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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

19
Abr22

Odorico e o Viagra dos militares

Talis Andrade

bem amado.jpeg

 

por Cristina Serra

Exibida 50 anos atrás, a novela O Bem-Amado, do dramaturgo Dias Gomes, guarda desconcertante correspondência com o Brasil atual. Na pele do excepcional Paulo Gracindo, o prefeito de Sucupira, Odorico Paraguaçu, encarnava a síntese do que hoje se chama necropolítica, quando essa palavra talvez nem existisse.

A única obra do prefeito é um cemitério, e ele trama o tempo todo a morte de algum cidadão para inaugurá-lo. Odorico manda até roubar vacinas que poderiam evitar uma epidemia. É quase uma profecia do que viria a ser o Brasil sob Bolsonaro.

Dias Gomes nos faz refletir sobre um país violento e autoritário por meio de muitos outros personagens. Tem o empresário que estupra por “diversão” e os playboys que, por “curtição”, tocam fogo num homem que dormia na rua.

Em 1997, a realidade superaria a ficção, com o assassinato do líder indígena Galdino Jesus dos Santos, queimado enquanto dormia num ponto de ônibus, em Brasília, por cinco delinquentes de classe média. Barbárie que completa 25 anos nesta quarta-feira e que ainda nos ronda.

A novela caiu no gosto popular talvez porque o autor, com diálogos cheios de ironia e humor cortante, tenha feito a audiência se olhar no espelho e rir de si mesma. Dias Gomes também sabia iludir a censura. Odorico era tratado pela patente de “coronel”. Seu bordão, “Pra frente, Sucupira!”, zombava da canção “Pra frente, Brasil!”, símbolo da ditadura.

Ao novelista não escapou nem a piada do momento, desde que a imprensa descobriu a compra de Viagra e próteses penianas para militares, com dinheiro público. Em “sucupirês”, o coronel Odorico Paraguassu também era “desapetrechado” de potência sexual e recorria a um xarope “revigoratório”.

Cabe mencionar ainda a trilha sonora de Vinicius e Toquinho, sob medida para os dias de hoje. A canção ‘Paiol de pólvora’ diz assim: “Estamos trancados no paiol de pólvora/Paralisados no paiol de pólvora/Olhos vendados no paiol de pólvora/Dentes cerrados no paiol de pólvora”.

Estamos trancados no paiol de pólvora

Paralisados no paiol de pólvora

Olhos vendados no paiol de pólvora

Dentes cerrados no paiol de pólvora

 

Só tem entrada no paiol de pólvora

Ninguém diz nada no paiol de pólvora

Ninguém se encara no paiol de pólvora

Só se enche a cara no paiol de pólvora

 

Mulher e homem no paiol de pólvora

Ninguém tem nome no paiol de pólvora

O azar é sorte no paiol de pólvora

A vida é morte no paiol de pólvora

 

São tudo flores no paiol de pólvora

TV a cores no paiol de pólvora

Tomem lugares no paiol de pólvora

Vai pelos ares o paiol de pólvora

17
Dez20

O Brasil que virou Sucupira

Talis Andrade

Facebook

por Cristina Serra

Circula na internet um trecho de assustadora atualidade da novela “O Bem-amado”, escrita pelo genial Dias Gomes e exibida com grande sucesso pela Rede Globo em 1973. Na cena, o prefeito da fictícia Sucupira, Odorico Paraguaçu, planeja interceptar a carga de vacinas que poderia impedir um morticínio na cidade, assolada por uma epidemia. 

Horrorizado, seu auxiliar, Dirceu Borboleta, alerta que seria um genocídio. Odorico responde com um: “E daí?”. Para quem não conhece a história, o principal objetivo do prefeito era inaugurar o cemitério da cidade. Mas seu projeto se frustra ao longo dos capítulos porque ninguém morre. 

No Brasil de 47 anos depois, o drama da vida real é o oposto. O coronavírus já matou 180 mil cidadãos. Mas o desprezo de Bolsonaro pela vida dos brasileiros é o mesmo do político da ficção. A segunda onda da pandemia chegou, tão ou mais feroz que a primeira, mas o presidente acha que estamos “no finalzinho” dela. Em ócio despreocupado, protagonizou cena digna de comédia pastelão, ao inaugurar uma vitrine com as roupas usadas por ele e pela primeira-dama na posse. 

Enquanto Bolsonaro se presta ao ridículo, as autoridades federais de saúde exibem sua incompetência, depois de terem sido atropeladas pelo governador de São Paulo. Dória criou um fato político ao marcar a data para o começo da imunização no estado, em janeiro de 2021, com a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantã. 

Ficou patente o despreparo do almoxarife atarantado que ocupa o ministério da Saúde. Pazuello não tem um plano de vacinação e ainda se pergunta se haverá “demanda” por vacinas. Num país que já foi exemplo para o mundo em imunização, sequer sabemos se haverá seringas e agulhas em quantidade suficiente. A Anvisa, colonizada por defensores da cloroquina, não inspira confiança quanto à aprovação dos imunizantes. O Brasil de Bolsonaro é um arremedo patético da Sucupira de Odorico Paraguaçu. 

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