No terceiro episódio da segunda temporada do podcast “UOL Investiga”, a jornalista Juliana Dal Piva revela como a família Bolsonaro ignorava as denúncias dos crimes de policiais durante a CPI das milícias.
Flávio e Carlos condecoraram 16 policiais denunciados como integrantes de organizações criminosas.
Ao mesmo tempo, o ex-capitão do Bope Adriano Nóbrega crescia no mundo do crime.
“UOL Investiga - Polícia Bandida e o Clã Bolsonaro” fala da relação da família Bolsonaro com agentes das forças de segurança que se tornaram milicianos e usaram seu treinamento para cometer crimes.
Traz ainda detalhes da relação da família Bolsonaro com Adriano Nóbrega, ex-policial militar morto em 2020 e apontado como chefe de assassinos de aluguel
Jair e Flávio inclusive fizeram visitas ao ex-capitão na prisão.
Esta temporada tem também a história completa do roubo de uma moto do presidente em 1995, crime que mobilizou parte da polícia do Rio e simboliza vários problemas da segurança pública.
O que é e como funciona o Escritório do Crime
Braço armado da milícia que age na Zona Oeste no Rio, a organização era comandada pelo ex-capitão do Bope, Adriano Magalhães da Nóbrega, que tinha ex-esposa e mãe empregadas no gabinete de Flávio Bolsonaro
Investigações do Ministério Público (MP) aprofundam cada vez mais o envolvimento da família Bolsonaro com o chamado Escritório do Crime.
Braço armado da milícia que age na Zona Oeste do Rio de Janeiro, a organização era comandada pelo ex-capitão do Bope, Adriano Magalhães da Nóbrega, que tinha ex-esposa e mãe empregadas no gabinete de Flávio Bolsonaro, na época em que o filho do presidente era deputado estadual.
Adriano é amigo do policial militar reformado Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio. O ex-capitão chegou a ser homenageado pelo filho de Jair Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Mais informações sobre o suposto esquema de corrupção envolvendo Flávio, hoje senador, vieram à tona após a deflagração de mandados de busca e apreensão solicitados pelo MP-RJ.
As apurações apontam que Danielle Mendonça da Costa, ex-esposa de Adriano, admitiu que a origem do dinheiro que recebia como assessora de Flávio na Alerj era ilegal.
Ex-assessora do então deputado, Danielle é apontada pelo MP como uma funcionária fantasma que recebia salário e o repassava para Queiroz, indicado como chefe do esquema de “rachadinhas” no gabinete de Flávio.
De acordo com o MP, ela teria repassado a Queiroz R$ 150 mil no período em que esteve na Alerj.
O MP-RJ também concluiu que contas bancárias de Adriano foram usadas para repassar dinheiro a Queiroz.
A conclusão foi tirada com base em informações da quebra de sigilo bancário e fiscal de Queiroz e de Danielle.
Execuções por encomenda
O Escritório do Crime nasceu da exploração imobiliária ilegal em atividades como grilagem, construção, venda e locação ilegal de imóveis.
Especializada em execuções por encomenda, a organização é composta pelo que se chama de banda podre da polícia.
Os integrantes utilizam as técnicas aprendidas nas corporações oficiais para cometer assassinatos.
Há fortes suspeitas que o grupo esteja envolvido em 19 homicídios não esclarecidos desde 2002.
Os criminosos chamam atenção pelo profissionalismo com que atuam.
Marielle
Em agosto de 2018, passaram a ser investigados sob acusação de envolvimento com o assassinato da ex-vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
A suspeita é que os assassinatos tenham sido encomendados para a organização com o objetivo de evitar que Marielle atrapalhasse os negócios do grupo.
A ex-vereadora estava investigando as atividades imobiliárias ilegais dos milicianos em Rio das Pedras.
Marielle Franco foi executada durante a intervenção militar do governo Michel Temer no Rio de Janeiro.
O interventor de Temer, hoje vice na chapa de Jair Bolsonaro, o general Braga Neto jamais interveio nos territórios das milícias.
Governador golpista Cláudio Castro pretende recrutar dez mil veteranos para as milícias eleitorais armadas
Policiais da reserva do Rio de Janeiro receberão armas distribuídas pelo governo de Cláudio Castro, que já promoveu as duas maiores chacinas do Estado: As Chacina de Jacarezinho e a Chacina da Vila Cruzeiro.
É um governo que ataca apenas as favelas cobiçadas pelas milícias, cujos territórios são livres. Nem o general Braga Neto, interventor militar do Rio de Janeiro, ousou com tropas do Exército invadir bairros milicianos.
Armar policiais da reserva uma ação temerária. Que as milícias são formadas por policiais e militares da ativa e da reserva.
Polícia de dia e milícia de noite
Esses grupos criminosos são formados, em boa parte, por agentes do Estado, a exemplo de policiais militares e civis, bombeiros, integrantes das Forças Armadas e agentes penitenciários, como revelou o relatório final da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Milícias da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, divulgado em 14 de novembro de 2008. Porém também agregam criminosos comuns e, até mesmo, traficantes. Leia reportagem de Flávio Costa in UOL.
A origem das milícias no Rio das Pedras
A população de Rio das Pedras cresceu atraída pelas oportunidades que surgiam na região da Barra da Tijuca, bairro próximo. Hoje é a terceira maior favela do Rio, segundo estimativa da Prefeitura com base no IBGE de 2010. Tem 63.484 moradores, boa parte deles de origem nordestina. 'Os moradores daqui têm uma cultura de trabalho muito forte, e isso faz com que haja muito comércio e muita atividade, 24 horas por dia', diz uma moradora. Moradores com quem a BBC News Brasil conversou dizem que sabem que a região é controlada por milicianos. 'É um lugar mais tranquilo, mas às vezes some alguém que fez algo errado'. O pesquisador Ignacio Cano diz que as eleições lá acontecem da mesma maneira que em outros territórios controlados por grupos armados: "faz campanha quem eles (milicianos) querem". Políticos foram, por muitos anos, condescendentes com a milícia, dizendo que ela era um 'mal menor' do que o tráfico. Fotografias de Gabriel Jáuregui
O que hoje é conhecido popularmente como milícia no Rio de Janeiro, pode-se dizer que teve seu início na favela de Rio das Pedras, nos anos 1970, quando, numa ainda bucólica área da Zona Oeste, o nome referia-se a um córrego que cortava a região. Formada por migrantes nordestinos, que se organizaram para impedir a entrada de traficantes, a comunidade acabou se tornando refém da “segurança privada” que os próprios buscavam.
— Essa base de comerciantes vindos do Nordeste criou uma espécie de enclave que acabou financiando essa prática, resultando, mais tarde, na ação da milícia — diz José Cláudio Souza Alves, professor de sociologia da Universidade Federal Rural do Rio (UFRRJ).
Aos poucos, policiais e bombeiros se infiltraram nesses grupos de “seguranças”, principalmente a partir de 2007, quando ocorreram os assassinatos do inspetor da Polícia Civil Félix Tostes, o Félix de Rio das Pedras, com mais de 30 tiros, e do vereador Josinaldo Francisco da Cruz, o Nadinho de Rio das Pedras. Ambos disputavam o comando da região. O que difere essa milícia dos grupos de extermínio é, sobretudo, o controle exercido sobre o território e o envolvimento com atividades comerciais, que extrapolam a venda de “segurança”.
— E passaram a controlar não só a ação dos comerciantes, como também a distribuição de terras, os imóveis e até os votos durante as eleições. Além, é claro, da cobrança de água, gatonet, estacionamento — disse José Cláudio. Leia mais. Reportagem de Joaquim de Carvalho in Jornal DCM, o Essencial.
A milícia do Rio das Pedras era reduto de policiais ligados à família Bolsonaro, notadamente Adriano da Nóbrega, recentemente assassinado em uma queima de arquivo. Mãe e esposa de Adriano trabalharam no gabinete do senador Flávio Bolsonaro, quando deputado estadual.
Capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega
A SEDE DO ESCRITÓRIO DO CRIME
Investigações mostraram que Rio das Pedras é a sede do chamado Escritório do Crime, grupo de extermínio formado por policiais reformados ou na ativa que pode ter sido responsável pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, que aconteceu em março de 2018 e até hoje não foi esclarecido.
A polícia encontrou imagens que mostram o carro usado pelos assassinos passando por um via que margeia a favela.
Outro motivo que fez país voltar o olhar para o lugar é por sua conexão com o poder. Segundo o jornal O Globo, Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL) - filho do presidente Jair Bolsonaro - ficou abrigado ali após vir à tona que ele fora citado em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) devido a uma movimentação atípica de valores em sua conta.
Em 2005, o filho do presidente homenageou o policial suspeito de integrar a milícia, Adriano Magalhães da Nóbrega, entregando a ele a medalha Tiradentes, uma honraria concedida pelo Estado do Rio a pessoas que prestaram bons serviços públicos. Leia mais. Reportagem de Luiza Franco para inglesa BBC News.
