Em entrevista ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho, no jornal O Estado de S. Paulo, Janaina Paschoal afirmou: "(Flavio Bolsonaro) tem todo o direito à defesa, a entrar com todas as medidas, mas me parece complicado ver uma reação parecida com a que foi a do Aécio (Neves), e com a que é a do Lula até hoje”. E, em outro trecho: “O sigilo sobre a investigação não pode haver. Vamos imaginar que haja alguma coisa errada com o senador. Se isso tivesse aparecido antes da eleição, ele provavelmente não teria sido eleito". Paschoal contou também que seu pai perguntou a ela se continuaria no PSL após essas denúncias. Ela está pesquisando a legislação para ver se é possível deixar o partido sem perder o mandato.
Até mesmo o guru do governo Bolsonaro, Olavo de Carvalho, anda se irritando por ser chamado de guru do governo Bolsonaro. Quando um grupo de parlamentares do PSL foi para a China, ele gravou um vídeo dizendo: “E eu sou guru dessa porcaria? Não sou guru de merda nenhuma”.
Um escândalo de corrupção no primeiro mês de qualquer governo é um problema. Um escândalo de corrupção no primeiro mês de um governo que apoiou sua plataforma no discurso fácil da anticorrupção é um pesadelo. As suspeitas, porém, vão muito além da corrupção. Elas alcançam relações mais perigosas. E não com qualquer crime, mas um crime de repercussão internacional: o assassinato de Marielle Franco, uma vereadora negra, lésbica e moradora da Maré, ocorrido há quase 11 meses sem que a polícia tenha concluído a apuração. Quando 2018 terminou, as autoridades responsáveis chegaram ao fundo do buraco sem fundo: tentavam apurar porque não conseguiam apurar o crime. Hoje, finalmente, a investigação começa a avançar. E chega bem perto da família do presidente.
Flávio Bolsonaro pode estar envolvido com a milícia Escritório do Crime, principal suspeita do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes. A mãe e a mulher do ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega, um dos líderes da milícia e hoje foragido, trabalhavam no seu gabinete. Como deputado estadual, Flavio deu a Nóbrega a medalha Tiradentes, a maior honraria da Assembleia Legislativa do Rio. Na ocasião, o então PM estava preso por um dos homicídios atribuídos a ele.
As milícias cariocas são organizações criminosas formadas majoritariamente por agentes do Estado ligados às forças de segurança, como policiais civis e militares, bombeiros, agentes penitenciários e integrantes do Exército. Os vários episódios em que Flavio apoiou e protegeu esses criminosos que extorquem e aterrorizam as comunidades pobres, assim como matam por encomenda, são agora lembrados. As conexões tornam-se mais explícitas à luz dos novos fatos.
Dois pesos, duas medidas: o filho de 37 anos, que pode estar envolvido com milícias e corrupção, é “garoto”; já para os garotos dos pobres têm que reduzir a maioridade penal já
O presidente que, tão logo assumiu, liberou a posse de armas de fogo num país com quase 64 mil assassinatos por ano tem um filho próximo das milícias que produzem crimes. É interessante observar a diferença dos pesos e medidas: o filho de 37 anos, senador eleito, seria um “garoto” vítima de uma campanha difamatória para atingir seu governo, na versão do presidente do Brasil. Já para os filhos dos outros, a maioria negros e pobres, os que de fato são garotos, a turma de Bolsonaro defende cadeia já. Quando não pena de morte. Para o próprio filho, maioridade penal aumentada para, quem sabe, 40 anos. Para os filhos dos outros, maioridade penal reduzida.
Queiroz é uma bomba-relógio bem no meio da mesa de pão com leite condensado e copos de plástico da família Bolsonaro, aquela que apostou no marketing do gente como a gente na campanha eleitoral. Mas quem quer agora ser gente como essa gente?
Apenas no primeiro mês de governo, a família Bolsonaro aparece com suspeitas de envolvimento com corrupção e de proximidade com a milícia que pode ter assassinado uma das mais atuantes vereadoras de esquerda da nova geração de parlamentares. O que virá nos próximos meses ou nos próximos quatro anos? A pergunta não assombra apenas os opositores, começa a tirar o sono dos aliados.
Este pode não ser um problema para Paulo Guedes, já que os chamados Chicago Boys não tiveram dilemas morais ou éticos para comandar a economia na ditadura de Augusto Pinochet, entre os anos de 1973 e 1990, no Chile. Lá implantaram um programa extremista neoliberal só possível num regime de exceção, que não precisa convencer a sociedade ou negociar com ela, apenas impor medidas pelo caminho autoritário.
