Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

26
Ago23

No quesito julgamento e prisão de golpistas, o Brasil está atrasado quase três décadas

Talis Andrade

ditadura 1.jpeg

 

O Brasil de 2023 precisa se tornar a Argentina de 1985. Aqui, pizza, de novo, não! As seis fracassadas tentativas golpistas de Bolsonaro (parte 2)

 

por Ângela Carrato

No quesito julgamento e prisão de golpistas, o Brasil está atrasado quase três décadas.

Ao contrário da vizinha Argentina, que julgou e condenou militares golpistas tão logo a ditadura (1976-1982) chegou ao fim, as nossas instituições nunca se dispuseram a enfrentar esse problema.

A Lei da Anistia (lei 6.683) de 1979, proposta pelo general presidente João Batista Figueiredo, beneficiou igualmente quem cometeu atrocidades e quem foi vítima delas.

Quando em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propôs uma revisão desta lei, para que torturadores pudessem ser punidos, o STF rejeitou a ação ao dizer que a anistia valia para todos.

Foi a impunidade que levou remanescentes de 1964 a se lançarem em novas ações contra a democracia brasileira, como o golpe que derrubou a presidente Dilma Rousseff, em 2016, e a recente tentativa golpista em 8 de janeiro.

Para quem não sabe, o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional no governo Bolsonaro, é um dos militares “linha dura” que serviu como ajudante de ordens do general Silvio Frota quando ministro do Exército.

Em 1977, Frota tentou derrubar o então general presidente Ernesto Geisel, por considerá-lo “afinado com os comunistas”.

Geisel demitiu Frota, obrigou sua passagem para a reserva e deu início ao processo de abertura política no país. Os amigos e admiradores de Frota, no entanto, permaneceram nas Forças Armadas.

Mesmo com o retorno dos civis ao poder no Brasil, a impunidade dos militares é um dos mais graves problemas que a nossa democracia enfrenta.

A instalação em 2011 da Comissão Nacional da Verdade, pela então presidente Dilma Rousseff, está entre as principais razões que levaram à sua derrubada.

Mesmo tendo entre suas atribuições somente investigar violações aos direitos humanos acontecidos no período de 1946 a 1988, sem poder para levar ao banco dos réus quem quer que seja, setores militares se mostraram indignados.

O golpe contra Dilma contou com a participação ativa desses militares, o que voltou a se repetir em 8 de janeiro.

A complicada presença dos fardados na história brasileira nunca foi devidamente enfrentada e isso faz com que se sintam autorizados a se intrometer na política. Haja vista que recentemente alguns deles queriam emplacar a distorcida leitura que fazem do artigo 142 da Constituição de 1988 para se tornarem uma espécie de Poder Moderador.

Daí termos muito que aprender com a vizinha Argentina.

Em 1985, Raul Alfonsín, um presidente fraco e semelhante ao brasileiro José Sarney, também o primeiro após a redemocratização em seu país, decidiu pelo julgamento de todos que cometeram crimes durante a última ditadura (1976-1982).

Pressionado pela extrema-direita, que havia imposto leis absurdas como a do “Ponto Final” e da “Obediência Devida”, que livravam os militares de qualquer responsabilidade, Alfonsín não teve alternativa a não ser mostrar para a população o que havia acontecido.

Pela primeira vez na história mundial após Nuremberg, um tribunal civil julgou e condenou os integrantes das juntas militares do período, com penas que variaram de quatro a 17 anos.

O último ditador-presidente argentino, Jorge Rafael Videla, foi condenado à prisão perpétua e morreu em 2015 na cadeia.

A história desse julgamento está contada em detalhes no magnífico filme Argentina 1985.

Dirigido por Santiago Mitre e tendo no papel do procurador-chefe, Julio Strassera, responsável pelas acusações, o consagrado ator Ricardo Darín, o filme é uma aula de história e a própria explicação das razões pelas quais na Argentina os militares não voltaram a se aventurar contra a democracia.

Por mais que o país vizinho experimente gravíssimas crises econômicas, não se vê gente na rua pedindo a volta dos militares ao poder ou defendendo perseguição e mortes aos opositores.

O julgamento dos militares golpistas na Argentina envolveu 530 horas de audiências, nas quais foram ouvidas 850 testemunhas. Pela primeira vez, a população argentina pode conhecer, em detalhes, o que aconteceu com grande parte dos seus 30 mil mortos e desaparecidos.

O julgamento durou várias semanas e, em algumas delas, o clima político beirou à temperatura máxima.

No Brasil, as atrocidades cometidas pelos militares durante os chamados “anos de chumbo” nunca chegaram ao conhecimento da maioria da população.

A exceção de Dilma Rousseff, ela própria uma vítima dos anos de chumbo, todos os demais presidentes da Nova República, evitaram o assunto.

O resultado é o que se conhece. Não por acaso, o filme de Santiago Mitre, mesmo lançado em 2022 e figurando entre os cinco indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2023, continua praticamente inédito no Brasil, disponível apenas em streaming.

Mais do que um relato sobre fatos reais, Argentina 1985 serve de alerta para as nossas instituições e para a população brasileira.

Os atos golpistas de Bolsonaro não são fatos isolados. Eles fazem parte de uma visão predominante em setores das Forças Armadas.

Bolsonaro, ele próprio, é um remanescente da ditadura militar. Ao contrário do que alguns possam imaginar, não foi ele que trouxe os militares novamente para a cena política.

Foram os militares que se valeram dele para voltar a atuar diretamente na política.

Há muito suas declarações, gestos e ações já deveriam ter sido coibidos.

Como na Argentina, aqui também não será fácil colocar golpistas graúdos no banco dos réus.

Mas esse processo não pode continuar sendo adiado.

Ao comentar sobre a situação de Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, um aliado do ex-presidente, veio com a conversa de que “o Brasil precisa cuidar melhor de seus ex-presidentes”.

Lira não explicou qual tratamento seria esse, mas sabe-se que ele tem ventilado a possibilidade de anistia para os atos cometidos por Bolsonaro. Lira, na legislatura passada, foi aquele que barrou os mais de 100 pedidos de impeachment contra Bolsonaro.

Os setores organizados da população brasileira precisam ficar atentos e não permitir que novamente tudo acabe em pizza.

