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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

23
Ago23

A emergência dos bandidos e matadores de Deus

Talis Andrade

 

Como policiais e “donos do morro” evocam a imagem de um Deus guerreiro e conquistador para justificar violência. Textos bíblicos são usados para perseguir “inimigos” e religiões afro, beirando o fundamentalismo

 

Em junho de 2017, a pesquisadora Viviane Costa, que também é pastora da Assembleia de Deus em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, teve uma surpresa ao dar uma aula de teologia em uma comunidade na região de Parada de Lucas, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Depois que um dos alunos contou ter deixado o tráfico de drogas e se tornado pastor, um tipo de história de redenção a que Viviane estava acostumada a ouvir, um segundo aluno reagiu à história contado pelo primeiro de uma forma que ela não esperava.

 
Para a pesquisadora, a teologia dos traficantes evangélicos não é muito diferente da “teologia perigosa, intolerante, de cerceamento de direitos e de liberdades” de grupos fundamentalistas que formam as “bancadas da Bíblia” nos parlamentos. “Conter o crescimento do fundamentalismo religioso é essencial para a garantia da liberdade de ser, existir e crer”, afirma.
 
Nesta entrevista, Viviane conta que iniciou sua pesquisa determinada a demonstrar que os “traficantes evangélicos” — como os que dominaram a região de Parada de Lucas e criaram ali um espaço conhecido como Complexo de Israel, comandado pelo pastor e traficante Álvaro Malaquias Santarosa, o Peixão — buscavam uma associação impossível do nome de Jesus Cristo com a violência. Ao longo de seu estudo, porém, ao seguir a trajetória de pesquisadores como Marcos Avito, autor de As Cores de Acari (2001), e Christina Vital da Cunha, autora de Oração de Traficante (2015), percebeu que as religiões sempre fizeram parte do mundo do crime e como o nome de Jesus já vinha sendo usado há muito tempo em contextos de violência, tanto por criminosos como por policiais, e como a imagem de um Cristo guerreiro, semelhante ao Deus do Antigo Testamento, responde aos anseios de quem vive aquela realidade.
 
Fausto Salvadori entrevista Viviane Costa
 
 
 
Viviane Costa é formada em história e teologia e mestra em ciências da religião 


Ponte Jornalismo – Como surgiu a ideia de escrever esse livro sobre o tema dos traficantes evangélicos?

Eu começo as minhas andanças no que agora é conhecido como Complexo de Israel — mas na época eu só conhecia como Parada de Lucas ou Cidade Alta — como pastora da Assembleia de Deus, dando aula de teologia nas igrejas da comunidade. Nessas andanças eu identifico as pinturas e as identidades das ruas mudando. Fui conhecendo a favela e entendendo que aquela divindade naquelas pichações tinha uma relação com a prática de fé do dono do morro. Comecei a pensar se aquela relação da substituição das imagens anteriores, de São Jorge e Nossa Senhora, pela frase “Jesus é o dono do lugar”, ou pichações com essa assinatura em determinados lugares, poderia ter alguma relação com o tráfico. Como pastora pentecostal e teóloga, eu vou pensar: “não tem como o nome de Jesus ser usado num contexto de violência”. Fui fazer o mestrado em ciências da religião na Umesp (Universidade Metodista de São Paulo) e estudar a narrativa do crime com essa categoria de fé nesse contexto. E aí eu identifico que não tem como dizer que o nome de Jesus não pode ser usado nesse contexto de violência, ela já está sendo. Então, eu busco tentar compreender como o imaginário desse novo Jesus — guerreiro, valente, vitorioso, com características do Deus do Antigo Testamento, mas também com características de São Jorge — começa a aparecer e a se revelar pra mim nas ruas das favelas e nas leituras da pesquisa.

 

Inclusive na introdução do livro você conta uma experiência que teve, numa aula de introdução ao Novo Testamento, em que um dos alunos era um ex-traficante e outro ainda continuava no movimento do tráfico. O primeiro contava uma história mais comum nas denominações pentecostais, a da pessoa que deixa o crime e identifica essa saída como uma salvação. Já o outro ainda estava no ambiente criminoso, mas mesmo assim se identificava como evangélico e associava as vitórias que ele tinha como criminoso à ajuda de Deus. A sua reação, que você conta no livro, foi a de perceber que não tinha como “dar respostas para realidades que não conheço”. Como foi isso para você?

Eu conhecia o contexto do ex-traficante evangélico. É um perfil que vem sendo muito pesquisado e nós, que estamos no ambiente evangélico, assistimos a muitos testemunhos dessas pessoas que tinham uma ficha criminal pesada e que foram salvas a partir de um encontro com Jesus e da transformação que essa fé provocou no seu modo de ver o mundo e de viver a vida. Mas, naquela experiência que eu vivi em sala de aula, eu estava vendo algo absolutamente inédito para mim: um traficante me dizendo que é necessário ele participar do movimento porque a partir dali tem um emprego, sustenta a família dele, leva alimento pra dentro de casa. E que a prova de que Deus estava com ele é que, numa situação de risco, ele clamou a Deus e Deus livrou a vida dele. Como eu diria pra ele que Deus não estava com ele? É essa a resposta que eu sentia que não podia dar. Eu não podia dizer “você estava em pecado e tinha que ter morrido”. Estava diante de um fato novo: um traficante convertido, estudando teologia, se identificando como evangélico e afirmando que Deus estava com ele. E ali eu não me sentia apta a responder, porque eu entendo que não posso falar sobre a experiência dele. Porque ali já tinha um pouco da cientista da religião também. Alguém que olha para o fenômeno e não se sente no direito de julgar, mas que procura ler e ouvir essa experiência religiosa como algo que acontece no corpo do outro. Aí eu entendi que precisava respeitar a experiência que ele viveu. E fiz uma oração meio que pra fugir da resposta, porque aí eu joguei pra Deus.