Pode, porém, ser um problema para Sergio Moro, que quer muito passar para a história como o herói anticorrupção, o superjuiz da Lava Jato que “limpou” o Brasil. Moro pode estar se perguntando como fará para não manchar sua capa no esgoto dos Bolsonaro. Já não estava fácil conviver com ministros que veem Jesus em goiabeira e acusam a esquerda de criminalizar o ar-condicionado. Mas o dedão do Queiroz na conta bancária da primeira-dama é de outra ordem.
Quando Bolsonaro despontou como o possível vitorioso desta eleição, diferentes elites se aproximaram dele com a certeza de que poderiam usar sua popularidade para chegar ao poder – ou apenas para mantê-lo. Setores do Exército sabiam que ele era um capitão que não respeitava hierarquia, um subordinado que já tinha se mostrado fora de qualquer controle, o que determinou tanto sua saída das Forças Armadas quanto o início de uma carreira de quase três décadas como deputado bufão. Mesmo assim, decidiram arriscar.
Estavam errados? Depende do ponto de vista e dos objetivos. A operação que levou ao poder um capitão reformado notável pelo despreparo, mas que se mostrou altamente popular, é brilhante. Bolsonaro não representava as Forças Armadas. O que ele podia representar, com quase 30 anos no baixo clero do Congresso, é o baixo clero do Congresso. Mas Bolsonaro usou o Exército e foi usado por ele.
O terceiro filho, Eduardo Bolsonaro, não estava totalmente errado ao dizer que o pai se colocaria além do risco de impeachment se tivesse como vice um general. Ele estava, ao mesmo tempo, reconhecendo o trauma deixado pela ditadura e usando o trauma deixado pela ditadura a favor da família. Aparentemente, seria muito difícil um general se eleger presidente pelo voto num país que amargou 21 anos de um regime de exceção comandado por uma sequência de generais. Aparentemente, seria difícil que os brasileiros desejassem que um vice que também é general passasse a ocupar o posto máximo da República. Aparentemente, Mourão usaria sua proximidade com as forças armadas para proteger o mandato de ambos.
Ao apoiar a eleição de Bolsonaro, os generais conseguiram uma façanha como estrategistas políticos
Ao apoiar a eleição de Bolsonaro, os generais da ativa e da reserva conseguiram uma façanha como estrategistas políticos. A composição do governo Bolsonaro é complexa. Mas, de tudo o que é, este é um governo militarizado: o vice-presidente é general da reserva, o porta-voz é um general da ativa e sete ministros são militares, o equivalente a um terço do ministério. Segundo o jornalista Rubens Valente, em reportagem da Folha de S. Paulo de 20 de janeiro, já passam de 45 os militares nomeados ou prestes a serem nomeados em 21 áreas do governo, “da assessoria da presidência da Caixa Econômica ao gabinete do Ministério da Educação; da diretoria-geral da hidrelétrica Itaipu à presidência do conselho de administração da Petrobras”.
O número de militares no governo cresce a cada dia. É um grande poder não apenas de influência, mas de ação, com “uma força econômica que ultrapassa as centenas de bilhões de reais”. O que falta para ser um governo militar? Esta é uma pergunta que não tem resposta fácil, mas cuja resposta já está sendo construída.
As Forças Armadas devem a Bolsonaro a volta dos militares ao poder na democracia
As Forças Armadas, e especialmente o Exército, consumaram a proeza de voltar ao poder na democracia. Devem isso a Bolsonaro. O então deputado, com sua estridência e histrionismo, prestou vários serviços às fardas. O Brasil não lidou com o seu passado. Os sequestradores, torturadores e assassinos a serviço do Estado no período da ditadura militar (1964-85) nunca foram punidos, como foram exemplarmente em países vizinhos, caso da Argentina e do Chile. A operação de apagamento da memória teve um custo alto para o Brasil e é um dos principais fatores que levaram o país à situação atual, como já escrevi neste espaço mais de uma vez.
Até mesmo o tímido esforço que foi feito, no governo de Dilma Rousseff (PT), para esclarecer os crimes do período de exceção, incomodou a cúpula militar. Ainda hoje há mais de 200 desaparecidos pelo regime. Suas famílias estão condenadas a viver sem conseguir enterrar seus mortos e fazer o luto. Mesmo assim, os generais detestaram a Comissão Nacional da Verdade, que apontou mais de 300 agentes do Estado envolvidos com sequestros, torturas e assassinatos. E olharam com muita preocupação para as pressões de vários atores da sociedade civil para revisar a Lei da Anistia no Supremo Tribunal Federal.
