Mussi, que na época era juiz das Câmaras Criminais Reunidas e do Órgão Especial do Tribunal Pleno no TJ de Santa Catarina.

“Não havia ainda toda essa efervescência em cima do Poder Judiciário. Não existia o CNJ [Conselho Nacional de Justiça], o Tribunal de Justiça de Santa Catarina era composto por 30 desembargadores, não havia Defensoria Pública e meu pai era representante da OAB”, diz. “Eu não tinha a menor chance.”

A primeira dificuldade foi encontrar um advogado: foram três anos em busca de um defensor. Quando já tinha 21 anos, Tiago encontrou o advogado André Chateaubriand Bandeira de Mello, na época professor de direito da Universidade do Sul de Santa Catarina. “Foi o único que encontrei que aceitasse entrar com a ação.”

Nos autos, a defesa do ministro argumentou que a história de Tiago foi “transformada em fofoca”. O trecho relata a primeira tentativa do rapaz, então com 21 anos, de contactar o pai. Em 2003, Tiago procurou-o no Tribunal de Justiça. “Eu esperei ele no estacionamento do Tribunal e quando vi ele tentei uma conversa. Ele disse que era um engano e foi embora”, conta. Encontro foi relatado pela defesa do magistrado. “Não ocorreram quaisquer visitas, mas tão só uma única e mera constatação, efetuada pessoalmente, depois que o réu teve ciência da notícia – transformada em fofoca – de que alguém era indicado como seu suposto filho. Verificado que só poderia se tratar de um engano (para não adjetivar de forma diferente), como aconteceu, o peticionário abandonou totalmente o assunto por não ser do seu interesse”.

Em outro trecho do processo, a defesa nega qualquer semelhança “física”: “Ademais, é também inverídico que exista alguma semelhança física entre autor e réu. Muito ao contrário, pelas fotografias de fls 38/44, são completamente diferentes, nada tendo a ver um com o outro, quer física quer fisionomicamente falando”.

Tiago é negro e Mussi, branco. A defesa ainda discorre que é “incontestável que o autor jamais conseguirá comprovar o pretendido contra o réu, pois todas as afirmações são eminentemente mentirosas”.

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Pai branco e filho negro

 

No curso do processo, a defesa do então desembargador valeu-se da lei e arrolou uma testemunha com domicílio nos Estados Unidos para ser ouvida por carta precatória. Pouco se sabe sobre como o relato da testemunha poderia contribuir para o desfecho do processo de reconhecimento da paternidade – apenas que se trata de um empresário do ramo de turismo. A reportagem tentou localizá-lo, mas nenhum dos telefones das empresas nas quais figura como sócio está ativo.

A necessidade da tomada desse depoimento foi julgada duas vezes. Na primeira, o pedido foi desconsiderado pela Justiça. O advogado de Mussi recorreu – a essa altura, ele já era presidente do TJSC. Em resposta, o juiz substituto Fernando Luiz Soares de Carvalho reverteu a decisão e aceitou a testemunha no exterior e, de quebra, suspendeu o processo pelo prazo de um ano, tempo dado para que a testemunha fosse encontrada e ouvida. A decisão inviabilizou a produção de prova técnica, o exame de DNA, durante todo esse tempo.

Em junho daquele ano, foi a vez de o Ministério Público atuar. Os promotores de Justiça Renee Cardoso Braga e Mario Luiz de Melo ingressaram com uma reclamação contra a decisão de Carvalho. A respeito da oitiva da testemunha, os promotores escreveram que “o mais absurdo que se afigura é que os Estados Unidos da América não cumprem cartas rogatórias brasileiras, sendo inútil, a não ser para quem pretenda procrastinar o feito, a paralisação processual por um ano que, findo, nada trará de novo para o processo”.

Os promotores apontaram ainda que o próprio Mussi havia designado Fernando Luiz Soares de Carvalho – o juiz que suspendera o processo – para atuar na 2ª Vara da Família. “Observa-se que efetivamente há, no mínimo, erro na decisão, para não se falar em evidente abuso”, escreveram. “Há, no caso, incontestável vício, notadamente pelas atitudes equivocadas, em todos os aspectos, tomadas pelo reclamado na condução do feito.”

Em outro trecho, os promotores dizem que “qualquer decisão favorável do reclamado [juiz Soares] em favor do requerido [Mussi], inclusive a decisão vergastada, soa como parcial”.

O pedido dos promotores foi solenemente ignorado e a insistência na oitiva da testemunha no exterior permaneceu. Só dois anos depois, em 10 de outubro de 2005, a juíza Naiara Brancher – única mulher que julgou o caso – determinou a realização do exame de DNA. O teste foi marcado para dezembro daquele ano. Mas não ocorreu. Dezessete dias depois, a defesa de Mussi impetrou um agravo de instrumento, aceito pelo desembargador Tulio Pinheiro, que desautorizou a prova técnica e ampliou a suspensão do processo.

A decisão de Pinheiro é confusa. Ao conceder o recurso a Mussi, o desembargador aceita argumento da defesa de que ainda não havia concordância sobre a realização do exame de DNA e de que esse faria o recurso de Mussi perder “qualquer efeito”. Ou seja, uma vez realizado o exame, a prova técnica seria incontestável diante do que poderia dizer a testemunha que vivia no exterior. A defesa de Mussi ganhou tempo com isso. (Continua)

 

 

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