Bairro dos suspeitos da morte de Marielle
Como é a vida em Rio das Pedras? Acrescenta Luiza Franco:
Sua população, esparsa durante a década de 1960, foi aumentando atraída especialmente pelas oportunidades que surgiam na região da Barra da Tijuca, bairro próximo e que passou por um boom de construção civil nas décadas seguintes. Muita gente veio também de outras favelas, numa época em que o poder público adotava uma política de remoção, segundo dissertação de mestrado em arquitetura pela USP de Izabel Mendes.
Cresceu até se tornar a terceira maior favela do Rio, segundo estimativa da Prefeitura com base no IBGE de 2010. Tem 63.484 habitantes, boa parte deles de origem nordestina. Moradores contam que até hoje há um ônibus que faz semanalmente viagens de e para o Ceará direto do bairro.
A presença nordestina é perceptível em qualquer ponto do bairro, nos sotaques das pessoas, no forró das caixas de som. As ruas são agitadas.
Marta (nome fictício) veio de um Estado do Nordeste depois de se casar com um homem que já morava em Rio das Pedras. Célia (também nome fictício) veio ainda adolescente, deixando para trás uma vida de doméstica pela qual ganhava R$ 150 por mês.
Elas e outros moradores com quem a BBC News Brasil conversou dizem que sabem que a região é controlada por milicianos, que isso é comentado em conversas, mas não lidam diretamente com eles e não têm sua vida afetada por suas atividades.
"Às vezes a gente fica sabendo que alguém fez alguma coisa errada - roubou, vendeu droga, algo assim -, e aí essa pessoa some", diz uma delas.
"Uma vez, era cedo de manhã, vi dois homens numa moto atirarem nos pés de outro homem que estava em pé em frente a um bar. Aqui é assim, eles avisam uma vez, duas vezes, na terceira te pegam", diz outro morador. "Você leva uma vida tranquila, mas não pode fazer coisas que eles acham ruins. Acostumar, a gente não se acostuma, mas vive um dia após o outro."
A violência lá é presente, mas mais velada do que em outras favelas, dizem.
"Não tem gente armada na entrada e nas ruas que nem em outros lugares. Se pudesse, me mudaria para um bairro melhor, mas tenho amigos que moram em favelas como a Rocinha e sei que a vida deles é mais difícil. Eles passam noites em claro ouvindo tiroteio, às vezes não sabem se podem sair de casa para o trabalho. Aqui pelo menos não tem isso."
Adriano da Nóbrega: o que se sabe sobre o miliciano
Em outubro de 2003, na época em que era deputado estadual no Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro (hoje senador) fez a primeira homenagem ao então tenente Adriano da Nóbrega. Em uma moção de louvor,o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro destacou que o militar desenvolvia sua função com "dedicação" e "brilhantismo".
Em junho de 2005, o deputado fez nova homenagem a Adriano, com a mais alta honraria da Alerj. O homenageado não compareceu à Assembleia para receber a Medalha Tiradentes porque estava preso.
Em outubro de 2005, quatro dias depois que Adriano foi condenado pelo homicídio em júri popular, o então deputado federal Jair Bolsonaro fez um discurso na Câmara dos Deputados em defesa de Adriano. Bolsonaro contou que compareceu ao julgamento do PM – segundo ele, um "brilhante oficial".
Quando aconteceram as homenagens de Flávio Bolsonaro a Adriano?
Qual a ligação de Adriano com Fabrício Queiroz?
Qual a ligação de Adriano com o caso Marielle?
Quando começaram as investigações sobre o esquema de 'rachadinha'?
O que é a Operação Intocáveis?
Como e onde Adriano foi morto?
Como a polícia chegou ao miliciano?
Povo nas ruas pede comida no prato
Dinheiro para comida no prato do povo não tem não. Para armar policial aposentado e miliciano da ativa tem de sobra. É o governo da morte
O governo do Rio de Janeiro publicou no Diário Oficial desta quarta-feira (1º), uma resolução da necropolítica, que aumentará o poder de matar. Trata-se de um camuflado alistamento militar. O governo autoriza que policiais militares da reserva remunerada requisitem "o acautelamento de arma de fogo pertencente ao Estado do Rio".
A informação é da jornalista Berenice Seara, noExtra.
A Polícia Militar fluminense conta hoje com cerca de dez mil veteranos na reserva remunerada, e eles poderão pedir as armas nos batalhões mais próximos de suas residências.
Cada um poderá receber uma pistola, até três carregadores e, no mínimo, 50 munições.
Os dez mil formarão as milícias eleitorais armadas do candidato Jair Bolsonaro. Milícias, convocadas pelo Gabinete do Ódio, que devem atuar oficialmente nos estados governistas, e na clandestinidade nos estados de governadores oposicionistas. Nestes casos a ação policial beira a motim, uma rebeldia que se pode considerar uma ameaça golpista, um ataque ao estado democrático de direito.
No áudio, Daniela Magalhães da Nóbrega chora ao dizer para uma tia que o irmão, que chegou a ser homenageado pelo clã Bolsonaro e teve a esposa empregada no esquema de rachadinha comandado por Fabrício Queiroz no gabinete de Flávio Bolsonaro (PL-RJ),"já era um arquivo morto".
"Ele já sabia da ordem que saiu para que ele fosse um arquivo morto. Ele já era um arquivo morto. Já tinham dado cargos comissionados no Planalto pela vida dele, já. Fizeram uma reunião com o nome do Adriano no Planalto. Entendeu, tia? Ele já sabia disso, já. Foi um complô mesmo", afirmou Daniela, revelando um possível conluio acertado por Bolsonaro para assassinar o ex-capitão do Bope.
A gravação foi captada em uma escuta telefônica pela Polícia Civil do Rio de Janeiro há cerca de dois anos. A ligação aconteceu dois dias após a morte de Adriano em uma operação policial na Bahia, onde ele estava foragido.
Diante do áudio revelado, oPSOLmontou uma cronologia da vida de Adriano da Nóbrega e sua relação com a família Bolsonaro: desde o momento em que ele entra para a Polícia Militar, a homenagem que recebe do então deputado Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e até o dia em que foi morto em uma emboscada no estado do Bahia.
Outro general chegou a afirmar que o crime foi planejado por quem via em Marielle “uma ameaça a negócios de grilagem de terras na Zona Oeste do Rio”, ramo e local onde, segundo o MP, Flavio Bolsonaro investia com dinheiro de rachadinha.
Nesta segunda-feira, 14 de março, completam-se quatro anos dos assassinatos da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, sem que os mandantes do crime tenham sido identificados. Mas, na verdade, parece que os mandantes do crime foram identificados há tempos, por dois homens, dois generais. Um é o mais forte cotado para ser candidato a vice-presidente da República na chapa de Jair Bolsonaro. O nome do outro desponta como eventual substituto do general Paulo Sergio no comando do Exército Brasileiro.
Aos fatos:
Outra efeméride de março é que o general Walter Souza Braga Netto completará no fim do mês um ano à frente do Ministério da Defesa, após ocupar a chefia da Casa Civil do governo Bolsonaro na volta anterior que a Terra deu em torno do Sol. No dia 30 de março do ano passado, Braga Netto rendeu o também general do Exército Fernando Azevedo e Silva no comando da Defesa. Esta não foi a primeira vez, porém, que Walter Braga Netto rendeu Fernando Azevedo e Silva.
Em setembro de 2016, apenas 23 dias após o Senado cassar o mandato de Dilma Rousseff, o então titular da pasta, Raul Jungmann, empossou Braga Netto na chefia do Comando Militar do Leste. Na ocasião, Braga Netto sucedeu justamente a Azevedo e Silva, que tinha assumido a gestão do CML em março de 2015, no meio da intervenção do Exército no complexo de favelas da Maré, na Zona Norte do Rio.
Em fevereiro de 2018, Michel Temer nomeou Braga Netto chefe da intervenção do Exército no Rio de Janeiro. Ao longo de 10 meses, Braga Netto foi o governador de fato do estado, mas não tinha completado ainda um mês de “mandato” quando Marielle Franco, cria da Maré, foi assassinada no Estácio. Neste meio tempo, Marielle bateu-se fortemente contra a intervenção, e bateu fortemente em Braga Netto: (No texto original no blog ComeAnanás a mensagem no Twitter foi apagada)
Poucos irão se lembrar, mas Jair Bolsonaro, curiosamente, também: (Idem a mensagem do presidente também não aparece).
Se a intervenção no Rio de Janeiro foi “um laboratório para o Brasil”, a intervenção na Maré havia sido um laboratório para a intervenção no Rio de Janeiro. Dois militares que tinham participado da intervenção na Maré foram nomeados por Braga Netto para postos-chave da intervenção federal no Rio: o general Richard Fernandez Nunes, que virou secretário estadual de Segurança, e o general Mauro Sinott Lopes, feito coordenador do grupo de trabalho da intervenção.
Hoje, Mauro Sinnott Lopes comanda a 3ª Divisão de Exército, o maior poder de combate da Força Terrestre, baseado em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Já o general Richard Nunes atualmente é o Comandante Militar do Nordeste, depois de ocupar durante dois anos e meio a chefia do Centro de Comunicação Social do Exército.
Richard Nunes, quando ainda era secretário de Segurança da intervenção, disse que o caso Marielle estava prestes a ser elucidado: “é um crime que tem a ver com a atuação política e a contrariedade de alguns interesses. Se a milícia não está a mando, está na execução. Provavelmente [tem político envolvido]”.