Ao homenagear o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais sádicos torturadores e assassinos da ditadura, em seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro presta um grande serviço à revisão da história que uma parcela dos militares de alta patente tanto desejam. Tinha que ser alguém fora de controle para homenagear um torturador no impeachment de uma presidente que foi torturada pelo regime de exceção e, assim, romper a barreira do que os ultradireitistas chamam erroneamente de “politicamente correto”. O descontrole que levou Bolsonaro a deixar as forças armadas e iniciar a carreira política, neste novo momento do país passara a se tornar útil para alguns peitos estrelados. Sempre é preciso um fanfarrão sem escrúpulos para que os moderados possam continuar polindo as suas espadas.
A eleição de Bolsonaro significou a chance de mudar a história. E uma parcela dos militares de alta patente quer muito mudar a história. Ou evitar que ela seja finalmente passada a limpo.
Em 2017, o atual vice-presidente, Hamilton Mourão, defendeu um golpe militar caso o judiciário não punisse os corruptos: ou o judiciário punia os corruptos do país “ou então nós (do Exército) teremos que impor isso”. Antes, em 2015, já havia perdido o prestigioso comando das forças militares do sul pela soltura da língua, ao afirmar numa palestra que a substituição da presidenta Dilma Rousseff teria como vantagem “o descarte da incompetência, má gestão e corrupção”. No início de 2018, Mourão foi para a reserva.
Mourão, o recém convertido ao evangelho da moderação, ocupa hoje o único cargo em que não pode ser demitido por Bolsonaro
Vejam só onde está agora: no único cargo em que não pode ser demitido por Bolsonaro, porque também foi eleito. Mourão, o que afirmou à Globo News admitir o “autogolpe” com “o emprego das Forças Armadas”, em caso de “anarquia”. Mourão, aquele que defendeu uma constituinte sem participação popular, feita por uma “comissão de notáveis”. Mourão, o que chamou os africanos de “malandros” e os indígenas de “indolentes”. Mourão, o que disse que as famílias chefiadas por mães e avós nas comunidades pobres eram “uma fábrica de desajustados”. Mourão, aquele que chamou o décimo-terceiro salário de “jabuticaba nacional”. Mourão, que também admira o torturador Ustra, a quem justificou os atos criminosos com a seguinte frase: “Heróis matam”.
Este homem despontou no primeiro mês de governo como Mourão, o moderado. Ou Mourão, o sensato. Ou ainda Mourão, o gentil. Não apenas porque Bolsonaro vai se tornando rapidamente um bode com odor cada vez mais forte numa sala que se tornou apertada pelo acúmulo de fardas e estrelas no peito, mas também porque Mourão tem se esforçado bastante para poder convencer o Brasil da autenticidade do seu novo papel.
Até mesmo o escândalo da promoção do filho do vice, que numa canetada teve o salário elevado de 14 mil para 36.500 reais, desidratou diante das suspeitas que pesam sobre o filho do presidente. Afinal, nesta disputa inglória, o que é uma promoção de um funcionário de carreira do Banco do Brasil comparada à suspeita de corrupção e envolvimento com milícias? Este é o tipo de escolha que o Brasil precisou fazer no primeiro mês do governo.
Não é de hoje que Mourão desautoriza Bolsonaro, tratando-o como o garoto que ele parece ser. Como quando disse à jornalista Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo: “Não podemos nos descuidar do relacionamento com a China (...) Aquilo (a declaração de que a China está tentando comprar o Brasil) é mais uma retórica de campanha, né? Com as redes sociais, muita coisa flui e não é a realidade. Uma briga com a China não é uma boa briga, certo?”. Ou: “Não resta dúvida de que existe aquecimento global, não acho que seja uma trama marxista”.
Na segunda-feira (28/1), encontrou-se com o embaixador da Palestina e botou em dúvida a várias vezes anunciada transferência da embaixada do Brasil em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, uma promessa de Bolsonaro aos evangélicos neopentecostais que veem a cidade como o futuro palco do Armageddon. “O Estado brasileiro, por enquanto, não está pensando em nenhuma mudança da embaixada”, afirmou no dia em que Bolsonaro fez sua terceira cirurgia após o atentado à faca sofrido durante a campanha eleitoral.
