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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

05
Set23

Como super-ricos podem continuar driblando impostos (continuação)

Talis Andrade
 
 
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  • por Mariana Schreiber
  • BBC News

 

Como evitar que ricos driblem impostos?

Economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) especializado em tributação e finanças públicas, Sérgio Gobetti considera fundamental a tributação de lucros e dividendos como instrumento de distribuição de renda, ainda mais num país tão desigual como o Brasil.

Ele reconhece que há risco de a volta de tributação de dividendos ser acompanhada de novas estratégias dos ricos para driblar o imposto e, por isso, defende que a medida venha acompanhada de uma ampla reforma da tributação dos lucros de empresas no país, para fechar essas brechas.

Hoje, empresas podem ter seus ganhos tributados em diferentes modalidades, a depender do seu porte e de suas características: no lucro real, no lucro presumido ou por meio do Simples.

Com isso, cada uma paga diferentes alíquotas. No caso do lucro real, o lucro pode ser taxado em até 34% (IRPJ e CSLL), mas benefícios e isenções costumam reduzir esse patamar.

Já empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões podem entrar no Simples Nacional, com alíquotas progressivas que variam de 4% a 33% e englobam oito impostos, entre eles o IRPJ.

Para Gobetti, há dois problemas aí: o limite de faturamento para entrar no regime simplificado brasileiro ser alto na comparação internacional; e o fato do Simples incluir não só impostos que incidem sobre a produção das empresas, mas também sobre os lucros.

Na sua avaliação, a volta da tributação dos dividendos deveria vir acompanhada de uma reforma ampla da taxação das empresas, que elimine as exceções que permitem a empresas pagar pouco sobre seus ganhos. Isso, recorda, não foi feito numa proposta enviada pelo governo Jair Bolsonaro que chegou a ser aprovada na Câmara dos Deputados em 2021 e depois empacou no Senado.

O texto aprovado reduziu as alíquotas e IRPJ e CSLL sobre as empresas, ao mesmo tempo que instituiu uma alíquota de 15% sobre lucros e dividendos.

Por outro lado, a Câmara mudou a proposta do governo Bolsonaro para manter isento dessa nova cobrança o dinheiro distribuído a acionistas por empresas do Simples Nacional e companhias do lucro presumido com faturamento até o limite de R$ 4,8 milhões, desde que não se enquadrassem em restrições societárias da tributação simplificada.

Para Gobetti, as exceções aprovadas com amplo apoio na Câmara, com votos de partidos da esquerda à centro-direita, beneficiavam, na prática, pequenos empresários e profissionais liberais com renda elevada na comparação com a média da população, como advogados, médicos, economistas.

“Tem que fazer uma coisa bem feita, tem que funcionar. E ela (a taxação de dividendos) não funciona se tiver a isenção das empresas do Simples. É muita receita que se perde, além de gerar um enorme incentivo para todo mundo ficar dividindo as empresas, para ficar abaixo dos R$ 4,8 milhões (de lucro da empresa). É um escândalo isso”, criticou.

Já defensores da inclusão das exceções, como o então relator da proposta na Câmara e hoje ministro do Turismo, Celso Sabino, alegaram que o foco da volta da taxação de dividendos seria atingir apenas os super ricos.

“As empresas do Simples Nacional são um dos pilares da nossa economia e da geração de empregos. Sensível a essa importância e após receber inúmeras demandas da sociedade, sugeri ao relator @depcelsosabino para que essas empresas permanecessem isentas na taxação de dividendos”, defendeu também na ocasião o presidente da Câmara, Arthur Lira, em uma mensagem no antigo Twitter.

 

Herança e jatinhos também estão na mira

Outros benefícios que aliviam o bolso dos mais ricos estão em debate no Congresso.

A reforma tributária — uma proposta de emenda constitucional (PEC) —aprovada no primeiro semestre na Câmara, que agora tramita no Senado, aprovou a cobrança de IPVA sobre jatinhos e embarcações de luxo, itens que hoje são isentos desse tributo, amplamente cobrado sobre veículos terrestres, como motos e carros.

Um estudo de 2020 do Sindifisco estimou que essa nova tributação poderia arrecadar R$ 4,7 bilhões por ano, aumento de quase 10% na arrecadação do IPVA.

No entanto, segundo outra entidade, a Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), o texto aprovado na Câmara deixa espaço para contribuintes ricos sonegarem esse imposto.

Como a proposta enviada ao Senado isenta alguns veículos do novo imposto, como aviões de transporte e barcos voltados à pesca artesanal e de subsistência, a Unafisco vê a possibilidade de proprietários de jatinhos ou embarcações de lazer enquadrarem indevidamente seus veículos nas exceções para fugir do IPVA.

Embora a reforma tributária que tramita no Congresso foque principalmente em tributos sobre produção e consumo, o texto aprovado na Câmara incluiu também algumas mudanças na taxação de herança que podem dificultar estratégias hoje usadas pelos mais ricos para não pagar o imposto ou pagar alíquotas menores.

 

O que pode mudar na taxação de heranças?

O imposto sobre herança (ITCMD) é estadual e hoje tem alíquota máxima de 8%, um patamar considerado baixo na comparação internacional. Cada estado pode estabelecer a forma de cobrança — se cobra uma taxa fixa ou progressiva (mais alta quanto maior o valor herdado).

Segundo um levantamento do Ipea, as alíquotas máximas variam de 2% (AM), 4% (RO, AC, RR, AP, AL, ES, SP e PR), 5% (MG), 6% (PA, PI, RN, RS, MS e DF), 7% (MA e SC), e 8% nos demais estados.

Hoje, porém, famílias podem abrir o inventário — processo para a transmissão da herança — em um estado diferente do local da morte, buscando assim onde há alíquotas menores. Isso beneficia, sobretudo, quando a herança envolve bens móveis (recursos financeiros ou quotas de empresas, por exemplo), já que no caso de imóveis a cobrança é sempre feita no estado onde ele está localizado.

O texto da reforma tributária aprovado na Câmara, ainda em análise no Senado, fecha essa brecha ao estabelecer que o ITCMD sobre bens móveis seja cobrado no estado em que o transmissor da herança faleceu.

Além disso, o texto da reforma também prevê regras provisórias para possibilitar a taxação de heranças no exterior enquanto o Congresso não aprova uma lei complementar específica sobre esse tema.

Caso o texto seja aprovado também no Senado, bens do falecido no exterior passariam a ser tributados pelo ITCMD do estado em que ele residia. Já na hipótese do morto morar fora do Brasil, a herança seria taxada pela alíquota estadual do local de residência dos herdeiros.

O aumento da alíquota máxima de 8%, porém, não vem sendo discutida no Congresso.

Para o pesquisador do Ipea Pedro de Carvalho Junior, que estuda a tributação de heranças, há espaço para elevar o limite do imposto para 20%, implementando uma tributação mais progressiva (taxação maior sobre heranças de maior valor).

Ele defende, porém, que essa medida venha acompanhada de outras regras que dificultem o planejamento sucessório, como as doações feitas em vida de forma fracionada, para enquadrar esses repasses dentro dos limites de isenção, evitando a tributação.

“Acho que há espaço para aumento, que a nossa alíquota máxima está abaixo da média internacional, mas também tem que atingir esses outros problemas, porque se não vai ser inefetivo. Vai acabar (com) os mais ricos conseguindo evadir, como fazem, e a classe média acaba não tendo esses meios”, ressaltou.

06
Abr23

Prisão especial não é privilégio. É a prova do fracasso do Sistema

Talis Andrade
 
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por Lenio Luiz Streck /ConJur

 

Esclarecendo o imbróglio

 

Recentemente o Supremo Tribunal Federal declarou, no âmbito da ADPF nº 334, proposta pela PGR ainda em 2015, a inconstitucionalidade da prisão especial prevista no artigo 295, inciso VII, do Código de Processo Penal. A decisão se deu por rara unanimidade do pleno, tendo o ministro Alexandre de Moraes como relator.

O fundamento central da decisão baseou-se na necessidade de se observar o princípio constitucional da isonomia, em que "[a] extensão da prisão especial a essas pessoas [diplomadas] caracteriza verdadeiro privilégio que, em última análise, materializa a desigualdade social e o viés seletivo do direito penal e malfere preceito fundamental da Constituição que assegura a igualdade entre todos na lei e perante a lei". (grifei)

A questão parece ser, em um primeiro olhar, pacífica. Um "easy case". E o consenso se fez presente, de fato, na unanimidade do pleno.

Mas exercitando meu resoluto senso incomum — sem deixar de lado meu local de fala como amicus da corte —, ouso discordar das razões de uma decisão como essa.

Vejamos.

 

Uma isonomia às avessas?

 

Todos sabemos que soa muito bem falar em "isonomia" quando o mérito é a "impunidade", o "combate" (sic) à criminalidade, etc. Combater privilégios é uma obrigação republicana.

A questão que se deixa de lado, contudo, quando se decide sobre qualquer tema relacionado ao sistema carcerário brasileiro, é... o próprio sistema carcerário!

Explico. Como sabemos, no mesmo ano em que a ação que discuto aqui foi proposta, 2015, o Supremo Tribunal declarou o sistema prisional em Estado de Coisas Inconstitucional (ADPF 347). Na época me manifestei contrariamente ao modelo de decisão aplicado, uma vez que de difícil — ou impossível — eficacialidade (sugiro a leitura do texto que escrevi — ver aqui).

Não parece desarrazoado pensar, hoje, que, se o sistema prisional é "inconstitucional", não faz muito sentido retirar a previsão de prisão especial para quem possua curso superior. Por isso é que se trata de uma isonomia às avessas, ou "nivelada por baixo". O jornalista Elio Gaspari, falando a sério ou por ironia, disse que, ao ser extinta essa prisão especial, os presídios melhorariam, porque gente do andar de cima faria com que as condições melhorassem em face da possibilidade desse segmento frequentar os ergástulos de Pindorama.

Não creio muito nesse tipo de "dialética". Seria mais ou menos como um marxista dizer que assalto acirra a luta de classes ou que não dar esmola acirra a revolução. Isto é: prender pessoas "do andar de cima" sem o "privilégio" da prisão especial antes da condenação definitiva poderá acarretar melhorias? Não creio. Porque o ponto não é esse.

Se o argumento é a isonomia, não funciona, porque advogados e autoridades continuarão a ter esse direito "especial". Logo, talvez a decisão do STF funcionasse se fosse, mesmo, para todos.

Eu não concordo. Sou a favor da prisão especial enquanto os presídios continuarem como estão (em Estado de Coisas Inconstitucional — afinal, foi o STF quem assim decidiu!).

No giro do raciocínio, penso que não deveria nem mesmo haver "prisão especial", pois esse raciocínio já parte do pressuposto de que há uma prisão "geral" — leia-se, um tipo de prisão que não seja condigna e humanitária.

Prisão deveria ser uma só, para qualquer prisioneiro, provisório ou definitivo, excetuando-se, evidentemente, pessoas que exigem algum cuidado especial do Estado, seja para assegurar a sua própria segurança ou a dos demais presos. Isso, sim, que poderíamos chamar de isonomia.

 

O contrassenso jurisdicional

 

Todo o resto é contrassenso jurisdicional, pois ao fim e ao cabo o Supremo Tribunal está, nas razões do acórdão da ADPF 334, decidindo contra o mérito da ADPF 347 (a do Estado de coisas Inconstitucional). Parece-me difícil não ligar uma decisão à outra.

Continuo a achar que aquela decisão (a do ECI) também teve caráter meramente retórico, pois declarar o sistema carcerário um estado de coisas inconstitucional não resolve(u) o problema. É como proibir o mosquito da febre amarela.

Garantir aos acusados que suas garantias processuais penais sejam cumpridas, por outro lado, resolve(ria). Mas a decisão veio e fez jurisprudência. Logo, o precedente do Estado de Coisas Inconstitucional tem de ser respeitado. Portanto, se há um "estado de coisas inconstitucional" nas/das prisões brasileiras, dever-se-ia diminuir o número de detentos, não aumentar. Pior: já tem muita gente querendo acabar com a presunção da inocência.

Quem ler a Lei de Execuções Penais perceberá que, fosse obedecida à risca, dispensaríamos prisão especial. O problema é a triste realidade. A triste realidade de um sistema já declarado inconstitucional e que, na prática, continua degradado e degradante. A decisão tomada na ADPF 334 mira na isonomia, mas a acerta na incoerência, pois o cumprimento da lei — para todos — é que gera a isonomia.

De todo modo, torçamos para que os órgãos competentes — incluindo neles o legislativo — impeçam que novos projetos encarceradores e punitivistas avancem; o executivo, a partir de políticas penitenciárias e de segurança pública efetivas; e o judiciário, cumprindo a LEP com rigor e efetivando garantias processuais a todos (vide o contraexemplo do Rio Grande do Norte, pois não?).  

Apenas com o tempo poderemos atestar o quão retórico ou efetivo foram decisões como a ADPF 347 e 334.

Numa palavra final, vale a ironia do jornalista e filósofo Hélio Schwartsman, da Folha de S.Paulo. Como ele é "apenas" (entendamos bem as aspas) alguém com curso superior (portanto, sem direito à prisão especial!), sugere: "... vou reativar minha igreja, a Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio, e passar a distribuir ordenações sacerdotais. Com a exclusão dos que tem formação universitária do rol de beneficiados, o preço do título de ministro religioso deve subir".

Nota: para quem não sabe, pastores continuam com direito a prisão especial. Isto é: resta um imenso rol de pessoas com direito à prisão especial.

 
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