A cloroquina, aborto e morte de grávidas
Os números do Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19 (OOBr Covid-19) mostram que a realidade das gestantes brasileiras durante a pandemia é assustadora.
Ao longo de 2020, foram registradas 453 mortes pela infecção com o novo coronavírus nas mulheres que esperam ou acabaram de dar à luz a um filho, o que representa uma média semanal de 10,5 óbitos.
Nos primeiros quatro meses de 2021, já foram registradas 289 mortes, o que faz a taxa semanal de óbitos nessa população dobrar.
Na comparação entre os dois anos, o crescimento de mortes entre grávidas foi de 145,4%, enquanto na população geral esse aumento ficou em 61,6%, calcula o OOBr Covid-19.
A explicação para esse fenômeno estaria na falta de assistência adequada: com a chegada de tantos pacientes num curto espaço de tempo, muita gente não teve acesso aos leitos de enfermaria ou UTI e, infelizmente, acabou morrendo na espera de um atendimento.
De acordo com as fontes ouvidas pela BBC News Brasil, isso impacta especialmente grupos com a saúde mais vulnerável, como as gestantes.
Uma pesquisa publicada em julho de 2020 já apontava essa tendência: até o dia 18 de junho do ano passado, o Brasil respondia por 77% de todas as mortes de gestantes por covid-19 do mundo.
Os dados, colhidos por especialistas da Fiocruz e de outras quatro instituições, indicavam que 23% dessas mulheres não tiveram acesso a um leito de UTI e 36% nem chegaram a ser intubadas.
Vide reportagem de André Biernath in BBC News ontem, dia 19 de abril.
TRATAMENTO PRECOCE DE BOLSONARO
Que as ciências médicas e a CPI da Pandemia precisam investigar é a influência maléfica do Ministério da Saúde com o chamado tratamento precoce da Covid-19, com medicamentos nocivos à gravidez.
A hidroxicloroquina pode ser detectada no sangue do cordão umbilical em concentrações semelhantes às do soro materno. Existe um risco teórico, não confirmado em estudos com humanos, de toxicidade retiniana fetal após uso prolongado ou de altas doses de hidroxicloroquina.
Riscos da cloroquina superam possíveis benefícios para grávidas com Covid-19
Amanda Milléo, em 17 de junho de 2020 advertia:
"Gestantes, assim como crianças, não são considerados grupos de alto risco para complicações da Covid-19. Usar medicações com potencial de causar prejuízos e sem eficácia comprovada para o novo coronavírus, como é o caso da hidroxicloroquina e da cloroquina, parece ser um contrassenso, na opinião de especialistas.
Porém, na última segunda-feira (15), o Ministério da Saúde ampliou a permissão de uso dessas medicações tanto para grávidas quanto para crianças, inclusive entre pacientes com sintomas iniciais. A decisão vem na contramão das orientações de outros países".
Mariama Correia, em reportagem datada de 19 de abril último, com o título: "Movimento de médicos que mistura aborto com cloroquina tem ligações com o Ministério da Saúde".
O “Ainda Há Bem” não é o único movimento de médicos conservadores articulado em defesa de tratamentos ineficazes contra a Covid-19 no Brasil. O próprio Conselho Federal de Medicina tem se alinhado com o discurso bolsonarista pró-cloroquina. Em fevereiro deste ano, 11 grandes jornais brasileiros publicaram um informe publicitário pró-cloroquina da Associação Médicos pela Vida, que é bancada por indústrias farmacêuticas, como revelou o Estado de S. Paulo e tem manifestos na internet com mais de 4 mil assinaturas.
A bula do sulfato de hidroxicloroquina adverte:
"Gravidez e amamentação
Gravidez
O uso da hidroxicloroquina é desaconselhado durante a gravidez, exceto quando, na opinião do médico, os benefícios potenciais individuais superarem os riscos.
Amamentação
A hidroxicloroquina é excretada no leite materno (menos de 2% da dose materna após correção do peso corporal).
Aplica-se apenas à indicação de malária
A amamentação é possível em caso de tratamento curativo da malária. Embora a hidroxicloroquina seja excretada no leite materno, a quantidade é insuficiente para conferir qualquer proteção contra a malária ao lactente. É necessária quimioprofilaxia separada para o lactente.
Existem dados muito limitados sobre a segurança da criança amamentada durante o tratamento com hidroxicloroquina a longo prazo; o prescritor deve avaliar os potenciais riscos e benefícios do uso de hidroxicloroquina durante a amamentação, de acordo com a indicação e duração do tratamento.
Desta forma, apenas o médico pode decidir sobre o uso de sulfato de hidroxicloroquina durante a gravidez e amamentação, pois o uso do medicamento nesses períodos necessita de cuidados especiais.
Este medicamento não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação médica. Informe imediatamente seu médico em caso de suspeita de gravidez".
Polícia Civil e Ministério Público investigam morte de paciente com Covid tratada com nebulização de hidroxicloroquina em Manaus
A Polícia Civil e o Ministério Público do Amazonas estão investigando a morte de uma paciente com Covid, em Manaus, que recebeu tratamento com nebulização de hidroxicloroquina. O procedimento não tem eficácia comprovada.
A Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM) informou ao G1, em nota, que determinou abertura de sindicância e o afastamento da médica que realizou o tratamento. Conforme o órgão, o procedimento não faz parte dos protocolos da rede estadual de saúde.
Segundo a SES, duas pacientes foram submetidas a nebulização com a hidroxicloroquina, mas apenas uma delas recebeu alta. Os casos foram registrados na maternidade Instituto da Mulher Dona Lindu (IMDL).
A médica filmou o momento em que uma das pacientes é submetida ao tratamento com hidroxicloroquina, para mostrar aos familiares. A paciente morreu, e um parente denunciou o caso nas redes sociais
A delegada Deborah Souza, titular do 15º Distrito Integrado de Polícia (DIP), informou que recebeu a denúncia do Comitê de Violência Obstétrica do Amazonas e da ONG Humaniza. Conforme a denúncia, pelo menos três mulheres grávidas morreram após o tratamento.
"Nós estamos investigando as circunstâncias em que aconteceu a morte dela, abrimos inquérito policial e, após a conclusão do inquérito, nós levaremos o caso à Justiça para tomar as providências cabíveis", disse.