Se Bolsonaro e os demais golpistas, militares e civis, não forem julgados e receberem a devida sentença, dificilmente a democracia brasileira ficará livre do fantasma fardado que a tem rondado.

O Brasil de 2023 precisa se tornar a Argentina de 1985.

06
Ago23

Ditadura militar: Mais de dez etnias foram vítimas de massacres e torturas

Talis Andrade

Vídeo: Os povos indígenas e a ditadura. O historiador andaluz Carlos Trinidad fala sobre suas pesquisas acerca das representações dos povos indígenas feitas tanto pelo governo brasileiro durante a ditadura militar como por setores da sociedade. 

 

Cinquenta anos após o golpe de 1964, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) confirmou, no relatório final lançado em novembro de 2014, que a ditadura no Brasil matou 434 pessoas. Esse número, no entanto, não engloba o assassinato de indígenas ou camponeses durante o regime. Em um apêndice do relatório é informada a morte de pelo menos 8.350 indígenas, de mais de dez etnias diferentes, assassinados em massacres, esbulho de terras, remoções forçadas, contágio por doenças, prisões e torturas.

Dois anos antes, um relatório apresentado pela Secretaria de Direitos Humanos à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Câmara já havia identificado 1.196 casos de trabalhadores rurais assassinados ou desaparecidos por razão ideológica e disputa fundiária no campo, entre setembro de 1961 e outubro de 1988.

Segundo Marés, o processo de limpeza étnica tinha como objetivo possibilitar a “exploração de território” de acordo com o modelo de desenvolvimento pensado pelos militares. Essas políticas foram colocadas em práticas pela própria Fundação Nacional do Índio (Funai) e suas políticas indigenistas. Mais de três décadas desde a redemocratização, o professor da UFPR também destaca a continuidade das práticas inauguradas na ditadura:

– Esse processo de limpeza da terra continua. Não parou, não houve um hiato de políticas indigenistas e territoriais diferente. Mas houve a extraordinária capacidade da organização do campo na América Latina. Os indígenas têm uma coisa que é terrível para qualquer organização militar de direita: eles já estão organizados, só o fato de existirem já é uma organização.

Muito do que se sabe sobre o massacre contemporâneo de indígenas no país foi documentado pelo Relatório Figueiredo, documento com mais de 7 mil páginas produzidas em 1967 pelo procurador Jader de Figueiredo Correia. O relatório foi feito a pedido do ministro do Interior, Afonso Augusto de Albuquerque Lima. Nele foram descritas violências praticadas por latifundiários brasileiros e funcionários do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), contra indígenas brasileiros nas décadas de 1940, 1950 e 1960.

Entre as denúncias estavam a prática de escravização de indígenas, a tortura de crianças e o roubo de terras por parte do Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Os documentos foram liberados apenas em 2013. Embora redescoberto e analisado pela Comissão Nacional da Verdade, ele denuncia também massacres cometidos antes de 1964.

 

‘AVIÃO MILITAR POUSOU E PEGOU TODO MUNDO’

 

Integrante da Coordenação das Organizações dos Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Ângela Kaxuyana representa um povo que sofreu diretamente as consequências do regime militar. Parte dos indígenas Kaxuyana foi transferida em 1968 de sua terra indígena, localizada entre os tios Trombetas e Cachorro, no noroeste do Pará, e levados de avião pela Força Aérea Brasileira até o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, na divisa entre Pará e Amapá.

Na época, a Fundação Nacional do Índio alegou que a transferência foi feita para evitar uma epidemia. Ângela discorda:

 – Hoje sabemos que isso foi mentira, que queriam nossos territórios. O avião militar pousou e pegou todo mundo, crianças, idosos. Os velhos contam que foi o dia mais triste da vida deles, que não sabiam o que estava acontecendo.

Ela diz que, alguns anos depois, foram construídos grandes empreendimentos na região original de seu povo, como a Hidrelétrica da Cachoeira Porteira e as grandes mineradoras que hoje ocupam o Rio Trombetas.

“Entre 1969 até o final dos anos 1990 o meu povo permaneceu na TI do Tumucumaque, sendo obrigado a aderir a cultura de outros povos, viver como outros povos”, descreve. “Quando eles chegaram no parque acharam muito estranha a vegetação de savana, acharam que era uma terra castigada. Minha bisavó morreu de depressão por causa disso.”

O povo Kaxuyana só recuperou seu território em dezembro, ao conquistar a demarcação da TI Kaxuyana/Tunayana. Na opinião de Ângela, a ditadura nunca teve fim para os povos indígenas: “Em algumas regiões ela continua lá, camuflada. Muito do que foi pensado na ditadura para a Amazônia aconteceu de forma bem escondidinha, sem registro.”

 

Massacres de indígenas em nome da 'emancipação"

 

Um dos capítulos do relatório da Comissão da Verdade, “Violações de direitos humanos nos povos indígenas”, mostra que os maiores genocídios de indígenas na ditadura foram os dos povos Cinta-Larga (RO/MT), Waimiri-Atroari (AM/RR), Tapayuna (MT) e Yanomami (AM/RR). No caso dos Cinta-Larga, foram mais de 3.500 indígenas assassinados, a grande maioria envenenados por arsênico, com a ajuda de agentes do Estado. O evento ficou conhecido como Massacre do Paralelo Onze e teve como objetivo a expansão da fronteira agrícola na região.

Um massacre de 2.650 indígenas quase dizimou o povo Waimiri-Atroari. Em uma ocasião, um avião derramou um pó químico, futuramente identificado como napalm (substância utilizada na Guerra do Vietnã), sobre uma celebração típica que ocorria na aldeia Kramna Mudî. Foram pelo menos 33 mortos. O interesse no território dos Waimiri-Atroari teve relação com a construção da BR 174, que conecta Manaus a Boa Vista, e com a construção da Usina Hidrelétrica de Balbina.

Além dos assassinatos em massa e transferências de povos, parte importante do plano dos militares para os indígenas envolvia o que eles chamavam de “emancipação”. Ela consistia, basicamente, em negar a identidade indígena, incentivando sua anexação à sociedade brasileira. Segundo José Augusto Laranjeiras Sampaio, da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), da Bahia, o plano teve início na região Nordeste.