‘Acharam, de repente…’
Quando foi rendido por Walter Braga Netto na Defesa, Fernando Azevedo e Silva saiu do governo não exatamente atirando, mas pontuando um tanto enigmaticamente que enquanto ministro de Bolsonaro logrou malabares de preservar as Forças Armadas como instituições de Estado.
Em janeiro de 2019, logo após o fim da intervenção, o general Braga Netto também deu uma de esfíngico numa entrevista dada à revista Veja logo após o fim da intervenção militar no Rio de Janeiro, por ele chefiada e em cuja vigência Marielle foi executada com quatro balaços na cabeça disparados por um miliciano e vizinho de Jair Bolsonaro em um condomínio na Barra da Tijuca.
Em uma entrevista à revista Veja, quando perguntado sobre o motivo do assassinato de Marielle, se o crime teria sido uma tentativa de desmoralizar a intervenção, Braga Netto afirmou que não, e emendou: “aquilo [o assassinato] foi uma má avaliação deles. Avaliaram mal, acharam que ela é um perigo maior do que o que ela era”.
“Um perigo para quem?”, perguntou, estupefato, o repórter Leandro Resende, da Veja.
“Não vou entrar nesse mérito”, respondeu Braga Netto, para em seguida entrar em contradição, dizendo algo sobre que “acharam, de repente, que o estado, por estar sob intervenção, tinha desorganizado as polícias”…
Não tem grilo?
Já o ex-braço direito de Braga Netto na intervenção, general Richard Nunes, disse ainda em 2018, além de afirmar que o assassinato de Marielle provavelmente tinha envolvimento de políticos, que o crime vinha sendo planejado desde 2017 por gente que via na vereadora “uma ameaça a negócios de grilagem de terras na Zona Oeste do Rio”.
Entre 2016 e 2017, período de salto na evolução patrimonial do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, a mãe e a esposa do ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, então chefe de uma milícia da Zona Oeste, na favela de Rio das Pedras, ocupavam cargos comissionados no gabinete de Flavio na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
Quando Adriano foi morto pela polícia da Bahia, em 2020, no sítio de um vereador bolsonarista e com pinta de queima de arquivo, o miliciano estava sendo procurado pelos crimes de receptação de mercadorias roubadas, cobrança irregular de taxas à população e grilagem de terras.
Em janeiro de 2019, logo após o fim da intervenção e quando saia a inacreditável entrevista de Braga Netto na Veja, o major da Polícia Militar Ronald Pereira foi preso por participação no assassinato de Marielle Franco. Ronald já vinha sendo investigado por crimes como agiotagem e, sempre, grilagem de terras. Ele era apontado como o chefe da milícia de outra favela da Zona Oeste do Rio, a da Muzema, onde são pujantes e notórios os empreendimentos da máfia no ramo imobiliário.
Entre 2003 e 2004, tanto Adriano da Nóbrega quando Ronald Pereira foram homenageados na Alerj – um com a Medalha Tiradentes, outro com moção honrosa – por recomendação de Flavio Bolsonaro.
Em abril de 2020, o Intercept Brasil publicou informações sigilosas de um inquérito do Ministério Público do Rio de Janeiro segundo as quais Flavio Bolsonaro lucrou com a construção ilegal de prédios erguidos pela milícia em áreas griladas nas favelas de Rio das Pedras e Muzema e financiados com dinheiro das rachadinhas de Flavio na Alerj, em esquema que era gerenciado por Fabricio Queiroz e que envolvia Adriano da Nóbrega e Ronald Pereira.
Segundo a investigação do MPRJ à qual a reportagem do Intercept teve acesso, parte do confisco de em média 40% dos salários dos servidores lotados no gabinete de Flavio Bolsonaro – a rachadinha – era repassada para Adriano da Nóbrega aplicar, digamos, em real state: “o lucro com a construção e venda dos prédios seria dividido com Flávio Bolsonaro, segundo as investigações, por ser o financiador do esquema usando dinheiro público”.
A descoberta do esquema de construção irregular em terrenos grilados e irrigado com dinheiro da rachadinha de Flavio Bolsonaro foi feita precisamente em meio aos desdobramentos das investigações sobre os assassinatos de Mariele Franco e Anderson Gomes.
Diz o Intercept:
“A ligação do ex-capitão com as pequenas empreiteiras envolvidas no boom da verticalização em Rio das Pedras e Muzema foi levantada em meio à investigação sobre as execuções da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, na noite de 14 de março de 2018. Foi a partir das quebras de sigilos telefônicos e telemáticos dos integrantes do Escritório do Crime que os promotores descobriram que o grupo paramilitar havia evoluído da grilagem de terras à construção civil, erguendo prédios irregulares na região e, assim, multiplicando seus lucros”.
Ainda segundo o Intercept, a famosa frase “O MP está preparando uma pica do tamanho de um cometa para empurrar na gente”, dita em 2019 por Queiroz em uma conversa de Whatsapp com um interlocutor não identificado, seria uma referência justamente à investigação sobre o uso de dinheiro público desviado no esquema das rachadinhas para financiar o boom de construções ilegais em Rio das Pedras e na Muzema.
A família Bolsonaro vem se valendo de todos os meios que o poder lhe proporciona para sabotar, embaralhar, obstruir as investigações tanto do assassinato de Mariele Franco quanto das rachadinhas de Flavio Bolsonaro na Alerj.
Já a imprensa brasileira de referência, até agora, parece não ter visto nenhum grilo nos possíveis nexos de todas estas informações, que são públicas, desde as declarações dos generais Braga Netto e Richard Nunes, lá atrás, até o teor do inquérito do MPRJ revelado pelo Intercept mais recentemente, envolvendo um senador e filho do presidente da República, e passando pelos laços de Flavio Bolsonaro com os milicianos – e grileiros – Adriano da Nóbrega e Ronald Pereira
Que país é este que não faz questão de que tão perturbadoras conexões sejam de uma vez por todas esclarecidas?
O Planalto, a planície e a cova
Há poucas semanas, o general Fernando Azevedo e Silva desistiu de aceitar o convite para ser o fiador verde-oliva das eleições 2018; desistiu de assumir um cargo chave no TSE, no momento em que Jair Bolsonaro, Braga Netto e comitiva estavam em controversa viagem oficial – e de alguma maneira eleitoral – à Rússia. O motivo alegado foi um problema no coração.
O general Richard Fernandez Nunes, braço direito de Braga Netto na intervenção, é cotado para assumir o comando do Exército de Caxias, em eventual substituição ao general Paulo Sergio, caso o general Paulo Sérgio seja escolhido para suceder a Braga Netto no Ministério da Defesa.
É que no próximo 2 de abril, três dias após completar um ano na Defesa, e meses após condicionar a realização de eleições em 2022 à adoção do voto impresso, o general Walter Souza Braga Netto deve deixar o cargo para ser candidato a vice-presidente da República na chapa de Jair Messias Bolsonaro
Neste domingo, o jornalista Lauro Jardim deu n’O Globo que se Braga Netto acabar não sendo o vice de Bolsonaro na tentativa de reeleição para o Planalto, o vizinho de Ronnie Lessa deverá recompensá-lo, então, com uma embaixada, “para não deixar o general na planície”.
Marielle, por seu turno, não teve escolha. “Eles avaliaram mal o perigo” e mandaram a vereadora do Psol não para Washington, Roma ou Paris, mas para a cova.
Uma das virtudes do documentário Bolsonaro e Adélio – uma fakeada no coração do Brasil, realizado pelo repórter investigativo Joaquim de Carvalho e TV247, é jogar luzes sobre pontos obscuros de um episódio controverso da campanha eleitoral de 2018, que foi a suposta facada em Bolsonaro.
A relevância deste trabalho pode ser medida tanto pela audiência já alcançada, de 1 milhão de visualizações em menos de uma semana; como, também, pelo interesse despertado na crítica, inclusive da imprensa hegemônica, como o jornal Folha de São Paulo e a Rede Globo.
Independentemente da motivação e da natureza das críticas – algumas nitidamente enviesadas e de índole duvidosa –, o dado concreto é que o documentário tem um valor em si mesmo nestes tempos em que a distopia, a mentira, a mistificação e a falsificação da realidade são recursos instrumentais de um projeto de dominação e poder.
A verdade não é revelada; é sempre deturpada, quando não ocultada. Nestes tempos de Bolsonaro e de extremismo de direita reina a camuflagem, o engano, o engodo, a tergiversação, a distração. Tudo é recoberto por um manto obscurantista, de sigilo, de mistério.
Por isso, em caso de dúvida, investigue-se. E, no caso da suposta facada, não faltam dúvidas, contradições, lacunas e coincidências que precisam ser apuradas para se alcançar a real verdade acerca deste fato.
Por fim, é preciso anotar um benefício colateral do documentário do Joaquim de Carvalho: o de manter vivos na memória pública outros episódios que, assim como a suposta facada, são recobertos de mistério, sigilo e opacidade, como alguns deles adiante relembrados:
1. o tráfico internacional de 39 Kg de cocaína por sargento da Aeronáutica em avião da frota presidencial da FAB [25/6/2019].
