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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

21
Set23

Garnier, o “mais difícil dos chefes militares”, aceitou dar um golpe de Estado com Bolsonaro

Talis Andrade

Golpe de estado ameaça uma guerra civil. Tem listas estaduais de presos, e a sangreira de lideranças marcadas para morrer. 

Todo golpe cousa de inimigos da claridade, de forças armadas contra a população civil, contra o povo em geral desarmado, vítima de ditadores sanguinários idólatras de - para citar os monstros do Século XX - Hitler, Mussolini, Stalin, Franco, Salazar, Pinochet, Stroessner, Idi Amin e outros cavaleiros montados em suas bestas do Apocalipse. 

Bolsonaro, o "mau militar", consultou as Forças Armadas sobre dar um golpe após a vitória de Lula, depois de derrotado nos dois turnos das eleições presidenciais de 2022. A Marinha aceitou. Mas sem o Exército, Bolsonaro recuou, escreve Cintia Alves:

 

Almirante Garnier, ex-comandante da Marinha, aceitou embarcar no plano de golpe de Jair Bolsonaro contra a posse de Lula, segundo informações de O Globo. Foto: Reprodução/Youtube
Almirante Garnier, ex-comandante da Marinha, aceitou embarcar no plano de golpe de Jair Bolsonaro contra a posse de Lula, segundo informações de O Globo.

 

No final de 2022, após a vitória eleitoral de Lula, Jair Bolsonaro teria se reunido com a cúpula das Forças Armadas para discutir um plano de golpe, numa tentativa desesperada de permanecer no poder.

O Exército teria negado adesão ao golpe. Não se sabe qual teria sido a conduta da Força Aérea. Mas o almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha (que tem cerca de 80 mil homens e mulheres em seu corpo), embarcou prontamente na empreitada golpista.

Os detalhes da reunião teriam sido narrados na delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O trecho sobre a proposta às Forças Armadas vazou à imprensa nesta quinta (21).

O ministro da Defesa do governo Lula, José Múcio Monteiro, disse que o golpe “não interessou às Forças Armadas”. “Foram atitudes isoladas”, afirmou, reclamando ainda da “suspeição coletiva” em que se encontram os militares hoje.

 

Quem é Almir Garnier

Não é surpresa nenhuma que Garnier tenha aparecido na delação de Cid como um entusiasta do golpe. Em junho passado, o Financial Times publicou reportagem sobre a “discreta campanha” dos Estados Unidos para garantir a posse de Lula.

“Um alto funcionário brasileiro que esteve intimamente envolvido lembra que o ministro da Marinha de Bolsonaro, almirante Almir Garnier Santos, era o mais ‘difícil’ dos chefes militares. ‘Ele ficou realmente tentado por uma ação mais radical’, diz. ‘Então tivemos que fazer muito trabalho de dissuasão, o departamento de estado e o comando militar dos EUA disseram que iriam rasgar os acordos [militares] com o Brasil, desde treinamento até outros tipos de operações conjuntas'”, revelou o FT.

A lealdade a Bolsonaro e o desprezo pelo governo recém eleito já ficara patente quando Garnier decidiu não participar da passagem de bastão para seu substituto, o almirante Marcos Sampaio Olsen.

Em meio a uma transição tensa, duramente marcada pelo 8 de Janeiro, Olsen chegou com as seguintes falas: “Temos um Brasil polarizado, e os militares foram trazidos para esse contexto. Precisamos reforçar que é uma instituição de Estado. (…) É equívoco achar que as Forças Armadas podem ser um poder moderador.”

Garnier, em sentido oposto, gravou vídeo justificando o apoio a Bolsonaro entre militares. Em outra peça divulgada na internet, disse que “sem valores morais é impossível construir uma Nação”, reproduzindo o discurso bolsonarista.

Em 15 de dezembro de 2022, quando a marcha golpista de Bolsonaro caminhava para o fracasso, Garnier participou da formatura de quase mil novos fuzileiros navais. Na despedida emocionada, fez um discurso dúbio.