“Havia a percepção de que os indígenas no nordeste já eram camponeses e logo nem se lembrariam que eram indígenas”, explica. “Como se fosse um processo inexorável. Mas na verdade, esses indígenas, que supostamente estavam fadados à extinção e já haviam até migrado para o sudeste, fizeram um movimento de voltar e ‘levantar suas aldeias’”.

Sampaio conta que a população indígena na região chegou, durante a ditadura, a seu número mais baixo: 20 mil. Hoje já são mais de 140 mil indígenas na região. Na Bahia, são 23 povos reconhecidos. “O Nordeste hoje tem pelo menos 25% da população indígena no país”, diz. “O projeto de emancipação foi um fracasso de qualquer perspectiva, mas agora essa ideia de incorporação dos povos indígenas volta à moda na direita.”

Vídeo: Tá difícil de entender o Brasil do presente? Pois dia 16/06/2020 conversei com o professor Carlos Frederico Marés de Souza Filho, nosso querido Marés, que - obviamente sem pretensão de esgotarmos qualquer um dos tópicos - dividiu um pouco conosco do que era estar no movimento estudantil na ditadura militar, como era a dinâmica de perseguição da produção de cultura e saber e como isso se reflete no país hoje. Numa conversa leve, não obstante os temas pesados, falamos de democracia, ditadura, perseguição do conhecimento e obscurantismo, etnocídio e a incompreensão de determinados grupos a existência de subjetividades diversas daquelas que lhes constitui. O professor Marés é atualmente professor da graduação, bem como mestrado e doutorado do PPGD da PUC/PR em Curitiba, possui uma trajetória de pesquisa em proteção de bens culturais e proteção dos povos indígenas. Foi procurador do Estado do Paraná, presidente da FUNAI (e muito mais, como dito na apresentação). Foi exilado político de 1970 a 1979, e advogado dos povos indígenas desde 1980. (*por volta dos 54 minutos a câmera do Professor deu um probleminha e acabei editando um trecho até estabilizar, mas sem cortes substanciais, a gente só ficou falando de como é importante aparecer nas câmeras como se o encontro fosse real, em sinal de respeito ao interlocutor, penteando o cabelo, pelo menos, rsrsrs). Emmanuella Denora. O golpe de Bolsonaro tivesse sido vitorioso iriam matar índio e matar camponeses. Como aconteceu em 1964

 

19
Abr23

“Militares não foram nada corretos, foram assassinos”

Talis Andrade

tortura crucificado duke.jpg

Movimentos sociais, coordenados pelo Frente do Esculacho Popular, manifestaram na Avenida Paulista, em São Paulo, para expor publicamente ex-militares e policiais acusados de tortura e homicídios durante a ditadura militar,20/10/2012.
Movimentos sociais, coordenados pelo Frente do Esculacho Popular, manifestaram na Avenida Paulista, em São Paulo, para expor publicamente ex-militares e policiais acusados de tortura e homicídios durante a ditadura militar, 20/10/2012. Marcelo Camargo/ABr

No último 10 de maio, o professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas e colunista do jornal Folha de S. Paulo, Matias Spektor, revelou, por meio de uma postagem nas redes sociais, o que classificou como o “documento secreto mais perturbador” que havia lido “em 20 anos de pesquisa”. O texto em questão, um memorando da CIA, o serviço norte-americano de inteligência, confirmava o que muitos historiadores da ditadura militar no Brasil apontavam há anos: o alto escalão, incluindo presidentes como Ernesto Geisel, continuaram a ordenar execuções e torturas mesmo durante a chamada “abertura”. Em entrevista à RFI Brasil, a historiadora e pesquisadora em História contemporânea do Instituto de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS) de Paris, Mônica Schpun, repercute a divulgação do documento em 2018 no Brasil. Ela é co-organizadora do livro “1964. La dictature brésilienne et son legs” (“1964, A ditadura brasileira e seu legado”, em português), lançado na França.

O assunto brasileiro repercutiu no país. O jornal Le Monde desta terça-feira (15) publicou matéria sobre o relatório da CIA que, segundo o diário, “demonstra a implicação do Estado brasileiro nos crimes cometidos durante a ditadura”. Para o vespertino, “tirando um punhado de negacionistas, nenhum brasileiro ignora as mortes suspeitas, as execuções sumárias e as torturadas abomináveis conduzidas durante a ditadura militar (1964-1985) no Brasil”.

Le Monde destaca ainda que “nenhum presidente que tenha dirigido o país durante esses anos de chumbo foi menos cruel do que os outros”. A informação contradiz a corrente de pensamento brasileira que sinalizava até então uma abertura política, supostamente conduzida a partir do governo do general Ernesto Geisel (1974-1979). “O documento da CIA reabre feridas que o Brasil nunca curou”, afirma o jornal francês.

“Isso me parece extremamente importante: Geisel era o general que deveria iniciar o processo da abertura. E durante muito tempo se manteve essa ambiguidade entre os generais linha dura e os mais moderados. Geisel teria ficado do lado dos moderados. Mas esse documento da CIA desmente de modo irrecusável essa imagem”, afirma Mônica Schpun. Para a pesquisadora e professora, Geisel continuava as execuções não apenas com “pleno conhecimento”, mas com “pleno controle” do processo.

 

“Vulgarização da memória da ditadura militar no Brasil”

Para Schpun, a afirmação dos generais de que havia uma abertura [no período Geisel], porque “o país estava entrando nos eixos”, se tratava de mera “balela”. “Não só os assassinatos, a repressão e a tortura continuavam, mas com o aval e o controle do Palácio do Planalto”, diz.  Em época de eleições e de volta do discurso militarista no Brasil, por uma parte da população brasileira, a pesquisadora analisa o impacto da divulgação do documento no país.

“Existe um sério problema de memória dos crimes da ditadura, principalmente num momento em que existe uma oposição muito grande às esquerdas no Brasil, por parte das classes médias urbanas”, analisa. “Há uma falta de conhecimento público. Uma vulgarização da memória do que foi a ditadura militar e uma parcela importante da população que a imagem de militares ainda esteja ligada à ordem e correção”, pontua. “É uma mentira”, contrapõe Mônica Schpun. “Na época da ditadura a corrupção andava a mil. Os militares não foram nada corretos, foram assassinos”, afirma.

Schpun diz que, no Brasil, “as pessoas colocam no mesmo prato da balança os opositores que pegaram em armas contra a ditadura e a repressão dos militares”, mas que “não dá para contrabalançar desse jeito, é muito primário este tipo de análise”.

