Golpe de estado ameaça uma guerra civil. Tem listas estaduais de presos, e a sangreira de lideranças marcadas para morrer.
Todo golpe cousa de inimigos da claridade, de forças armadas contra a população civil, contra o povo em geral desarmado, vítima de ditadores sanguinários idólatras de - para citar os monstros do Século XX - Hitler, Mussolini, Stalin, Franco, Salazar, Pinochet, Stroessner, Idi Amin e outros cavaleiros montados em suas bestas do Apocalipse.
Bolsonaro, o "mau militar", consultou as Forças Armadas sobre dar um golpe após a vitória de Lula, depois de derrotado nos dois turnos das eleições presidenciais de 2022. A Marinha aceitou. Mas sem o Exército, Bolsonaro recuou, escreve Cintia Alves:
Almirante Garnier, ex-comandante da Marinha, aceitou embarcar no plano de golpe de Jair Bolsonaro contra a posse de Lula, segundo informações de O Globo.
No final de 2022, após a vitória eleitoral de Lula, Jair Bolsonaro teria se reunido com a cúpula das Forças Armadas para discutir um plano de golpe, numa tentativa desesperada de permanecer no poder.
O Exército teria negado adesão ao golpe. Não se sabe qual teria sido a conduta da Força Aérea. Mas o almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha (que tem cerca de 80 mil homens e mulheres em seu corpo), embarcou prontamente na empreitada golpista.
Os detalhes da reunião teriam sido narrados na delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O trecho sobre a proposta às Forças Armadas vazou à imprensa nesta quinta (21).
O ministro da Defesa do governo Lula, José Múcio Monteiro, disse que o golpe“não interessou às Forças Armadas”.“Foram atitudes isoladas”, afirmou, reclamando ainda da “suspeição coletiva” em que se encontram os militares hoje.
Quem é Almir Garnier
Não é surpresa nenhuma que Garnier tenha aparecido na delação de Cid como um entusiasta do golpe. Em junho passado, oFinancial Timespublicou reportagem sobre a “discreta campanha” dos Estados Unidos para garantir a posse de Lula.
“Um alto funcionário brasileiro que esteve intimamente envolvido lembra que o ministro da Marinha de Bolsonaro, almirante Almir Garnier Santos, era o mais ‘difícil’ dos chefes militares. ‘Ele ficou realmente tentado por uma ação mais radical’, diz. ‘Então tivemos que fazer muito trabalho de dissuasão, o departamento de estado e o comando militar dos EUA disseram que iriam rasgar os acordos [militares] com o Brasil, desde treinamento até outros tipos de operações conjuntas'”, revelou oFT.
A lealdade a Bolsonaro e o desprezo pelo governo recém eleito já ficara patente quando Garnier decidiu não participar da passagem de bastão para seu substituto, o almirante Marcos Sampaio Olsen.
Em meio a uma transição tensa, duramente marcada pelo 8 de Janeiro, Olsen chegou com as seguintes falas:“Temos um Brasil polarizado, e os militares foram trazidos para esse contexto. Precisamos reforçar que é uma instituição de Estado. (…)É equívoco achar que as Forças Armadas podem ser um poder moderador.”
Em 15 de dezembro de 2022, quando a marcha golpista de Bolsonaro caminhava para o fracasso, Garnier participou da formatura de quase mil novos fuzileiros navais. Na despedida emocionada, fez um discurso dúbio.
“Nem sempre conseguimos fazer tudo que queremos. Muitas vezes queremos navegar em direção ao porto seguro em linha reta, mas a tempestade nos impede, e temos de navegar de acordo com o que aprendemos para contornar furacões, afim de não perder nosso barco e colocar em risco nossa tripulação. Mas saibam os senhores que a manobra de tempestade girará novamente o barco em direção ao porto seguro que queremos. E lá nós chegaremos, pode demorar um pouco mais, mas chegaremos. O importante é que estejamos unidos.”
Garnier disse também que a tropa estava em plena“condições de cumprir missões onde quer que o poder político nos demande.”E finalizou com um chamado:“O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever. Tenho tentado cumprir o meu. Cumpram o de vocês”.
A delação de Cid
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, revelou em delação premiada que presenciou o encontro do ex-presidente com a cúpula das Forças Armadas e aliados militares, para discutir a possibilidade de implementar uma minuta de intervenção militar no país.
O tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid. Foto: Agência Senado
De acordo com o jornalista Talento Aguirre, que ouviu fontes que acompanharam as negociações de delação, Cid narrou também os detalhes de um encontro anterior, no qual o ex-assessor especial Filipe Martins entregou a minuta de decreto golpista para Bolsonaro.
O documento previa caminhos para prender o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Morais, e suspender o resultado da eleição vencida por Lula.
Cid também teria presenciado o encontro com as Forças Armadas, quando Garnier teria garantido que sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento, enquanto o comando do Exército teria negado a proposta. Sem o Exército, Bolsonaro não deu seguimento ao plano.
O relato teria caído “como uma bomba entre os militares” e teria gerado uma grande tensão nas Forças, segundo Bela Megale, no O Globo.
Relato de visitas ao Doi-Codi, centro de torturas de SP na ditadura. A criança vê a mãe torturada e a política como barbárie. O menino já adulto, volta. A delegacia está sob escavação histórica. Pensa: democracia é revirar passado e presente
Durante o mês de agosto foi efetivado no país um trabalho praticamente inédito de arqueologia forense. Refiro-me às escavações e análises forenses das paredes de duas edificações onde funcionou o Doi-Codi, cuja sigla abreviava o tenebroso nome “Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna”.
O Doi-Codi foi a instituição que sucedeu, em São Paulo, a Oban, Operação Bandeirante, centro clandestino de tortura. Com a criação do Doi-Codi, em 1970, o Exército brasileiro oficializou a estrutura de tortura, assassinato e desaparecimento de opositores (e de qualquer outro que os agentes da repressão estatal quisessem). Era coordenado por oficiais do Exército e contava com bandidos das três forças, além de policiais civis e militares.
Suas ações eram alocadas e corroboradas pelo Estado, contando com a conivência de juízes e outros órgãos, e com a ação de ocultação de vítimas via estrutura do Instituto Médico Legal e de parte de seus legistas que produziam laudos falsos; algumas delegacias que corroboravam as versões falsificadas; estrutura cemiterial para o enterramento visando diminuir o registro ou a publicização das mortes. Participaram ainda a grande mídia, como o jornalFolha de S. Paulo1, que mantinha agentes da Ditadura em suas redações e davam ampla cobertura para as narrativas inventadas pelos Doi’s, como eram conhecidos.
A Ditadura montou Doi’s nas principais capitais do país. Mas, em São Paulo, funcionou o principal deles, sob o comando do então major Carlos Alberto Brilhante Ustra. Em ação sob o comando direto desse torturador, eu e minha família fomos presos e encaminhados para o Doi-Codi, em 28 de dezembro de 1972. Contei essa históriaem diversas ocasiões. Hoje, escrevo para trazer um outro aspecto e dizer algo sobre o modo como produzimos memória sobre momentos históricos de violência. Seja a memória sobre os anos de Ditadura, seja a de outros momentos terríveis de nossa história.
Neste mês de agosto de 2023, pela primeira vez, tive a oportunidade de adentrar com minha mãe, Amelinha Teles, bem como minha irmã, Janaína Teles, nas edificações do centro de tortura. Nos anos 1970, estivemos lá presos, juntamente com César Teles, meu pai, Criméia de Almeida, minha tia, e Carlos Nicolau Danielli, amigo da família. Transitamos nos dois prédios dos fundos e vimos um pouco do belíssimo e importante trabalho de escavação da história realizado por equipes da Unifesp, Unicamp e UFMG. Pudemos ouvir e acompanhar escavações de piso e do pátio, assim como a raspagem das paredes.
Amelinha foi nos contando sobre a cela onde ficava detida, o banheiro no qual tinha de tomar banho ou fazer suas necessidades sob a constante vigia de seus algozes e a sala onde ocorriam as torturas. Tudo isso no prédio de três pisos, o qual é ladeado pela casa onde à época ficavam os agentes em descanso. No pátio consigo me lembrar do cantinho em que eu e a minha irmã passávamos boa parte do dia. Por vezes, o Ustra, posteriormente promovido a coronel pelos trabalhos de violações de direitos cometidos no período, nos conduzia às salas de tortura de outra edificação, a qual não passa hoje por qualquer trabalho de recuperação de sua história.
Trata-se do prédio que abre o espaço Doi-Codi para quem chega pela rua Tutóia e que, hoje, abriga a 36ª Delegacia de Polícia. Nos anos 1970, a delegacia já estava lá, mas tomava um espaço menor. Boa parte do imóvel era dedicado ao centro de tortura. Lá havia 6 celas (na sexta delas minha mãe passou boa parte de seus 45 dias de sequestro, assim como o meu pai e tantos outros). Eu e minha irmã éramos levados para a sala de tortura da atual delegacia para vermos nossos pais machucados. Ustra utilizava da nossa presença para ameaçar nossos pais. No mesmo espaço, Carlos Nicolau Danielli foi assassinado pela equipe do coronel Ustra.
Nesta recente visita, entrei com a Amelinha e chegamos, por meio de um estreito corredor, a uma pequena sala de aproximadamente 2 por 4 metros. À porta uma placa continha a inscrição “Arquivo”. Dentro, um monte daquelas pastas-caixa de papelão guardando velhos e amarelados papéis em estantes de metal (provavelmente boletins de ocorrência anteriores à informatização).
Arquivo morto. Amelinha então nos conta que ali ela testemunhou os últimos suspiros de Danielli. Já todo machucado, sem roupa, largado em um dos cantos. “Marechal”, um dos torturadores, a levou ao local provavelmente para ver o que lhe poderia acontecer. Depois de alguns dias, o “Capitão Ubirajara” (policial civil Aparecido Calandra) mostrou a ela a manchete do jornal diário que anunciava a morte de Danielli em tiroteio com a polícia.
Legítima defesa. Em uma diligência policial, o “terrorista” sacou uma arma e atirou contra os agentes de segurança. No revide, o mesmo veio a óbito. Mentira. E segue a história da violência de Estado. Da “guerra ao terror” à “guerra às drogas”, seguem os autos de resistência e de defesa da ordem.
Segundo diversos testemunhos daquele mesmo “arquivo morto” deve ter saído sem vida o líder estudantil Alexandre Vannucchi. Nas páginas do dia 23 de março de 1973, o jornalFolha de S. Pauloanunciou sua morte por atropelamento. Dois anos antes, Luiz Eduardo Merlino também teria o mesmo fim, provavelmente passando por aquela mesma sala. A versão dos jornais foi de suicídio.
Nos anos 2000, o coronel Ustra foi condenado por torturar a família Teles e pela morte do Merlino.
Hoje, mais de 50 anos da invenção macabra do Exército brasileiro, ao mesmo passo em que se escava a história daquele local, dando materialidade a pequenos objetos e fragmentos de eventos passados, se mantém parte importante daquele centro de torturas como uma delegacia de polícia.
O prédio principal não passa por qualquer trabalho forense e não consta como parte de um eventual lugar de memória. O país segue violando nosso direito à memória, à verdade e à justiça.
Por que não tirar dali a delegacia e criar um centro de trabalhos forenses sobre graves violações de direitos humanos, como as que se verificaram nestes meses de julho e agosto nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia? Por que não promover uma instituição aos moldes do sério trabalho de arqueologia forense ali realizado, coordenado pelas instituições universitárias, autônomas das polícias e do Estado?
Parece-me que uma das estruturas fundamentais de impedimento de uma democracia mais abrangente e efetiva é a violência de Estado. Ela impõe a diversos segmentos da população a precarização de seus territórios e seus corpos. É justamente essa violência que classifica e hierarquiza a vida e estabelece quais são descartáveis.
Se queremos evitar outra ditadura, um outro 8 de janeiro, a extrema desigualdade, temos de começar por abrir, entender e desfazer o “arquivo morto” de nossas histórias.
No quesito julgamento e prisão de golpistas, o Brasil está atrasado quase três décadas.
Ao contrário da vizinha Argentina, que julgou e condenou militares golpistas tão logo a ditadura (1976-1982) chegou ao fim, as nossas instituições nunca se dispuseram a enfrentar esse problema.
A Lei da Anistia (lei 6.683) de 1979, proposta pelo general presidente João Batista Figueiredo, beneficiou igualmente quem cometeu atrocidades e quem foi vítima delas.
Quando em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propôs uma revisão desta lei, para que torturadores pudessem ser punidos, o STF rejeitou a ação ao dizer que a anistia valia para todos.
Foi a impunidade que levou remanescentes de 1964 a se lançarem em novas ações contra a democracia brasileira, como o golpe que derrubou a presidente Dilma Rousseff, em 2016, e a recente tentativa golpista em 8 de janeiro.
Para quem não sabe, o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional no governo Bolsonaro, é um dos militares “linha dura” que serviu como ajudante de ordens do general Silvio Frota quando ministro do Exército.
Em 1977, Frota tentou derrubar o então general presidente Ernesto Geisel, por considerá-lo “afinado com os comunistas”.
Geisel demitiu Frota, obrigou sua passagem para a reserva e deu início ao processo de abertura política no país. Os amigos e admiradores de Frota, no entanto, permaneceram nas Forças Armadas.
Mesmo com o retorno dos civis ao poder no Brasil, a impunidade dos militares é um dos mais graves problemas que a nossa democracia enfrenta.
A instalação em 2011 da Comissão Nacional da Verdade, pela então presidente Dilma Rousseff, está entre as principais razões que levaram à sua derrubada.
Mesmo tendo entre suas atribuições somente investigar violações aos direitos humanos acontecidos no período de 1946 a 1988, sem poder para levar ao banco dos réus quem quer que seja, setores militares se mostraram indignados.
O golpe contra Dilma contou com a participação ativa desses militares, o que voltou a se repetir em 8 de janeiro.
A complicada presença dos fardados na história brasileira nunca foi devidamente enfrentada e isso faz com que se sintam autorizados a se intrometer na política. Haja vista que recentemente alguns deles queriam emplacar a distorcida leitura que fazem do artigo 142 da Constituição de 1988 para se tornarem uma espécie de Poder Moderador.
Daí termos muito que aprender com a vizinha Argentina.
Em 1985, Raul Alfonsín, um presidente fraco e semelhante ao brasileiro José Sarney, também o primeiro após a redemocratização em seu país, decidiu pelo julgamento de todos que cometeram crimes durante a última ditadura (1976-1982).
Pressionado pela extrema-direita, que havia imposto leis absurdas como a do “Ponto Final” e da “Obediência Devida”, que livravam os militares de qualquer responsabilidade, Alfonsín não teve alternativa a não ser mostrar para a população o que havia acontecido.
Pela primeira vez na história mundial após Nuremberg, um tribunal civil julgou e condenou os integrantes das juntas militares do período, com penas que variaram de quatro a 17 anos.
O último ditador-presidente argentino, Jorge Rafael Videla, foi condenado à prisão perpétua e morreu em 2015 na cadeia.
A história desse julgamento está contada em detalhes no magnífico filmeArgentina 1985.
Dirigido por Santiago Mitre e tendo no papel do procurador-chefe, Julio Strassera, responsável pelas acusações, o consagrado ator Ricardo Darín, o filme é uma aula de história e a própria explicação das razões pelas quais na Argentina os militares não voltaram a se aventurar contra a democracia.
Por mais que o país vizinho experimente gravíssimas crises econômicas, não se vê gente na rua pedindo a volta dos militares ao poder ou defendendo perseguição e mortes aos opositores.
O julgamento dos militares golpistas na Argentina envolveu 530 horas de audiências, nas quais foram ouvidas 850 testemunhas. Pela primeira vez, a população argentina pode conhecer, em detalhes, o que aconteceu com grande parte dos seus 30 mil mortos e desaparecidos.
O julgamento durou várias semanas e, em algumas delas, o clima político beirou à temperatura máxima.
No Brasil, as atrocidades cometidas pelos militares durante os chamados “anos de chumbo” nunca chegaram ao conhecimento da maioria da população.
A exceção de Dilma Rousseff, ela própria uma vítima dos anos de chumbo, todos os demais presidentes da Nova República, evitaram o assunto.
O resultado é o que se conhece. Não por acaso, o filme de Santiago Mitre, mesmo lançado em 2022 e figurando entre os cinco indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2023, continua praticamente inédito no Brasil, disponível apenas em streaming.
Mais do que um relato sobre fatos reais,Argentina 1985serve de alerta para as nossas instituições e para a população brasileira.
Os atos golpistas de Bolsonaro não são fatos isolados. Eles fazem parte de uma visão predominante em setores das Forças Armadas.
Bolsonaro, ele próprio, é um remanescente da ditadura militar. Ao contrário do que alguns possam imaginar, não foi ele que trouxe os militares novamente para a cena política.
Foram os militares que se valeram dele para voltar a atuar diretamente na política.
Há muito suas declarações, gestos e ações já deveriam ter sido coibidos.
Como na Argentina, aqui também não será fácil colocar golpistas graúdos no banco dos réus.
Mas esse processo não pode continuar sendo adiado.
Ao comentar sobre a situação de Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, um aliado do ex-presidente, veio com a conversa de que “o Brasil precisa cuidar melhor de seus ex-presidentes”.
Lira não explicou qual tratamento seria esse, mas sabe-se que ele tem ventilado a possibilidade de anistia para os atos cometidos por Bolsonaro. Lira, na legislatura passada, foi aquele que barrou os mais de 100 pedidos de impeachment contra Bolsonaro.
Os setores organizados da população brasileira precisam ficar atentos e não permitir que novamente tudo acabe em pizza.
Se Bolsonaro e os demais golpistas, militares e civis, não forem julgados e receberem a devida sentença, dificilmente a democracia brasileira ficará livre do fantasma fardado que a tem rondado.
O Brasil de 2023 precisa se tornar a Argentina de 1985.
À esquerda, tempos de glória e poder do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid. À direita, cena dos militares no banco dos réus, durante julgamento, no filme Argentina 1985; Foto: Alan Santos/PR Jair divulgação do documentário
No quesito julgamento e prisão de golpistas, o Brasil está atrasado quase três décadas
por Ângela Carrato
As revelações do hacker Walter Delgatti à CPMI dos atos golpistas aproximaram ainda mais o ex-presidente Jair Bolsonaro do banco dos réus e da prisão.
Delgatti, que possui em seu currículo ter invadido trocas de mensagens entre o ex-procurador federal Deltan Dallagnol e membros da Operação Lava Jato, deixando a nu ilegalidades e sujeiras cometidas por esta turma, contou que antes das eleições teve encontro com o próprio Bolsonaro e que, por determinação dele, se encontrou também com a cúpula das Forças Armadas.
As reuniões aconteceram no Palácio da Alvorada e no Ministério da Defesa e o objetivo era que desmoralizasse as urnas eletrônicas a fim de impedir que as eleições acontecessem.
O encontro de Delgatti com Bolsonaro foi articulado pela deputada Carla Zambelli (PL-SP) que, apavorada, horas antes do depoimento do hacker, internou-se num hospital “para tratar de diverticulite”.
Já a senadora bolsonarista Damares Alves (Republicanos-DF) ameaçou Delgatti durante o depoimento na CPMI. Muito nervosa, dirigiu-se a ele dizendo que “a vida dá volta e é a tua vida que está em risco”, numa típica fala miliciana.
Se os depoimentos de Delgatti (dois na Polícia Federal e um na CPMI) foram uma bomba para Bolsonaro, seus dissabores nos últimos dias não pararam aí.
A cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal foi presa na última sexta-feira, por deixar de agir para impedir os atos golpistas de 8 de janeiro, devido ao alinhamento ideológico com Bolsonaro.
Também na sexta-feira, a revistaVejadivulgou entrevista com o advogado Cezar Bitencourt, que representa o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Nela, é dito que o militar entregou para Bolsonaro ou para a ex-primeira-dama Michelle, dinheiro referente à venda de um relógio rolex, avaliado em cerca de R$ 253 mil. O relógio é uma das joias que Bolsonaro tentou se apropriar, uma vez que a legislação brasileira é clara sobre o assunto.
Mauro Cid está preso preventivamente em função das falsificações no cartão de vacina do ex-chefe e de sua filha. Desde então ele vinha se mantendo em silêncio, mas, de acordo com seu advogado, agora estaria disposto a falar.
Um ajudante de ordens é simplesmente a memória do que fez aquele para qual prestava serviços. No caso de Cid, a proximidade com Bolsonaro era tamanha, que ele o tratava por “tio”.
Receber indevidamente parte do salário de funcionários (as “rachadinhas”), falsificar cartões de vacinação, negligência durante a pandemia, apropriação indébita de objetos que pertencem ao Estado brasileiro são algumas das acusações que Bolsonaro já enfrenta. Mas nenhuma delas está tão perto de levá-lo ao banco dos réus como as revelações de Delgatti.
Seria difícil até para roteiristas de cinema imaginar crimes com tamanha magnitude.
Depois das revelações, Bolsonaro e sua turma ficaram sem voz, possivelmente perplexos com o que julgavam que nunca chegaria ao conhecimento público.
Em seguida, o ex-presidente se fez de vítima e até chorou em encontro com apoiadores. Na sequência vieram os desmentidos de praxe e novas ameaças.
Para provar o que disse, Delgatti deu detalhes minuciosos dos encontros e também dos locais onde foram realizados. Disse ainda que para convencê-lo de que poderia atuar sem riscos, Bolsonaro garantiu-lhe que se algum juiz o prendesse, ele prenderia o juiz, numa referência implícita ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, responsável pelo processo das Fake News.
Possivelmente pressionado pelos bolsonaristas, o advogado de Mauro Cid tentou um recuo, acusando a revistaVejade ter distorcido suas declarações. Desde então, vem mudando a versão a cada nova entrevista, especialmente depois que Bolsonaro mandou uma espécie de recado cifrado para Mauro Cid.
Ao definir o comportamento do ex-ajudante de ordens como “kamicaze”, parece ter embutido aí uma ameaça. Um kamicase é aquele que para atingir o alvo também morre.
A etapa seguinte nas investigações cabe à Polícia Federal, que deverá checar tudo o que foi denunciado por Delgatti. Uma vez comprovadas as acusações, o que não parece difícil, o caminho é colocar Bolsonaro e todos os militares e civis que participaram da tentativa de golpe em 8 de janeiro no banco dos réus. (continua)
A Polícia Civil prendeu cinco dos seis GCMs (guardas-civis municipais) suspeitos de torturar e obrigar seis jovens a fazer sexo oral uns nos outros durante abordagem em Itapecerica da Serra, na região metropolitana de São Paulo. Os suspeitos negam o crime.
O que aconteceu:
A Justiça de São Paulo havia emitido mandados de prisão temporária contra os seis suspeitos que teriam participado da ação, ocorrida em maio. Os agentes estavam foragidos. A informação foi confirmada pela SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo).
Segundo a polícia, seis jovens estavam "dando grau" (empinando motos) em um parque abandonado do município, quando foram abordados pelos agentes. Uma das vítimas ligou para a mãe enquanto ocorria a ação. A gravação foi analisada por peritos e confirmou a veracidade do áudio.
Os agentes obrigaram os jovens a fazerem sexo oral entre eles, segundo apurou o SBT, além de espancá-los e torturá-los. Os guardas foram reconhecidos através de vídeos postados nas redes sociais em que os profissionais de segurança aparecem rezando fardados. Os jovens estudantes não tinham passagem pela polícia.
Emanuel Formagio, 43, já foi subcomandante da Guarda Civil Metropolitana (GCM) de Itapecerica da Serra. A participação dele no crime foi indicada pelas próprias vítimas, segundo indicam as investigações.
De acordo com o inquérito, os jovens foram agredidos com chutes, socos e pauladas. As vítimas reconheceram Formagio como o agente que teria obrigado um jovem a fazer sexo oral em um dos amigos. "Toda a grotesca cena [foi] acompanhada de perto por outros cinco guardas municipais", cita o inquérito policial que embasou a denúncia do MP.
O jovem havia ligado para a família e colocado o celular no bolso sem que os guardas percebessem, segundo as investigações. A família fez vídeo mostrando a mãe ouvindo o celular, enquanto estava dentro de um carro. "Estão batendo no meu menino", reagiu a mãe, com o aparelho no ouvido.
"Vocês vão chupar um ao outro, estão falando", disse uma das parentes do jovem, que também ouvia a ligação. O conteúdo foi anexado ao inquérito policial.
Com mandado de prisão temporária decretado pela Justiça dia 10 de agosto, cinco dos seis guardas se apresentaram à Polícia Civil esta semana. Só Formagio permanece foragido e está sendo procurado pelas autoridades.
A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Formagio. O advogado Cleisson Martins, que representa dois suspeitos, disse ter conversado com os cinco agentes antes de se entregarem à polícia. Eles negaram que qualquer crime tenha sido cometido na abordagem.
Guarda envolvido em ocorrências com morte
O GCM foragido já se envolveu em ao menos duas ocorrências com morte, segundo reportagem publicada pelo site Metrópoles. Durante uma folga em outubro de 2019, Formagio e um colega de farda reagiram a uma tentativa de assalto e trocou tiros com criminosos em Itaquaquecetuba (SP).
A então namorada de Formagio e dois vendedores ambulantes morreram ao serem atingidos por tiros em meio ao fogo cruzado. O caso foi arquivado.
Em setembro de 2020, Formagio iniciou uma perseguição em Itapecerica da Serra contra dois suspeitos, também em uma moto. Em meio ao tiroteio, um pedestre foi atingido já na zona sul de São Paulo, mas foi socorrido e teve alta em seguida. Os suspeitos fugiram.
Quem não tem medo do Escritório do Crime (formado pelos militares bandidos acoitados pelo clã Bolsonaro), dos milicianos do Rio das Pedras, dos assassinos e torturadores da ditadura militar de 1964, dos traficantes do avião presidencial e da igreja do tio de Damares, dos madeireiros e grileiros de terra que passaram a 'boiada' na Amazônia e assassinaram mãe Bernadete Pacífico?
A senadora Damares Alves, durante a oitiva de Walter Delgatti na CPI do 8 de Janeiro, chamou a atenção das redes sociais e de parlamentares aliados ao governo. Em um trecho de sua fala na sessão, a ex-ministra de Jair Bolsonaro (PL) — acusado pelo depoente de tê-lo contratado para atacar as urnas eletrônicas — afirmou que a vida do hacker "está em risco", o que foi visto como uma ameaça por internautas, que colocaram o nome da parlamentar entre os termos mais mencionados no Twitter.
— A vida dá voltas, e é a sua vida que está em risco. Pense em mudar a sua vida, mas você não tem credibilidade nenhuma aqui hoje — disse a senadora.
Na reta final do depoimento, o deputado Rogério Correia (PT-MG) recuperou essa passagem, sem citar nominalmente Damares. O mineiro disse se tratar de uma ameaça feita por uma "senadora da República" e citou uma possível entrada de Delgatti no Programa de Proteção à Testemunha. O petista acrescentou que Delgatti teria "feito bem" ao se manter em silêncio diante dos questionamentos da oposição.
— O senhor Walter Delgatti foi aqui ameaçado, não vou colocar o vídeo para não constranger quem fez ameaça, que é membro da CPI e senadora da república, mas que chegou a dizer a seguinte frase... — disse o deputado, antes de citar o trecho da declaração de Damares.
Mães e mulheres negras da Baixada Santista assumem a posição de porta-vozes das denúncias em ato realizado nesta quarta (3/8) no Guarujá | Foto: Ailton Martins
À frente da manifestação ou subindo o morro junto de filhos e maridos, elas garantem a vida diante do massacre promovido pela PM. Ouvidoria escuta famílias das 16 vítimas fatais, que denunciam invasão de casas, tortura e tiros à queima-roupa
Evandro Belém tinha 34 anos, era ajudante de obras, mas, nas palavras de um familiar, era o parente mais bondoso entre os seus, o cara que vivia convicto de que não precisava desejar mal para ninguém. “E sabe, eu acho que é por isso que ele morreu: afinal ele não correu e ficou no lugar quando a polícia apareceu, porque, na cabeça dele, não tinha motivo para ter medo, já que ele não tinha machucado policial nenhum e, se soubesse da morte de algum, ele ia era rezar por ele”, conta o familiar, que preferiu não se identificar, mas compareceu ao ato “Ser Pobre Não É Crime”, organizado por movimentos sociais da região da Baixada Santista, litoral do estado de São Paulo, na tarde desta quarta-feira (2/8) na praça 14 Bis, em Vicente de Carvalho, distrito do Guarujá.
Os movimentos da região promoveram um encontro entre moradores da Baixada com uma comitiva formada pela equipe da Ouvidoria das Polícias, Defensoria Pública e parlamentares da Câmara Municipal de São Paulo e da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), além de pesquisadores e organizações diversas da capital, preocupados com a situação vivida pelos caiçaras.
Orientados por movimentos sociais da região, o ouvidor das Polícias, Claudio Aparecido da Silva, também percorreu as comunidades para começar a escutar as famílias das 16 vítimas fatais da Operação Escudo, ação policial deflagrada após a morte do PM Patrick Bastos de Oliveira, das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), na quinta-feira passada (27/7). A operação,que deve durar 30dias segundo o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), foiconsiderada “vingança”por especialistas ouvidos pela Ponte.
“Ser pobre não é crime”, o tema da manifestação, combate o que a advogada Dina Alves aponta como o alvo da Operação Escudo: o extermínio de negros e periféricos | Foto: Ailton Martins
Claudinho conta que deve publicar um relatório completo nas próximas semanas, para apontar irregularidades cometidas pela polícia durante as mortes – que, frisa o ouvidor, certamente ocorreram – e indicar até que ponto as versões oficiais de confronto entre vítimas e agentes do Estado foram reais ou estão muito distantes das versões dos sobreviventes – invasões à residências, relatos de tortura e tiros à queima roupa.
“As pessoas que estamos escutando não estão pedindo nada demais, elas querem paz. Nós vamos produzir um relatório com conteúdos probatórios de irregularidades que estão sendo feitas, e o Estado não tem o direito de cometê-las contra pessoas comuns que ele deveria estar acolhendo”, comenta o ouvidor.
Encruzilhada pela memória dos mortos
O ajudante de obras morreu na tarde da última sexta-feira, 28 de julho, enquanto recolhia entulhos para ajudar na reforma da casa de uma moradora da comunidade da Aldeia, no município do Guarujá. Ele foi abordado por policiais que, segundo testemunhas, já chegaram atirando. Evandro morreu no local.
A família de Evandro compareceu no ato da praça 14 Bis após ter enterrado o caiçara horas antes. Até o momento da despedida, familiares contam que enfrentaram uma longa jornada a partir do instante em que receberam o primeiro aviso da sua morte: precisaram contar com a ajuda de amigos para comprar a passagem até a delegacia, só para ouvir que não teriam acesso a informações corretas; depois precisaram de ajuda para viajar por mais de duas horas de balsa e de ônibus até o Instituto Médico Legal, na cidade de Praia Grande, para ouvirem, lá, que precisariam pagar caso quisessem o acesso completo ao laudo que indica como Evandro morreu:
“A mulher para quem ele estava catando entulho foi nos avisar que ele não tinha voltado, aí a gente foi procurando e começamos achar que ele era a pessoa que a polícia tinha matado ali naquela tarde. A gente teve que escutar no IML da Praia Grande que, para saber como ele morreu, teríamos que pagar R$ 75 e só mostraram uma foto dele no computador”, denuncia um dos familiares. A pessoa também conta que a comunidade local teria visto o momento em que uma segunda vítima foi colocada no camburão da polícia e levado para a comunidade da Conceiçãozinha, onde teria sido morto.
Mulheres à frente
Por não serem o principal alvo, são as mulheres que também aceitaram falar com a imprensa presente no local. Única moradora da região que escolheu sair do anonimato, Edna Santos compartilhou o que soube da morte de Cleyton, um dos assassinatos que mais revoltou os moradores do Guarujá.
“A mídia fica passando que teve troca de tiros com a polícia, que ele estava com droga, mas era tudo mentira. Tem inocente morrendo também, até quem não tem passagem pela polícia”, contou.
A sensação de que as mulheres precisam ser a principal fonte de denúncia das mortes faz parte de uma estratégia de sobrevivência. Nas comunidades em que a polícia aparece invadindo casas, são as chefes de família que lembram que é proibido entrar em residência sem mandado judicial. Para subir o morro, os homens estão pedindo para que suas mães, companheiras e filhas estejam do seu lado.
“Eu preciso falar isso sempre, porque é impressionante que meu filho adolescente não pode sair para ir na esquina que já leva enquadro. Na minha casa ninguém entrou não, mas é difícil segurar e acabei vindo aqui falar porque sou mãe de seis e também não quero que outras mães continuem aceitando isso que estamos passando”, falou uma moradora da favela da Prainha, que pediu para não ser identificada. Ela conta que mora há 37 anos na comunidade e que nunca viu ações parecidas como as que estão sendo realizadas pela Rota nos últimos dias.
Movimentos de mães de vítimas de outros massacres, como as Mães de Paraisópolis, vieram de São Paulo apoiar as famílias do Guarujá | Foto: Ailton Martins
As mulheres também lideram as ações de solidariedade entre mães e esposas enlutadas. Mãe de Luis Fernando, assassinado em fevereiro de 2023, Sandra veio para o Guarujá com as Mães de Maio porque queria, segundo ela, demonstrar o apoio de uma dor que ainda está construindo a partir do seu luto recente:
“Todas nós que estamos aqui não dormimos direito, não comemos, porque a gente sabe o que essas famílias estão passando e isso precisa mesmo acabar”, conta.
Para Luana de Oliveira, integrante da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, é importante que os movimentos sociais que compuseram o ato reforcem o compromisso de permanecer lado a lado com os movimentos da Baixada Santista. Ela assegura que as manifestações só começaram e que devem haver mais atos.
“Temos que fazer outros atos, já que o governador disse que está satisfeito e que as operações não vão parar”, pontua.
Na manifestação, ela também trouxe a necessidade de enxergar as mortes a partir da disputa pela narrativa: não deixar que as histórias das vítimas sejam esquecidas e trocadas por versões convenientes pela polícia:
“As mães que já são vítimas do genocídio também lutam para que não sejam vítimas do genocídio da memória, em que querem que a gente aceite a versão que eles [autoridades] querem contar sobre as mortes, mas não podemos esquecer do que aconteceu de verdade”, alerta.
Nas redes sociais, as mães não estão sozinhas. Segundo o relatório da consultoria de pesquisa Quaelst, a repercussão dos internautas sobre a Operação Escudo tem sido muito negativa: as declarações do governador Tarcisio de Freitas geraram mais de 227 mil menções nas diversas plataformas digitais (Youtube, Twitter, Facebook, Google, Instagram) até a última terça-feira (01/08), a maioria críticas à atuação da polícia na Baixada Santista.
Um método para matar
Os relatos sobre a morte da vítima que estava com Evandro Belém seguem um padrão identificado em versões dadas sobre moradores em relação a outras pessoas: policiais estariam sequestrando e levando vítimas para serem mortas fora do seu território, buscando atrapalhar investigações e o reconhecimento das pessoas mortas. Moradores de situação de rua também estariam entre os alvos, já que muitas vezes as pessoas não conhecem suas histórias, tampouco seus nomes.
“Fazem isso pra gente não saber quem está morrendo, já que a gente só pode falar de quem morreu aqui. O Cleyton a gente sabe como morreu porque ele era da nossa comunidade, todo mundo aqui convivia com ele e sabe que [a versão policial] foi tudo encenação. Tiraram o filho dele do colo, ele foi colocado num canto e atiraram sem que ele estivesse armado”, contou uma moradora de Conceiçãozinha, que preferiu não se identificar. A morte de Clayton repercutiu entre os moradores do Guarujá pela presença dos filhos dele no momento de seu assassinato.
Moradores presentes na manifestação, de diferentes bairros do município, comentam que boa parte das mortes teriam acontecido a partir do mesmo procedimento da PM: invasão de domicílio, homens tatuados e com antecedentes criminais como alvo – mesmo quando estão seguindo suas vidas fora do crime – e encenação de um local da morte, com arma e drogas que teriam sido “plantadas” pelos policiais.
Essemodus operandijá teria chegado a Santos, maior cidade da região. Matheus Café, líder do Centro dos Estudantes de Santos e Região, falou ao microfone durante o protesto, denunciando que, na favela do Alemôa, a arbitrariedade da polícia começou bem antes dos ataques no Guarujá: no início da semana passada, ele conta que os moradores receberam os primeiros avisos de que haveria o fechamento do comércio da região por causa de uma operação da polícia contra o tráfico na Baixada. Apesar das ações não terem mortes, Matheus relata ameaças e agressões a moradores do local.
“A gente não aguenta mais projeto de genocídio da juventude. Eu não aguento mais sair da minha casa e sentir medo de ir para a universidade”, desabafou.
Advogada e doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP, Dina Alves morou durante dezessete anos no bairro do Morrinhos, no Guarujá, um dos locais em que há relatos de mortes. Para ela, o ato, mais do que um momento de visibilidade sobre a violência na Baixada Santista, também é uma oportunidade para reforçar a importância de lembrar o racismo presente nas mortes – tipo de genocídio que, para ela, é um projeto de governo.
“Essa Operação Escudo diz ser um combate à criminalidade, morreu um policial e o discurso é que é preciso combater a criminalidade, mas ela esconde um projeto de exterminio da população negra, já que o perfil do suspeito padrão e da morte no Brasil é o jovem negro periférico. Não é sobre o combate às drogas, não é porque morreu um policial no Guarujá, é porque é preciso que esse projeto de extermínio esteja em curso”, ressalta a pesquisadora, lembrando que na Bahia ações policiais também estão deixando um rastro de mortes: foram 19 vítimas apenas nesta semana.
A paz que morre na praia
O sentimento de apoio generalizado flertou, muitas vezes, com a esperança de que estivéssemos diante do início do fim da matança. Mas entre caiçaras periféricos, aquele velho medo que existe no ditado de “tentar não morrer na praia” voltou nos minutos finais da manifestação, em que todos estavam dispostos a gritar juntos por esperança e registrar uma foto coletiva: chegou aos grupos de moradores e movimentos sociais da região a informação de uma nova morte no Morro do Engenho, também no Guarujá.
A vítima teria levado nove tiros à tarde. A equipe da ouvidoria encaminhou-se imediatamente ao local, enquanto Dina Alves pegava o microfone para relatar a angústia compartilhada no momento pelos presentes:
“A gente pede, pelo amor de Deus, que retirem essa operação! Essa operação que ninguém sabe quais os objetivos e quais as finalidades”, criticou. Ela também contou que a trégua continua muito longe de terminar, graças ao aval do governo estadual e da ausência do governo federal que ainda não desceu a Serra do Mar.
“Profissionais da segurança pública não podem usar o discurso da vingança para fazer segurança policial”, ressaltou.
Mais tarde, soube-se que não houve morte no local, mas que os tiros foram disparados no Morro pela Romu(Rota Ostensiva Municipal) da Guarda Municipal do Guarujá. Dois jovens foram abordados, mas imediatamente soltos, em movimento lido como uma forma de intimidar os moradores e lembrar que está longe de acabar o fim da contagem dos atos de violência cometidos pelo Estado na Baixada.
“Qual a razão da ROMU estar estimulando o pânico num contexto já tão difícil”, questionou Dimitri Sales, advogado e presidente do Conselho Estadual de Defesa os Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo (Condepe), no Twitter:
Defensoria Pública oferece ajuda gratuita
Os defensores públicos do Guarujá, presentes no local, compartilharam um sentimento de alívio por encontrarem um momento para conhecer alguns dos familiares das vítimas. Eles contam que, apesar de a Defensoria Pública ser muito procurada pela população para diversos casos, as pessoas ainda têm dificuldade para procurar os profissionais em busca de assistência para histórias de violência policial.
Preferindo não se identificar, eles compartilham que escutam, de defensores mais velhos, que o massacre dos últimos dias só se aproxima dos Crimes de Maio – uma sensação também já mencionada por locais em diversos pontos da Baixada Santista. Mas por ora, eles preferem se amparar na impressão de que a visibilidade nacional e internacional dos casos vai ajudá-los a ter uma atuação mais efetiva para as famílias.
“É importante que a comitiva que veio de São Paulo tenha esse momento de troca com as famílias aqui, porque é importante vivenciar de fato o que estamos vivendo na Baixada. E isso nos dá mais confiança para contar aos moradores que eles não estão sozinhos, que estamos levando isso para o governo, pessoas que não são daqui e estão nos fortalecendo”, refletiu um dos defensores.
No Guarujá, a Defensoria Pública pode contribuir para ajudar famílias a ter informações sobre violências cometidas contra moradores, encontrar orientações para buscar por reparação do Estado e por proteção diante de ameaças. A Defensoria funciona de segunda à sexta, das 10h às 17h, com atendimento imediato e garantia de sigilo das vítimas. O prédio fica na Av. Ademar de Barros, 1327 – Jardim Helena Maria, Guarujá.
Escuta sem protocolo de segurança
Diante de ummodus operandide chacina que se repete de comunidade para comunidade, como garantir um registro que possa ser uma prova incontestável deabuso policial já que, aparentemente, a Operação Escudo – e, consequentemente a matança – segue nos próximos 30 dias.
Horas antes da manifestação, durante a manhã desta quarta-feira (2), um morador do bairro Conceiçãozinha se dispôs a falar, contando em detalhes a invasão da polícia a residências da região na noite anterior. Rodeado por câmeras em uma coletiva de imprensa improvisada em um beco das primeiras entradas do Conceiçãozinha, o senhor não queria aparentar medo, mas era lembrado pelo ouvidor a todo momento que falar era necessário, mas se proteger muito mais.
Mas a convicção da coragem aparece apenas em quem acredita que não tem mais nada a perder. Porque, para boa parte dos moradores, a necessidade de falar esbarra, quase sempre, nas dúvidas sobre em quem confiar. Por outro lado, quem busca documentar as histórias e os dados também não encontra asfalto confiável por onde andar nos morros em que aconteceram as mortes que já se têm notícia.
Não existe um manual para se sentir mais seguro enquanto oferece a escuta, e evitar mais espaço para a represália da polícia. Na corrida corrida contra o tempo para trazer mais relatos que possam chocar a ponto de frear a matança, os moradores mostram áudios e prints de possíveis cenas de tortura ou de assassinatos, e na rua é difícil buscar fontes que confirmem a veracidade do que chega, já que de um lado há um boletim de ocorrência tratando todos como suspeitos, e de outro há uma desinformação muitas vezes alimentada pelo medo.
Mas nem todos estavam dispostos a receber a comitiva. Apesar da presença de órgãos importantes para a proteção das denúncias das arbitrariedades cometidas pelo Estado, a atenção da imprensa local e de veículos televisionados que, em muitos momentos, registraram fotos e vídeos dos moradores, deixaram no local um sentimento conflituoso de alívio pela escuta, e medo de uma exposição que não foi consentida. Afinal, apesar do pacto coletivo de poupar a identificação das fontes, tantos flashes inesperados espantaram alguns moradores pela perda do controle de saber o destino final de tantos registros.
“Tio, aqui não tem só polícia não, o PCC também está por aqui e é difícil falar depois pra eles que a gente não está falando com policial e sim com quem quer ajudar”, reclamou um jovem que conversou com o ouvidor.
Questionados pela reportagem no momento da caminhada, assessoras de movimentos sociais e de deputadas da região conseguiram sensibilizar a equipe da Ouvidoria e dos parlamentares da capital para que tivessem mais zelo sobre o compartilhamento da escuta com os veículos, e a imprensa acabou vetada das visitas seguintes.
Mais tarde, o ouvidor das polícias defendeu a presença midiática para escutar as famílias, diante do apagão de dados da Secretaria da Segurança Pública e das intimidações quase diárias para que as comunidades não ajudem a aumentar os registros oficiais das mortes:
“Acho que muitos moradores querem falar, e a imprensa de fato está expondo essas pessoas, mas isso é relevante expor. A opinião pública, o mundo, o planeta, precisa saber o que está acontecendo na Baixada Santista, e é expondo que conseguimos mobilizar nossos sentimentos e acredito que a comunidade está precisando que a gente entregue nosso apoio”, defende.
Ativistas que pediram para não se identificar questionam se os políticos presente nas comunidades e no ato desta quarta (2) vão continuar acompanhando as famílias sobreviventes até 2024, ano das eleições municipais. E se haverá um esforço maior, da imprensa, após as histórias visibilizadas agora, em trazer nomes das vítimas e contexto real das suas mortes, ao invés de só justificá-las como “suspeitos” ou com passagem pela polícia.
Carta aberta ao ministro Flávio Dino
Diante das novas brutalidades da polícia contra negros e pobres, em três estados, tomo a liberdade de compartilhar algumas observações e propostas. Ao longo de décadas, acumulei mais derrotas que vitórias. Por isso mesmo, me permito algumas ponderações
Política agrícola: Assim o agro vampiriza o Estado
Subsídios bilionários. Isenção de imposto sobre exportação. Perdão de dívidas. Setor, que surfa no financismo, poderia viver de recursos privados – mas suga o Estado. Enquanto isso, a agricultura camponesa disputa a menor fatia de crédito
Fala xenofóbica de Romeu Zema faz lembrar observações de Dardot e Laval sobre o que torna próximas as duas correntes. Mas, se aderirem ao governador mineiro, partidos da direita “normal” correm de novo o risco de desaparecer fagocitados
Lei, que permite enquadrar movimentos sociais como “força oponente” e autoriza munições letais, quase foi a base para um golpe de direita. Poucas vozes a contestaram em 2014, quando governo Dilma a propôs. É hora de revogá-la
Quando se reúnem 600 homens armados para supostamente encontrar o assassino de um policial, não há como esperar inteligência ou eficácia. Chacina era o que se esperava da operação – planejada por um ex-PM afastado por excesso de homicídios
Os massacres simultâneos praticados pela PM em São Paulo, Rio e Bahia não são frutos do acaso. A fascistização das forças policiais, cada vez mais autônomas, é uma ameaça real. Ao cruzar os braços, o MP atira gasolina à fogueira
Vídeo: Os povos indígenas e a ditadura. O historiador andaluz Carlos Trinidad fala sobre suas pesquisas acerca das representações dos povos indígenas feitas tanto pelo governo brasileiro durante a ditadura militar como por setores da sociedade.
Cinquenta anos após o golpe de 1964, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) confirmou, no relatório final lançado em novembro de 2014, que a ditadura no Brasil matou 434 pessoas. Esse número, no entanto, não engloba o assassinato de indígenas ou camponeses durante o regime. Em um apêndice do relatório é informada a morte de pelo menos 8.350 indígenas, de mais de dez etnias diferentes, assassinados em massacres, esbulho de terras, remoções forçadas, contágio por doenças, prisões e torturas.
Dois anos antes, um relatório apresentado pela Secretaria de Direitos Humanos à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Câmara já havia identificado 1.196 casos de trabalhadores rurais assassinados ou desaparecidos por razão ideológica e disputa fundiária no campo, entre setembro de 1961 e outubro de 1988.
Segundo Marés, o processo de limpeza étnica tinha como objetivo possibilitar a “exploração de território” de acordo com o modelo de desenvolvimento pensado pelos militares. Essas políticas foram colocadas em práticas pela própria Fundação Nacional do Índio (Funai) e suas políticas indigenistas. Mais de três décadas desde a redemocratização, o professor da UFPR também destaca a continuidade das práticas inauguradas na ditadura:
– Esse processo de limpeza da terra continua. Não parou, não houve um hiato de políticas indigenistas e territoriais diferente. Mas houve a extraordinária capacidade da organização do campo na América Latina. Os indígenas têm uma coisa que é terrível para qualquer organização militar de direita: eles já estão organizados, só o fato de existirem já é uma organização.
Muito do que se sabe sobre o massacre contemporâneo de indígenas no país foi documentado pelo Relatório Figueiredo, documento com mais de 7 mil páginas produzidas em 1967 pelo procurador Jader de Figueiredo Correia. O relatório foi feito a pedido do ministro do Interior, Afonso Augusto de Albuquerque Lima. Nele foram descritas violências praticadas por latifundiários brasileiros e funcionários do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), contra indígenas brasileiros nas décadas de 1940, 1950 e 1960.
Entre as denúncias estavam a prática de escravização de indígenas, a tortura de crianças e o roubo de terras por parte do Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Os documentos foram liberados apenas em 2013. Embora redescoberto e analisado pela Comissão Nacional da Verdade, ele denuncia também massacres cometidos antes de 1964.
‘AVIÃO MILITAR POUSOU E PEGOU TODO MUNDO’
Integrante da Coordenação das Organizações dos Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Ângela Kaxuyana representa um povo que sofreu diretamente as consequências do regime militar. Parte dos indígenas Kaxuyana foi transferida em 1968 de sua terra indígena, localizada entre os tios Trombetas e Cachorro, no noroeste do Pará, e levados de avião pela Força Aérea Brasileira até o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, na divisa entre Pará e Amapá.
Na época, a Fundação Nacional do Índio alegou que a transferência foi feita para evitar uma epidemia. Ângela discorda:
– Hoje sabemos que isso foi mentira, que queriam nossos territórios. O avião militar pousou e pegou todo mundo, crianças, idosos. Os velhos contam que foi o dia mais triste da vida deles, que não sabiam o que estava acontecendo.
Ela diz que, alguns anos depois, foram construídos grandes empreendimentos na região original de seu povo, como a Hidrelétrica da Cachoeira Porteira e as grandes mineradoras que hoje ocupam o Rio Trombetas.
“Entre 1969 até o final dos anos 1990 o meu povo permaneceu na TI do Tumucumaque, sendo obrigado a aderir a cultura de outros povos, viver como outros povos”, descreve. “Quando eles chegaram no parque acharam muito estranha a vegetação de savana, acharam que era uma terra castigada. Minha bisavó morreu de depressão por causa disso.”
O povo Kaxuyana só recuperou seu território em dezembro, ao conquistar a demarcação da TI Kaxuyana/Tunayana. Na opinião de Ângela, a ditadura nunca teve fim para os povos indígenas: “Em algumas regiões ela continua lá, camuflada. Muito do que foi pensado na ditadura para a Amazônia aconteceu de forma bem escondidinha, sem registro.”
Massacres de indígenas em nome da 'emancipação"
Um dos capítulos do relatório da Comissão da Verdade, “Violações de direitos humanos nos povos indígenas”, mostra que os maiores genocídios de indígenas na ditadura foram os dos povos Cinta-Larga (RO/MT), Waimiri-Atroari(AM/RR), Tapayuna(MT) e Yanomami (AM/RR). No caso dos Cinta-Larga, foram mais de 3.500 indígenas assassinados, a grande maioria envenenados por arsênico, com a ajuda de agentes do Estado. O evento ficou conhecido como Massacre do Paralelo Onzee teve como objetivo a expansão da fronteira agrícola na região.
Um massacre de 2.650 indígenas quase dizimou o povo Waimiri-Atroari. Em uma ocasião, um avião derramou um pó químico, futuramente identificado como napalm (substância utilizada na Guerra do Vietnã), sobre uma celebração típica que ocorria na aldeia Kramna Mudî. Foram pelo menos 33 mortos. O interesse no território dos Waimiri-Atroari teve relação com a construção da BR 174, que conecta Manaus a Boa Vista, e com a construção da Usina Hidrelétrica de Balbina.
Além dos assassinatos em massa e transferências de povos, parte importante do plano dos militares para os indígenas envolvia o que eles chamavam de “emancipação”. Ela consistia, basicamente, em negar a identidade indígena, incentivando sua anexação à sociedade brasileira. Segundo José Augusto Laranjeiras Sampaio, da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), da Bahia, o plano teve início na região Nordeste.
“Havia a percepção de que os indígenas no nordeste já eram camponeses e logo nem se lembrariam que eram indígenas”, explica. “Como se fosse um processo inexorável. Mas na verdade, esses indígenas, que supostamente estavam fadados à extinção e já haviam até migrado para o sudeste, fizeram um movimento de voltar e ‘levantar suas aldeias’”.
Sampaio conta que a população indígena na região chegou, durante a ditadura, a seu número mais baixo: 20 mil. Hoje já são mais de 140 mil indígenas na região. Na Bahia, são 23 povos reconhecidos. “O Nordeste hoje tem pelo menos 25% da população indígena no país”, diz. “O projeto de emancipação foi um fracasso de qualquer perspectiva, mas agora essa ideia de incorporação dos povos indígenas volta à moda na direita.”
Vídeo: Tá difícil de entender o Brasil do presente? Pois dia 16/06/2020 conversei com o professor Carlos Frederico Marés de Souza Filho, nosso querido Marés, que - obviamente sem pretensão de esgotarmos qualquer um dos tópicos - dividiu um pouco conosco do que era estar no movimento estudantil na ditadura militar, como era a dinâmica de perseguição da produção de cultura e saber e como isso se reflete no país hoje. Numa conversa leve, não obstante os temas pesados, falamos de democracia, ditadura, perseguição do conhecimento e obscurantismo, etnocídio e a incompreensão de determinados grupos a existência de subjetividades diversas daquelas que lhes constitui. O professor Marés é atualmente professor da graduação, bem como mestrado e doutorado do PPGD da PUC/PR em Curitiba, possui uma trajetória de pesquisa em proteção de bens culturais e proteção dos povos indígenas. Foi procurador do Estado do Paraná, presidente da FUNAI (e muito mais, como dito na apresentação). Foi exilado político de 1970 a 1979, e advogado dos povos indígenas desde 1980. (*por volta dos 54 minutos a câmera do Professor deu um probleminha e acabei editando um trecho até estabilizar, mas sem cortes substanciais, a gente só ficou falando de como é importante aparecer nas câmeras como se o encontro fosse real, em sinal de respeito ao interlocutor, penteando o cabelo, pelo menos, rsrsrs). Emmanuella Denora. O golpe de Bolsonaro tivesse sido vitorioso iriam matar índio e matar camponeses. Como aconteceu em 1964
Houve relatos de moradores sobre tortura e execução. Governador Tarcísio bolsonarista defendeu a chacina
247 –Desde o início da megaoperação das forças de segurança na Baixada Santista, na última sexta-feira (28), a cidade de Guarujá, no litoral paulista, registrou ao menos dez mortes em decorrência de intervenção policial, de acordo com informações da Ouvidoria das Polícias, segundoinforma o jornalista Tulio Kruse, da Folha de S. Paulo. Essa ação foi uma resposta ao assassinato de um soldado da Rota, ocorrido na mesma cidade na última quinta-feira (27), o qual gerou comoção entre os policiais. O responsável pelo disparo que resultou na morte do soldado foi detido no domingo, em São Paulo, conforme anunciado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em seu perfil no Twitter, que defendeu a operação.
As vítimas fatais ainda não tiveram seus nomes oficialmente divulgados, mas o ouvidor Cláudio Aparecido da Silva ressaltou que o número de mortos pode chegar a 12. Além das mortes, houve relatos de moradores sobre tortura e execução de, pelo menos, um homem pelas mãos de policiais militares, bem como uma ameaça de que 60 pessoas seriam mortas em comunidades da cidade. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que todas as denúncias serão investigadas, mas até o momento não foram constatados abusos policiais.
A megaoperação, denominada Operação Escudo, tem duração prevista de um mês e mobiliza agentes de todos os 15 batalhões de operações especiais do estado, totalizando cerca de 3.000 policiais militares, além de pelotões do Choque e efetivo local. Entre as vítimas está um vendedor ambulante, Felipe Vieira Nunes, de 30 anos, morto com nove tiros na última sexta-feira. Relatos de moradores apontaram indícios de tortura antes de sua morte. A família de Nunes informou que ele tinha sido alertado pela polícia sobre a possibilidade de ser morto devido a passagens criminais anteriores.
Órgãos de direitos humanos, como a Ouvidoria das Polícias, a Defensoria Pública estadual, a comissão de direitos humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a comissão de direitos humanos da Assembleia Legislativa e o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, estão investigando as denúncias de abusos cometidos pela PM em Guarujá. Denúncias incluem relatos de moradores aterrorizados, favelas sitiadas pela polícia e invasões de casas com o uso de máscaras por parte dos policiais. A SSP ressaltou que a operação segue os protocolos da corporação e destacou que quatro suspeitos envolvidos no assassinato de um policial já foram detidos.
Dez mortos na chacina em Guarujá "é a barbárie patrocinada por Tarcísio"
O jornalista Fernando Barros e Silva, da revista Piauí, condenou duramente a chacina policial em Guarujá (SP), assim como o tratamento concedido pelas elites brasileiras ao governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas. "Pelo menos dez pessoas, nenhuma delas identificada oficialmente, foram assassinadas pela polícia no Guarujá desde sexta-feira. É, dizem as reportagens, uma 'resposta' da Rota ao policial da corporação assassinado na quinta. Há relatos de torturas, moradores pobres aterrorizados em casa. Mas a secretaria de Segurança Pública diz que 'até o momento não foram constatados abusos por parte da polícia'", postou Barros e Silva no Twitter. "É a barbárie patrocinada por Tarcísio de Freitas, o 'quadro técnico' do bolsonarismo que vem sendo apresentado como opção à presidência da República", conclui.
Desde o início da megaoperação das forças de segurança na Baixada Santista, na última sexta-feira (28), a cidade de Guarujá, no litoral paulista, registrou ao menos dez mortes em decorrência de intervenção policial, de acordo com informações da Ouvidoria das Polícias, segundo informa o jornalista Tulio Kruse, da Folha de S. Paulo. Essa ação foi uma resposta ao assassinato de um soldado da Rota, ocorrido na mesma cidade na última quinta-feira (27), o qual gerou comoção entre os policiais. O responsável pelo disparo que resultou na morte do soldado foi detido no domingo, em São Paulo, conforme anunciado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em seu perfil no Twitter, que defendeu a operação.
As vítimas fatais ainda não tiveram seus nomes oficialmente divulgados, mas o ouvidor Cláudio Aparecido da Silva ressaltou que o número de mortos pode chegar a 12. Além das mortes, houve relatos de moradores sobre tortura e execução de, pelo menos, um homem pelas mãos de policiais militares, bem como uma ameaça de que 60 pessoas seriam mortas em comunidades da cidade. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que todas as denúncias serão investigadas, mas até o momento não foram constatados abusos policiais.
A megaoperação, denominada Operação Escudo, tem duração prevista de um mês e mobiliza agentes de todos os 15 batalhões de operações especiais do estado, totalizando cerca de 3.000 policiais militares, além de pelotões do Choque e efetivo local. Entre as vítimas está um vendedor ambulante, Felipe Vieira Nunes, de 30 anos, morto com nove tiros na última sexta-feira. Relatos de moradores apontaram indícios de tortura antes de sua morte. A família de Nunes informou que ele tinha sido alertado pela polícia sobre a possibilidade de ser morto devido a passagens criminais anteriores.
Órgãos de direitos humanos, como a Ouvidoria das Polícias, a Defensoria Pública estadual, a comissão de direitos humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a comissão de direitos humanos da Assembleia Legislativa e o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, estão investigando as denúncias de abusos cometidos pela PM em Guarujá. Denúncias incluem relatos de moradores aterrorizados, favelas sitiadas pela polícia e invasões de casas com o uso de máscaras por parte dos policiais. A SSP ressaltou que a operação segue os protocolos da corporação e destacou que quatro suspeitos envolvidos no assassinato de um policial já foram detidos.
Suspeito de matar o soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) no Guarujá, litoral sul de São Paulo, foi preso neste domingo. Erickson David da Silva, conhecido como Deivinho, se entregou à polícia na zona sul de São Paulo.
O soldado Patrick Bastos Reis estava em patrulhamento quando criminosos atiraram contra a viatura. Como fazia a Gestapo, para cada soldado morto, dez civis fuzilados.
NO ATAQUE À ALDEIA DE BARÉ, NA DÉCADA DE 1970, O BANHO DE VENENO FOI SOBRE UMA MALOCA, ONDE OS INDÍGENAS SE REUNIAM EM DIA DE CELEBRAÇÃO. FOTO: RAPHAEL ALVES (01/12/2017)
Laudo obtido com exclusividade por SUMAÚMA mostra oito aldeias dizimadas por armas químicas nos anos 1970 para a construção da BR-174 (segunda parte)
(continuação) Diante do microfone e dos olhares dos militares, o indígena Baré Bornaldo relatou o ataque à aldeia So’o Mydy, que ocorreu entre o final de 1974 e o início de 1975. “Era dia de Maryba, a festa de iniciação do menino-guerreiro. Gente de outras aldeias foi participar”, contou. De repente e do alto, veio o ataque: “Era veneno. Jogaram em cima da maloca”. Bornaldo disse ainda que, ferido, viu um parente ter o pescoço cortado.
BARÉ BORNALDO (À ESQ.) AOS 11 ANOS, EM 1969. QUANDO A ALDEIA EM QUE VIVIA FOI ATACADA, ELE TINHA 14. FOTO: FUNAI. À DIREITA, O REGISTRO DE 1912 MOSTRA A REGIÃO ONDE HOJE FICA A TI WAIMIRI ATROARI. FOTO: ARQUIVO BRASILIANA FOTOGRÁFICA DIGITAL
No relato do indígena, o Exército espalhou o terror pela floresta. Eram tantas as vítimas e era tão grande o medo de novos ataques que os mortos não tiveram rituais fúnebres – para os Kinja, isso representa um severo risco de feitiço e outros infortúnios cosmológicos. Baré Bornaldo testemunhou que os parentes conseguiram cremar alguns corpos, mas a maioria foi deixada para trás. “Não tinha ninguém para cuidar dos corpos”, lamentou. Outro sobrevivente, Temehe Tomas, acrescentou que o medo de que os ataques fossem retomados era mais forte: “Abandonaram os corpos dos parentes – ficaram por lá mesmo”.
Manoel Paulino, que foi chefe de campo da Funai no período mais violento dos ataques, afirmou ter presenciado o próprio Exército cavar uma vala comum, com uma retroescavadeira, e enterrar as vítimas perto de um antigo posto da fundação, local onde hoje há uma aldeia. Os sobreviventes dos ataques não presenciaram os enterros porque foram obrigados a fugir. Paulino é uma testemunha-chave no processo.
Outra testemunha, essa ouvida pela perícia antropológica, relembrou, de outro ponto de vista, o que aconteceu na aldeia de Baré Bornaldo. Wamé Viana descreveu o voo de um avião jogando o que parecia ser água. Ele estava indo com outros parentes a uma festa na aldeia So’o Mydy, e quando chegaram já estavam todos mortos – todos, menos Bornaldo, então um adolescente. “Nós salvamos ele, no meio do povo morto. Chegamos dias depois. [Os corpos] Já estavam apodrecendo, urubu comendo. Quando chegamos, o tio pegou ele e levou pra salvar. Ele tinha uma febre forte”, disse Wamé. Bornaldo jamais esquecerá aqueles dias: “Quando a aldeia ficou bem quente, fiquei com febre muito alta. A maloca ficou aquecida. As folhas das árvores não caíram. Matou só as pessoas que estavam lá”. Então diz: “Morreu uma maloca inteira”.
‘Queimava tudo por dentro’
Os sintomas que os Kinja relataram após os ataques com armas químicas – calor, febre, enjoo, dor de cabeça e paralisia nos membros – são, “à primeira vista”, segundo o perito Dal Poz Neto, compatíveis com a patologia dosnerve agents, produtos que afetam o sistema nervoso central. O Exército é acusado de ter lançado sobre as aldeias uma ou mais armas químicas desse tipo. Os efeitos nas vítimas são quase imediatos: corrimento nasal, visão turva, sudorese excessiva, tosse, respiração rápida, confusão mental, dor de cabeça, perda de consciência, paralisia e insuficiência respiratória. E podem ser fatais. Entre os químicos desse tipo está o chamado gás VX. Desenvolvida na Inglaterra em 1952, essa substância, normalmente mantida em estado líquido, possui baixa volatilidade, propriedades adesivas e é inodora, afirma o laudo.
Um dos sobreviventes, não identificado, detalhou ao perito o que acontecia com as vítimas dos ataques aéreos do Exército: “Deixava a gente confuso. Atacava na aldeia, esquentava rápido. Poucos minutos, morria. Nós não conseguimos entender até agora que arma foi usada naquela época. Era assim: um índio ia caçar, ele sentia tipo uma flechada no corpo. Gritava e corria pra aldeia, já sentindo sintoma, aquecendo o corpo dele. Parecia que queimava tudo por dentro. Demorava um pouco, morria. Sentia calor muito intenso. Ficava deitado, gritando, molhando o corpo com água. Em pouco tempo, morria. Pra nós é difícil entender qual arma foi usada”.
Para os Kinja tratou-se demaxi, uma palavra de sua língua que originalmente quer dizer feitiço ou veneno. Por causa dos massacres da ditadura, ela ganhou novos significados. A substância malévola que os atacantes manipulavam, diz o laudo, “vem desde então adquirindo significados mais precisos, à medida que se ampliam os conhecimentos a respeito do aparato industrial e tecnológico à disposição da sociedade não-indígena”. Hoje, os indígenas usam o termo maxi também para designar agrotóxicos e poluentes, além de armas químicas e biológicas.
Há evidências de pelo menos oito operações coordenadas do Exército, com despejo de armas químicas seguido de invasão por terra. Após examinar a dinâmica desses ataques às aldeias, o perito judicial concluiu que tudo parece indicar uma “guerra de ocupação”, com a finalidade de expulsar os Kinja de seu território.
Assistente técnico da AGU trata indígenas como ‘testemunhas inidôneas’
Na audiência judicial na TI Waimiri Atroari, enquanto Baré Bornaldo narrava como todos ao seu redor foram mortos pelo que veio do céu, um homem branco, vestido com trajes civis e sentado na plateia, balançava a cabeça, demonstrando contrariedade. Tratava-se do coronel reformado Hiram Reis e Silva, um militar alinhado à ideologia anti-indígena das Forças Armadas. Estava ali porque havia sido indicado pelo Exército à Advocacia-Geral da União como “assistente técnico” da defesa no processo. Designado em janeiro de 2019, o primeiro ano do governo do extremista de direita e capitão reformado Jair Bolsonaro, ele tinha como papel acompanhar a elaboração da perícia antropológica.
Apesar de Lula ter tomado posse em janeiro deste ano como presidente, até o fechamento desta reportagem o coronel reformado Reis e Silva seguia como representante do governo federal no processo. Após questionamentos de SUMAÚMA, a AGU passou a buscar um acordo com o MPF. Mas não pediu formalmente a retirada de Reis e Silva do caso.
O coronel reformado serviu no Batalhão de Engenharia de Construção do Exército na Amazônia, responsável por parte da obra da BR-174. Não durante o período dos ataques, contudo, mas mais de cinco anos depois, entre 1982 e 1983 . O militar de 72 anos também foi professor de matemática no Colégio Militar de Porto Alegre e diz ser presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (Sambras), uma ONG cujo CNPJ está registrado em nome da ambientalista gaúcha Hilda Wrasse Zimmermann, morta em 2012. Desde 2018, a Sambras é considerada inapta pela Receita Federal, por falta de documentação. O site da organização já não está no ar.
O MILITAR REFORMADO HIRAM REIS E SILVA, QUE FOI INDICADO PARA SER ASSISTENTE TÉCNICO DA DEFESA NO PROCESSO JUDICIAL, TEM ASSUMIDA POSTURA ANTI-INDÍGENA E DE OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA. FOTO: OMAR FREITAS/AGÊNCIA RBS (29/05/2015)
Foi graças a uma parceria entre o Colégio Militar e a Sambras que Reis e Silva diz ter percorrido, num caiaque, rios da bacia amazônica entre as cidades de Tabatinga, no Amazonas, e Belém, no Pará, durante os anos de 2008 e 2009. A partir de suas viagens pela Amazônia, o coronel escreveu vários livros, publicados por ele mesmo na internet. Em um deles, intituladoDesafiando o Rio-Mar – Descendo o Branco Tomo III, afirma, a respeito da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ratificada pelo Supremo Tribunal Federal em março de 2009: “A decisão [da demarcação] tem apenas um triste e melancólico significado – colocar a soberania brasileira em cheque (sic). O território pertence agora a uma ‘nação indígena’ e nela não poderão viver ou sequer transitar os chamados ‘não índios’, porque os facínoras do Conselho Indigenista de Roraima não os reconhecem como irmãos brasileiros”.
A julgar pelo que publica no Facebook, Reis e Silva é um bolsonarista típico. Espalha memes que sugerem o desejo de atropelar Lula e os ministros do Supremo Tribunal Federal, vídeos com mensagens para “caso algum petista filho da puta alienado vier falar merda” e notícias tendenciosas segundo as quais “se o marco temporal [para a demarcação de terras indígenas, pauta cara aos ruralistas] cair, será o fim da propriedade privada”.
Se, na audiência na Terra Indígena Waimiri Atroari, o coronel reformado demonstrou sua contrariedade com o testemunho dos Kinja sobreviventes, dias depois tornou sua posição ainda mais explícita. Em documento disponível na internet, datado de março de 2019 e intitulado “Circo de Horrores”, ele afirma que a ação movida pelo MPF é “carregada de um viés puramente ideológico, baseado no testemunho de indivíduos inidôneos sem que sejam apresentadas quaisquer tipos de provas contundentes”. Além dos relatos dos anciões Kinja, a ação do MPF se baseia em testemunhos de indigenistas e antropólogos respeitados, entre eles Stephen Baines, atualmente professor da Universidade de Brasília, e Egydio Schwade, um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
A atitude de Reis e Silva na audiência levou os Waimiri Atroari a pedirem – com sucesso – que ele fosse proibido de entrar em seu território para acompanhar o perito judicial. “As lideranças e demais membros da etnia presentes ao ato, muito observadores que são, perceberam o comportamento de expressão negativa do coronel Reis e Silva, fato que lhes deixou muito insatisfeitos”, afirma a petição dos advogados da Associação Comunidade Waimiri Atroari (ACWA), apresentada à Justiça Federal do Amazonas em julho de 2022. “Os Kinja se sentiram tachados de mentirosos, o que para eles é muito grave, pois na cultura Kinja a mentira é algo impensável e rechaçada veementemente!”, prossegue a petição.
E então conclui: “[Os indígenas] não admitem que adentre em sua terra uma pessoa que se postou corporalmente de forma negativa quando um Guerreiro Kinja, ancião, prestava seu depoimento sob compromisso de verdade e que depois, ao falar com a imprensa, deu a entender que todos os depoimentos dados pelos Kinja não seriam verdadeiros”. O documento se refere a umaentrevista que Reis e Silva deu à agência de notícias Associated Presslogo após a audiência, em que afirmava que teria “outra versão dos fatos”.
Diante do inconformismo dos Kinja, AGU e MPF cederam e, num acordo referendado por Raffaela Cássia de Souza, juíza substituta da 3a Vara Federal do Amazonas em julho de 2022, as duas instituições abriram mão de ter seus assistentes técnicos acompanhando a perícia.
Ao longo de mais de 40 dias, SUMAÚMA tentou de várias formas entrevistar Reis e Silva. Ele não respondeu ao e-mail enviado a um endereço disponível na internet nem às mensagens a seus perfis no Facebook. O Colégio Militar de Porto Alegre, onde o coronel aposentado deu aulas, se recusou a fornecer seu telefone. A pedido do setor de Comunicação Social, SUMAÚMA enviou então um e-mail à instituição, explicando do que tratava a reportagem e solicitando um contato com o coronel. O colégio disse não ter os contatos do ex-professor. Também foi enviado um e-mail a um endereço publicado na internet e mensagens a um telefone celular, ambos identificados como sendo da esposa de Reis e Silva. Não houve resposta.
Segundo a AGU, a indicação do coronel para acompanhar o caso — feita pelo Exército e aceita pela agência — “levou em consideração a dificuldade verificada para encontrar outros profissionais com conhecimento acerca do caso e capacidade de apresentar esclarecimentos úteis à solução da controvérsia, em especial em virtude do tempo transcorrido desde os fatos discutidos nos autos”.
O Exército, por sua vez, afirmou, em nota a SUMAÚMA, que havia indicado Reis e Silva “em função de sua capacitação técnica e experiência profissional, como engenheiro militar e conhecedor da região”, que desconhece “qualquer fato ou conduta do assistente técnico no sentido de desrespeitar indígenas durante audiência realizada em 2019” e que “o respeito aos povos originários está incorporado na cultura institucional do Exército desde sua gênese”.
SUMAÚMA solicitou ao Exército, usando a Lei de Acesso à Informação, cópia da documentação em que a nomeação de Reis e Silva foi definida. A resposta foi negativa: “Tais documentações dizem respeito ao sigilo profissional cliente-advogado, referem-se à estratégia processual e não poderão ser divulgadas” (continua)