“Nem sempre conseguimos fazer tudo que queremos. Muitas vezes queremos navegar em direção ao porto seguro em linha reta, mas a tempestade nos impede, e temos de navegar de acordo com o que aprendemos para contornar furacões, afim de não perder nosso barco e colocar em risco nossa tripulação. Mas saibam os senhores que a manobra de tempestade girará novamente o barco em direção ao porto seguro que queremos. E lá nós chegaremos, pode demorar um pouco mais, mas chegaremos. O importante é que estejamos unidos.”

Garnier disse também que a tropa estava em plena “condições de cumprir missões onde quer que o poder político nos demande.” E finalizou com um chamado: “O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever. Tenho tentado cumprir o meu. Cumpram o de vocês”.

 

A delação de Cid

O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, revelou em delação premiada que presenciou o encontro do ex-presidente com a cúpula das Forças Armadas e aliados militares, para discutir a possibilidade de implementar uma minuta de intervenção militar no país.

O tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid. Foto: Agência Senado

 

De acordo com o jornalista Talento Aguirre, que ouviu fontes que acompanharam as negociações de delação, Cid narrou também os detalhes de um encontro anterior, no qual o ex-assessor especial Filipe Martins entregou a minuta de decreto golpista para Bolsonaro.

O documento previa caminhos para prender o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Morais, e suspender o resultado da eleição vencida por Lula.

Cid também teria presenciado o encontro com as Forças Armadas, quando Garnier teria garantido que sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento, enquanto o comando do Exército teria negado a proposta. Sem o Exército, Bolsonaro não deu seguimento ao plano.

O relato teria caído “como uma bomba entre os militares” e teria gerado uma grande tensão nas Forças, segundo Bela Megale, no O Globo. 

Tendo em vista o peso das declarações, a Polícia Federal (PF) tem tratado o tema com total sigilo, uma vez que é preciso que haja provas sobre os fatos narrados.

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26
Ago23

No quesito julgamento e prisão de golpistas, o Brasil está atrasado quase três décadas

Talis Andrade

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O Brasil de 2023 precisa se tornar a Argentina de 1985. Aqui, pizza, de novo, não! As seis fracassadas tentativas golpistas de Bolsonaro (parte 2)

 

por Ângela Carrato

No quesito julgamento e prisão de golpistas, o Brasil está atrasado quase três décadas.

Ao contrário da vizinha Argentina, que julgou e condenou militares golpistas tão logo a ditadura (1976-1982) chegou ao fim, as nossas instituições nunca se dispuseram a enfrentar esse problema.

A Lei da Anistia (lei 6.683) de 1979, proposta pelo general presidente João Batista Figueiredo, beneficiou igualmente quem cometeu atrocidades e quem foi vítima delas.

Quando em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propôs uma revisão desta lei, para que torturadores pudessem ser punidos, o STF rejeitou a ação ao dizer que a anistia valia para todos.

Foi a impunidade que levou remanescentes de 1964 a se lançarem em novas ações contra a democracia brasileira, como o golpe que derrubou a presidente Dilma Rousseff, em 2016, e a recente tentativa golpista em 8 de janeiro.

Para quem não sabe, o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional no governo Bolsonaro, é um dos militares “linha dura” que serviu como ajudante de ordens do general Silvio Frota quando ministro do Exército.

Em 1977, Frota tentou derrubar o então general presidente Ernesto Geisel, por considerá-lo “afinado com os comunistas”.

Geisel demitiu Frota, obrigou sua passagem para a reserva e deu início ao processo de abertura política no país. Os amigos e admiradores de Frota, no entanto, permaneceram nas Forças Armadas.

Mesmo com o retorno dos civis ao poder no Brasil, a impunidade dos militares é um dos mais graves problemas que a nossa democracia enfrenta.

A instalação em 2011 da Comissão Nacional da Verdade, pela então presidente Dilma Rousseff, está entre as principais razões que levaram à sua derrubada.

Mesmo tendo entre suas atribuições somente investigar violações aos direitos humanos acontecidos no período de 1946 a 1988, sem poder para levar ao banco dos réus quem quer que seja, setores militares se mostraram indignados.

O golpe contra Dilma contou com a participação ativa desses militares, o que voltou a se repetir em 8 de janeiro.