O general Augusto Heleno, do GSI, o órgão responsável pela segurança presidencial, chegou a lamentar a “falta de sorte ter acontecido justamente na hora de um evento internacional [sic] [aqui];
2. o atentado terrorista perpetrado por bando bolsonarista contra a sede do Porta dos Fundos. O ato, ocorrido na noite de 24 de dezembro de 2019, foi o 1º atentado a bombas perpetrado pela extrema-direita desde o fim da ditadura.
Um dos criminosos [Eduardo Fauzi], filiado ao mesmo PSL do Bolsonaro, fugiu do país para a Rússia e não foi extraditado [aqui e aqui];
3. a execução [ou “queima de arquivo?”], em 9 de fevereiro de 2020, de Adriano da Nóbrega, miliciano do esquema do clã dos Bolsonaro, cujas mãe e ex-esposa faziam parte da engrenagem de peculato [“rachadinha”] do gabinete de Flávio Bolsonaro. Muitos mistérios, coincidências e pontos obscuros rondam este caso [aqui – enigmas da morte do miliciano ligado aos Bolsonaro]:
– Adriano tinha contra si uma ordem de captura internacional da Interpol desde janeiro de 2019. Apesar disso, porém, em 31/1/2020 [9 dias antes da execução] o então ministro da Justiça Sérgio Moro o excluiu da lista de bandidos mais procurados do país. Terá sido uma arapuca para o miliciano relaxar a segurança e facilitar sua localização? [aqui];
– Adriano era um alvo fácil para ser capturado com vida, mas foi executado: estava numa chácara isolada, sozinho, sem comparsas, sem munições, com arsenal limitado [1 revolver, 1 pistola 9 mm e 2 espingardas enferrujadas], sitiado no interior de uma pequena casa e cercado de dezenas de policiais armados e equipados. O advogado de Adriano declarou que ele sabia que era alvo de queima de arquivo;
– o proprietário do imóvel onde Adriano foi executado na cidade baiana de Esplanada, distante 155 km da capital Salvador, é um vereador do PSL, do mesmo partido pelo qual Bolsonaro foi eleito;
– o filho presidencial Eduardo Bolsonaro visitava Salvador pela 1ª vez em quase 40 anos de vida justo no exato dia em que o miliciano foi executado. Segundo publicou na rede social naquele 9 de fevereiro, “Satisfação conhecer Salvador com @alexandrealeluia” [aqui];
– gravações telefônicas autorizadas mostram que durante a fuga de Adriano, comparsas da rede de proteção dele fizeram contato com um pessoa tratada como “Jair”, “HNI (PRESIDENTE)” e “cara da casa de vidro” – que o MP/RJ deduz tratar-se das sedes dos palácios do Planalto e Alvorada, que possuem fachadas inteiras de vidro [aqui];
– os conteúdos e os nomes dos contatos constantes nos 17 aparelhos celulares que pertenciam ao miliciano, apesar de fundamentais para desvelar as conexões do criminoso, continuam guardados a 7 chaves;
4. o esconderijo de Fabrício Queiroz, comparsa e capataz do clã dos Bolsonaro, na casa do advogado Frederick Wassef;
5. o assassinato da Marielle, cuja investigação é bastante tortuosa e tumultuada, e que envolve muitos aspectos nebulosos:
– o isolamento absoluto e a incomunicabilidade total de Ronnie Lessa – assassino da Marielle e vizinho de Jair e Carlos Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra;
– a presença de Carlos Bolsonaro no Vivendas da Barra [e não em sessão da Câmara de Vereadores, como alegado] na tarde de 14 de março de 2018, no mesmo momento em que os assassinos da Marielle – Ronnie Lessa e Élcio Queiroz – ultimavam os preparativos do crime;
– o sumiço das gravações do interfone e a “saída do ar”, para não dizer desaparecimento, do porteiro do condomínio Vivendas da Barra.
Como diz o poema de Augusto Branco, “Nem tudo o que reluz é ouro. Nem sempre o melhor está ao alcance dos olhos”. É preciso ficar atento, pois assim como a verdade, “os diamantes não ficam na superfície, e são o que de mais valioso há”.
O ex-presidente da escola de samba Vila Isabel, Bernardo Bello Pimentel Barbosa, acusado de ser um dos sócios do Escritório do Crime, se reuniu com o empresário Eduardo Vinícius Giraldes Silva, para tentar evitar que fosse delatado por Julia Mello Lotufo, viúva do miliciano Adriano da Nóbrega e sua atual esposa. No encontro, Bello recomendou que não citasse algum membro da família do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
“Imagina se essa menina denuncia o Bolsonaro falando ‘olha só, o meu ex lá (Adriano da Nóbrega) estava todo dia com fulano de tal’. Ela vai foder com o cara. Ok, pode até foder. Mas vão acabar com a vida dela de verde, amarelo, azul e branco”, alerta Bello, sem especificar qual membro da família do presidente mantinha encontros diários com o miliciano.
O diálogo faz parte do encontro que ocorreu dentro de um carro, em frente ao prédio onde mora Giraldes, na Barra da Tijuca. O Brasil de Fato teve acesso à gravação - de uma hora e 11 minutos - do encontro. A fonte que entregou o áudio à reportagem não quis informar a data da reunião. Trata-se de um fato, porém, que a conversa ocorreu após o dia 26 de abril e antes do dia 17 de agosto deste ano. Estavam dentro do veículo, além de Giraldes e Bello, Pablo Barra Teixeira, advogado do empresário.
Em outro trecho, Bello explica a Giraldes como Júlia Lotufo deveria organizar o seu depoimento. “Então, se ela chegar e falar ‘não, eu sei isso aqui...ah, não vou fazer isso aqui’, ela está fodida, porque nego vai agarrar ela até o inferno. Vão falar ‘o cara deitava na cama e te confidenciava’. Ela tem que chegar e falar ‘olha só, meu ex-marido era um louco, um lunático, um capitão do Bope totalmente maluco, que deitava na cama e a única coisa que ele fazia comigo, quando fazia, era me dar oi e tchau’.”
Na proposta de delação, de acordo com as publicações dos órgãos de imprensa, Lotufo confirma que houve a reunião dentro do carro, em frente ao prédio onde o casal mora. Imagens do sistema de segurança do condomínio mostram o encontro e foram anexadas ao processo.
Julia Lotufo é acusada de participar de um esquema de lavagem de dinheiro e cumpre prisão domiciliar. A Polícia Civil mantém uma viatura na frente do prédio da viúva de Adriano da Nóbrega por 24 horas, para garantir sua segurança.
Os Bolsonaro e Adriano da Nóbrega
A família do presidente é citada em mais duas oportunidades na conversa. No segundo trecho, Bello argumenta com Giraldes que considera a situação de Julia Lotufo “complicada”, pois seu caso teria sido politizado, justamente pela relação de Adriano da Nóbrega com o clã Bolsonaro.
“É óbvio que o inferno astral que está acontecendo na vida dela é política, cara. É porque querem, de qualquer jeito, caçar os caras lá, a família que está no poder e, infelizmente, o ex-marido dela (Adriano da Nóbrega) tem envolvimento com os caras”, explica Bello.
Na última vez em que falam sobre a família Bolsonaro, Bello cita o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ). O ex-presidente da Vila Isabel começa falando da dificuldade em tirar o nome de Julia Lotufo do noticiário.
“A parada dela ali é politica, cara. É 100% política. Você já viu algum defunto ficar tanto tempo no jornal? Quanto tempo o Adriano morreu? Até hoje, ele sai. Teve Fantástico outro dia. Por que ele está tanto no jornal?”, pergunta Bello. Giraldes responde: “Porque envolve, sei lá, o nome do presidente.”
“Então pronto, cara. Envolve o porra do Queiroz, que o Adriano era junto. O Queiroz fazia a rachadinha do Flávio Bolsonaro e quem quer foder mais o Bolsonaro? A imprensa, cara”, sentencia Bello.
Entre os membros da família, Flávio Bolsonaro é quem teve mais proximidade com Adriano da Nóbrega. Em depoimento ao Ministério Público do Rio de Janeiro, o senador admitiu que o miliciano foi seu instrutor de tiro e que o conheceu através de um ex-assessor, Fabrício Queiroz, que é acusado de ser o operador de um esquema de rachadinha no gabinete do parlamentar.
Em seu mandato na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), quando era deputado estadual, Flávio Bolsonaro empregou Danielle Mendonça, ex-esposa de Nóbrega, e Raimunda Magalhães, mãe do miliciano, que foi morto em fevereiro de 2018, durante troca de tiros com a Polícia Militar da Bahia.
Em 2005, Flávio Bolsonaro, ainda deputado estadual, condecorou Adriano da Nóbrega, na Alerj, com a Medalha Tiradentes, maior honraria do estado. Na época, o ex-policial cumpria pena e já havia sido preso preventivamente por homicídio.
Ameaça de morte
O encontro entre Eduardo Giraldes e Bernardo Bello foi organizado por Pablo Teixeira, que atendeu a um pedido de seu cliente. O empresário afirma ter escutado que o ex-presidente da Vila Isabel pretendia assassiná-lo.
