Ex-esposa de Arthur Lira o acusa de violência sexual
Jullyene Lins, vítima de estupro em 2006. Nove anos depois, Lira é inocentado
por Alice Maciel
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(Continuação) Quando Arthur Lira foi denunciado pela primeira vez por Jullyene, em novembro de 2006, ele ainda era deputado estadual em Alagoas. O julgamento, no entanto, ocorreu nove anos depois, em setembro de 2015, quando o político já influente em Brasília, estava em seu segundo mandato na Câmara dos Deputados.
Nesse período, a esposa do advogado de defesa de Jullyene foi nomeada no gabinete de Arthur Lira – onde está até hoje – e Jullyene, sua mãe, irmão e a babá voltaram atrás em seus depoimentos, negando as agressões do parlamentar. Como já relatado pela denunciante, Jullyene alega que mudou o depoimento sob ameaça. Segundo ela, Lira teria lhe dito após o ocorrido: “Onde não há corpo, não há crime”.
“Ele foi até a minha casa. Tinha uma mesa grande na varanda, pediu para falar comigo e disse batendo na mesa – porque ele tem mania de falar batendo na mesa – ‘Você vai tirar essa denúncia, você vai para a audiência e vai desmentir tudo porque eu vou tirar os meninos de você. Ou você faz isso, ou eu tomo os meninos de você’. Os meninos eram todos pequenos. Eu já tinha medo, eu estava sem dinheiro, o meu advogado sumiu”, acrescentou.
Segundo ela, durante a audiência, o segurança e o motorista de Lira a buscaram em casa. “Para eu desmentir tudo. Não fui com meu advogado, fui com advogado dele. E ele ainda me cutucando por debaixo da mesa. O juiz olhando para mim como quem diz assim: ‘Fale’”, afirmou.
De acordo com os autos, o advogado que a acompanhou na audiência às 12h30 de 15 de outubro de 2013 – que teria ligação com Lira, segundo Jullyene – é Luiz de Albuquerque Medeiros Neto. Seu nome apareceu recentemente no noticiário por ser o proprietário de uma sala em Maceió que foi alvo de busca e apreensão da Polícia Federal (PF) na Operação Hefesto, como revelou o site Metrópoles.
No local está registrada a sede da empresa do ex-assessor de Lira, Luciano Cavalcante, investigado no suposto esquema de fraude na compra de kits de robótica para municípios alagoanos; e também abrigou o diretório do União Brasil em Alagoas – presidido por Cavalcante. Medeiros Neto aparece também em registros da Câmara dos Deputados como secretário parlamentar em 2012 e 2014.
A audiência foi requerida pela defesa de Lira em agosto de 2012, após os advogados terem juntado aos autos um “termo de renúncia à representação criminal”, assinado por Jullyene, onde ela justifica que teria denunciado o ex-marido por estarem na época envolvidos em um conturbado processo de separação judicial.
“Passados quase 06 anos de tal representação, iniciar-se eventual processo criminal contra Arthur por aqueles fatos que foram objeto de minha representação se torna prejudicial à minha própria pessoa e à estabilidade psicológica de nossos filhos eis que os problemas então existentes foram resolvidos, e tal procedimento apenas traria à tona uma desavença pretérita que o tempo se encarregou de resolver”, escreveu, acrescentando: “Venho, através da presente, retratar-me de tal ato, requerendo, portanto, seja devidamente arquivado todo e qualquer procedimento existente contra Arthur Cesar Pereira de Lira que tenha se originado”.
Além de negarem a agressão à sua ex-companheira, os advogados de Lira questionaram o laudo de exame de corpo de delito, as declarações da vítima e das testemunhas. “Ora, as cinco lesões descritas no laudo pericial, todas na região da coxa e braço, não são compatíveis com 40 minutos seguidos de agressões como tapas, chutes, pancadas e puxão de cabelos. Da mesma forma, o depoimento da testemunha Luciana* [a babá] não é compatível com o referido laudo médico”, destacou a defesa do deputado.
Com base nesses argumentos e na suposta retratação de Jullyene, os advogados de Lira, além da audiência, solicitaram a extinção da ação.
A então procuradora-geral da República Helenita Caiado de Acioli, no entanto, contra-argumentou: “Qualquer manifestação da vítima que represente uma retratação, seja por escrita, seja em audiência, mostra-se vazia e inapta a produzir efeitos no tocante à ação penal, uma vez que o interesse público na apuração do crime de lesão no ambiente doméstico, por zelar por valores que transcendem o plano individual, como a integridade da família e da mulher, sobrepõe-se, em muito, os interesses das partes envolvidas”, manifestou-se em 20 de agosto de 2013.
“Inicialmente, cumpre notar que o citado laudo pericial foi produzido no dia seguinte às agressões sofridas, tempo suficiente para o desaparecimento de eventuais eritemas [hematomas], mas insuficiente para a constatação de equimoses, motivo pelo qual os peritos puderam responder positivamente ao quesito sobre a existência de ofensa à integridade corporal da vítima, apontando como meio produtor da ofensa ‘instrumento contundente’, o que é compatível com as declarações prestadas pela ex-companheira do denunciado e as testemunhas inquiridas na fase extrajudícial”, escreveu Helenita Acioli, posicionando-se a favor do recebimento da denúncia pelo STF.
Razões da absolvição pelo STF
A Procuradoria-Geral de República (PGR) havia apresentado a denúncia contra o parlamentar em 9 de março de 2012, seis anos após o suposto crime, a qual só foi recebida pelo STF em 5 de dezembro daquele ano, com cinco votos favoráveis e três contrários – a ministra Cármen Lúcia se ausentou e o então ministro Joaquim Barbosa não votou porque presidia a sessão.