A complicada presença dos fardados na história brasileira nunca foi devidamente enfrentada e isso faz com que se sintam autorizados a se intrometer na política. Haja vista que recentemente alguns deles queriam emplacar a distorcida leitura que fazem do artigo 142 da Constituição de 1988 para se tornarem uma espécie de Poder Moderador.

Daí termos muito que aprender com a vizinha Argentina.

Em 1985, Raul Alfonsín, um presidente fraco e semelhante ao brasileiro José Sarney, também o primeiro após a redemocratização em seu país, decidiu pelo julgamento de todos que cometeram crimes durante a última ditadura (1976-1982).

Pressionado pela extrema-direita, que havia imposto leis absurdas como a do “Ponto Final” e da “Obediência Devida”, que livravam os militares de qualquer responsabilidade, Alfonsín não teve alternativa a não ser mostrar para a população o que havia acontecido.

Pela primeira vez na história mundial após Nuremberg, um tribunal civil julgou e condenou os integrantes das juntas militares do período, com penas que variaram de quatro a 17 anos.

O último ditador-presidente argentino, Jorge Rafael Videla, foi condenado à prisão perpétua e morreu em 2015 na cadeia.

A história desse julgamento está contada em detalhes no magnífico filme Argentina 1985.

Dirigido por Santiago Mitre e tendo no papel do procurador-chefe, Julio Strassera, responsável pelas acusações, o consagrado ator Ricardo Darín, o filme é uma aula de história e a própria explicação das razões pelas quais na Argentina os militares não voltaram a se aventurar contra a democracia.

Por mais que o país vizinho experimente gravíssimas crises econômicas, não se vê gente na rua pedindo a volta dos militares ao poder ou defendendo perseguição e mortes aos opositores.

O julgamento dos militares golpistas na Argentina envolveu 530 horas de audiências, nas quais foram ouvidas 850 testemunhas. Pela primeira vez, a população argentina pode conhecer, em detalhes, o que aconteceu com grande parte dos seus 30 mil mortos e desaparecidos.

O julgamento durou várias semanas e, em algumas delas, o clima político beirou à temperatura máxima.

No Brasil, as atrocidades cometidas pelos militares durante os chamados “anos de chumbo” nunca chegaram ao conhecimento da maioria da população.

A exceção de Dilma Rousseff, ela própria uma vítima dos anos de chumbo, todos os demais presidentes da Nova República, evitaram o assunto.

O resultado é o que se conhece. Não por acaso, o filme de Santiago Mitre, mesmo lançado em 2022 e figurando entre os cinco indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2023, continua praticamente inédito no Brasil, disponível apenas em streaming.

Mais do que um relato sobre fatos reais, Argentina 1985 serve de alerta para as nossas instituições e para a população brasileira.

Os atos golpistas de Bolsonaro não são fatos isolados. Eles fazem parte de uma visão predominante em setores das Forças Armadas.

Bolsonaro, ele próprio, é um remanescente da ditadura militar. Ao contrário do que alguns possam imaginar, não foi ele que trouxe os militares novamente para a cena política.

Foram os militares que se valeram dele para voltar a atuar diretamente na política.

Há muito suas declarações, gestos e ações já deveriam ter sido coibidos.

Como na Argentina, aqui também não será fácil colocar golpistas graúdos no banco dos réus.

Mas esse processo não pode continuar sendo adiado.

Ao comentar sobre a situação de Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, um aliado do ex-presidente, veio com a conversa de que “o Brasil precisa cuidar melhor de seus ex-presidentes”.

Lira não explicou qual tratamento seria esse, mas sabe-se que ele tem ventilado a possibilidade de anistia para os atos cometidos por Bolsonaro. Lira, na legislatura passada, foi aquele que barrou os mais de 100 pedidos de impeachment contra Bolsonaro.

Os setores organizados da população brasileira precisam ficar atentos e não permitir que novamente tudo acabe em pizza.

Se Bolsonaro e os demais golpistas, militares e civis, não forem julgados e receberem a devida sentença, dificilmente a democracia brasileira ficará livre do fantasma fardado que a tem rondado.