 

Lei anistiou ao mesmo tempo “militares, torturadores e vítimas da repressão”

Para a pesquisadora, “o problema capital é a nossa Lei da Anistia, que não avança. Ela anistiou ao mesmo tempo os militares, os torturadores e as vítimas da repressão e, desde então, nunca foi revista. A Corte Interamericana de Direitos Humanos havia julgado nossa Lei da Anistia como inconstitucional, mas nem mesmo o governo de Dilma Rousseff acatou essa decisão”, analisa.

No entanto, a especialista acredita que os militares “não querem voltar ao poder”. “Mas a situação é muito preocupante, o desfecho é travado, bloqueado. A lei protege todos os culpados de crimes cometidos durante a ditadura militar”, avalia.

“Essa Lei da Anistia não permite que essa memória da ditadura seja retrabalhada, como o foi, por exemplo, na Argentina e no Chile, onde militares culpados de crimes foram presos. No Brasil, podem falar o que quiserem de Figueiredo, Geisel, ninguém será punido. O coronel Brilhante Ustra era um torturador que torturava mulheres na frente de suas crianças e foi saudado por Bolsonaro durante a votação do impeachment de Dilma no Congresso”, diz. Mônica Schpun lembra que mesmo com “tantos fatos comprovados pela Comissão da Verdade”, do ponto de vista jurídico, “não acontece e não acontecerá nada”.

 

Bolsonaro “surfa em cima de crises”

“Pessoas autoritárias como Bolsonaro não tiveram voz durante os mais de 15 anos de esquerda no poder no Brasil [pós-ditadura]. Ele volta agora aproveitando uma brecha, porque o Brasil passa por uma grande crise”, analisa a professora do EHESS, em Paris. “É o tipo de político que surfa em cima das crises. Seu discurso de ‘vou pôr ordem na casa’ é totalmente ilusório. Uma parcela da população, revoltada com os processos de corrupção, cai neste discurso extremista de direita”, diz.

No entanto, a pesquisadora não acredita que a revelação tardia do documento da CIA, revelando as execuções autorizadas por Geisel, tenha a ver com uma tentativa de contenção, durante este ano de eleições, de discursos extremistas e pró-militaristas como o de Jair Bolsonaro. “O artigo do próprio Matias Spektor não focaliza esta abordagem. Ele cita uma versão precedente deste documento, ainda com tarjas pretas em algumas partes. Agora, o documento foi disponibilizado em sua integralidade. Não me parece que essa divulgação seja calculada. Nenhum dos especialistas que reagiram a esse documento se focalizou nesse aspecto”, conclui.

31
Mar23

Catástrofe histórica

Talis Andrade
 

 

 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

por Cristovam Buarque /Correio Braziliense

No início de 1964, as forças políticas conservadoras estavam descontentes com o presidente João Goulart por propor reformas sociais que o Brasil, havia séculos, se negava a fazer. Os norte-americanos não estavam satisfeitos porque temiam o Brasil assumir posição de não alinhado na guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética. E o povo brasileiro estava descontente com a instabilidade social, a indisciplina e a polarização política, a inflação, a recessão, o desemprego, sucessivas greves, mobilizações, confrontos nas ruas, impasses e falta de rumo no parlamento. Havia um quadro propício à vitória de candidatos da oposição nas eleições de 1966, mas as Forças Armadas, com sua desconfiança permanente em relação aos civis e sua vocação para intervir na política, destituiu o presidente, interrompeu a democracia, prendeu líderes de esquerda e cassou direitos dos democratas de direita, suspendeu o funcionamento autônomo das instituições e aboliu liberdade acadêmica e de imprensa durante 21 anos.

Quase 60 anos depois, é possível dizer que o golpe de 1964 foi o maior de diversos erros históricos e oportunidades perdidas pelo Brasil no século 20. Se tivéssemos esperado as eleições de 1966 e as seguintes impedidas, teríamos enfrentado a crise conjuntural e encontrado rumos para superar nossos problemas estruturais.

A ideia de que o golpe militar evitou a implantação de um sistema comunista não resiste à análise séria. O partido comunista brasileiro era minúsculo e sempre foi conservador, no máximo defendia reforma agrária, tanto quanto qualquer democrata minimamente progressista da época. A União Soviética não queria outra Cuba na América Latina nem um Vietnam ou Coreia a 15 mil quilômetros de distância. Qualquer pessoa lúcida e bem-informada sabe que não havia ameaça de o comunismo ser implantado, tanto que, desde Cuba, nenhum país latino implantou esse sistema nem mesmo socialismo. A avaliação do golpe de 64 deve analisar o que os governos militares fizeram e suas consequências para o Brasil atual.

Uma potente infraestrutura foi construída ao custo de endividamento e inflação; houve crescimento econômico sem inovação nem competitividade, nossa economia não deu o salto que países democráticos conseguiram; foram criadas universidades e institutos de pesquisas sem liberdade e com professores presos, exilados ou silenciados. A pobreza se manteve, a tragédia social se agravou e a concentração de renda aumentou. O debate político sobre o futuro do país foi tolhido com Parlamento e Justiça tutelados e a população sem participação. Os partidos políticos foram desfeitos, a democracia suspensa, a moeda aviltada, a educação de base continuou abandonada. Foi montado um moderno sistema de comunicações, sob permanente censura.

Desde 1964, os militares se recusam a ver a história real da ditadura praticada em nome deles, mantêm desprezo ao poder civil, não percebem o divórcio criado entre FFAA e população. O regime militar não enfrentou nenhum dos problemas estruturais do Brasil, nem formulou estratégia para o país ingressar na civilização do conhecimento e da sustentabilidade ecológica que a década de 1960 já anunciava, não formou um "instinto nacional" desejoso e esperançoso por um Brasil eficiente, justo, culto, sustentável e democrático.

É possível imaginar que o Brasil teria hoje mais coesão política e rumo histórico se os militares tivessem permanecido nos quartéis, deixassem os civis e a democracia administrarem as crises. Se não tivessem imposto silêncio político por 21 anos sob a violência da censura, do medo, da tortura, da prisão, do exílio, do assassinato e do desaparecimento para impor um desenvolvimento arcaico, injusto e insustentável. Se não impedissem seis eleições presidenciais diretas, que teriam amadurecido e conduzido o país, naquele período, sem os retrocessos políticos, sociais, civilizatórios e humanistas que o autoritarismo provocou.