 

De fato, no livro você não desqualifica as experiências dos traficantes evangélicos como sendo menos legítimas, mas tenta entender qual é o papel que esse Deus desempenha na vida deles, a partir de uma epígrafe de Rubens Alves: “Homens ferozes e vingativos criam deuses ferozes e vingativos”.

Fui olhar o fenômeno com a intenção de provar que era impossível relacionar o nome de Jesus e o do Deus evangélico com violência. Mas, olhando para o Complexo de Israel, e fazendo leituras do Marcos Alvito em As cores de Acari e falando da pesquisa dele sobre o crime organizado no final da década de 80 e início da década de 90, e como São Jorge, Ogum, Santo Inácio, São Sebastião e Xangô, como essas divindades e orixás aparecem nessa prática e na dinâmica do crime da favela desde a sua gênese, eu percebi que a categoria religião nunca esteve ausente do mundo do crime. Rubem Alves me ajudou a perceber que a relação desse traficante com São Jorge era necessária porque ele precisa de um Deus protetor, que lhe faça justiça, que lhe dê vitória, que o ajude a conquistar outros territórios e a derrotar o seu inimigo. Com a mudança que acontece na religiosidade praticada nas periferias, que acompanha a mudança do campo religioso brasileiro, Ogum e outras divindades presentes nesses lugares são, em certa medida, substituídas ou redirecionadas para esse Deus de Israel, que também é vitorioso, destrói o inimigo, vence batalha e ajuda na conquista de territórios, que é exatamente a leitura que o Peixão faz nas estratégias para o avanço do território e na administração do Complexo de Israel. E aí, lembrando essa experiência da oração que eu fiz pelos dois alunos que tive, pude entender que aquela divindade, que nasce daquele lugar, nasce do cotidiano do crime que se vive na favela. Uma divindade que precisa dar conta dessa vida de violência constante, que precisa ser protetora, violenta, forte, combativa, vitoriosa, justiceira, que é como a figura de São Jorge, como a figura de Ogum e como essa imagem do Deus de Israel.

 

Quem é Peixão e quais as marcas da religião evangélica na trajetória dele no Complexo de Israel?

O que se sabe do Álvaro Malaquias, que é o Peixão — Peixão em referência ao símbolo do cristianismo do primeiro século —, é o que se vê na mídia, nas denúncias que a própria polícia já divulgou e também o que se ouve na comunidade. Ele é cria da comunidade, um homem absolutamente inteligente e estrategista. Segundo informação da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Álvaro Malaquias é um pastor ordenado numa igreja pentecostal em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e hoje faz parte de uma igreja pentecostal em Parada de Lucas, que é uma das favelas que compõem o Complexo de Israel. É um homem devoto, que tem uma prática constante de recorrer a Deus pedindo direcionamento para estratégias de guerra, proteção em casos de confronto, que recebe profecias de vitória e as torna pública, que faz orações para que haja segurança nos espaços e que recebe de Deus direcionamentos para avançar, para recuar e para a administração da própria comunidade.

Capa do livro lançado pela Thomas Nelson Brasil

 

Você conta no livro que ele também faz uma oração diária na comunidade.

A oração diária não é exclusiva do Peixão e surge antes mesmo disso. É relatada no livro de Cristina Vital [Oração de Traficante], que fala da experiência religiosa de um outro traficante, que também tinha práticas e símbolos evangélicos. No caso do Peixão, além da prática de fazer orações no rádio, ele compartilha visões e revelações que recebe nas orações no monte ou em casa. Nessa prática religiosa, ele busca em Deus direção e sabedoria para solução dos conflitos locais para organização e administração da comunidade a partir de uma ética local com traços de uma identidade evangélica, em que existe, por exemplo, a proibição do crack, como fruto dessa experiência que ele vive e da compreensão desse Deus evangélico. É assim que se apresenta Álvaro Malaquias, o Peixão do Complexo de Israel, esse pastor ordenado na Igreja Pentecostal na Baixada Fluminense.

 

É um senso comum se chocar com a ideia de Jesus ou do Deus evangélico ser associado à violência, mas olhando historicamente essa associação não é algo que fuja tanto assim ao que se conhece. Tem vários “PMs de Cristo” com dezenas de mortes nas costas e algumas das atrocidades cometidas por policiais militares são até maiores que as dos traficantes. Qualquer guerra tem um capelão que vai ali abençoar a matança por um dos lados. A associação entre cristianismo e violência é tão fora do comum assim?

Se a gente pensa em Jesus da maneira que está narrada e contada no texto bíblico, que é um texto fundante para a fé cristã, é impossível essa imagem de Jesus ser associada à violência. Mas, infelizmente, a associação do cristianismo com a violência é possível. E é possível desde o seu nascimento. Há violências justificadas em nome de Deus e de um cristianismo nascido a partir de leituras realizadas do texto bíblico que se baseiam em uma interpretação que dá vida a um Deus evangélico com a identidade de um Deus de Israel, encontrado no Antigo Testamento. Esse Deus guerreiro, que avança conquistando novas terras para reforçar seu poder, não se parece com o Cristo que se revela no Novo Testamento como a encarnação de seu amor. Quando a gente olha para a teologia católica, que é a base também da teologia reformada protestante, essa teologia é branca, ocidental e absolutamente colonizadora. O movimento de expansão territorial dessa igreja usa como base teológica estruturante o avanço realizado em nome de Deus. Qual é a diferença de quando a gente pensa paralelamente com o Deus do Complexo de Israel? Quando a gente entende também que nos espaços de periferia, como na Baixada Fluminense e na zona oeste, a milícia está presente há algumas décadas naturalizando dominação e violência, na prática de um justiçamento com as próprias mãos, e não há uma denúncia da igreja, nem do senso comum? Nós sabemos que há mortes e crimes que são justificados. Quais crimes são esses? Crimes que são realizados em nome de Deus, desde que institucionalizados. Seja pela mão do Estado, seja pela mão de um grupo de extermínio, seja pela mão do Exército, desde que seja reconhecida e legitimada pelo cristianismo que não se parece com o Cristo. É por isso que entre a narrativa do cristianismo e a imagem de Jesus Cristo há tanta diferença. Quando a gente se distancia da imagem de Cristo e olha para a história do cristianismo e de toda conquista e violência que já foi realizada em nome desse Deus cristão, da expansão de teologias do poder e da prosperidade, é possível, sim, compreender que outras pessoas façam leituras do texto bíblico que relativizem violências como as que ocorrem nos territórios do Complexo de Israel.

Pichação religiosa faz referência ao Terceiro Comando Puro, na Favela da Palmirinha, zona norte do Rio, em 2015 | Foto: Viviane Costa 

 

Sobre esse cristianismo que não parece com Cristo, seu livro e o de outros pesquisadores apontam que, antes da chegada dos traficantes evangélicos, já tinha uma atuação de PMs evangélicos que se colocavam contra as divindades afrocatólicas, identificadas com o tráfico de drogas. Tem um exemplo no livro, do 9º Batalhão da PM, na região de Acari, que trocou uma imagem de São Jorge por um outdoor de “Jesus é o dono do lugar”. Como foi esse processo?

A dinâmica no Rio de Janeiro de disputa territorial é, desde a sua gênese, marcada pela presença da religiosidade dos donos do morro. A polícia conhecia essas dinâmicas e sabia que, quando um território era dominado, a divindade que representa o dono do morro também precisava ser destruída ou substituída. Por isso, quando o 9º Batalhão da PM, segundo afirma Christina Vital, entra em Acari e expulsa a facção dominante, tira da associação de moradores a imagem de São Jorge que está ali exposta, comunicando para os moradores da favela que o antigo dono do morro foi vencido e a sua divindade, também. O que acontece é que, depois de muito pouco tempo, uma placa dizendo que “Jesus é o senhor desse lugar” é colocada na associação de moradores, espaço de representação de poder coletivo dentro de uma favela. Esses agentes do Estado não estão excluídos da transformação do campo religioso brasileiro, que nas últimas décadas deixa de ser hegemonicamente católico com o crescimento dos evangélicos, principalmente em lugares de pobreza. Quando a gente olha o crescimento do movimento evangélico crescendo e vê as conversões de agentes penitenciários, de policiais, jogadores do bicho e traficantes, o Estado também começa a mudar sua identidade religiosa que até então era naturalizada, apesar de não laica — já que havia uma presença católica nas estruturas não só das leis, mas das práticas institucionais do país. Essas práticas institucionais começam a ganhar uma nova identidade, com agentes do Estado sendo agentes de Deus. E os agentes participam dessas dinâmicas de destruição e substituição de signos religiosos em confrontos e disputas por territórios no Rio.

 

Essa realidade dos policiais se colocando como agentes de Deus vai além do Rio de Janeiro. Algum tempo atrás houve o episódio daquele criminoso, Lázaro, perseguido pela polícia de Goiás, e os policiais que participavam daquela operação criaram uma retórica em que eles se colocavam como “anjos de Deus” contra um Lázaro que seria “satanista”. A polícia chegou a invadir terreiros, que seriam locais identificados com as “práticas satanistas” de Lázaro. Qual é o impacto de forças de segurança assumindo lado na guerra religiosa brasileira?

Quando você fala da religiosidade dos policiais nesse caso que você compartilha de Goiás, amplia a compreensão de como o campo religioso brasileiro vem mudando e de que forma a religiosidade tem mudado o modo de viver e de operar não só individual, mas coletivo e institucional. E essa religiosidade se apresenta cada vez mais evangélica e pentecostalizada, em alguns casos com leitura fundamentalista do texto bíblico, uma leitura que também é de uma teologia racista e que, estruturalmente, demoniza a religião do negro. Sendo assim, um policial evangélico violar os direitos de um de um criminoso que seja considerado “satanista” ou devoto de uma religiosidade afrobrasileira, entende-se como a vitória de um Deus evangélico pentecostal contra um inimigo da igreja. Essa relação não será condenada como é condenada uma associação de um traficante com o movimento evangélico. As transformações na religiosidade brasileira, nas religiosidades individuais e coletivas, estão influenciando nas estruturas e equipamentos do Estado, o que é, sim, algo preocupante e urgente para se olhar. Agora… como não ser assim? Como pensar que a religião pode ser um marcador social não importante para um político, um professor, para um agente de segurança pública, que deve cuidar da segurança de todos para todos igualmente? O único caminho para que a religiosidade individual não afete a liberdade religiosa de todos é essa fé não ser fruto de uma teologia fundamentalista. Uma religiosidade fundamentalista é excludente, desconsidera qualquer outra e terá como objetivo oprimir, violentar e impedir que os direitos do outro sejam praticados e assegurados. E esse é o grande perigo de movimentos com uma leitura mais intolerante e fundamentalista: tomarem os equipamentos do Estado e esses agentes do Estado agirem como agentes de Deus.

Personagem infantil Peixonauta usado como referência a Peixão, junto a mensagem bíblica, no Complexo de Israel 

 

A religião do Complexo de Israel é fundamentalista também?

Álvaro Malaquias, o Peixão, é alguém que se identifica como evangélico e estrutura as práticas, as dinâmicas, as estratégias, a ética, a estética, a partir dessa experiência religiosa com características de novos movimentos pentecostais. Ele afirma, por exemplo, que Deus o direcionou para livrar a Cidade Alta do Comando Vermelho destruindo as forças rivais caso fosse necessário. Quando uma experiência religiosa direciona alguém para a destruição de um inimigo, contra vida e a favor da morte, fica impossível associar essa mensagem com a figura de Cristo.

 

Esse fenômeno do Complexo de Israel é uma exceção, uma espécie de curiosidade, ou a gente talvez possa ver algo parecido com essa figura dos traficantes evangélicos aparecendo em outros locais aí do Brasil?

No caso do Complexo de Israel, os símbolos pentecostais não aparecem só na expressão religiosa, mas na dinâmica do crime que acontece nesse território. Esse fenômeno se diferencia com o de outros traficantes que também têm uma aproximação com o movimento evangélico, que participam de cultos, cantam louvores, mas se entendem como indignos de se identificarem como evangélicos, ou com os que têm uma prática de oração e se programam para deixar o mundo do crime para se dedicarem a uma vida consagrada a Deus. Quanto mais essa teologia evangélica pentecostalizada for se culturalizando, mais comum será ver novas leituras e identidades evangélicas surgindo, seja no mundo do crime organizado, seja no ambiente político — que até pouco tempo era raro —, com identidades múltiplas e novas características que até então seriam consideradas muito ambíguas e paradoxais.

 

O fenômeno que produziu os traficantes evangélicos é o mesmo que produziu as bancadas evangélicas nos parlamentos?

O crescimento dos evangélicos no Brasil, a popularização de uma mensagem evangélica, o crescimento das igrejas pentecostais, a transformação de um pentecostalismo clássico em novos pentecostalismos, seja a partir de canais em mídias televisivas, em uma igreja de periferia, ou numa igreja de classe média, vai transformando a sociedade brasileira enquanto também é transformado por ela, o que nos aponta para uma ressignificação das religiosidades populares historicamente católicas sincretizadas com práticas afro religiosas.

 

Mas como fazer com que o crescimento dos evangélicos não se traduza, como no caso do Complexo de Israel e das bancadas evangélicas nos parlamentos, em intolerância religiosa e prejuízo à democracia?

O crescimento dos evangélicos no Brasil não representa, necessariamente, o que era um ideal evangélico no pentecostalismo clássico, que é a manifestação do Reino de Deus aqui na terra, um reino de justiça, paz, igualdade. Uma teologia que aponta mais a abdicação da própria vida por amor a Cristo, na expectativa de uma vida vindoura, do que para um estabelecimento e crescimento terreno. O que fundamenta o crescimento dos evangélicos no Brasil hoje e os projetos de lei que estruturam as disputas de poder é uma outra teologia, perigosa, intolerante, de cerceamento de direitos e de liberdades e que precisa ser contida. Isso para que as liberdades religiosas, inclusive para os evangélicos, possam ser exercidas e preservadas, já que se vive num país plural, de uma cultura múltipla, riquíssima, com religiosidades múltiplas e expressões de fé cada vez mais diferenciadas. Conter o crescimento do fundamentalismo religioso é essencial para a garantia da liberdade de ser, existir e crer.

05
Jul23

André Valadão e Bruno Sartori, um amor gay?

Talis Andrade

 

O empresário da fé passou a intensificar o seu discurso biombo e de ódio contra os homossexuais, após ter um relacionamento homoafetivo divulgado nas redes sociais (Parte 2)

 

por Ricardo NêggoTom 

(continuaçao) O problema se agrava porque no livro de Levítico 20:13, está escrito que “Se também um homem se deitar com outro homem, como se fosse mulher, ambos praticaram coisa abominável; serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles. ” E como punir judicialmente os simpatizantes e praticantes desse texto bíblico, se a Bíblia é, para muitos, a palavra de Deus? Mesmo que Deus nunca tenha escrito pessoalmente nenhuma linha do livro, e tudo o que nele está contido é apresentado como inspiração “divina”? E aqui eu sugiro outra reflexão. Que certeza nós temos de que esses homens estavam realmente inspirados por Deus? Sobretudo, quando aprendemos que Deus é amor, misericórdia e perdão. E Jesus Cristo quando esteve entre nós, manifestou esse amor, essa misericórdia e esse perdão. Seria a Bíblia um livro controverso? Vale, no mínimo, uma análise a respeito. Voltando a André Valadão e a morte sugerida de homossexuais, chama a atenção o fato de ele ter começado a intensificar esse discurso de ódio contra os homossexuais, após o jornalista e deepfaker, Bruno Sartori, revelar em seu Twitter que teve os dois tiveram um affair. Sartori também revelou que sabia de outros casos homo afetivos de André Valadão e que se arrependeu de um dia ter ficado com o pastor.

Chegando na morte, a física costuma ser a única saída encontrada por muitos homossexuais por não se aceitarem, devido ao preconceito que sofrem, inclusive, dentro da própria família. A existencial eles experimentam em vida diariamente, quando são atingidos por olhares de reprovação, gestos de repulsa e por palavras de ódio revestidas de divindade suprema, como as proferidas por André Valadão, que, muitas vezes, os definem como uma “aberração” e dignos de irem para o inferno. Um sujeito que vive por um fio entre essas duas mortes. A existencial, ele vivencia ao se travestir de pastor e incitar a intolerância contra outros seres humanos. A física, ele poderá experimentar, por sugestão própria e pelas mãos de algum fiel obediente de sua seita, no dia em que assumir a sua verdadeira identidade ou quando não houver mais dúvidas quanto à sua sexualidade auto vigiada. Que morra como preferir. O que André Valadão não pode continuar fazendo é incitar crimes contra uma parte da humanidade e seguir impune. Afinal, Deus é amor, mas o Estado, que é laico, é responsável por impor justiça aos criminosos aqui na terra.

22
Out22

Bolsonaro tira o leite das crianças para o Centrão mamar

Talis Andrade

Bolsonaro corta da Saúde e Educação - 28/05/2022 - Cláudio Hebdô - Folha

 

por Fernando Brito

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Desculpem o título, feito da memória deste blogueiro dos tempos em que trabalhou em jornais populares. É, porém, a descrição exata do que está se passando.

Mas é exatamente isso o que revela o UOL, em preciosa reportagem de Carlos Madeiro, ao mostrar o que aconteceu com a distribuição de leite às famílias pobres e com crianças na áreas mais pobre do Brasil.

Não é uma “alegação”, mas algo que se confirma nos números oficiais do Ministério da Cidadania, de onde saiu o gráfico da ilustração.

 

Mesmo sem considerar o alcance de quando foi criado o programa PAA (Plano de Aquisição de Alimentos, rebatizado de “Alimenta Brasil”, dá para ver como o arrocho nas verbas federais destinadas a comprar, através das prefeituras, leite para a distribuição entre os mais carentes, impactou a nutrição das crianças.

Dos cerca de 6 milhões de litros que se adquiria em fins do ano passado, o volume caiu, em agosto deste ano (último mês para o qual há dados oficiais) para apenas 350 mil litros. Informa Madero que “entre janeiro e agosto, o total de litros distribuídos caiu 87% em comparação ao mesmo período do ano passado”.

O dinheiro subtraído do leite das crianças foi parte dos recursos “economizados” pelo governo para bancar as emendas do Orçamento Secreto, naturalmente. O Plano de aquisição de Alimentos, que contava em 2014 com dotação de R$ 430 milhões, teve este ano verbas de apenas R$ 59 milhões e, na proposta de Orçamento apresentada por Bolsonaro, terá menos ainda em 2023: R$ 2,6 milhões.

Ou meros 0,5% do que se aplicava 8 anos atrás.

Além de fazer roncar a barriga das crianças. a destruição do programa do leite aniquila as condição de sobrevivência de uma multidão de pequenos produtores da pecuária: as compras de leite feitas a eles para distribuição aos carentes chegou a beneficiar 28 mil pequenos criadores. Em agosto deste ano, pelos dados oficiais, foram apenas 54 que venderam seu leite para o “Alimenta Brasil”. No melhor mês do ano, ficaram num pico pouco acima de 600.

Infelizmente, algo assim não é manchete na mídia brasileira, nem que não fosse com a comunicação explícita que aprendi a ter nos velhos jornais do final dos anos 70.

Preferem ficar cuidando “guerra religiosa”, enquanto Herodes tira o leite das crianças.

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Este velho correspondente sabe que o povo não condena as mamatas. 

Não admite quando se denuncia que nas creches falta leite, mas acredita nas  mamadeiras de piroca inventadas por Bolsonaro e Damares.

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Brasil de Fato - Plano Nacional de Distração. Charge de Helô D'Angelo para  o Brasil de Fato. | FacebookA república da mamadeira de piroca... - Pato arrependido | Facebook

Bolsonaro é uma ameaça às famílias

 
 
19
Out22

Pintou um clima

Talis Andrade

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Bolsonaro mente. Nada do que ele fala dever ser levado a sério. Não é digno da Presidência.

Sérgio Moro, 10/01/2022.

 

 

por Alexandre Aragão de Albuquerque

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Para surpresa de muitos, no final do debate dos presidenciáveis, na BAND, o candidato da extrema-direita posou para as câmeras com o seu ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. Em 29 de dezembro do ano passado, Moro, também ex-diretor da consultoria estadunidense Alvarez & Marsal, declarava em entrevista ter sido exonerado por Bolsonaro pelo fato de não haver interferido nas investigações realizadas pela Polícia Federal e pela Receita Federal, para proteger seus filhos Zero Um, Zero Dois, Zero Três e a primeira dama Michele. Muito provavelmente, deve ter “pintado um clima” entre eles, como gosta de afirmar Bolsonaro, para poderem posar juntos e unidos no final do debate de ontem (16).

O esforço do candidato da extrema-direita nos cinco minutos finais, em que esteve isolado a pronunciar seu discurso, foi o de mobilizar o seu gado por meio das figuras que compõem o seu acervo ideológico. Como lembra o pensador italiano Antonio Gramsci (1891-1937), uma ideologia é muito mais do que um sistema de ideias e crenças. Ela se inscreve em deulógicas de ação. Portanto, sua dimensão é prática, visa a resultados práticos mesmo que seja ao mesmo tempo cognitiva e axiológica. Busca conectar-se às simbolizações ocorridas no mundo cotidiano das classes sociais, a fim de produzir formas de consciência, para a manutenção do status quo.

Na etapa final do debate, em vez de apresentar sua plataforma de governo, ele dedicou-se a revisitar a questão religiosa, a defesa da família, a crítica à diversidade de gênero. Como sempre, utilizou-se da mentira, ao afirmar que Lula é contra a liberdade religiosa; apresentou-se mais uma vez como defensor da família tradicional cristã, quando ele próprio, Bolsonaro, já está no quarto casamento, com filhos de três mulheres diferentes; além de tentar apresentar-se como exemplo de cristão, vacilando entre catolicismo e protestantismo. Recorde-se ainda que para ele, em sua aberração autoritária, o Estado brasileiro não deve ser laico, mas confessional.

A filósofa Márcia Tiburi, em sua página no Twitter, 17/10, destaca a falsidade crônica do candidato defensor da família tradicional, revelando que o casal Michele e Jair escondem a filha mais velha que ela teve com um homem casado antes do relacionamento atual, para manter a imagem de família conservadora evangélica. E, segundo o livro de Juliana Dal Piva, “O Negócio do Jair” (Editora Zahar, 2022)resultado de mais de três anos de investigação, visando desvendar o passado secreto da família ícone da extrema-direita brasileira, Bolsonaro começou o romance com ela enquanto era casado, configurando traição à esposa anterior, fazendo de Michele sua amante.
 
Logo, a realização do debate de ontem na BAND veio ratificar as contradições estruturais que sustentam a candidatura da extrema-direita brasileira: um projeto de poder alicerçado na mentira, no ódio ao diferente, na incapacidade de acolhimento da diversidade cultural, na exacerbação do individualismo em detrimento da solidariedade e da fraternidade civil, no incentivo à cultura da violência (venda de armas) e à lei do mais forte, numa total subserviência à potência estadunidense, sufocando qualquer sonho de soberania nacional no plano da geopolítica multipolar, além de cultivar inimizades e tensões com países irmãos do continente latino-americano. 
 
Esse foi o clima pintado, por meio da tática ideológica bolsofascista. Cabe aos eleitores e eleitoras, no próximo dia 30, rechaçar terminantemente esse autoritarismo, devolver Bolsonaro de volta pra casa, para o Brasil poder retomar o caminho da democracia participativa, inclusiva e distributiva.
 

ódio bolsonaro discurso por latuff.jpeg

 
22
Set22

ÀS VÉSPERAS DA ELEIÇÃO, ASSEMBLEIA DE DEUS USA CARTILHA DE ÓDIO PARA DOUTRINAR FIÉIS CONTRA LULA, FEMINISTAS E LGBTS

Talis Andrade

Humor Político on Twitter: "O cosmonoteísmo por Marcio Vaccari  #Comportamento #Religião #cartoon #charge #HumorPolítico #Violência  https://t.co/JrzmHrbWJl" / Twitter

 

Material didático associa o feminismo à zoofilia e incesto e o diabo à esquerda. Defende o machismo, o racismo e o apedrejamento da mulher que Jesus perdoou. E esquece a fome de 33 milhões de brasileiros, as 500 mil crianças prostitutas, a fila da morte nos corredores dos hospitais 

 

A ASSEMBLEIA DE DEUS DE SANTA CATARINA está usando desde julho – período pré-eleitoral – uma cartilha anti-esquerda para doutrinação de fiéis. O material, enviado ao Intercept, menciona nominalmente Luiz Inácio Lula da Silva como defensor da chamada “ideologia de gênero”, termo que conservadores usam para atacar os movimentos LGBTQI+ e feminista, e espalha pânico moral ao associar o feminismo à pedofilia, zoofilia e outras “perversidades”.

“O feminismo representa uma das maiores armadilhas do mundo contemporâneo, levando a sociedade a um nível de depravação e perdição inimaginável. Como toda ideologia mundana, tomou proporções inimagináveis, financiando coisas sórdidas como: pedofilia, zoofilia, sexo desregrado, homossexualidade e diversas outras perversidades. O feminismo é uma aberração nascida no mais profundo inferno, produzindo divisão, briga, promiscuidade, homossexualidade e todo tipo de sordidez”.

Parece um fórum de internet dedicado à misoginia, mas trata-se de uma transcrição literal da cartilha para jovens e adultos “Revista EBD – O cristão e os desafios do nosso tempo: entendendo as ideologias, póliticas [sic] e pensamentos da atualidade”, versão do professor. Essas frases saíram mais precisamente da “Lição 12 — Feminismo e a distorção de papéis”.

 

PAG112-113

‘Pedofilia’, ‘depravação moral’ e destruição do casamento': cartilha deturpa conceitos do feminismo.

 

Esse material – uma legítima cartilha do ódio e intolerância – foi distribuído nos templos da Assembleia de Deus de Blumenau e por toda a próspera região do Vale do Itajaí de Santa Catarina para ser usado na escola bíblica dominical ao longo do trimestre de julho a setembro. Não por acaso, o teor do conteúdo coincide em muitos pontos com o discurso de Jair Bolsonaro, do PL.

Além das feministas, a obra também ataca toda a esquerda, as correntes cristãs vistas como liberais, os evangélicos que não querem misturar igreja com política, o estado democrático de direito, todo o arcabouço legal que garante direitos aos cidadãos não-heteronormativos, o sistema de ensino público e privado e muito mais. Nem a lei do divórcio de 1977, que assegura o direito dos casais a se separarem, escapa da raiva santa exposta no livro.

Ao longo de 124 páginas divididas em 13 lições, é descrito um cenário de medo e horror para o cristão moderno e sua família. Ele passa por toda a realidade paralela erigida em cima de teorias da conspiração e quimeras da extrema direita: globalismo, ideologia de gênero, fim da família tradicional, perseguição aos cristãos, marxismo cultural, ditadura estatal na forma de viver e criar os filhos, “abortismo”, Paulo Freire e por aí vai.

De maneira explícita, o ex-presidente Lula é lembrado nominalmente na obra como um incentivador do que é chamado de ideologia de gênero. Em um quadro amarelo no capítulo dedicado ao tema, a cartilha lembra que ocorreu em seu governo a implementação do Programa Nacional de Desenvolvimento Humano, que estabeleceu direitos básicos hoje desfrutados pela a população LGBTQI+, como união civil, adoção de crianças e reconhecimento do nome social em documentos oficiais, além de políticas afirmativas. Para os autores da cartilha, algo imperdoável.

 

Trecho da cartilha que menciona nominalmente o ex-presidente e candidato Lula.

 

“Durante o governo do presidente Luís [sic] Inácio Lula da Silva o movimento LGBT e os ideólogos de gênero conquistaram garantias significativas”, lamentam. Eles escrevem que, se as definições de homem e mulher não são mais absolutas, cada um se torna o que bem entender. Assim, “isso é apenas o começo da catástrofe, pois quando a relativização domina, já não tem critérios para nada, e normalizar a pedofilia e o incesto é questão de tempo”, profetiza o texto. E nada de cair “na conversa de que os cristãos estão se intrometendo na vida dos outros que desejam ser diferentes”. Afinal, “eles não querem apenas um direito para ser quem desejam, querem implantar uma ditadura que afeta a nós e nossos filhos”.

 

O que é dito e ensinado na escola dominical é entendido como 100% verdade pelo povo fiel.
Eleições 2018 - Lúcifer Contra o Diabo na Terra do Sol ? -  caminhandojornal.com
 
 

A cartilha não tem um autor claro, mas traz um prefácio escrito pelo pastor Lediel dos Santos, vice-presidente da Assembleia de Deus em Blumenau. “É impossível não enxergar que estamos em uma grande e intensa batalha”, diz o texto de abertura. “Mais do que nunca precisamos nos posicionar também no campo ideológico e político se queremos de fato edificar. Se o povo de Deus não buscar governar de acordo com os princípios bíblicos, alguém irá nos desgovernar. Esta é a hora de combater o bom combate!”.

Santos é um dos donos da editora Kaleo, que publicou a cartilha raivosa. O outro sócio, Alexandre de Almeida, também é pastor da Assembleia de Deus em Blumenau, segundo dados da Receita Federal. Fundada em 2019, a editora surgiu “com a intenção de difundir conteúdos de qualidade de escritores que ainda não são grandemente conhecidos no mercado publicitário mas cujo pensamentos e ideias merecem ser compartilhados”, diz seu site.

O material, aliás, é oferecido na plataforma para uso em escolas dominicais de todo o Brasil. Cada exemplar custa R$ 13,90 mais a taxa de envio.

Cartilha é utilizada na escola bíblica dominical, uma das instituições mais tradicionais da Assembleia de Deus e de igrejas cristãs no geral.

 

Apocalipse cristão

 

A cartilha começa delineando o “apocalipse cristão contemporâneo”. Duas lições inteiras justificam com trechos da bíblia a promiscuidade entre política e religião. Com essas bases lançadas, os capítulos seguintes partem para cima da esquerda e tudo que consideram ser sua obra, sempre a serviço do demônio.

Além do capítulo sobre feminismo, “Educação – um desafio para a igreja brasileira”, “Marxismo cultural e seus impactos”, “Grupos minoritários”, “Ideologia de gênero”, “Machismo: masculinidade deformada” e, por fim, “Sexualidade distorcida em uma cultura erotizada” completam o extenso material. Cada capítulo ou lição equivale a um domingo de aula na escola dominical.

O argumento principal que permeia todo material é o de que não há hipótese de um evangélico ser de esquerda. “Um cristão genuíno é por definição um conservador”, afirma o texto na terceira lição, chamada “Sendo um conservador em um mundo corrompido”. No capítulo “O que o cristão precisa saber sobre direita e esquerda”, o material reafirma que a esquerda só serve para dividir a miséria. Mais adiante, na mesma seção, reforça que “algumas ideologias, como as de esquerda, são fundamentalmente contra o cristianismo”.

 

Cartilha diz que a esquerda quer 'controlar todos os aspectos da vida social. Sobrou até para Paulo Freire, criticado por ser um 'libertador'.

 

O pedagogo Paulo Freire é lembrado com destaque na lição sobre os desafios da educação e merece um intertítulo próprio, “O desserviço da pedagogia de Paulo Freire”.

Já na lição sobre o marxismo cultural, o texto questiona: “Quantas meninas não querem se casar mesmo tendo mais de 25 anos?”. A culpa seria do fim da moral e do incentivo à promiscuidade dos esquerdistas que dominam a indústria cultural, principalmente o jornalismo da grande mídia. E arremata: “a bíblia e o marxismo são incompatíveis.”

 

Trecho da cartilha sobre ‘marxismo cultural’ usa o Brasil Paralelo como referência teórica.

 

Como apoio aos professores, a editora oferece ainda vídeos no YouTube em que explica os principais pontos das aulas. Ali, o tom é menos explícito que na cartilha, mas a intenção segue clara. Na lição 6, por exemplo, “O que um cristão precisa saber sobre esquerda e direita”, publicado em 5 de agosto no canal da Kaleo, um “professor” não identificado repassa o que é mais importante: “é impossível você ser de esquerda e ser cristão”.

O Intercept tentou falar com Lediel dos Santos e Alexandre de Almeida, donos da editora, e pediu um posicionamento para a Assembleia de Deus de Blumenau sobre o material e a campanha política implícita. Não houve resposta.

 

Ataque sensível

 

Boquirroto e Capiroto! | Humor Político – Rir pra não chorar

 

A escola bíblica dominical é uma das instituições mais tradicionais da Assembleia de Deus e de igrejas cristãs no geral. É a interface da vida real com o que é ensinado e refletido dentro do templo. Nela, boa parte dos fiéis estuda a bíblia em grupo e busca uma bússola moral e exemplos práticos para guiar seu cotidiano de acordo com os ensinamentos da igreja.

“Estão atacando por um lado que é muito sensível na comunidade”, afirmou o advogado Artur Antunes. Criado dentro da Assembleia de Deus de Santa Catarina, o advogado indignou-se ao tomar conhecimento do material didático para doutrinação político-eleitoral e procurou o Intercept para denunciar o caso.

“O que é dito e ensinado na escola dominical é entendido como 100% verdade pelo povo fiel que frequenta a instituição. E não é pouca gente, boa parte dos fiéis que vai ao culto aos domingos fica para a escola dominical depois”, explicou. “O objetivo disso, junto com o que é dito durante os cultos, é consolidar a imagem de Bolsonaro junto aos fiéis como o único candidato possível para os cristãos. Ao mesmo tempo, associa o Lula a todas essas fake news e a assuntos que preocupam muito os religiosos”.

 

Eleições 2022The Intercept. Leia Nossa Cobertura Completa Eleições 2022

 

Na escola da igreja, as turmas são divididas entre crianças e jovens de até 14 anos, que recebem aulas e materiais didáticos diferentes, e jovens e adultos a partir dos 15 anos de idade —submetidos à cartilha do horror deste trimestre. Os professores geralmente são voluntários da própria comunidade religiosa, o que aumenta o grau de confiança nas informações que são passadas nessas reuniões.

Na opinião de Antunes, o efeito eleitoral disso é poderoso. “Coloca-se quase como se o fiel tivesse que escolher entre votar em um candidato de esquerda e a própria religião, sua participação naquela comunidade. É uma coação mesmo. A conotação disso é óbvia quando pensamos na eleição presidencial, mas espraia-se por todas as candidaturas, que passam a ser consideradas com essa lupa hedionda”.

 

11
Set22

Evangélicos abençoam Lula em encontro histórico e pedem a Deus sua eleição

Talis Andrade
Lula com evangélicos: Ninguém deve usar o nome de Deus em vão - VermelhoNo Rio, evangélicos abraçam Lula e pedem volta do ex-presidente | Partido  dos TrabalhadoresCristão vota, sim, no PT': o tom do encontro de Lula com evangélicos no Rio  - CartaCapital

 

por Laura Capriglione e Beatriz Pecinato /Jornalistas Livres

- - -

SÃO GONÇALO (RJ) – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encontrou-se nesta sexta-feira (9) com lideranças evangélicas da Baixada Fluminense. Foi um encontro feliz, realizado em um centro cultural de Nova Iguaçu, “a cidade com maior proporção de habitantes evangélicos do mundo”, como asseverou um pastor durante o evento. Em vez da demonização, de que Lula e o PT são vítimas nos discursos de mega-igrejas como a Universal do bispo Edir Macedo, houve louvores, orações e muitas homenagens ao ex-presidente. “Quem quer Lula presidente diz amém!”, conclamou o pastor batista Oliver Goiano, ao que a plateia lotada respondeu com um glorioso “Amém!”

Depois de iniciada a campanha eleitoral, este foi o primeiro encontro de Lula com líderes evangélicos e ele fez questão de dizer que, em seus dois governos, jamais fechou uma igreja sequer, ao contrário do que acusam os “pastores” mentirosos Marcos Feliciano e Silas Malafaia, bolsonaristas de carteirinha. E Lula falou a verdade. Diante dos evangélicos, Lula defendeu um Estado laico: “Aprendi que o Estado não deve ter religião, não deve ter igreja, mas deve garantir o funcionamento e a liberdade de muitas igrejas. Foi aplaudido.

O apóstolo Marcelo Coelho Cunha iniciou sua fala afirmando que a história de que evangélicos não apoiam a candidatura de Lula é mentira, e faz parte do conjunto de falácias de Bolsonaro. O pastor Sérgio Duzilek, presidente da Convenção Batista Carioca foi além: “O melhor tempo para igreja brasileira que essa terra viu foi o tempo do governo do presidente Lula. E não é porque os pastores estavam bem, porque as Igrejas podiam pregar livremente o evangelho, mas porque o governo promoveu justiça social nesse país. O nosso povo, o povo que pastoreamos, era um povo feliz, era um povo que tinha laje e churrasquinho. Hoje o povo fica embaixo de outras lajes. A mendicância agride o senhor Deus. Nós estamos apoiando a sua volta à presidência. Esse país não aguenta mais quatro anos com esse nefasto presidente (Bolsonaro). O povo não merece mais quatro anos de sofrimento com esse presidente que só faz ludibriar e governar para essa elite que nada tem a oferecer para essa nação.”

 

 "Lula foi injustiçado pelo alto clero" 

 

Sérgio Duzilek completou: “O senhor (refere-se a Lula) não foi só alvo da injustiça do judiciário brasileiro. O senhor tem sido alvo do clero brasileiro, e eu me envergonho por isso, presidente. Porque você não merece, e não merecia, continuar passando por essa injustiça.”

O encontro aconteceu em um centro cultural porque Lula e os pastores quiseram deixar claríssimo que os templos e as igrejas precisam ser respeitados, a fim de reafirmar que são locais de comunhão dos cristãos, independentemente da opção política. Bem diferente do que fez Jair Bolsonaro, quando causou escândalo ao comparecer, com a primeira dama, Michelle, ao culto realizado no dia 7 de agosto, na Igreja Batista Lagoinha, liderada pelo pastor-presidente Márcio Valadão. O culto virou comício bolsonarista e indignou milhares de fiéis com a profanação do templo!

“Vamos hoje desconstruir a mentira de que cristão não vota no PT. Uma mentira jamais se sustentará quando as ações são mentirosas. Provérbios 29:2 diz que quando um governo é justo o povo se alegra, mas quando o governo não é justo o povo geme. E o que nós temos visto no governo Bolsonaro é o povo sofrer, o povo gemer de fome, de falta de empregos e tudo mais”, afirmou o pastor Alair Lima, da 1a Igreja Batista em Jardim Alcântara. E ele completou: “O período em que o povo evangélico mais teve a sua alegria, foi no período em que Lula foi presidente do Brasil”.

O tema da fome apareceu também em outros discursos, como o do pastor Ariovaldo Ramos: “Os adversários de Deus (ele refere-se a Bolsonaro) assumiram o controle dessa nação, mas isso vai ter fim agora. Em nome de Jesus! Eles mentiram. Eles usaram em vão o nome de nosso senhor e salvador Jesus Cristo. Eles zombaram da cruz, inventaram mentiras, disseram inverdades terríveis. Mas isso vai ter fim no dia 2 de outubro. Isso isso vai acabar. Eles levaram o nosso povo à fome, à miséria, à angústia, destruíram a educação, a soberania nacional, acabaram com emprego, mas isso vai ter fim”.

A Missionária Ana Paula Santana também discursou, dizendo que acredita ser Lula um escolhido do Senhor. Segundo ela, “feliz é a nação cujo Deus é o Senhor, o Senhor que constitui todas as autoridades na face da Terra. E eu sei que o Lula é um escolhido do Senhor”.

O encontro encerrou-se com os pastores e as missionárias orando em torno de Lula, impondo suas mãos sobre a cabeça do ex-presidente diante de todos os fiéis ali reunidos. Vários choravam, emocionados. Lucia Amparo da Silva, técnica de enfermagem de 47 anos, agradecia, levantando suas mãos para os céus: “Essa é a verdade sobre Lula; não temos de nos envergonhar pela gratidão que sentimos pela obra de Lula. Bolsonaro mentiu muito ao povo cristão, falando em nome da verdade. Mas agora eu sei a verdade, e a verdade nos libertará!”

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