O Brasil de 2023 precisa se tornar a Argentina de 1985.

06
Ago23

Ditadura militar: Mais de dez etnias foram vítimas de massacres e torturas

Talis Andrade

Vídeo: Os povos indígenas e a ditadura. O historiador andaluz Carlos Trinidad fala sobre suas pesquisas acerca das representações dos povos indígenas feitas tanto pelo governo brasileiro durante a ditadura militar como por setores da sociedade. 

 

Cinquenta anos após o golpe de 1964, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) confirmou, no relatório final lançado em novembro de 2014, que a ditadura no Brasil matou 434 pessoas. Esse número, no entanto, não engloba o assassinato de indígenas ou camponeses durante o regime. Em um apêndice do relatório é informada a morte de pelo menos 8.350 indígenas, de mais de dez etnias diferentes, assassinados em massacres, esbulho de terras, remoções forçadas, contágio por doenças, prisões e torturas.

Dois anos antes, um relatório apresentado pela Secretaria de Direitos Humanos à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Câmara já havia identificado 1.196 casos de trabalhadores rurais assassinados ou desaparecidos por razão ideológica e disputa fundiária no campo, entre setembro de 1961 e outubro de 1988.

Segundo Marés, o processo de limpeza étnica tinha como objetivo possibilitar a “exploração de território” de acordo com o modelo de desenvolvimento pensado pelos militares. Essas políticas foram colocadas em práticas pela própria Fundação Nacional do Índio (Funai) e suas políticas indigenistas. Mais de três décadas desde a redemocratização, o professor da UFPR também destaca a continuidade das práticas inauguradas na ditadura:

– Esse processo de limpeza da terra continua. Não parou, não houve um hiato de políticas indigenistas e territoriais diferente. Mas houve a extraordinária capacidade da organização do campo na América Latina. Os indígenas têm uma coisa que é terrível para qualquer organização militar de direita: eles já estão organizados, só o fato de existirem já é uma organização.

Muito do que se sabe sobre o massacre contemporâneo de indígenas no país foi documentado pelo Relatório Figueiredo, documento com mais de 7 mil páginas produzidas em 1967 pelo procurador Jader de Figueiredo Correia. O relatório foi feito a pedido do ministro do Interior, Afonso Augusto de Albuquerque Lima. Nele foram descritas violências praticadas por latifundiários brasileiros e funcionários do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), contra indígenas brasileiros nas décadas de 1940, 1950 e 1960.

Entre as denúncias estavam a prática de escravização de indígenas, a tortura de crianças e o roubo de terras por parte do Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Os documentos foram liberados apenas em 2013. Embora redescoberto e analisado pela Comissão Nacional da Verdade, ele denuncia também massacres cometidos antes de 1964.

 

‘AVIÃO MILITAR POUSOU E PEGOU TODO MUNDO’

 

Integrante da Coordenação das Organizações dos Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Ângela Kaxuyana representa um povo que sofreu diretamente as consequências do regime militar. Parte dos indígenas Kaxuyana foi transferida em 1968 de sua terra indígena, localizada entre os tios Trombetas e Cachorro, no noroeste do Pará, e levados de avião pela Força Aérea Brasileira até o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, na divisa entre Pará e Amapá.

Na época, a Fundação Nacional do Índio alegou que a transferência foi feita para evitar uma epidemia. Ângela discorda:

 – Hoje sabemos que isso foi mentira, que queriam nossos territórios. O avião militar pousou e pegou todo mundo, crianças, idosos. Os velhos contam que foi o dia mais triste da vida deles, que não sabiam o que estava acontecendo.

Ela diz que, alguns anos depois, foram construídos grandes empreendimentos na região original de seu povo, como a Hidrelétrica da Cachoeira Porteira e as grandes mineradoras que hoje ocupam o Rio Trombetas.

“Entre 1969 até o final dos anos 1990 o meu povo permaneceu na TI do Tumucumaque, sendo obrigado a aderir a cultura de outros povos, viver como outros povos”, descreve. “Quando eles chegaram no parque acharam muito estranha a vegetação de savana, acharam que era uma terra castigada. Minha bisavó morreu de depressão por causa disso.”