O regime militar, entre 1964 e 1985, foi um passo em falso da história brasileira, que nos permite a lição de "golpe nunca mais". O período posterior, até 2023, nos alerta para lacunas nos avanços da democracia dominada por interesses corporativos, polarizada em grupos sectários cegos por ideologias superadas, com políticas e políticos imediatistas que não aglutinam, não definem rumo e não estão enfrentando os desafios estruturais que o Brasil ainda atravessa.

10
Fev23

Bolsonaro recuperou projeto da ditadura militar contra os Yanomami: mão de obra ou extinção

Talis Andrade
www.brasil247.com - { imgCaption }}

 

Os órgãos de proteção aos indígenas foram aparelhados por militares com a intenção de favorecer o garimpo

27
Out22

Quem são os eleitores de Jair Bolsonaro?

Talis Andrade

eleitor bolsonaro eliane brum.png

coxinha eleitor tucano Payam Boromand.jpg

eleitor professor suicidio .jpg

eleitor propaganda _myrria.jpg

Fadi Abou Hassan eleitores.jpg

fundo eleitoral _edcarlos.jpg

fundo eleitoral.jpg

bolsonaro eleitor arrependido .jpeg

mpaiva eleitor de bolsonaro arma.jpg

palanque eleitoral.jpg

patriota eleitor bolsonaro.jpg

vitor orgia politica eleitoral.jpg

fuzi arma de pobre eleitor bolsonaro.jpg

 

 

eleitor bolsonaro.jpg

 

A maioria é composta por conservadores que introjetaram os valores da sociedade patriarcal, ignorados durante muito tempo pela esquerda como assunto secundário

 

por Liszt Vieira /A Terra É Redonda 

 

Durante muito tempo, boa parte da esquerda rejeitava qualquer tema que se afastasse do que então se entendia por luta de classes, vista apenas numa chave economicista. Assim, as lutas feministas, antirracistas e anti-homofóbicas eram rejeitadas como “pautas identitárias” que enfraqueciam a luta revolucionária do proletariado contra a burguesia. E a questão indígena não era percebida como problema social, e sim como uma questão puramente ambiental. O índio era visto como natureza.

Essa visão equivocada afastou os partidos e organizações políticas da esquerda de setores sociais que lutavam por seus direitos contra a opressão de que eram vítimas. Mas a esquerda tradicional não via opressão social e cultural, só via a exploração econômica dos trabalhadores. Com isso, se afastou de uma agenda crítica da sociedade patriarcal e não enfrentou na luta política os valores conservadores.

Lembrei disso para explicar, por outro ângulo, os 51 milhões de votos recebidos por Jair Bolsonaro no primeiro turno. Entre esses votos, temos os neoliberais que consideram o teto de gastos como questão de princípio, os militares reacionários – a grande maioria – os evangélicos e católicos de direita, e os que são ideologicamente fascistas. Mas esse contingente está longe de ser a maioria.

A grande maioria dos eleitores de B. é constituída por conservadores que rejeitam, assustados, o empoderamento das mulheres que não aceitam mais o seu papel tradicional como mãe de família e dona de casa. Nostálgicos da Casa Grande e da Senzala, ficam intimidados com a luta dos negros pela igualdade e verdadeiramente escandalizados com a luta dos gays (LGBTQIA+) pelo reconhecimento de seus direitos. Por exemplo, casamento entre pessoas do mesmo sexo é visto como algo vergonhoso. Além disso, associam desmatamento a progresso.

No eleitorado de B. não existem apenas interesses econômicos do empresariado capitalista, interesses corporativos dos militares, ou interesses de uma grande massa de evangélicos ludibriados em sua boa-fé por pastores corruptos. A grande maioria é composta por conservadores que introjetaram os valores da sociedade patriarcal, ignorados durante muito tempo pela esquerda como assunto secundário, fora do foco da luta de classes.

Esse grande contingente de eleitores conservadores não pode ser classificado de fascista. Mas não se deve ignorar que eles apoiariam uma ditadura fascista que levantasse bem alto o lema “Deus, Pátria e Família”. São, antes de tudo, conservadores que se identificam com os governantes que, mesmo de forma hipócrita, anunciam aos quatro ventos seus valores retrógrados como política oficial. Por exemplo, defendem a vida desde a concepção, mas não defendem as crianças que morrem de fome ou vítimas de “balas perdidas” nas favelas.

Esse eleitorado conservador transforma seu líder em mito e apoiaria uma ditadura de natureza fascista. Quer um governo forte para impedir as mudanças sociais, principalmente na esfera comportamental. O fascismo italiano e o nazismo alemão servem de modelo, ressalvadas as diferenças e as adaptações necessárias. Mas as palavras de ordem, como “Brasil Acima de Tudo”, “Deus, Pátria e Família”, “O Trabalho Liberta”, “Uma Nação, Um Povo, Um Líder” e outras, o gestual, os passeios de motocicleta, muita coisa é copiada diretamente do nazi-fascismo europeu.

Os conservadores detestam a liberdade. Precisam de um chefe autoritário para dar ordens, estão ansiosos por obedecer. Combatem a mudança, principalmente no que se refere a valores morais. Esse substrato do bolsonarismo terá de ser atacado de forma permanente, mesmo correndo o risco de romper depois a atual frente democrática anti-fascista de apoio a Lula. As lutas das desprezadas “questões identitárias” terão de ser travadas em articulação com as lutas econômicas da classe trabalhadora e com a luta pela redução da desigualdade social.

O que está hoje em questão não é uma disputa eleitoral “normal” entre dois candidatos, como a imprensa gosta de apresentar. Há um confronto entre democracia e ditadura dentro das próprias instituições, como o episódio surrealista do Roberto Jefferson demonstrou. Já estamos convivendo com medidas de um Estado de exceção. O presidente cometeu dezenas de crimes e nem processado foi, tamanha a cumplicidade criminosa das instituições de controle. O que está em jogo é a sobrevivência da democracia em luta contra a ditadura que, com o apoio dos conservadores, certamente seria implantada com a vitória do candidato hoje no poder.