Enquanto sorri e distribui fofoletices, Mourão acaba, na prática, com a Lei de Acesso à Informação
Enquanto sorri para embaixadores e empresários e manda recados amistosos para a imprensa pelo Twitter, Mourão diz bastante sobre o quê de fato representa. Ao assumir a presidência do país quando Bolsonaro estava em Davos, ele na prática acabou com a Lei de Acesso à Informação, promulgada por Dilma Rousseff, uma conquista da sociedade e da democracia em favor da transparência. O decreto de Mourão amplia – e muito – o número de pessoas que podem classificar documentos do governo como ultrassecretos, o que os torna inacessíveis por 25 anos, que podem ser prorrogados por mais 25 anos. Agora, até uma parcela dos funcionários comissionados têm o poder de evitar que a população tenha conhecimento dos atos do governo. É a ação mais contundente de censura – e é só o primeiro mês. É também uma canetada compatível com um regime de exceção.
Diante do anúncio de Jean Wyllys de que não assumiria o mandato para o qual foi eleito e deixaria o país para não ser morto, Mourão soou mais moderado na imprensa. Mas comparado a quem? Ao presidente que faz molecagens no Twitter.
A declaração mais valorizada de Mourão foi: “Quem ameaça parlamentar está cometendo um crime contra a democracia. Uma das coisas mais importantes é você ter sua opinião e ter liberdade para expressar sua opinião. Os parlamentares estão ali, eleitos pelo voto, representam cidadãos que votaram neles. Quer você goste, quer você não gosta das ideias do cara, você ouve. Se gostou bate palma, se não gostou, paciência”.
A declaração que mais demanda atenção é: “Temos que aguardar quais são essas ameaças, porque ele falou de forma genérica. Se ele está ameaçado tem de dizer por quem e como. Não estou na chuteira do Jean Wyllys. Ele que sabe qual é o grau de confusão que ele está metido”.
Primeiro: quem tem que investigar e descobrir os culpados é a Polícia Federal. Segundo: não há nada de “genérico” nas denúncias que foram feitas por Jean Wyllys e que geraram uma medida cautelar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, determinando que o Estado brasileiro garantisse a proteção do deputado e de sua família. As ameaças de morte contra o deputado tanto não são genéricas que o ministério da Justiça de Sergio Moro se apressou a dizer que a Polícia Federal estava investigando e que já tinha prendido pelo menos um dos responsáveis. Terceiro: a frase sobre “o grau de confusão que ele está metido” claramente busca culpar a vítima. Ameaça de morte não é “grau de confusão”. É ameaça de morte, é crime.
Mourão se moderou, mas ainda sofre de incontinência verbal, afinal não se muda de uma hora para outra os hábitos de uma vida inteira. O vice que já assumiu duas vezes a presidência no primeiro mês de governo é como o escorpião da fábula: quase chega à outra margem do rio, mas não consegue deixar de picar o sapo que o transporta. Um problema, possivelmente, para o grupo de generais no poder.
Por enquanto, porém, Mourão tem encarnado o adulto na sala. É o pai do garoto. Que, por sua vez, é pai de outro garoto, o amigo e ex-empregador do Queiroz. Este, por sua vez, não é garoto – e sim a primeira sombra do governo de Bolsonaro. E que sombra.
Qualquer declaração de Mourão soa melhor do que os emoticons de Bolsonaro. A operação mental que caracteriza o desespero faz com que mesmo os mais céticos se agarrem a qualquer promessa de equilíbrio. Bolsonaro tem feito uma parcela crescente de brasileiros se sentirem muito inseguros. Mesmo quem votou nele e segue brigando por ele nas redes sociais, com a elegância habitual, sabe que não faz sentido. Ele já está eleito. O problema agora é que governa.
Amador, o clã Bolsonaro acreditou cedo demais que tinha enterrado a imprensa
Entre os erros do clã Bolsonaro e de seu entorno está o de acreditar que a imprensa está morta. Não é tão fácil assim. As redes sociais e plataformas da internet têm poder, especialmente quando são fraudadas as regras eleitorais usando o WhatsApp, mas a TV ainda é o principal veículo de informação da população no Brasil. Parte da imprensa brasileira tem feito jornalismo como há tempo não se via. Uma pena que não tenha sido sempre assim.