“O que me deixou muito assustado é que não é uma vida minha, minha vida é totalmente oposta, entendeu? Eu não mexo com contravenção, com máquina, com nada, eu ando pela Barra (da Tijuca), todo mundo me conhece e eu mal te conhecia mesmo”, explica Giraldes. “Começou uma porrada de fofoca que tu ia me matar. Juro pra tu. Tu ia me matar, ia me prender, que eu sou um filho da puta. Eu? O que eu tenho a ver com essa história? Nada.”
Bello conta que soube que Giraldes visitou um amigo em comum da dupla, o ex-policial militar Adriano Maciel de Souza, o Chuca, que perdeu uma perna após ser baleado em um atentado no dia 30 de janeiro deste ano.
“Então, eu vou te explicar onde você entra na história. Há mais ou menos um mês atrás, dez pra mais, dez pra menos, um amigo em comum de nós três aqui (Chuca), procura um amigo meu e (fala) ‘pô, irmão, papo ruim demais’. Eu falei ‘o que foi?’. ‘Pô, o cara (Eduardo Giraldes) que tá namorando lá, casado lá com a viúva (Julia Lotufo), esteve aqui comigo e falou que a viúva quer enfiar o pau no teu cu e te foder inteiro, vai te arregaçar e falar um monte de merda com teu nome’. Eu falei: ‘O quê?’. Tô contando alguma mentira?”, pergunta Bello.
Intimidado, Giraldes é sucinto na resposta. “Essa parte eu não sei”. Bello retruca. “Você esteve com o rapaz que eu estou falando, que perdeu a perna?”. “É meu amigo há 20 anos...Mas isso eu nunca falei”, conclui o empresário.
Irritado, Bello sobe o tom com Giraldes. “Minha vontade é pegar você e ir lá na casa dele e falar ‘irmão, repete aí o que você falou’. Então, ele tomou uns tiros e ficou louco? Perdeu a perna ou a cabeça? Ele perdeu a perna ou o cérebro?”, pergunta.
Chuca estava com seu segurança quando foi baleado, dentro de um carro blindado. O veículo teria recebido, ao menos, 25 tiros de calibre 556. Um inquérito da Divisão de Homicídios, de 2014, aponta o ex-policial militar como membro de uma quadrilha trabalhava com máquinas de caça-níquel e jogo do bicho no Rio de Janeiro.
O defunto e a viúva
Durante a conversa, Giraldes revela como se aproximou de Lotufo, após ajudar a escondê-la, enquanto ela fugia da polícia, logo após a morte do miliciano, seu ex-marido. “O Adriano (da Nóbrega) morre em fevereiro. Logo em seguida, eu esbarro com ela no … (inaudível) ... Fratelli (restaurante no Rio de Janeiro)” recorda. “Ela estava morando na casa da mãe. Eu tinha um apartamento meu que estava, porra, vazio. Eu falei ‘fica lá’. Sem maldade, sem nada. Pô, como tu vai cantar uma viúva que chorava 24 horas?”
O empresário segue falando da relação com Lotufo e explica que ela está com depressão. Segundo Giraldes, a viúva de Adriano da Nóbrega toma sete remédios. “Ela fica dopada, é covardia”. “Ela pode tomar remédio por tudo no mundo. Ela só não pode tomar remédio por uma coisa, por minha causa, porque eu nunca quis o mal dela e nunca vou querer”, garante Bello.
Em outro trecho, Giraldes decide explicar como lida com a relação da esposa com as memórias e segredos de Adriano da Nóbrega. “Isso daí, Bernardo, é uma dor que é dela, eu não posso ficar tocando. Todo mundo tem a curiosidade, normal, para entender a história. Eu não tenho. Começa esse assunto, ela falando dele, eu me levanto. Não sei quem era segurança, não sei quem matava, não matava, quem roubava, quem fazia o caralho, quem fazia prédio, eu não sei. Porque eu não pergunto e eu acredito que ela não deva saber, porque o Adriano era uma pessoa que não falava.”
Antes de se despedirem, Giraldes explica a rotina do casal e os cuidados com Julia Lotufo. “Bernardo, a tornozeleira dela nunca descarregou, irmão, eu não deixo. Eu pego, boto na tomadazinha, igual celular. Não mexo. Para não ter uma vírgula (de erro com a Justiça). Dizem que tem que ficar três horas, ela fica seis”, encerra.
Condenado
Casado com Julia Lotuffo, Giraldes é um empresário conhecido no Rio de Janeiro. Em terras fluminenses, já usou sua marca de azeite, o Royal, para patrocinar os quatro clubes considerados grandes no estado: Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense. Além do Atlético-MG, de Belo Horizonte.
Giraldes investe, também, no carnaval do Rio de Janeiro. O empresário patrocina alguns camarotes na Sapucaí, por onde passam jogadores de futebol, cantores, atores, entre outros famosos.
Mas de onde viria tanto dinheiro? Segundo o Ministério Público Federal, Giraldes integra uma quadrilha de clonagem de cartão de crédito. Em 2016, o empresário foi condenado, em primeira instância, a 8 anos e 3 meses de prisão por associação criminosa, furto mediante fraude, furto qualificado e falsificação de documento.
Em agosto de 2020, a condenação foi mantida, mas a pena reduzida para 5 anos e 10 meses de reclusão. O passaporte de Giraldes foi apreendido pela Polícia Federal. Para sair do país, o empresário precisa solicitar uma autorização da Justiça.
Outro lado
O Brasil de Fato não conseguiu contato com Eduardo Giraldes e Julia Lotufo, ou mesmo seus advogados. A defesa de Bernardo Bello não quis comentar. Caso se manifestem, a matéria será atualizada.
UM TIRO NA CABEÇA, disparado de uma brecha de Mata Atlântica pelo ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega encerraria três meses de preparativos de mais uma execução do Escritório do Crime. A noite de 3 de fevereiro de 2018, porém, não terminou como o planejado. Ao avistar pela mira do fuzil de precisão o miliciano Wellington da Silva Braga, o Ecko, entre os convidados da festa organizada pelo alvo da tocaia, Marcelo Diotti da Matta, o ex-caveira abortou a missão.
Os detalhes da emboscada constam em denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro contra quatro membros da organização criminosa, documento de 106 páginas ao qual o Intercept teve acesso com exclusividade.
A peça sustenta que o chefe da milícia de matadores, capitão Adriano, preferiu conter a sanha assassina a desencadear uma guerra contra Ecko, o líder do maior grupo paramilitar em atividade no Rio de Janeiro, o Bonde do Ecko (originalmente conhecido como Liga da Justiça). O Disque-Denúncia oferecia uma recompensa de R$ 10 mil por informações que levassem à sua prisão. Mas, apesar disso, Ecko zanzava livremente entre os convivas à beira da piscina na luxuosa residência do casal Marcelo da Matta e MC Samantha Miranda, no condomínio Greenwood Park, na Barra da Tijuca.
Ecko acabou morto três anos depois, em 12 de junho de 2021, numa operação da polícia realizada para prendê-lo, na comunidade das Três Pontes, em Paciência, na Zona Oeste do Rio. Fotos obtidas pelo Intercept sugerem que Ecko foi morto por disparo à queima-roupa, que deixou no entorno da perfuração uma queimadura. A Polícia Civil informou que o miliciano reagiu ao cerco, quando tomou o primeiro tiro. O segundo, ainda de acordo com a polícia, foi disparado por um policial dentro da van que levaria Ecko para o hospital, após o miliciano supostamente tentar pegar a arma de um agente. Assim como o ex-caveira, Ecko leva para o túmulo uma complexa rede de relações.
A investigação do Ministério Público detalha o modo de atuação do Escritório do Crime. O documento mostra que o ex-caveira desistiu de matar Matta por consideração a Ecko. “Ocorre que, em dado momento, ADRIANO abortou a operação criminosa, haja vista que percebeu a presença de um convidado na festa, quem seja, o miliciano WELLINGTON DA SILVA BRAGA, vulgo ‘ECKO’, o qual nutria relação de amizade e respeito”, diz o documento do MP, datado de 13 de abril de 2020. A justiça acatou a denúncia dois meses depois, quando os acusados foram presos.
Poupado de ser executado em plena festa de aniversário, Marcelo da Matta acabou fuzilado 38 dias depois, na mesma noite em que a vereadora Marielle Franco, do PSOL, e seu motorista, Anderson Gomes, foram mortos.
Trecho da denúncia do MP diz que Adriano tinha relação de ‘amizade e respeito’ com Ecko.
Naquela noite, 14 de março de 2018, o Rio de Janeiro vivia sob intervenção federal na segurança pública. Na tarde da mesma data, o partido de Marielle havia ingressado com uma ação no Supremo Tribunal Federal pedindo a anulação do decreto assinado pelo presidente Michel Temer, em 16 de fevereiro, que nomeou o general do Exército Walter Souza Braga Netto, do Comando Militar do Leste, como interventor. Horas depois, sem o miliciano Ecko por perto, Adriano da Nóbrega não se sentiu melindrado por Braga Netto e consumou seu plano de morte.