O povo Kaxuyana só recuperou seu território em dezembro, ao conquistar a demarcação da TI Kaxuyana/Tunayana. Na opinião de Ângela, a ditadura nunca teve fim para os povos indígenas: “Em algumas regiões ela continua lá, camuflada. Muito do que foi pensado na ditadura para a Amazônia aconteceu de forma bem escondidinha, sem registro.”

 

Massacres de indígenas em nome da 'emancipação"

 

Um dos capítulos do relatório da Comissão da Verdade, “Violações de direitos humanos nos povos indígenas”, mostra que os maiores genocídios de indígenas na ditadura foram os dos povos Cinta-Larga (RO/MT), Waimiri-Atroari (AM/RR), Tapayuna (MT) e Yanomami (AM/RR). No caso dos Cinta-Larga, foram mais de 3.500 indígenas assassinados, a grande maioria envenenados por arsênico, com a ajuda de agentes do Estado. O evento ficou conhecido como Massacre do Paralelo Onze e teve como objetivo a expansão da fronteira agrícola na região.

Um massacre de 2.650 indígenas quase dizimou o povo Waimiri-Atroari. Em uma ocasião, um avião derramou um pó químico, futuramente identificado como napalm (substância utilizada na Guerra do Vietnã), sobre uma celebração típica que ocorria na aldeia Kramna Mudî. Foram pelo menos 33 mortos. O interesse no território dos Waimiri-Atroari teve relação com a construção da BR 174, que conecta Manaus a Boa Vista, e com a construção da Usina Hidrelétrica de Balbina.

Além dos assassinatos em massa e transferências de povos, parte importante do plano dos militares para os indígenas envolvia o que eles chamavam de “emancipação”. Ela consistia, basicamente, em negar a identidade indígena, incentivando sua anexação à sociedade brasileira. Segundo José Augusto Laranjeiras Sampaio, da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), da Bahia, o plano teve início na região Nordeste.

“Havia a percepção de que os indígenas no nordeste já eram camponeses e logo nem se lembrariam que eram indígenas”, explica. “Como se fosse um processo inexorável. Mas na verdade, esses indígenas, que supostamente estavam fadados à extinção e já haviam até migrado para o sudeste, fizeram um movimento de voltar e ‘levantar suas aldeias’”.

Sampaio conta que a população indígena na região chegou, durante a ditadura, a seu número mais baixo: 20 mil. Hoje já são mais de 140 mil indígenas na região. Na Bahia, são 23 povos reconhecidos. “O Nordeste hoje tem pelo menos 25% da população indígena no país”, diz. “O projeto de emancipação foi um fracasso de qualquer perspectiva, mas agora essa ideia de incorporação dos povos indígenas volta à moda na direita.”

Vídeo: Tá difícil de entender o Brasil do presente? Pois dia 16/06/2020 conversei com o professor Carlos Frederico Marés de Souza Filho, nosso querido Marés, que - obviamente sem pretensão de esgotarmos qualquer um dos tópicos - dividiu um pouco conosco do que era estar no movimento estudantil na ditadura militar, como era a dinâmica de perseguição da produção de cultura e saber e como isso se reflete no país hoje. Numa conversa leve, não obstante os temas pesados, falamos de democracia, ditadura, perseguição do conhecimento e obscurantismo, etnocídio e a incompreensão de determinados grupos a existência de subjetividades diversas daquelas que lhes constitui. O professor Marés é atualmente professor da graduação, bem como mestrado e doutorado do PPGD da PUC/PR em Curitiba, possui uma trajetória de pesquisa em proteção de bens culturais e proteção dos povos indígenas. Foi procurador do Estado do Paraná, presidente da FUNAI (e muito mais, como dito na apresentação). Foi exilado político de 1970 a 1979, e advogado dos povos indígenas desde 1980. (*por volta dos 54 minutos a câmera do Professor deu um probleminha e acabei editando um trecho até estabilizar, mas sem cortes substanciais, a gente só ficou falando de como é importante aparecer nas câmeras como se o encontro fosse real, em sinal de respeito ao interlocutor, penteando o cabelo, pelo menos, rsrsrs). Emmanuella Denora. O golpe de Bolsonaro tivesse sido vitorioso iriam matar índio e matar camponeses. Como aconteceu em 1964

 

27
Jul23

Justiça condena União, Funai e MG por campo de concentração indígena durante ditadura militar

Talis Andrade
A ditadura militar brasileira removeu o povo Krenak de suas terras e o levou para um campo de concentração chamado Fazenda Guarani, onde indígenas de diversas etnias eram submetidos a trabalho forçado, tortura e outros tipos de violência física e psicológica. A população Krenak foi reduzida a apenas 50 indivíduos durante aquele período. Foto: Márcio Ferreira, 1989 / Instituto Socioambiental (ISA).

O povo Krenak foi expulso de suas terras e obrigado a viver confinado em uma fazenda. O governo ainda criou uma prisão indígena e formou uma guarda composta por pessoas de várias etnias para causar desagregação da cultura

Por Thais Pimentel, G1

A 14ª Vara Federal de Minas Gerais condenou a União, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o governo do estado por violações dos direitos humanos e civis do povo indígena Krenak – que vive na Região do Vale do Rio Doce – durante a ditadura militar.

Em 1972, homens, mulheres e crianças foram expulsos de suas terras pelo governo e obrigados a viver confinados na Fazenda Guarani, pertencente à Polícia Militar (PM), em Carmésia, a mais de 300 quilômetros de distância de suas terras. A medida foi tomada para facilitar a ação de posseiros vizinhos que tomaram os mais de 4 mil hectares dos indígenas.

“Era um campo de concentração. Famílias inteiras ficaram confinadas, presas mesmo, por anos nesta fazenda”, disse o procurador da República Edmundo Antônio Dias, autor da ação que tramitava há seis anos.

Em 1969, o governo militar já havia criado o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, um presídio que chegou a abrigar 94 pessoas de 15 etnias, vindas de 11 estados brasileiros.

“Eles não sabiam por que estavam sendo presos. Alguns eram detidos por causa de bebida ou por terem saído de áreas demarcadas. Não havia julgamento. A tortura era comum. Eles ainda eram obrigados a fazer trabalhos forçados”, disse o procurador.

 

Guarda e tortura

 

Outra violação foi a criação da Guarda Rural Indígena, composta por pessoas das aldeias que vigiavam e puniam os presos. A primeira turma foi treinada pela Polícia Militar de Minas Gerais e era composta por 84 indígenas de diferentes etnias e regiões do país, entre elas Craós (Maranhão), Xerente (Goiás), Carajás (Pará), Maxacali (Minas Gerais) e Gaviões (Tocantins).

A medida causou desagregação dentro do grupo, ferindo a cultura e o espírito de irmandade entre os povos.

A única foto que documenta uma cena de tortura durante a ditadura militar é de um indígena em um pau-de-arara sendo "exibido" em Belo Horizonte, na presença de autoridades como secretários de estado. O evento era a formatura da 1ª turma da Guarda Rural Indígena.

 

O que determina a Justiça

 

Segundo a decisão da juíza federal Anna Cristina Rocha Gonçalves, a União, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o governo do estado terão que realizar, em um prazo de seis meses, "após consulta prévia às lideranças indígenas Krenak, cerimônia pública, com a presença de representantes das entidades rés, em nível federal e estadual, na qual serão reconhecidas as graves violações de direitos dos povos indígenas, seguida de pedido público de desculpas ao Povo Krenak".

A Funai também terá que concluir o processo administrativo de delimitação da terra de Sete Salões, considerada sagrada para os indígenas. Só em 1993 que os Krenak conseguiram parte dos 4 mil hectares originais de volta. Porém, esta área ficou de fora.

“A decisão acontece em um momento muito importante que é a discussão do marco temporal das terras indígenas. Se esta questão vigorasse, e não o que determina a Constituição, estas pessoas jamais teriam conseguido retornar para sua terra. Porque isso só aconteceu depois da constituição de 88. Eles ainda estavam na Fazenda Guarani’, disse o procurador.

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