Todos ganham com a imprensa fazendo bem o seu trabalho. É preciso continuar prestando atenção no jogo pesado que se faz por cima, no andar dos donos do poder. Bolsonaro se tornou impossível de engolir, porque entrou em confronto direto com parte das famílias proprietárias dos grandes meios de comunicação. Mas isso sempre pode ser alterado. Pesa contra ele, porém, sua imprevisibilidade, já que ele costuma mudar de ideia e descumprir os acordos. Por outro lado, esses mesmos proprietários cultivam boas relações jamais perdidas com a cúpula militar. Os próximos dias mostrarão quem faz bom jornalismo sempre, e não só conforme a ocasião.
Quando fez o seu vaticínio, o terceiro filho não poderia saber que efeito Bolsonaro teria no poder. Feito à imagem e semelhança do pai, o filho se olha no espelho e também se acha o máximo. Circula apenas pelas bolhas e todos dizem que sua família é incrível. A realidade vem mostrando que, diante de um Bolsonaro ameaçado pelo escândalo da corrupção e do envolvimento com a milícia suspeita de assassinar Marielle, o vice “faca na caveira” pode assustar menos. Muito menos. O vice “faca na caveira” vem se tornando uma referência de autoridade, confiança e equilíbrio, objetivo claro de todos os movimentos de Mourão num jogo que o clã Bolsonaro tem a ilusão de dominar, mas só conhece meia dúzia de estratégias.
Manter Bolsonaro com a faixa e como fachada, mas sob controle, pode se tornar impossível se as investigações aprofundarem as conexões familiares com a corrupção e as milícias
O Bolsonaro fanfarrão pode ser tolerado. Alguns dos grupos que sustentam seu governo acreditaram, em minha opinião com excesso de otimismo, que poderiam manipular e controlar o cabeça de chapa. Mas o Bolsonaro que pode estar envolvido com corrupção e tem um filho próximo às milícias assassinas do Rio de Janeiro é muito mais complicado. Começa a ficar constrangedor e impossível de justificar. Conforme o desenrolar dos fatos, o barulho do ralo pode ameaçar o projeto de poder. Já não há como voltar atrás: os militares foram fundo, já se tornaram fiadores do atual governo.
O que fazer então com Bolsonaro, este que chega ao final do primeiro mês com a popularidade começando a desidratar? O que era o plano de alguns, mantê-lo com a faixa e como fachada, afinal ele é o “mito”, mas sob controle, pode deixar de ser uma alternativa viável se as investigações descobrirem mais esqueletos no armário dos Bolsonaro. Conforme a apuração, tanto da corrupção quanto do assassinato de Marielle, um impeachment pode ser inevitável, como alguns articulistas já apontaram. Mas é traumático demais e muitos tentarão evitar o segundo afastamento de um presidente eleito na sequência, o terceiro desde a redemocratização. Há outras possibilidades, entre elas o afastamento por problemas de saúde, por exemplo. Tudo depende do que as investigações vão revelar nas próximas semanas e meses.
Bolsonaro já sentiu na nuca o bafo de Mourão, tanto que decidiu despachar, pelo menos oficialmente, da cama do hospital onde se recupera de uma cirurgia. Afinal, em pouco mais de três décadas o Brasil já teve três vices assumindo o poder – um por morte do titular, os outros dois por impeachment. Até Olavo de Carvalho, o guru de Bolsonaro, anda nervoso. Fez um vídeo desancando Mourão. Sem seu adorador, o guru perde o prestígio recém adquirido. Os constrangedores ministros que indicou – e emplacou – também podem virar passado.
O futuro próximo do governo depende em grande parte do desempenho da economia. Os brasileiros já comprovaram que podem conviver com qualquer coisa se a vida cotidiana melhorar ou se sentirem que tem alguma vantagem. As várias vitórias de Paulo Maluf, no maior colégio eleitoral do país, estão aí para não deixar ninguém esquecer.
O que os militares querem? Reescrever a história
O que os militares querem? Muito. Talvez o que mais queiram seja mudar o passado e reescrever seu papel na história do Brasil, como já ficou claro. Penso que também queiram escrever um futuro que redima a imagem que desejam de todo jeito apagar. Já começam a aparecer como heróis, como repositório de confiança num governo povoado por delirantes, no sentido estrito da palavra, e/ou oportunistas.
Não é aconselhável tentar prever o futuro, só é possível ler os sinais do presente. O fato mais revelador do primeiro mês do governo militarizado de ultradireita é: o parlamentar que cuspiu em Bolsonaro quando ele homenageou Ustra, um torturador da ditadura que levava crianças pequenas para ver os pais torturados, foi obrigado a deixar o Brasil para não ser assassinado.