Após a provável vitória de Lula, por margem mais apertada do que imaginávamos, a luta contra os valores conservadores da sociedade patriarcal será inadiável. Teremos de articular essas lutas “identitárias” com as lutas econômicas dos trabalhadores. Na linguagem da filósofa norte-americana Nancy Fraser, trata-se de articular o “reconhecimento” com a “redistribuição”, que não podem mais andar separados.

pro justiça eleitoral.jpg

17
Set22

Precisamos voltar a falar dos criminosos e das vítimas da ditadura

Talis Andrade

www.brasil247.com - { imgCaption }}

 

Brasil terá de voltar a falar de ditadura, de ditadores e de torturadores, ou assumir que é um país resignado, alienado e acovardado

 

por Moisés Mendes

- - -

O presidente Gabriel Boric é apresentado como o grande perdedor do referendo que rejeitou a nova Constituição do Chile.

A mobilização contra a Constituição acordou direita e extrema direita, quietas desde as manifestações de rua iniciadas em outubro de 2019, que levaram à Constituinte e agora à frustração.

Tanto acordou que grupos pinochetistas foram às ruas, em 11 de setembro, no aniversário do início da ditadura, para enfrentar manifestantes de esquerda.

E o que fez o presidente? Anunciou que, ao contrário do que os fascistas pensam, eles não terão paz. E que o Chile continuará avivando a memória do que aconteceu na era Pinochet.

Como parte do que está sendo planejado para o aniversário do 50º ano do golpe, em setembro do ano que vem, Boric informou que desde agora o governo participa de uma nova empreitada.

O Chile vai em busca de pistas que esclareçam o que aconteceu com os 1.192 cidadãos e cidadãs até hoje identificados como desaparecidos em algum momento a partir de 1973. Mais de 500 eram crianças.

O Chile teve mais de 3 mil mortes e desaparecimentos. Na Argentina, foram mais de 30 mil, mesmo que esse número seja sempre questionado.

No Brasil, o saldo macabro é oferecido quase como um consolo por fascistas e historiadores condescendentes: 434 pessoas mortas e desaparecidas. .

Mas Argentina, Chile e Uruguai conseguiram, uns mais, outros menos, avançar na punição dos criminosos das suas ditaduras. O Brasil nada fez, por conta da anistia de 1979.

O ambiente que se vislumbra, com uma vitória de Lula, nada assegura de mudança na área da reparação judicial.

O Supremo já fechou todas as portas que poderiam levar à punição criminal de torturadores e assassinos ainda vivos.

Mas o futuro governo poderá oferecer, por gesto político, suporte para que se retome o que foi levado adiante pela Comissão da Verdade e outras iniciativas, para que os horrores da ditadura não sejam esquecidos.

Boric está assumindo com os chilenos, em circunstâncias desfavoráveis ao seu governo, um compromisso com a História.

Um novo governo democrático no Brasil, em substituição ao poder fascista de Bolsonaro, também terá que assumir compromissos.

Pela reabilitação do debate em torno do que foi a ditadura. Pelo fortalecimento de lutas esparsas que ainda resgatam essa memória.

Pelo apoio às energias e aos afetos de todos os familiares e amigos que persistem e pelo respeito a torturados, mortos e desaparecidos.

Um novo governo democrata terá de dar conta de demandas desprezadas e perdidas desde 2016.

O Brasil terá que voltar a dizer, sem medo, todos os anos e de forma permanente, como fazem os chilenos e outros vizinhos, que aqui houve uma ditadura sanguinária.

E reconhecer que a impunidade ajuda a explicar o horror que ainda enfrentamos até hoje.

O esquecimento sustentou a vida tranquila de ditadores e de 377 agentes públicos (militares, policiais e outros) envolvidos em crimes de lesa humanidade entre 1964 e 1985, como torturas, assassinatos e ocultação de cadáveres.

O esquecimento nos levou às crueldades e aos crimes do bolsonarismo e à estrutura militar que tutela e sustenta um genocida.

O Brasil terá de voltar a falar de ditadura, de ditadores e de torturadores, ou assumir que é um país resignado, alienado e acovardado.

O ditador Pinochet na visão de Chico Caruso | Acervo

18
Ago22

Fome exclusividade da população civil

Talis Andrade

Image

 

Não se dá golpe sem listas estaduais de presos, lista nacional de subversivos que devem morrer. 

Todo golpe uma ameaça de sangreira, uma guerra civil embutida. Como aconteceu em 1964. A conflagração armada começa nos quartéis. 

Milhares de militares e policiais assinaram as cartas pela Democracia.

Folha de S.Paulo
@folha
Mônica Bergamo: Carta pela democracia reúne quase 2 mil militares e mais de 8 mil policiais
xico sá
@xicosa
A vida dos folgados quando a população morria sem oxigênio! Braga Netto e militares do governo receberam supersalários de até R$ 1 milhão no auge da pandemia
 
Image

 

  •  
  •  
  • Image

 

“Para o povo, sopa de osso. Para os aliados, um milhão de salário”. Desde a ditadura, o Brasil nunca viu tantos militares ocupando cargos no poder público. Com a revelação de que o general Braga Netto, candidato a vice de Bolsonaro, embolsou quase R$ 1 milhão por mês, como acreditar que militares vão abrir mão da 'super mamata' em caso de derrota nas eleições sem reagirem com violência?

 

Um dos mais fiéis aliados de Jair Bolsonaro (PL) e candidato a vice-presidente na sua chapa, o general Walter Braga Netto recebeu R$ 926 mil em dois meses, no ano de 2020. Levantamento divulgado pelo jornal O Estado de S. Paulo, a partir de dados do Portal da Transparência, mostra que os benefícios pagos pelo governo a oficiais e pensionistas renderam valores que chegaram a até R$ 1 milhão na folha de pagamento em apenas um mês naquele ano, quando a pandemia de covid-19 estava no auge.

Segundo a apuração, a folha de pagamento aumentou principalmente no período em que os oficiais foram para a reserva, já que Bolsonaro promoveu uma mudança da legislação pela qual aumentou a indenização a militares que deixam a ativa.

Outro fiel aliado de farda do presidente, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, foi um dos que só foram para a reserva depois da nova lei entrar em vigor. Ramos recebeu R$ 731,9 mil em julho, agosto e setembro de 2020. O ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque é outro militar na lista de privilegiados.