As investigações indicam que Marcelo da Matta havia entrado no radar do Escritório do Crime após a descoberta de que ele planejava matar o capitão Adriano. Ligado à exploração de máquinas caça-níqueis em Campo Grande, reduto de Ecko na Zona Oeste do Rio, Matta pretendia ampliar sua área de atuação à Gardênia Azul, onde já havia comprado um depósito de gás. As informações constam no processo que tramita em segredo de justiça na 1ª Vara Criminal Especializada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
De acordo com a denúncia, antes de o ex-caveira se posicionar em meio à mata, na noite de 3 de fevereiro, seu bando havia cumprido uma série de etapas para o planejamento da ação. Um trabalho minucioso, com integrantes destacados para pesquisar armas mais adequadas na deep web, encomendar placas clonadas e acompanhar os passos da vítima, inclusive nas redes sociais. Foi a partir desse monitoramento que os matadores descobriram que Marcelo da Matta e sua mulher, Samantha Miranda, pretendiam comemorar naquela ocasião o aniversário e a mudança para o novo endereço no Condomínio Greenwood.
Na denúncia, investigadores detalharam métodos do Escritório do Crime para os assassinatos.
Apontado no inquérito como exímio atirador, “ostentando em sua ficha militar inúmeros cursos de treinamento tático, tendo em seu currículo o título de sniper”, capitão Adriano foi sozinho para a mata, vestindo roupas camufladas, balaclava e o fuzil especialmente preparado para disparos de precisão à longa distância – com tripé e mira telescópica. Por meio de radiotransmissores, ele recebia informações dos demais participantes da empreitada, de acordo com o MP. Foi por rádio que o ex-caveira deu a ordem para abortar o ataque.
O bando deixou o condomínio em direção a Rio das Pedras, reduto do Escritório do Crime, relataram os investigadores. Os matadores estavam divididos em três carros posicionados próximos à casa da vítima. Dois dos veículos foram identificados na investigação, uma Land Rover e um Corolla, este com placas clonadas. O terceiro carro não teve as características identificadas, assim como alguns dos ocupantes dos veículos.
Uma noite de muitas coincidências
Com o adiamento da execução, o grupo reiniciou o monitoramento das redes sociais do casal. Uma nova placa clonada foi encomendada, dessa vez para o Fiat Doblò que foi usado na segunda emboscada a Marcelo da Matta, às 23h20, na saída de um restaurante na Barra da Tijuca no dia 14 de março. Pouco antes, noutro extremo da cidade, Marielle e Anderson Gomes haviam sido mortos a tiros de submetralhadora 9mm, provavelmente uma HK MP5.
As investigações apontam uma série de outras coincidências que ligam as duas execuções. O fornecedor das placas clonadas usadas nas duas emboscadas a Marcelo da Matta, nas noites de 3 de fevereiro e 14 de março de 2018, foi o mesmo que confeccionou por R$ 450 cada uma das placas do Cobalt usado no ataque à vereadora. As coincidências não param por aí. A análise dos processos do Escritório do Crime e da execução da vereadora do PSOL revela que o sargento reformado da PM Ronnie Lessa, réu acusado de assassinar Marielle, também tinha ligação com a milícia da Gardênia Azul, que no passado era chefiada pelo então vereador Cristiano Girão.
Entre os detalhes da investigação, está o método de clonagem de placas do grupo, que também foi utilizado no assassinato da vereadora Marielle Franco.
Em 2009, o político foi preso, condenado e perdeu seu mandato após ter sido indiciado no relatório final da CPI das Milícias, presidida pelo então deputado estadual Marcelo Freixo, na época no PSOL, com quem Marielle trabalhou antes de ser eleita. Uma semana antes de sua morte, o mesmo Girão foi flagrado zanzando por corredores e gabinetes de aliados na Câmara de Vereadores do Rio, como o Intercept revelou.
Ronnie Lessa também era dono de uma Land Rover semelhante à usada na primeira tocaia a Marcelo da Matta e mantinha relações com os milicianos de Rio das Pedras, em especial o capitão Adriano. Ambos passaram pelo curso de formação do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar, o Bope, enquanto atuavam paralelamente na segurança de famílias ligadas à máfia dos jogos.
Os dois ex-caveiras também mantinham laços com o clã Bolsonaro. Lessa era vizinho de Jair e de seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro, no condomínio Vivendas da Barra. Já o capitão Adriano, chefe do Escritório do Crime, havia sido homenageado por Flávio Bolsonaro, então deputado estadual, com a maior honraria da Assembleia Legislativa do Rio, a medalha Tiradentes. O filho 01 também havia nomeado em seu gabinete a mãe e a mulher do matador de aluguel no esquema de rachadinha, segundo denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro.
De volta ao dia 14 de março, nas horas que antecederam as execuções de Marielle Franco e de Marcelo da Matta, os matadores envolvidos nas duas tocaias passaram por Rio das Pedras, onde as ruas da comunidade serviam de estacionamento para ocultar a frota de clonados usados nos crimes. O Chevrolet Cobalt e o Fiat Doblò empregados nos dois atentados foram abastecidos num posto de gasolina localizado no acesso à comunidade.
O inquérito do MP mostra que como o Escritório do Crime utilizava a comunidade de Rio das Pedras como base dos ataques.
Integrante do Escritório do Crime fez delação premiada
Os matadores também costumavam se reunir antes e depois das empreitadas criminosas na padaria Sabor da Floresta, onde a Delegacia de Homicídios solicitou imagens do circuito interno de segurança do estabelecimento logo após as mortes de Marcelo e Marielle. A iniciativa, contudo, não teve o resultado esperado. Segundo depoimento de um integrante do Escritório do Crime, que fez acordo para delação premiada, Adriano foi informado sobre a iniciativa e se antecipou à polícia, conseguindo sumir com as imagens. O delator, que atuava no monitoramento dos hábitos das vítimas, confirmou que o grupo agia de maneira segmentada, com gente voltada para cada etapa de planejamento das execuções.
Ao detalhar o modo de atuação do Escritório do Crime, o delator confirmou a relação direta entre Ronnie Lessa e um dos principais nomes da milícia de matadores: Leonardo Gouveia da Silva, o Mad. Preso em junho de 2020, Mad foi o dono de um dos endereços usados por Lessa para ocultar armas. Há suspeita de que ele teria ido ao local para dar fim à arma usada no ataque à vereadora do PSOL. De acordo com o delator, a organização criminosa seguia à risca uma espécie de manual do matador, criado pelo capitão Adriano. O documento trata do uso sistemático de tecnologia para mapear os passos dos alvos, ferramentas de rastreio de celulares, emprego de armas de guerra, planejamento minucioso, uso de camuflagem e carros com placas clonadas.
Sob intervenção, a polícia do Rio pouco avançou no caso Marielle. Tampouco os indicadores de criminalidade foram reduzidos.
A “caçada às vítimas” nas redes sociais também foi repetida por Ronnie Lessa. Assim como o bando de Adriano da Nóbrega varreu o Facebook e o Instagram em busca de informações sobre Marcelo da Matta e Samantha Miranda, o sargento reformado da PM também usou as redes para mapear os passos de Marielle Franco e pesquisar outros nomes de políticos ligados a partidos de esquerda – especialmente, o PSOL.
Em meio ao depoimento do delator, um ponto coloca em xeque a versão sustentada pelo MPRJ de que Lessa e o ex-soldado da PM Elcio Vieira Queiroz, também réu na execução da vereadora, agiram sozinhos e em apenas um carro na noite de 14 de março. De acordo com o delator, as emboscadas sempre eram realizadas com o apoio de ao menos um outro veículo. Foi assim que os matadores da milícia atuaram no fuzilamento de Marcelo da Matta e em outros três crimes relacionados à máfia dos jogos.
Ronnie Lessa segue todos os mandamentos da cartilha do Escritório do Crime, com exceção do uso de apoio, sustentam o MPRJ e a Delegacia de Homicídios, contrariando a versão anterior de que dois carros estavam na ação que culminou nas mortes de Marielle e Anderson. Horas antes do crime, Elcio Queiroz foi ao Condomínio Vivendas da Barra para buscar Lessa, o vizinho do presidente Jair Bolsonaro e do vereador Carlos Bolsonaro. Na ocasião, o ex-PM estaria dirigindo um Renault Logan e teria feito contato da portaria com alguém na casa de Bolsonaro, como revelou o Jornal Nacional.
O laudo fonoaudiológico de análise da voz captada pelo sistema de verificação da portaria do Vivendas da Barra, contudo, apontou discrepância entre a voz do porteiro que disse ter ligado à casa de Jair Bolsonaro e de outro funcionário, que teria atendido Queiroz. O episódio ganhou ainda mais relevância após o próprio presidente ter dito que pegou a gravação para evitar que fosse adulterada.
Além de não esclarecer totalmente o episódio, a investigação também não detalha se Queiroz e Lessa saíram no mesmo carro e, sobretudo, onde a dupla deixou o veículo antes de seguir para o ataque com o Cobalt, que estava estacionado nos arredores do Condomínio Floresta, em Rio das Pedras. Naquela noite, após as execuções, o capitão Adriano, Mad e os demais envolvidos na morte de Marcelo da Matta seguiram para Rio das Pedras. Lessa e Queiroz passaram pelo Vivendas da Barra, como mostram as análises dos sinais captados pela Estação Rádio Base da região vindo dos celulares usados pela dupla. Eles terminaram a noite num bar na Avenida Olegário Maciel, na Barra da Tijuca.
Segundo a investigação do MP, Adriano era líder da milícia do Rio das Pedras e também do Escritório do Crime.
Herói dos Bolsonaro
Capitão Adriano era considerado um mito entre os matadores do Escritório do Crime, segundo o MPRJ: exercia forte influência sobre o bando, o qual nutria “verdadeira reverência a sua representatividade no submundo do crime”. Contraditoriamente, no entanto, os promotores atribuem a Mad a chefia do bando de matadores. Logo em seguida, descrevem o capitão como um dos principais chefes do grupo paramilitar que domina as favelas de Rio das Pedras e da Muzema.
“Adriano foi apontado como uma das lideranças da milícia de Rio das Pedras, pelo que orbitava, desta forma, entre duas perigosas organizações criminosas que mantêm estreitas conexões”. E acrescenta: “na atuação do grupo criminoso há emprego ostensivo de armas de grosso calibre. Agressividade e destreza nas ações finais revelam o mesmo padrão de execução. Fortemente armados e com trajes que impedem a identificação visual, tais como balaclavas e roupas camufladas”.
O matador de aluguel, que já foi chamado de herói por Jair Bolsonaro, foi morto numa controversa ação conjunta da polícia do Rio de Janeiro e da Bahia.
Capitão Adriano foi cercado numa propriedade rural do vereador Gilson Lima, o Gilsinho da Dedé, do PSL, em Esplanada, no interior da Bahia. O ex-caveira foi morto por homens do Bope ao supostamente reagir à ação policial, em 9 de fevereiro de 2020.
Passados três anos das execuções de Marielle e Anderson, a Delegacia de Homicídios e o Ministério Público do Rio não conseguiram apontar os mandantes e a motivação do crime. Os matadores de Marcelo da Matta foram presos.
Sob o comando do general interventor, a polícia do Rio pouco avançou no caso Marielle. Tampouco os indicadores de criminalidade foram reduzidos no estado. Mesmo assim, Braga Netto foi levado por Jair Bolsonaro para participar do governo, onde atualmente é ministro da Defesa.
Rio: Por que não se veem helicópteros da Core atirando contra milicianos nem incursões nas suas fortalezas? E não! Não estou defendendo que se repita o padrão "Salgueiro-Maré-Jacarezinho". Sei, claro!, que não aconteceria. Com raras exceções, milicianos são ex-policiais
ou policiais ainda na ativa. Um dos mais famosos era Adriano da Nóbrega, ex-membro do Bope, que chefiava o "Escritório do Crime". Foi condecorado pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro, que teve em seu gabinete a mãe e a mulher do criminoso.
Análise: Reinaldo Azevedo - Bolsonaro, o truculento da motocicleta, exalta massacre. E as milícias?
Vamos falar, como propôs o presidente Jair Bolsonaro, sobre o "povo que é refém ...
Reinaldo, poderia tirar uma dúvida, por favor, caso não saiba pergunte ao Miguilin para mim. Não vivi a época do esquadrão da morte, mas as milícias podem de alguma forma serem comparadas ao esquadrão da morte?
@reinaldoazevedo
Ambos são estruturas criminosas. Mas muito desiguais. O esquadrão era formado por policiais bandidos a serviço de empresários. Milícias são donas do negócio. São os empresários. Ocupam território, disputam eleições, chegam ao poder. Bem mais perigosas. Destroem o Estado.
Jacarezinho. Eu sei q a federalização da investigação do massacre não é garantia de Justiça, mas sei tbem q a permanência na esfera estadual, como evidencia a história, é garantia de impunidade.
O massacre do Morro do Fallet, em 2019, no começo do 2° mês do gov. Witzel, ñ deu em nada. Morreram 15. Nada menos de 13 estavam amontoados num mesmo cômodo. MP estadual pediu arquivamento. Se questão ñ for federalizada, pizza de corpos humanos já foi encomendada.
Vice-presidente Hamilton Mourão já investigou e sentenciou: “todos bandidos”. Ainda q fossem, prenda, processe e julgue. Não execute. Ou bandido tbem é o Estado. ilusão pensar q um “governo Mourão” seria melhor do q esse aí. São general e capitão que pertencem ao mesmo saco.
Transcrições de grampos telefônicos sugerem que o presidente Jair Bolsonaro foi contactado por aliados de Adriano da Nóbrega, ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais).
Os diálogos transcritos constam em um relatório da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Polícia Civil do Rio, ao qual o The Intercept teve acesso. A investigação quebrou os sigilos telefônico e telemático de suspeitos de ajudar o miliciano no tempo em que ele ficou foragido – pouco mais de 1 ano.
Adriano da Nóbrega é apontado pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) como chefe da milícia de Rio das Pedras, na zona oeste da capital fluminense, e do chamado “Escritório do Crime”.
Pouco depois da morte de Adriano, comparsas do miliciano citam nas conversas “Jair” e “cara da casa de vidro”. Eles ainda conversam com um homem identificado no relatório como “HNI (PRESIDENTE)”.
A reportagem do The Intercept falou com fontes do MP-RJ, sob a condição de anonimato. Segundo elas, é possível concluir que os nomes são formas de se referir ao presidente. “Casa de vidro” seria uma alusão aos palácios do Planalto e da Alvorada, que possuem as fachadas feitas de vidro.
Procurado pelo Poder360, o Planalto disse que não vai se manifestar. O Ministério Público Estadual afirmou ao jornal digital que questões relativas ao relatório devem ser tratadas com a Polícia Civil, que não respondeu aos questionamentos. O espaço segue aberto para manifestações.
O Ministério Público Estadual pediu que a Justiça encerrasse as escutas logo depois das citações, reforçando a tese de que se trata de Jair Bolsonaro. O órgão não tem competência para investigar o presidente da República –cabe à PGR (Procuradoria Geral da República) a análise desses casos.
Procurada pelo The Intercept, a PGR afirmou que a pesquisa nos sistemas da Procuradoria por meio do número de processo indicado não retornaram resultados. Fonte do órgão declarou que o processo pode ter sido encaminhado com um número diferente, que ele pode ainda não ter sido encaminhado ou que a PGR apenas não o encontrou nos arquivos.
CONVERSAS MILICIANAS
As conversas com supostas referências a Bolsonaro começaram em 9 de fevereiro de 2020, dia da morte do miliciano, e seguiram por 11 dias.
A 1ª ligação foi feita horas depois da morte de Adriano por Ronaldo Cesar, conhecido como Grande. Ele é apontado como um dos elos entre os negócios legais e ilegais do miliciano. No telefonema, ele afirmou a uma mulher não identificada que ligaria para o “cara da casa de vidro” e disse que havia conversado com Adriano de que algo “ruim” iria acontecer.
Ele comentou ainda sobre pendências financeiras, disse que queria saber “como vai ser o mês que vem” e que a “parte do cara tem que ir”.
Em conversas do pecuarista Leandro Abreu Guimarães e de sua mulher, Ana Gabriela Nunes, também em 13 de fevereiro de 2020, o nome “Jair” é mencionado.
Ana Gabriela, por exemplo, conversou com uma mulher identificada como Nina. Ela disse que a polícia voltou a sua casa “com o promotor” e que o “Leandro está querendo falar com Jair”.
Investigações apontam que o casal escondeu Adriano da Nóbrega numa fazenda da família depois que fugiu de um cerco policial em 31 de janeiro de 2020.
O The Intercept revelou, em março, que o nome do presidente Jair Bolsonaro já havia sido citado por pessoas ligadas a Adriano.
O sargento da PM Luiz Carlos Felipe Martins, conhecido como Orelha, disse a um interlocutor não identificado que “Adriano falava que se fodia por ser amigo do presidente da República”. Orelha era um dos homens de confiança do miliciano
Adriano tinha ligação ainda com o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente.
Em 2005, quando Flavio ocupava o cargo de deputado estadual, ele homenageou o ex-capitão do Bope “pelos inúmeros serviços prestados à sociedade” na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).
A mãe e a ex-mulher de Adriano, Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonça da Costa, respectivamente, apareciam como funcionárias do gabinete de Flavio quando ele ainda era deputado estadual, em 2018.
Adriano era amigo do ex-PM Fabrício Queiroz –ex-assessor do hoje senador Flavio Bolsonaro. Queiroz é suspeito de ter recebido repasses de duas pizzarias controladas por Adriano. O montante seria de R$ 72.500. A suspeita do Ministério Público é de que o ex-capitão do Bope atue como sócio oculto das empresas.
Em outro diálogo, de 13 de fevereiro de 2020, Grande conversou com um homem. Na transcrição, essa pessoa é definida como HNI (sigla para “homem não identificado”) e, entre parênteses, PRESIDENTE, em letras maiúsculas.
Grande relatou que a família de Adriano enfrentava problemas de divisão de bens. O interlocutor se colocou à disposição para ajudar em algum contratempo futuro.
O assassinato da vereadora Marielle Franco completa três anos neste domingo (14/03), ainda sem que investigadores tenham apontado os mandantes do crime e a motivação. Marcado por reviravoltas e perguntas sem resposta, o caso se tornou um símbolo da violência política no Brasil e escancarou os tentáculos do crime organizado no Rio de Janeiro. "Três anos são muito tempo [...] Está mais do que na hora de ter uma resposta", disse Marinete Silva, mãe de Marielle, em entrevista à DW Brasil nesta semana.
Até 2018, Marielle, então com 38 anos, ainda não era muito conhecida fora do Rio de Janeiro. Vereadora de primeiro mandato e atuante em causas sociais, especialmente na luta antirracista e na promoção de pautas feministas e LGBTQ, Marielle logo se transformaria tragicamente num símbolo da violência no Brasil.
Marielle Franco em fevereiro de 2018
Na noite de 14 de março daquele ano, Marielle deixou um debate na ONG Casa das Pretas, no centro do Rio. Pouco tempo depois, o veículo foi emboscado e alvo de tiros no bairro do Estácio, quando seguia para a casa da vereadora. Marielle e o motorista Anderson Gomes morreram na hora. Uma assessora da parlamentar, que também estava no automóvel, sobreviveu - ela deixaria o país posteriormente. O ataque, cuidadosamente planejado, tinha a marca de profissionais – e logo seria revelada a participação de ex-agentes do Estado.
Suspeitos presos, mas nada de um mandante
Desde então, uma das perguntas do caso parece já ter sido respondida: "Quem matou Marielle?" Dois suspeitos foram presos: o policial reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiroz, acusados de envolvimento com milícia. A investigação apontou que Lessa teria efetuado os disparos, enquanto Queiroz teria conduzido o veículo que seguiu Marielle.
Armas apreendidas em endereço de Ronnie Lessa no Rio
Em julho de 2019, Lessa foi preso no mesmo condomínio da Barra da Tijuca em que o presidente Jair Bolsonaro e seu filho Carlos possuem imóveis. Em outro endereço do policial, investigadores encontraram 117 fuzis de assalto incompletos. Além do homicídio, Lessa foi indiciado por tráfico internacional de armas. Os dois suspeitos ainda não foram julgados, três anos após o crime.
Em junho de 2020, veio uma nova rodada de prisões: desta vez um suspeito de ter atirado as armas de Lessa ao mar. Assim com outros envolvidos no caso, ele também usava uniforme: um sargento do Corpo de Bombeiros, que vivia numa mansão de luxo na Zona Oeste do Rio. Em outubro de 2019, outros quatro suspeitos, entre eles parentes de Lessa, já haviam sido presos. O carro e a arma usados pelos assassinos nunca foram encontrados.
Quem mandou mantar Marielle?
Uma série de políticos do Rio de Janeiro figuraram como suspeitos de terem ordenado o crime. A lista chegou a incluir o vereador Marcelo Siciliano (PHS), o ex-vereador Cristiano Girão e o ex-deputado Domingos Brazão, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Todos negam qualquer envolvimento.
O caso de Siciliano também revelou tentativas de obstrução. Em 2019, a Procuradoria-Geral da República denunciou dois policiais federais, uma advogada e Domingos Brazão por tentativa de atrapalhar as investigações. Eles teriam plantado uma testemunha para implicar Siciliano e desviar o foco dos verdadeiros mandantes.
Uma das linhas de investigação da Polícia Civil e do Ministério Público aponta que o assassinato de Marielle foi encomendado como uma forma de vingança contra o atual deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ), colega de partido de Marielle e que se notabilizou por sua atuação contra as milícias da cidade. Marielle trabalhou durante uma década no gabinete de Freixo antes de ser eleita vereadora.
Em dezembro, uma reportagem da revista Veja apontou que milicianos ligados ao Escritório do Crime, uma organização de matadores do Rio, se filiaram ao Psol logo depois das eleições de 2016, provavelmente para monitorar as atividades de membros do partido.
À época do crime, a segurança pública Rio de Janeiro também estava sob intervenção federal há apenas um mês. Num primeiro momento, houve especulações de que o assassinato poderia ter sido uma reação de grupos criminosos.
Em três anos, as investigações foram lideradas por três diferentes delegados. O primeiro, Giniton Lages, deixou o caso logo após a prisão dos dois executores. O segundo, Daniel Rosa, foi substituído por Moysés Santana em setembro de 2020, depois de mudanças no comando do governo do Rio. As investigações ainda foram objeto de uma disputa em 2019 envolvendo a discussão sobre uma possível federalização, com a mudança de alcançada da Polícia Civil para a Polícia Federal, mas a família da vereadora se opôs.
No início de março, o Ministério Público do Rio anunciou a criação de uma força-tarefa para investigar o caso. O grupo será chefiado pela promotora Simone Sibílio, que esteve à frente do caso no MP-RJ durante a maior parte do tempo. A promotora Letícia Emile, que atuava ao lado de Sibílio, integra a equipe. Anielle Franco, irmã da vereadora e diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, avaliou positivamente a iniciativa.
Já a viúva do motorista Anderson Gomes, Ágatha Reis, reconheceu a importância da criação força-tarefa, mas criticou a demora para que houvesse esse avanço nas investigações. "Levou tempo demais. Marielle era uma parlamentar em exercício. Portanto, uma força-tarefa deveria ter sido criada já no início", disse Reis na sexta-feira, durante um lançamento de um dossiê com uma linha do tempo do caso e 14 questões consideradas essenciais para a investigação.
Sombra sobre o clã Bolsonaro
Os assassinatos de Marielle e Anderson ainda criaram constrangimento para o presidente Jair Bolsonaro. Além de um de seus vizinhos ter sido apontado como executor da vereadora, a família presidencial tinha ligações com outro nome que figurou entre suspeitos de envolvimento no crime, o ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, um notório miliciano do Rio.
Segundo o Ministério Público, a família de Adriano participava do esquema de desvio de dinheiro público do filho mais velho de Bolsonaro, o senador Flávio. Adriano foi morto num cerco policial na Bahia em fevereiro de 2020, quando estava foragido. O caso Marielle e a investigação das "rachadinhas" se entrelaçaram diversas vezes nos últimos dois anos.
Apontado como executor do crime, Lessa vivia no mesmo condomínio em que Bolsonaro e seu filho Carlos têm casas
Em 2019, um desdobramento das investigações da morte de Marielle que mirou a atuação de milícias na Zona Oeste do Rio resultou na apreensão do celular da ex-mulher de Adriano, Danielle Mendonça, que atuou como assessora de Flávio Bolsonaro. Mensagens de Danielle com Fabrício Queiroz, apontado como "operador" das rachadinhas, jogaram luz sobre detalhes do esquema.
Em outro lance estranho do caso, o porteiro do condomínio de Bolsonaro (e Lessa) apontou que na noite do crime, o então deputado e atual presidente autorizou a entrada Élcio de Queiroz, o motorista que dirigiu o carro usado na emboscada.
A versão foi logo apontada como falsa, já que Bolsonaro estava em Brasília naquela noite. O porteiro logo voltou atrás, mas o caso provocou a queda de uma das promotoras do caso, que desmentiu o porteiro e teve sua imparcialidade questionada após imagens das suas redes sociais mostrarem que ela fez campanha para Bolsonaro em 2018.
Além dessas ligações, a própria postura do clã Bolsonaro diante do crime e os elogios do presidente a milicianos em seus tempos de deputado também ficaram em evidência ao longo da investigação. Desde o assassinato de Marielle, os membros da família presidencial se dividiram entre silêncio, desprezo e em minimizar a importância do crime ao longo de três anos de investigações.
Bolsonaro até se viu na posição de ter que negar em 2019 qualquer relação com os homicídios em entrevista a uma rede de TV dos EUA, numa situação inédita para um chefe de Estado brasileiro. "Que motivo eu teria para encomendar um assassinato desses?", disse.
A memória da vereadora também costuma ser um alvo constante da extrema direita bolsonarista, que costuma espalhar mentiras sobre sua atuação e piadas macabras sobre sua morte nas redes sociais.
Legado
A forma como o crime escancarou a ousadia dos milicianos do Rio de Janeiro e as dificuldades nas investigações não têm demovido figuras que pretendem manter o legado de Marielle vivo. Nas eleições municipais de 2020, a viúva da vereadora, Mônica Benício, foi eleita para uma vaga na Câmara do Rio de Janeiro. À época, ela afirmou à DW Brasil que pretende reapresentar projetos da sua antiga companheira.
Mural em homenagem a Marielle em Berlim
A família de Marielle também lançou um instituto que leva o nome da ex-vereadora. Em setembro de 2020, o Instituto Marielle Franco inaugurou o site da Agenda Marielle, que contém um agenda de compromissos e práticas elaborados a partir de discursos e projetos de lei da ex-parlamentar.
Ao todo, 81 candidatos que se comprometeram com a agenda foram eleitos em 54 cidades do Brasil nas eleições municipais de 2020. "Nós devolvemos nas urnas o que eles tentaram nos tirar na bala", disse a vereadora Benício em entrevista à DW Brasil.
A memória de Marielle também tem sido preservada e promovida no exterior. Em 2019, a prefeitura de Paris inaugurou um jardim em homenagem à ex-vereadora. Nesta semana, um enorme mural dedicado a Marielle foi inaugurado em Berlim.