Apesar de não ter descartado a suposta agressão, no dia 10 de março de 2015 o então procurador-geral Rodrigo Janot mudou o posicionamento anterior do órgão e manifestou-se pela absolvição de Arthur Lira: “Com efeito, as lesões descritas no laudo e reveladas nas fotografias não tendem a ter sido produzidas em entrevero descrito como tendo sido a tal ponto violento. É provável, com efeito, que tenha havido alguma agressão pelo réu a Jullyene Lins: o modo como ela e outras testemunhas acudiram à autoridade policial, inclusive com sujeição a exame pericial e fornecimento de fotografias, sugere que assim tenha sido. Mas não se trata da probabilidade elevadíssima que, no juízo de prova, além de dúvida razoável, autoriza a condenação penal”, destacou.
E concluiu: “Impende, portanto, como forma de resguardar a respeitabilidade do sistema de justiça criminal, não só absolver o réu, mas possibilitar à instância ordinária a promoção da responsabilidade de Jullyene Lins pelo crime de denunciação caluniosa”.
Quatro meses depois, em setembro de 2015, a Segunda Turma do STF absolveu Arthur Lira por ausência de provas. Os ministros também entenderam que o crime prescreveu, por demora na apresentação da denúncia.
As mudanças nos depoimentos e os argumentos da defesa de Lira sobre o laudo médico também motivaram a absolvição. “Apesar do laudo de exame de corpo de delito comprovar que a vítima apresentava lesões leves no momento da realização do exame, não há, nos autos, outras provas que corroborem um juízo condenatório. Ademais, vale dizer, os tipos de lesões atestadas no laudo pericial não indicam agressões conforme declarações iniciais da vítima, o que, agregado à mudança de versão nos depoimentos, acarreta dúvida sobre a veracidade dos fatos narrados na denúncia”, disse o falecido relator do caso, ministro Teori Zavascki, que foi acompanhado pelos ministros Celso de Mello, já aposentado, e Cármen Lúcia, à época integrantes da Segunda Turma do STF. Os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes se ausentaram, e o ministro Celso de Mello presidiu a sessão.
Ainda de acordo com Zavascki, o crime de lesão corporal no âmbito de violência doméstica não restou suficientemente comprovado. “A bem da verdade, não há prova a indicar que a vítima tivesse, de fato, sido agredida ou que o réu fosse o autor das lesões leves que a vítima apresentava no momento do exame perícia, porquanto, como se verifica das declarações da própria vítima, ela teria “inventado” as agressões narradas na denúncia por motivo de vingança”, acrescentou o relator em seu voto.
Histórias que se repetem Brasil afora
No julgamento que absolveu Arthur Lira, os ministros da Segunda Turma do STF não consideraram que nos casos de violência doméstica é comum as supostas vítimas voltarem atrás em seus depoimentos, conforme destacou o ex-Ministro Marco Aurélio Mello em seu voto para acatar a denúncia da PGR, em 5 de dezembro de 2012.
“É uma constante. A agressão ocorre, no meio doméstico, e, posteriormente, tendo em conta até mesmo a paixão, a agredida se arrepende e dá o dito pela não dito, para haver, a seguir, quase sempre, como revelam as estatísticas da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, agressão em dose maior. Isso aconteceu com aquela que deu origem à Lei que teve o próprio nome — Maria da Penha. E foi preciso um pronunciamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para o Brasil marchar na campanha normativa e promulgar a Lei no 11.340/2006”, destacou o membro da Corte na ocasião.
A Lei Maria da Penha tinha recém-nascido quando Jullyene Lins denunciou Arthur Lira por agressão e ameaça. Ela foi sancionada no dia 7 de agosto de 2006, ou seja, apenas três meses antes.
De lá pra cá, muito se avançou. Mais recentemente, por exemplo, em julho de 2021, foi sancionado pelo governo federal o projeto que incluiu no Código Penal o crime de violência psicológica contra a mulher.
Mas, apesar de o Brasil ter uma das melhores leis contra violência doméstica no mundo, os números de agressão contra mulheres são alarmantes.
Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública encomendada junto ao Instituto Datafolha, divulgada em março deste ano, revelou que uma a cada três mulheres brasileiras com mais de 16 anos já sofreu violência física e/ou sexual de seus parceiros ou ex-parceiros.
Isso significa, conforme os dados, que 33,4% da população feminina do país já foi vítima de violência física e/ou sexual por parte de seus parceiros íntimos ou ex-companheiros.
Ainda de acordo com o estudo denominado “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, se forem considerados casos de violência psicológica, 43% das mulheres brasileiras já foram vítimas do parceiro íntimo. Dentre as principais vítimas, estão as divorciadas, além das negras, de baixa escolaridade e com filhos.
O estudo, que está em sua quarta edição, apontou a primeira vez o ex-companheiro como o principal autor da violência (31,3%), seguido pelo atual parceiro íntimo (26,7%). O autor da violência é conhecido da vítima na maior parte dos casos (73,7%).
De acordo com a pesquisa, 45% das mulheres vítimas de violência relataram não terem tomado atitudes diante da agressão mais grave que sofreram, e 38% afirmaram que “resolveram a situação sozinhas”.
*Os nomes foram alterados para preservar a identidade das testemunhas no processo.
Primeira Parte. Em entrevista à Agência Pública, divulgada nesta quarta-feira (21), Jullyene Lins, ex-esposa do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), denunciou ter sido vítima também de violência sexual. Ao ICL Notícias, Jullyene já havia reportado agressões físicas reforçadas por testemunhas e um laudo médico feito à época. A jornalista Cristina Serra comenta o caso e cobra reabertura das investigações. "A impunidade desse sujeito será a suprema humilhação a essa mulher".
Segunta Parte. Apuraçao exclusiva revela detalhes das agressoes cometidas por Artur Lira