A repercussão nas redes foi grande entre parlamentares de oposição, apesar de a revelação ter sido feita em meio aos atos do 11 de agosto nesta quinta-feira, a começar do deputado Elias Vaz (PSB-GO), autor do levantamento divulgado. Ele disse que vai cobrar explicações do Ministério da Defesa. “Para o povo, sopa de osso. Para os aliados, um milhão de salário extra. Esse é o governo Bolsonaro”, postou o deputado no Twitter.

Ainda segundo o Estadão, o Ministério Público acionou o Tribunal de Contas da União (TCU) para “barrar” o pagamento desses contracheques “turbinados”.

 

“Super mamata” e “escárnio”

 

O deputado federal Bohn Gass (PT-GO) menciona a falta de emprego na pandemia, enquanto o fiel escudeiro de Bolsonaro “ganhou supersalário de até R$ 1 milhão”. “Agora entendi a promessa deles: queriam acabar com a mamata para criar a super mamata”, escreveu o petista.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) destacou a contradição entre os supersalários dos militares de Bolsonaro e a política fiscal de cortes de verbas de educação e na saúde do orçamento. “Salário Mínimo sem aumento real. Desemprego, fome. Militares do governo com salários de R$ 1 milhão!!!!! Não tem orçamento para quem precisa mas tem para super salários!”, publicou a parlamentar.

Ivan Valente (Psol-SP) e Natália Bonavides (PT-RN) usam a palavra “escárnio” para classificar a prática. “Escárnio! Braga Netto, o vice de Bolsonaro, recebeu quase R$ 1 milhão em salários no auge da pandemia. Esse é o governo que acabaria com a mamata?”, questionou o psolista.

“Escárnio! O candidato a vice de Bolsonaro, o general Braga Netto, recebeu quase R$ 1 milhão de salário em apenas 2 meses de 2020. Enquanto brasileiros morriam sem ar, eles enchiam os bolsos de dinheiro e negavam a vacina. Criminosos!”, protestou a petista.

 

Braga Netto

 

Braga Netto entrou para o governo em fevereiro de 2020, quando foi anunciado como novo ministro chefe da Casa Civil, no lugar de Onyx Lorenzoni. A troca deu mais poder à ala militar do governo, grupo que havia perdido espaço para a ala mais ideológica ao longo de 2019.

À frente da Casa Civil, Braga Netto se tornou um dos ministros mais próximos de Bolsonaro. Ele deixou a pasta para assumir a Defesa após a demissão do ocupante do cargo até então, o general Fernando Azevedo e Silva, em março de 2021 – que foi seguida pela saída dos três comandantes das Forças Armadas em protesto.

Logo depois, ele assinou uma “ordem alusiva ao 31 de março de 1964” em que diz que acontecimentos como o golpe militar ocorrido há 57 anos, o qual chamou de “movimento”, devem ser “compreendidos e celebrados”.

O relatório da CPI da Covid, que apurou as ações e omissões do governo da pandemia, pediu em outubro passado o indiciamento do general por sua atuação como ministro e coordenador coordenador do Centro de Coordenação das Operações do Comitê de Crise da Covid-19, criado pelo Planalto para facilitar a articulação de ações de combate à doença entre órgãos públicos.

O documento aponta que os altos números de casos e mortes por covid-19 no Brasil foram em parte causados por erros do governo sobre os quais o general teria responsabilidade. O relatório afirma ainda que o ministro foi conivente com a “postura negacionista” de Bolsonaro sobre a pandemia.

O jornal “O Globo” publicou reportagens que apontavam uma série de denúncias durante a gestão de Braga Netto no Ministério da Defesa, em 2021. O periódico afirmou que, na época, a pasta aprovou um pacote secreto no valor de R$ 588 milhões.

Dessa quantia, segundo a reportagem, R$ 401 milhões foram destinados a 11 senadores, a maior parte ligada ao governo, e cada um definiu onde o dinheiro seria gasto. Na maior parte das vezes, em seus redutos eleitorais, e sem relação com a área militar.

Image

30
Jul22

Mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura

Talis Andrade

 

Luta, Substantivo Feminino

 

Rebeca Leão
 

A obra “Luta, substantivo feminino” de Tatiana Merlino (2010) é seu primeiro trabalho sobre ditadura militar e direitos humanos. A jornalista é conhecida por abordar essa temática e participou de outro livro, dessa vez como organizadora, em 2014 intitulado “Infância Roubada: crianças atingidas pela Ditadura Militar no Brasil”, além de ter recebido o prêmio Vladimir Herzorg e sido homenageada pela Comissão de Anistia por outros trabalhos.

Nessa primeira obra, vemos relatos de mulheres que presenciaram o lado mais obscuro da ditadura militar brasileira e que além de enfrentarem um regime político autoritário, viviam numa sociedade misógina como a atual em que vivemos. O livro traz histórias de mulheres que perderam suas vidas e relatos de muitas que continuaram vivas para contar sua própria história.

No contexto histórico perturbado do final do século XX, num período onde o homem ainda era o grande protagonista das ações da História, a obra traz ao todo 45 relatos de mulheres que morreram na Ditadura Militar (as mesmas se encontram nas investigações da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos) e 27 testemunhos de sobreviventes, narrando com grande coragem as crueldades das quais foram alvo, sua trajetória de luta contra o regime, a repressão, para muitas a clandestinidade e as diversas formas de tortura que sofreram enquanto estavam presas. De acordo com Menicucci (2010, p. 149) “Algumas mulheres sofreram violência sexual, foram estupradas (…) O objetivo deles era destruir a sexualidade, o desejo, a autoestima, o corpo”. Eleonora Menicucci era participante do Partido Operário Comunista, quando foi presa e levada para a Oban.

As histórias contadas na obra são perturbadoras, uma dessas narrativas é o caso da Nilda Carvalho, que morreu aos 17 anos após ficar muito debilitada por conta das torturas que sofreu. A causa da sua morte nunca foi conhecida, mas relatos dizem que dias depois de ser libertada, Nilda perdeu o equilíbrio, tinha cegueiras repentinas, depressão, falta de ar, entre outros sintomas. Morreu no dia 14 de novembro de 1971, no prontuário constava que tinha alucinações, não comia e repetia constantemente que ia morrer. Sua mãe, Esmeraldina Carvalho, foi encontrada morta em casa um ano depois, logo após ter sido ameaçada por culpar os militares pela morte da filha caçula.

Neste memorial vemos uma contextualização da conjuntura política da época. A autora mostra preocupação em nos situar no cenário histórico para uma melhor compreensão do livro. Ao decorrer da obra, há boxes explicativos entre os relatos que são favoráveis para um melhor entendimento, explicando quais eram os grupos de esquerda que iam para a luta armada contra o regime e até mesmo falando sobre as ditaduras que aconteceram nos outros países da América do Sul.

REFERÊNCIA

MERLINO, Tatiana. Luta, substantivo feminino: Mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura. São Paulo: Caros Amigos, 2010. 201 p.

 

20
Jul22

Milhares de pequenos tiranos

Talis Andrade

Imagem: Engin Akyurt
 
 

La Boétie e os cúmplices do tirano e de suas crueldades

 

por Alexandre Aragão de Albuquerque /A Terra É Redonda

- - -

“O tirano não ama, nunca amou. A amizade só se dá entre pessoas que cultivam o apreço mútuo. Não pode haver amizade onde há crueldade, onde há falsidade, onde há injustiça”. Somos todos companheiros, comemos do mesmo pão da existência. A Natureza colocou-nos todos em companhia uns dos outros. Esta é a compreensão central do pensador francês do século XVI Etienne de La Boétie, em seu clássico Discurso da servidão voluntária, sobre a existência humana. Por sermos todos companheiros, somos todos livres; cada um nasce de posse de sua liberdade, com a afeição para defendê-la.

Desta concepção decorre uma sua indagação: como podem tantos homens suportar o tirano o qual tem apenas o poder concedido por eles? Coisa estranhíssima preferirem tolerá-lo do que contradizê-lo. É lastimável ver um milhão de homens servir miseravelmente, com o pescoço em jugo, como que encantados e enfeitiçados por um mito, a quem não deveriam suportar suas maldades, pois age de forma desumana e feroz para com muitos. E complementa: o que faz com que um único homem trate milhões de humanos como cachorros e os prive de sua liberdade? (No Brasil, do governo Bolsonaro, há 33 milhões de pessoas submetidas ao jugo da fome).

Image

Para La Boétie, é o próprio povo que ao se sujeitar, se degola. Tendo a escolha entre ser servo ou ser livre, abandona a sua liberdade e aceita o jugo, colocando-se numa condição subumana. Incrivelmente, segundo o autor, quando um povo se sujeita, adormece e perde a dimensão da liberdade perdida, tornando-se difícil acordar para ir em sua busca. Humanos nascidos sob o jugo e educados na servidão, contentam-se em viver como nasceram. Assim, a primeira razão da servidão voluntária é o costume. Sob o governo tirano é-lhes tirada toda a liberdade de fazer, de falar, de livre pensar, de se opor e de resistir. Todos se tornam limitados e uniformizados em suas fantasias, entorpecidos por prazeres oferecidos pela propaganda e por políticas de entretenimentos (motociatas, jetskiatas etc.), jogos, cultos religiosos miraculosos, atrativos desenvolvidos continuamente para adormecer o povo.

Mas o ponto central da tirania, a força e o segredo da dominação, segundo Etienne de La Boétie, são os cúmplices do tirano e de suas crueldades, todos aqueles que dele se aproximam e lhe declaram: “estamos juntos!”, tornando-se assim sócios dos resultados da pilhagem do bem comum promovida pelo tirano. São milhares de pequenos tiranos visando, pelo oportunismo e interesse próprios, às benesses e ao manejo do dinheiro, da riqueza e dos privilégios, para poderem isentar-se do cumprimento das leis e de suas penas, usando a tirania em proveito próprio. É essa gente que gera o tirano.

No Brasil, em julho deste ano, um jovem com epilepsia foi executado publicamente numa câmara de gás montada por policiais rodoviários federais na viatura oficial com a qual realizavam sua ação de violência contra aquela pessoa; nesta mesmo período ocorreu um estupro jurídico por meio de uma juíza ao impedir a interrupção legal da gravidez de uma menina de 11 anos violentada pelo seu tio; em seguida, um homem branco e agente público – promotor municipal – agrediu aos socos e pontapés sua colega de trabalho, pelas lentes do fantástico; recentemente foi apanhado em flagrante um médico anestesista estuprando mulheres durante procedimentos cirúrgicos hospitalares; os ativistas ambientais, engajados na defesa dos povos indígenas, Dom Philips e Bruno Pereira foram covardemente esquartejados na Amazônia, cujo crime ainda não foi totalmente elucidado; por fim, no último dia 10 de julho, em Foz do Iguaçu (PR), foi assassinado por motivo torpe, de natureza política, o militante do Partido dos Trabalhadores, Marcelo Arruda, durante sua festa de aniversário, pelo policial bolsonarista Jorge Guaranho, com tiros à queima roupa.

O cultivo ao ódio é característico do presidente da República. O gatilho do crime de Foz de Iguaçu foi acionado por este, na medida em que alimenta sistematicamente essa cultura da violência. Para a antropóloga Adriana Dias, estudiosa de grupos nazistas e conspiracionistas brasileiros, há uma escalada de ódio e de violência no Brasil, alimentada com muita força nos grupos bolsonaristas da deep web. Um dos exemplos da escalada de violência política apresentado por Adriana é a quantidade de cocaína apreendida na Amazônia com símbolos da suástica nazista.

Em 2018, em plena campanha eleitoral, o ex-capitão Jair Bolsonaro, então candidato à presidência da República, informou que sua “especialidade é matar”. Anteriormente já havia proposto diante das câmeras de televisão a necessidade de uma guerra civil para fazer o trabalho que a ditadura de 1964 não fez, isto é, matar uns 30 mil, começando por Fernando Henrique Cardoso.

Além disso, expôs claramente sua posição favorável ao “pau de arara” e à tortura. E, em comício no Acre, também em 2018, afirmou: “vamos fuzilar a petralhada”. Mesmo diante de todas estas afirmações, há entre os seus apoiadores, aqueles que se declaram “estar juntos” a ele, achando-o uma pessoa de grande sabedoria, inspirada por Deus e defensor da vida. Como afirma La Boétie, “os hipócritas criam suas mentiras para poderem fazer com que as pessoas acreditem nelas”. É preciso reagir já!Image

Image

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub