Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

11
Dez22

Uma desigualdade sem igual

Talis Andrade

Rosana Paulino, As amas. Instalação na Senzala da Fazenda Mato Dentro, Campinas, São Paulo. Fitas de cetim, cerâmica, papel machê, fotografia digital, vidros de relógio, parafina e pétalas de rosas brancas. Dimensão variável, 2009. Fonte: <http://www.rosanapaulino.com.br/blog/tag/senzala/>.

Rosana Paulino

 

A história e intensidade da desigualdade brasileira demonstra o colapso de premissas e de pressupostos naturalizados e nunca validados no Brasil

 

por José Machado Moita Neto 

- - -

A música Quanta, de Gilberto Gil, tem duas particularidades para mim. A primeira é que a qualifico como a pior criação artística do autor. Não tenho o que temer sobre o patrulhamento ideológico dos seus fãs porque quem tem uma vasta obra, em algum momento, pisa na bola. Também, sugiro que não leiam Clarabóia de Saramago e nem Como escrever uma tese de Umberto Eco, pois são obras que não representam a grandeza de seus autores.

A segunda particularidade é trazer ao público o significado etimológico de teoria (θεωρία). Toda teoria é uma contemplação, uma visão particular de mundo. Isto não é diferente para teorias científicas, teorias econômicas ou teorias políticas, apenas para citar algumas. A ponte que você trafega ou o edifício (arranha céus) que você admira são obras materiais que se assentam sobre um grande conjunto de teorias.

Economistas ortodoxos e heterodoxos têm algo em comum. O mesmo pode ser dito de partidos de esquerda e de direita. Todos se fundamentam em teorias. As teorias têm pressupostos explícitos, implícitos e até desconhecidos. Numa construção de uma ponte ou nas grandes obras de engenharia pressupostos explícitos e implícitos são checados em sua validade e até se adiciona um coeficiente de segurança para os aspectos desconhecidos. Menos rigor é observado nas teorias econômicas ou nas teorias políticas que inspiram os atuais políticos e economistas.

Os pressupostos, de qualquer tipo, são admitidos ideologicamente como fatos dados, pertencentes ao mundo real, independente das condições e contextos em que se anunciam. Assim, aquilo que deveria ser pressuposto de uma visão de mundo, construída para interpretar a realidade e nela intervir, torna-se dogmático e enrijece a própria concepção teórica, mantendo-a substituta da realidade em qualquer confronto com a mesma. Obviamente, esse comportamento dogmático é um afastamento das ciências econômicas e das ciências políticas e adentra ao campo da militância, afastando-se da racionalidade científica.

Os estudantes de economia, desde cedo, aprendem que a lei da oferta e da demanda, por exemplo, é uma regra com muitas exceções e limites superiores e inferiores para a sua eficaz aplicação. Premissas e pressupostos anunciam e denunciam o campo de validade de qualquer teoria. É claro que a expansão do alcance de qualquer construção teórica para domínios espaço-temporais ainda não explorados é perfeitamente legítima cientificamente, restando, contudo, a corroboração dessa ampliação pela realidade. Muitas teorias fracassam, embora não percam a importância histórica que tiveram para determinar novos rumos do conhecimento. Porém, deveriam ficar confinadas na história e não ser apresentadas como dogmas supraconstitucionais.

As teorias econômicas, sociais e políticas enxergam diferenças individuais e não constroem mais utopias de igualdade em todos os aspectos da vida. O homem não é um parafuso de dimensões normalizadas pela ABNT. Mesmo a mensagem de Jesus e as primeiras comunidades cristãs assinalavam a possibilidade de algum grau de desigualdade. Portanto, a existência de desigualdade, do ponto de vista qualitativo, não contamina os pressupostos de nenhuma teoria. Da mesma maneira que o atrito, do ponto de vista qualitativo, não impede o movimento. Contudo, o Brasil experimenta hoje um grau de desigualdade que impede o movimento e declara, por si só, o colapso de todos os pressupostos teóricos de convivência em sociedade no qual se baseiam as teorias econômicas, políticas e sociais. A desigualdade gritante e crescente na sociedade brasileira não é mera visão subjetiva. Aparece no índice GINI, na comparação com outras nações, em diversos indicadores sociais do Brasil e em trabalhos acadêmicos que mapeiam a crescente quantidade de marginalizados.

A história e intensidade da desigualdade brasileira demonstra o colapso de premissas e de pressupostos naturalizados e nunca validados no Brasil. Tal situação coloca qualquer pressuposto teórico em nocaute e inválida teorias tradicionais à esquerda ou à direita, teorias econômicas ortodoxas ou heterodoxas. É necessário pensar o Brasil com menor desigualdade e desenvolver uma teoria própria de superação. O consenso imediato de bolhas que priorizam outros temas derrubará pontes e edifícios, por uma teoria superada ou por má-fé. O Ensaio sobre a cegueira e o Ensaio sobre a lucidez são os horizontes literários de um pessimista (Saramago) sobre o discernimento político, econômico e social dos indivíduos. Precisamos fazer mais e fazer diferente. Saindo das bolhas da casa grande, há muitas senzalas a serem visitadas.

 

09
Ago22

Tradição, Família e Propriedade: TFP está em alta e exporta ultraconservadorismo, diz analista

Talis Andrade

AR 4 a volta da TFP.jpg

O poder do dinheiro e da religião: Bolsonaro tem o apoio dos evangélicos e católicos da extrema direita para uma possível intervenção militar nazi-fascista 

 

 

por Ana Livia Esteves /Sputnik

 

Muitos brasileiros acreditam que a organização ultraconservadora Tradição, Família e Propriedade (TFP), que teve papel relevante na década de 60, está morta. Mas especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil revelam que o grupo continua firme e atua não só no Brasil, mas também no exterior.

26m fascismo _aziz.jpg

A organização ultraconservadora católica Tradição, Família e Propriedade (TFP) é conhecida pelos brasileiros através dos livros didáticos, que apontam o grupo como apoiador da implementação da ditadura militar no país, nos idos da década de 60.

Mas o que muitos brasileiros não sabem é que a organização continua bastante ativa na política nacional e internacional, mas sob outro nome: Instituto Plinio Corrêa de Oliveira (IPCO).

"A organização vive o que deve ser um dos seus melhores momentos dos últimos 30 anos", disse o mestre em Ciência Política pela UFSCar Moacir Pereira Alencar Júnior à Sputnik Brasil. "Basta ver a agenda de palestras e eventos que promovem, inclusive em prefeituras."

A professora da Universidade de Passo Fundo (UPF) e coorganizadora do livro "O pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira e a atuação transnacional da TFP" Gizele Zanotto explica que, após o fim do regime militar, a organização se reestruturou.

"Embora hoje a TFP ainda exista no país, desde a morte do fundador nos anos 1990, outro grupo a controla e as antigas bandeiras de luta foram então assumidas pelo Instituto Plinio Corrêa de Oliveira (IPCO)", revelou Zanotto à Sputnik Brasil.

Segundo ela, o grupo, alinhado ao movimento chamado integrismo católico, foca suas atividades na "formação de elites e de mobilização dessas para atuação no campo político-partidário e social".

"Os membros em si não operam diretamente no âmbito político, exceto com ações de pressão e lobby, sobretudo quanto ao aborto, defesa do armamentismo, defesa do agronegócio, contrariedade a movimentos sociais com destaque aos sem-teto e sem-terra, enfim, pautas conservadoras relidas com a base doutrinária católica", disse a especialista.

 

arma casa.jpg

O grupo investe na realização de eventos para promover as suas pautas, sem focar necessariamente no aumento do número de seus membros diretos.

"É um grupo restrito em relação a número de filiados, que não tem necessariamente a intenção de crescer", disse Alencar Júnior.

Zanotto nota que "não é fácil encontrar uma lista pública com a nominata e cargos dos membros, então qualquer lista é parcial, construída com vestígios de informações que nos são possíveis de acessar via Internet".

A pesquisadora, no entanto, lista alguns nomes da cúpula da organização, como Mario Navarro da Costa, Léo Danielli, Luiz Moreira Duncan, Paulo Brito, Luiz Gonzada, Sérgio Brotero e Antonio Marcelino Pereira de Almeida.

Apesar da organização continuar enxuta, as pautas defendidas pela antiga TFP, atual IPCO, voltaram com força ao debate público brasileiro.

"As ideias da TFP estão mais difundidas, sim", disse Alencar Júnior. "Agendas [da organização] que há alguns anos eram consideradas marginais foram normalizadas com a chegada de Bolsonaro ao poder."Image

ImageImage

 

Quem financia?

 

hora do povo fascismo esgoto.jpg

As fontes de financiamento do grupo são tão obscuras quanto a sua lista de membros efetivos. Porém, através dos anos a organização encontrou diversas maneiras heterodoxas de manter o seu fluxo de caixa.

"Desde os tempos da TFP antiga, o financiamento se dá por diferentes meios como doações de membros e simpatizantes, venda de materiais doutrinários (livros, revistas, objetos votivos), repasses de entidades afins do exterior, arrecadações para campanhas fatimistas, entre outras ações", disse Zanotto.

A pesquisadora enfatiza as campanhas vinculadas à divulgação da Mensagem de Nossa Senhora de Fátima, que financiaram o grupo por muitos anos.

Segundo Alencar Júnior, "promoção de eventos, campanhas, venda de terços, calendários e livros" relacionados à Nossa Senhora de Fátima "angariavam um bom capital em um país com forte presença católica como Brasil".

Mas as fontes de financiamento se expandiram, e atualmente a organização também conta com o apoio de grupos alinhados às suas pautas.

"A partir da Constituinte, a TFP passa a defender agendas afeitas a fazendeiros mais conservadores, como o direito à posse de armas no campo e o combate contundente ao Movimento Sem-Terra (MST)", disse Alencar Júnior.

Mais recentemente, a associação nutre laços com grupos que promovem a agenda armamentista, inclusive com militares ligados ao governo Bolsonaro.

"Antes mesmo de Bolsonaro se eleger, a TFP promovia eventos com a participação dos filhos do presidente, principalmente para defender pautas como a do armamentismo e contra as causas LGBTQI+", revelou o especialista.

 

Ligações com Bolsonaro

 

fascismo bolsonaro demo cracia .jpeg

 

ImageImageImage

As pautas ultraconservadoras defendidas pelo grupo, como o armamento de civis, combate ao ambientalismo, à ideologia de gênero e ao aborto, são muitas vezes associadas às de grupos bolsonaristas.

"Não tem figura mais convergente com a TFP do que Bolsonaro, que concorda com a organização em questões que vão desde o tratamento conferido a indígenas e quilombolas até a agenda armamentista", argumentou Alencar Júnior.

Apesar da convergência com pautas bolsonaristas, Zanotto nota que "a entidade em si não se manifesta publicamente em prol de algum candidato, prefere fazer análises panorâmicas da situação apontando quem são os 'perigos' para sua concepção de país".

Segundo ela, evitar alianças político-partidárias claras "se traduz numa eficiente estratégia de proteção da antes TFP, hoje IPCO, de vinculações que podem trazer mais prejuízos do que ganhos à causa político-cultural que defendem".

"O IPCO atua independente de partidos e coligações partidárias, e se aproxima de quem defende bandeiras comuns às suas propostas e campanhas. São afinidades pontuais e não formalizadas como aliança", disse Zanotto. "Neste sentido, é precipitado pensar que o IPCO se alinha com o governo."

A especialista alerta que, como a associação não atua de forma direta nas estruturas partidárias, não é possível identificar uma suposta "bancada tefepista" no Congresso Nacional.

"O IPCO tem afinidades com políticos conservadores, lhes dá espaço para manifestar suas ideias, e muitas vezes usam de seus cargos, quando eleitos, para defender a entidade e suas causas nos plenários em que atuam", disse Zanotto. "Essa proximidade não é partidária em si, é muito mais pessoal, por questões doutrinárias e político-culturais."

 

Alcance internacional

 

A TFP aposta na sua projeção internacional desde a sua origem, na década de 60. Após apoiar ativamente o golpe militar de 1964, a instituição exportou sua agenda e experiência para países sul-americanos.

"A organização não se restringiu ao apoio à ditadura militar brasileira, mas também apoiou movimentos similares em países como a Argentina, o Chile e Uruguai", disse Alencar Júnior. "A organização começa a criar raízes e associações coirmãs, que não necessariamente levavam o mesmo nome, mas defendiam a agenda tefepista."

No Chile, a organização combateu lideranças católicas que questionavam a ditadura de Pinochet, como o cardeal Raúl Henríquez. Na Argentina, a TFP atuou para marginalizar membros da Igreja Católica que considerava ligados à esquerda.

A organização também possui forte presença na Europa, considerada um bastião para a promoção da agenda monárquica. Um dos principais líderes da organização é Dom Bertrand de Orleans e Bragança, que se considera o herdeiro legítimo da Casa Imperial brasileira.

"A TFP é uma das principais mantenedoras do movimento monarquista brasileiro e o elo com a Europa é considerado fundamental para essa bandeira", explicou Alencar Júnior.

Atualmente, a agenda da TFP e organizações coirmãs no velho continente abarca não só a defesa da monarquia, mas também a promoção do liberalismo econômico e conservadorismo nos costumes.

"A organização tem afiliações muito fortes na Polônia, onde promove uma agenda conservadora no costume e contrária à ideologia de gênero", revelou Alencar Júnior. "São associações que argumentam contra a igualdade entre os sexos, e mesmo contra instituições como a união estável entre homens e mulheres."

No dia 30 de julho, o jornal polonês Gazeta Wyborcza expôs as ligações entre a TFP brasileira e a organização ultraconservadora local Ordo Iuris. Segundo a reportagem, a Ordo Iuris "deriva diretamente de uma organização brasileira de extrema direita [...] chamada TFP".

O jornal ainda nota que, "curiosamente, um fragmento do logotipo da TFP (cabeça de leão com a língua de fora) também pode ser encontrado no logotipo da Ordo Iuris".

Ao contrário do que muitos pensam, a organização brasileira não é um membro passivo do movimento internacional ultraconservador, mas sim ativo, que organiza e apoia movimentos no exterior.

"A TFP não é objeto do movimento transnacional, mas ela é quem o leva adiante. A organização tem uma agenda bem delimitada e não hesita em promovê-la internacionalmente", concluiu Alencar Júnior.

A organização Tradição, Família e Propriedade (TFP) foi criada em 1960 no Brasil pelo professor e militante católico Plínio Corrêa de Oliveira. Após a sua morte, em 1995, a organização se reestruturou, dividindo-se em diversos grupos, entre eles o Arauto do Evangelho e o Instituto Plínio Corrêa de Oliveira (IPCO), fundado em 2006.

Image

Image

Image

ImageImageImage

 

 

 

27
Fev21

Dois anos de desgoverno – contrarrevolução à pururuca

Talis Andrade

bozo lata de leite.jpg

 

Infeliz do pseudo país em que o poderio executivo, sob a conivência do legislativo e o silêncio do judiciário, dirige as ações mirando não o bem-estar de seus habitantes, mas o seu extermínio

por Jean Pierre Chauvin /a terra é redonda

- - -

“A contrarrevolução é predominantemente preventiva e, no mundo ocidental, inteiramente preventiva. Aqui, não existe qualquer Revolução recente a desmantelar nem nenhuma existe em gestação. E, no entanto, é o medo da revolução que gera o interesse comum e cria os vínculos entre as várias fases e formas da contrarrevolução. Esta percorre toda a gama desde a democracia parlamentar à ditadura declarada, passando pelo Estado policial” (Herbert Marcuse).[i]

Nós bem que desconfiávamos. Da suposta sanha anticorrupção ao desmantelamento de setores estratégicos do Estado, a distância era bem pequena. Os sinais apareceram em junho de 2013, quando movimentos de ocasião, financiados por megaempresários daqui e dos USA[ii], surfaram na onda do esgoto dito “antiesquerdista”. Primeiro, foram os carimbos em spray que decretavam “Menos Marx, Mais Mises”; depois, foi o retorno das roupas camufladas – uma praga kitsch que vestiu os sujeitos já embrutecidos com as cores da militarização civil.

Quando, cinco anos depois, o des-governante mor foi eleito, a questão não se reduziu à indumentária. Do cercadinho presidencial às aglomerações públicas contra o STF e pró-Covid, passou a valer tudo. Bem entendido, “tudo” desde que a família do sujeito continuasse a dizer e cometer crimes contra a vida e os cofres públicos a salvo.

Inicialmente, os porta-vozes da tragédia foram os grupos liderados por jovens oriundos da classe média que afetavam civismo, simulavam patriotismo e fingiam defender liberdade, em selfies ao lado de PMs. Eles têm uma ideia fixa: é preciso desestatizar o país. Eis um dos dogmas reproduzidos por esses detratores da história, fiscais de cátedra, censores em nome da “liberdade”.

Entre recuos e avanços, conforme a conveniência particular, esses sujeitos, que despontaram em 2013, condenaram a ex-Presidenta Dilma Rousseuf; condenaram partidos neoliberais como MDB e PSDB, supondo que tivessem efetiva preocupação com o “Social”; reapareceram ao lado de Eduardo Cunha et caterva, em 2016; apoiaram o candidato do PSL à Presidência da República, em 2018; e, quando útil, afastaram-se de alguns setores da política, enquanto confundiam ideologias intencionalmente, para júbilo de seus asseclas (que nada sabem e só gritam).Fotos: Fotos Eduardo Cunha: Cunha em desconstrução | | EL PAÍSBolsonaro e o “toma lá, dá cá” do congresso. Quem vencerá? – Catu Acontece

Mas, como disse, eles vêm e vão. Para não soar abstrato, falemos de um projeto de lei proposto por um deputado federal do DEM, que botou a cabeça para fora na onda do MBL. Refiro-me ao P.L. 561/2021, de 16 de fevereiro de 2021[iii]. O Caput afirma que o projeto de lei pretende “Altera[r] a Lei 9.491 de 1997 a fim de incluir o Banco do Brasil no Programa Nacional de Desestatização” (p. 1). No item “Justificação”, encontramos o seguinte argumento:

“O Banco do Brasil S.A. é sociedade de economia mista, com ações negociadas na Bolsa. A realização da sua privatização é muito mais simples do que a privatização de outros bancos públicos, porque ele não tem nenhuma peculiaridade que dificulte sua privatização, tal e qual ocorre com a Caixa Econômica Federal, que faz parte do sistema nacional de habitação e controla as loterias” (p. 2).

Documento de nosso tempo distópico, o P.L. é objetivo e conciso, também porque o proponente e seus colegas de legenda têm pressa: “Assim, a fim de iniciar o quanto antes a privatização do Banco do Brasil, peço aos eminentes colegas que aprovem este projeto de lei” (p. 3).

Infeliz do pseudo país em que o poderio executivo, sob a conivência do legislativo e o silêncio do judiciário, dirige as ações mirando não o bem-estar de seus habitantes, mas o seu extermínio.Image

Ao Brasil de Temer e Bolsonaro, que reeditou os anos de burrice tecnocrática, subserviência aos Estados Unidos, tortura e pólvora, poder-se-ia aplicar a fórmula do estado versus Estado[iv], em possível analogia com a tese de que parte expressiva desta sociedade é avessa ao Social, como notou Renato Janine Ribeiro[v].

Na síntese de Vladimir Safatle[vi]: “O Estado brasileiro nunca precisou de uma guerra porque ele sempre foi a gestão de uma guerra civil não declarada. Seu exército não serviu a outra coisa que se voltar periodicamente contra sua própria população. Esta é a terra da contrarrevolução preventiva, como dizia Florestan Fernandes. A pátria da guerra civil sem fim, dos genocídios sem nome, dos massacres sem documentos, dos processos de acumulação de capital feitos através de bala e medo contra quem se mover. Tudo isso aplaudido por um terço da população, por seus avós, seus pais, por aqueles cujos circuitos de afetos estão presos nesse desejo inconfesso do sacrifício dos outros e de si há gerações”.

E já que estamos a falar de conceitos persistentes, parece-me oportuno retomar o estado de alerta máximo em que os apoiadores do falso Messias contaminam seus amigos, parentes e familiares recorrendo a grupos de chat e redes sociais. Elegendo o suposto comunismo como ameaça constante, seu discurso – quando o compreendemos – soa ambivalente: nega o passado e prega a modernização, embora o ministro da economia seja um adepto dos Chicago Boys (corrente dos anos de 1970). Um sujeito íntimo dos bancos, que afeta a vida de mais de duzentos milhões de pessoas segundo a lógica especulativa do mercado de capitais.

Como assinalaram Pierre Dardot e Christian Laval: “O neoliberalismo define certa norma de vida nas sociedades ocidentais e, para além dela, em todas as sociedades que as seguem no caminho da ‘modernidade’. Essa norma impõe a cada um de nós que vivamos num universo de competição generalizada, intima os assalariados e as populações a entrar em luta econômica uns contra os outros, ordena as relações sociais segundo o modelo do mercado, obriga a justificar desigualdades cada vez mais profundas, muda até o indivíduo, que é instado a conceber a si mesmo e a comportar-se como uma empresa”.[vii]

Em nome da liberdade da expressão, continuam a disseminar fake news e fazer dessa replicação de notícias improcedentes um modo de embaralhar a mente, não exatamente lúcida, de seus adeptos. Ao mesmo tempo, anunciam métodos de controle dos usuários de Internet cuja postagem resvale em críticas (embora justas e pertinentes) ao desgoverno.

Em nome da família, a pastora-ministra prega a submissão da mulher ao homem e projeta delírios pessoais aos berros, ora no palco do templo neopentecostal, ora em reuniões absurdas protagonizadas pelo seu chefe. O ministro do meio ambiente é um advogado especializado em agronegócio. O ministério da saúde é ocupado por um militar que, assim como o capitão, especializou-se em protelar o atendimento à população, em meio à pandemia. O ministro da educação é outro pastor. Proveniente de uma instituição de ensino privada, está interessado em abocanhar as melhores condições para o mercado carniceiro de ensino, dito “superior”, em que manifesta seu ressentimento com os colegas que atuam nas instituições públicas.

De modo geral, esses sujeitos não falam ou agem como se representassem um deus amoroso; evocam o deus punitivo do Velho Testamento. Sob o longo cabresto do sadismo e a curta rédea da moral (que só se aplica aos outros), Bolsonaro e sua trupe foram pantomimas levadas a sério. Quando o palhaço (sem graça) Tiririca foi eleito deputado pelo PR, não previmos que o eleitorado brasileiro promoveria um coletivo, à sua imagem e semelhança, em 2018.

Da banda de cá, restou a crença de que sobreviver ao vírus e ao desgoverno tornou-se lucro. Mas não sejamos de todo injustos. Vez ou outra topamos com sujeitos aberrantes que insistem em recorrer a termos em voga, como “empatia”. É pena que esses mesmos seres, autoproclamados “homens de bem”, não se deem conta de que empatianão significa se mobilizar porque “algo poderia acontecer conosco”, mas capacidade de ser solidário sem ver a quem.

No circo Brasil, numerosas questões se tornaram dignas de figurar no picadeiro fincado no Distrito Federal. Recorrendo à metáfora, em nosso caso há uma lona com que políticos de fachada e ocasião tentam encobrir os mais de duzentos e cinquenta mil mortos pela Covid-19, os 41% de trabalhadores informais no país[viii], o crescente número de feminicídios, assassinatos contra os lgbtq+ e balas “perdidas” – que sempre encontram os pretos e pobres.

Esses péssimos intérpretes da farsa patriótica e modernizadora tentam transformar a lona puída em manto republicano. Resta saber se o material que utilizam para amenizar os horrores terá a mesma substância e qualidade que os produtos de primeira linha consumidos pelo presidente (viciado em mentiras e latas de leite condensado) e pelos generais, municiados de falácia nacionalista, picanha maturada e champagne.

leite-bozo.jpg

 

Notas


[i]Contrarrevolução e Revolta. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1973, p. 112.

[ii] “Os ‘grandes arquitetos’ do Consenso [neoliberal] de Washington são os senhores da economia privada, em geral empresas gigantescas que controlam a maior parte da economia internacional e têm meios de ditar a formulação de políticas e a estruturação do pensamento e da opinião” (Noam Chomsky. O Lucro ou as Pessoas? Neoliberalismo e ordem global. 8ª ed. Trad. Pedro Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2018, p. 22).

[iii] O documento encontra-se no site: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1963969&fbclid=IwAR11TWSK0lRZhtC2WgL3Z2k9iWWbXrB3NbVqAwmyacurJ9Q_aE3es2QkhIY.

[iv] “[…] se os imperativos capitalistas hoje cobrem o mundo, eles não deslocaram o Estado territorial. Pelo contrário, quanto mais o capitalismo se torna universal, mais ele necessita de um sistema igualmente universal de Estados locais confiáveis” (Ellen Meiksins Wood. O Império do Capital. 1ª reimp. Trad. Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo, 2015, p. 115).

[v] “A sociedade contra o social ou A sociedade privatizada”. In: A Sociedade contra o Social: o alto custo da vida pública no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras / Fundação Biblioteca Nacional, 2000, p. 19-24.

[vi] Disponível em: https://crisisycritica.net/publicaciones/sobre-o-estado-suicidario/ -.

[vii]A Nova Razão do Mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 16.

[viii]Confira-se em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-11/ibge-informalidade-atinge-416-dos-trabalhadores-no-pais-em-2019.

Leite-condensado-bozo.jpg

 

09
Jan21

Denise Garrett: “Toda vacina contra covid-19 que for para o setor privado hoje será tirada do setor público”

Talis Andrade

Denise Garrett, infectologista, ex-integrante do Centro de Controle de Doenças do Departamento de Saúde dos EUA e atual vice-presidenta do Sabin Vaccine Institute (Washington).

Infectologista e atual vice-presidenta do Sabin Vaccine Institute afirma que a participação do setor privado no atual momento da pandemia enfraqueceria a eficácia da imunização coletiva no Brasil

“A vacinação só vai funcionar no Brasil se ela for pensada no sentido do coletivo. As pessoas podem pagar pelas vacinas para suas famílias, mas nem elas estarão protegidas se a população não estiver vacinada.”

A advertência é da infectologia Denise Garrett (foto), ao comentar sobre o interesse do setor privado pela vacina contra o novo coronavírus, em entrevista ao EL PAÍS por telefone na quarta-feira, 6 de janeiro.

“Toda vacina que for para o setor privado estará sendo tirada do setor público

A médica, ex-integrante do Centro de Controle de Doenças (CDC) do Departamento de Saúde dos Estados Unidos e atual vice-presidenta do Sabin Vaccine Institute (Washington), ainda explica que o setor público vem controlando a aquisição e a aplicação gratuita de imunizantes nos países, incluindo os Estados Unidos, que já estão vacinando seus grupos prioritários. E esclarece que não há, no momento, espaço para o setor privado comercializar as vacinas, porque as autorizações emitidas pelas agências reguladoras até agora são para uso emergencial. E porque não há oferta suficiente: a prioridade é suprir a demanda do setor público. “Toda vacina que for para o setor privado estará sendo tirada do setor público”, diz.

Nesta semana, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC) demonstraram publicamente o interesse em adquirir algumas milhões de doses, diante da lentidão do Governo brasileiro em iniciar um programa nacional de imunização no Sistema Único de Saúde (SUS). Na avaliação da infectologista, a vacinação nacional é urgente inclusive para frear o avanço das mutações do vírus Sars-Cov-2. “O vírus vai continuar circulando. Quanto mais pessoas infectadas, quanto mais replicação viral, mais mutação veremos”, argumenta. Pela mesma lógica, a vacinação apenas em alguns Estados também causa prejuízos à eficácia da proteção.

A entrevista foi complementada no dia seguinte, após a apresentação dos resultados dos ensaios clínicos da Coronavac no Brasil, a vacina contra a covid-19 desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac. A seguir, os principais trechos da conversa.

 

FELIPE BETIM ENTREVISTA DENISE GARRETT

Pergunta. Clínicas privadas e o setor industrial vêm demonstrando interesse em comprar a vacina. Por que isso se dá? É pela falta de iniciativa do Ministério da Saúde?Resposta. Isso é bem óbvio. Uma vacina que tem uma distribuição ampla pelo Ministério da Saúde, pelo SUS, vai desestimular o mercado privado. É preciso lembrar que enquanto a vacina estiver com autorização para uso emergencial, ela não pode ser comercializada [de acordo com a legislação brasileira]. Então, todas essas iniciativas não vão adiantar de nada porque a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] vai aprovar inicialmente, como em outros lugares, para uso emergencial. Agora, essas vacinas também foram feitas para gerar lucro para quem as produziu. A Pfizer já está planejando pedir a aprovação total da FDA [Federal and Drug Administration, agência reguladora norte-americana] em abril para poder comercializar. Então, isso eventualmente vai existir.

 

P. Como tem sido a vacinação nos EUA, que não tem um sistema público de saúde, e em outros países até o momento?

R. Em todos os países está sendo suprida pelos Governos, como deve ser. Nos Estados Unidos está sendo disponibilizada de graça. Mas vamos pegar a situação da Índia, que tem a maior produção de vacinas do mundo. A dificuldade está na distribuição para uma população de 1,3 bilhão de pessoas. O país tem recursos, mas não tem como viabilizar para a população. E o setor privado na Índia funciona bem em termos de distribuição. Nesse sentido, acho que nesta situação concreta a participação do setor privado pode ser benéfica. Mas isso é uma exceção em um lugar onde talvez a oferta será maior que o canal de distribuição.

 

P. Existe algum problema se o setor privado comercializar vacinas neste momento no Brasil?

R. Primeiro, temos que levar em conta que não vai haver quantitativo de vacina. Então, toda vacina que for para o setor privado estará sendo tirada do setor público. Se fosse uma vacina com toda a disponibilidade, seria uma situação diferente. E vacina não pode ser olhada como algo individual. A vacina é um bem comum e um bem coletivo, porque ela só funciona bem com esse sentido de coletividade. É a tal da imunidade coletiva, ou imunidade de rebanho. Uma vacina não vai ser 100% eficaz, principalmente as que estão sendo cogitadas no Brasil. Ela só vai proteger quando existir uma certa porcentagem da população vacinada. A eficácia da AstraZeneca/Oxford está em no mínimo 62% [de acordo com os resultados apresentados, a eficácia variou de 62% a 90%], então vamos precisar de pelo menos 80% da população vacinada par conseguir a proteção mais perto de 100%. Se essas vacinas não ficarem disponíveis para todo mundo, somente para o sistema privado, vamos proteger alguns indivíduos, mas não vamos proteger a população. Ficará restrito a um grupo, que não é nem o prioritário, e não vamos ver impacto no sistema de saúde. Não vamos evitar mortes. Para gerar impacto, é preciso uma estratégia de vacinar primeiro os grupos de maior risco.

 

P. A Coronavac tem uma eficácia de 78% e evitou 100% de casos graves e moderados, segundo o anúncio do Governo de São Paulo nesta quinta-feira. Como enxerga esses resultados?

R. Os resultados são animadores, mas [na coletiva de imprensa] eles mostraram os desfechos secundários. Eles não mostraram o desfecho primário, que é a proteção contra a doença. É um dado importante que a gente precisa não somente para planejar as campanhas de vacinação, mas a população precisa saber o tipo de proteção que estará recebendo com a vacina. São dados simples. O que a gente precisa saber para a eficácia é o número total de eventos [casos de covid-19 registrados] no estudo, e quantos desses eventos foram verificados no grupo de voluntários que recebeu placebo e quantos no grupo que recebeu a vacina. E com isso calculamos a eficácia. É algo simples que senti falta no anúncio, que poderia ter sido mais claro. Mas, em termos de resultados, foi bem animador.

 

P. É plausível pensar que, caso uma elite possa pagar pela vacina, a pressão sobre o Governo para que este inicie um plano nacional de imunização diminua?

R. Eu não havia pensado nisso, mas acho que é perfeitamente plausível. O que precisamos fazer é seguir pressionando as autoridades para o uso coletivo. A vacinação só vai funcionar no Brasil se ela for pensada no sentido do coletivo. Existe muito esse pensamento individualista, até mesmo de pessoas de classe média, de que “eu vou lá, pago para minha família ser vacinada e está tudo certo”. As pessoas precisam entender que não está tudo certo. Elas podem pagar pelas vacinas para suas famílias, mas nem elas vão estar protegidas se o resto da população não estiver vacinada.

 

P. Em que medida isso também aprofunda uma desigualdade que já é grande no Brasil?

R. Os que podem pagar vão pagar mais caro para tomar a melhor vacina. E qual é o grupo de maior risco? É o que não pode pagar. São os negros, os trabalhadores essenciais, os pobres das favelas... Quem está sofrendo mais? É a comunidade lá em Manaus que não tem recurso, as pessoas que se aglomeram no ônibus para ir trabalhar, ou quem pode ficar em casa e fazer home office? Então, seria o inverso do que deve ser feito. A gente vê essas iniciativas de Estados e municípios mais ricos com planos para vacinar primeiro e isso, de novo, é reforçar a desigualdade. E em São Paulo existe um entra e sai de pessoas do Estado. Enquanto todo o país não estiver vacinado, ninguém estará protegido.

 

P. Se somente uma pequena parte da população é vacinada e o vírus continua circulando, isso pode gerar novas variantes do vírus e deixar vulnerável inclusive essa minoria que se vacinou?

R. Claro que sim. Se a gente vacina somente quem puder pagar, até para eles a proteção não vai ser a que poderia ser. Porque o vírus vai continuar circulando. Quanto mais pessoas infectadas, quanto mais replicação viral, mais mutação veremos. Vacina é preventivo, não é de tratamento, não é remédio. E o que acontece? Esse vírus está sob pressão, uma grande pressão imunológica, com o começo da vacinação em alguns países. Ele vai tentar escapar dessa pressão, e com isso as mutações estão aumentando. No início da pandemia eu dava entrevistas falando que demos sorte que esse vírus não sofre mutações como outros. É metade da taxa de mutação do vírus da Influenza e 1/4 do HIV. Mas essa taxa está aumentando. No Brasil o vírus está correndo solto e nada está sendo feito para frear sua transmissão. Agora temos essa nova variante [que surgiu no Reino Unido e é cerca de 56% mais contagiosa] e a urgência de preservar o sistema de saúde inglês e salvar vidas. Então, entramos num debate científico sobre se devem ser dadas uma dose da vacina ou duas [como preveem inicialmente os protocolos dos laboratórios]. Por um lado, tem gente argumentando que é melhor vacinar o máximo pessoas com um nível mais baixo de proteção. Por outro, que devemos manter as duas doses e garantir a proteção que sabemos que dá.

 

P. Em que lado a senhora se coloca nesse debate?

R. Sair vacinando com meia dose é como não tomar os 10 dias de antibiótico: você começa a fazer pressão de mutação nesse vírus e começa a selecionar os mais aptos. Vamos estar induzindo uma mutação, o que é uma temeridade. Mas há ressalvas. Por exemplo, a vacina da Moderna tem 100 microgramas de RNA. A da Pfizer são 30. A Moderna desenhou um protocolo tendo em mente que não poderiam errar, então fizeram com uma dose maior para terem certeza. Mas nas fases 1 e 2 dos testes eles fizeram um protocolo aplicando 50 e outro 100 microgramas, e os dados mostram que não faz muita diferença. Então, acho que numa situação dessa é plausível dar metade, já que eles possuem dados que dão suporte a isso. Mas a Pfizer não tem e avisou: “A gente não garante o que vai acontecer depois de 21 dias depois da primeira dose vacina”. Cada caso precisa ser avaliado individualmente.

 

P. O Reino Unido foi o primeiro país a iniciar a vacinação e acaba de decretar um lockdown. Quanto tempo até a situação normalizar?

R. Quando houver um número suficiente de pessoas vacinadas para gerar um impacto na transmissão. Tem gente que fala que é preciso 60% da população estar vacina. Outros falam em 70% ou 80%. Eu fico ali no meio, em 70%. Mas uma coisa precisa ficar claro. Em novembro a Inglaterra tinha uma taxa de transmissão de 0,9%. De acordo com esse número, teríamos um decréscimo de 30% no número de casos em três semanas. E o que aconteceu? Veio a nova variante do vírus e as festas de fim de ano, e o número de casos triplicou, ameaçando muito o sistema de saúde. Também precisa ficar claro que, apesar de transmitir mais, numa velocidade incrível, essa variante pode ser parada do mesmo jeito: com máscara, com distanciamento, sem aglomeração...

 

P. Uma das polêmicas mais recentes do Ministério da Saúde era sobre a falta de seringas. Como enxerga o planejamento da pasta?

R. Isso é uma coisa inadmissível. Tem coisas que o Brasil sabe como fazer, e vacinação é uma delas. Nossa política de imunização era um exemplo mundial e está sendo destruída. As seringas são só um reflexo disso. Nossas outras coberturas vacinais estão caindo e o Governo vem cortando gastos com campanhas de vacinação. E existe uma inércia do Governo em fazer acordos. Nós precisamos de todas as vacinas e existem ótimas opções que poderão ser implementadas no Brasil. Temos a da Johnson & Johnson [que realizou os testes da fase 3 no país], que vai pedir aprovação agora... É uma vacina de geladeira e uma só dose basta. Por que o Governo não está correndo atrás disso? O Governo fez um acordo com a AstraZeneca logo no início e se deu por satisfeito, esperando que batam na nossa porta. Foi o que Bolsonaro disse, que temos um mercado de 200 milhões de pessoas. O que ele não entende é que o mundo inteiro está atrás dessa vacina. Se você for esperar, eles não vão vir porque o mundo inteiro está derrubando a porta deles atrás da vacina. Eles não precisam vir até nós, muito menos se submeter aos caprichos de regulamentos ou exigências que fogem do que é razoável. A Pfizer não tem quantitativo até julho. Se a gente demorar a gente vai perder a terceira leva, que seriam os quantitativos até o fim do ano. E mesmo quando começar a vacinação, para vacinar uma quantidade suficiente de pessoas estamos falando de algo que é para o ano que vem. Existe uma urgência que é preciso enfatizar.

 

P. O Brasil vai sofrer consequências pelas festas de fim de ano?

R. Essa conta vai chegar, infelizmente. A perspectiva que vejo é a de passar por uma fase que nunca passamos nessa pandemia. Se achávamos que estava ruim, agora vai ser muito pior. Não conseguimos controlar a primeira onda. E cada uma das pessoas infectadas hoje estão transmitindo exponencialmente. Ao mesmo tempo, não existe nenhuma medida sanitária de controle nem perspectiva de começo da vacinação [o ministro Eduardo Pazuello afirmou nesta quinta que o plano pode começar no dia 20 de janeiro].

 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub