A aliança da Lava Jato com a Transparência Internacional - ll
Preocupação com a percepção pública sobre apoio
por Alice Maciel, Natalia Viana, Rafael Moro Martis
Agência Pública lThe Intercept Brasil
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Desde junho de 2017, Brandão e Dallagnol começaram a conversar sobre a criação de um fundo para distribuir aportes a projetos de combate à corrupção. A ideia partiu do diretor da TI. “Deltan, talvez uma boa ideia seria vcs criarem uma espécie de fundo para distribuir mini-grants para iniciativas de controle social e de prevenção da corrupção. A TI pode ajudar a operacionalizar isto. Seria uma mensagem muito positiva da FT-LJ também…”, escreveu Brandão à Dallagnol em 8 de junho daquele ano.
“Difícil gerenciar pra nós. Só se for algo com a TI, mas teria que ser montado a partir daí pq nem pelo MPF posso assinar rs. Nós poderíamos participar das decisões de destinação… se quiser propor o desenho disso, gostei mto da ideia”, respondeu Deltan.
A proposta surgiu depois de Dallagnol ter oferecido à ONG uma doação de US$ 75 mil que a força-tarefa poderia ganhar em um prêmio. “Ponto é: podemos doar pra TI?”, perguntou o procurador a Brandão.
“Sobre a doação, mais uma vez obrigado pelo grande apoio, vou conversar com os colegas em Berlim e avaliar os riscos. Seria sem dúvida uma grande ajuda, mas o risco que vemos é comprometer – pelo menos na percepção pública – nosso apoio à Força Tarefa (que com certeza teremos que apoiar cada vez mais)”, respondeu o diretor da organização, enviando em seguida uma mensagem com a seguinte correção: “*comprometer, na percepção pública, a isenção do nosso apoio a vocês”.
A doação não foi adiante, segundo a própria TI explicou – todas as doações são publicadas no site da organização. Mas o diálogo sobre a criação de um fundo seguiu adiante e tomou forma com a possibilidade da multa bilionária da Petrobras.
TI foi consultora informal da fundação da Lava Jato
A Transparência Internacional foi parceira de primeira hora na criação da fundação prevista em um acordo firmado entre o MPF e a Petrobras, depois considerado ilegal pelo STF, que entendeu que o MPF estava “exacerbando suas funções”.
O protagonismo dos procuradores na criação e gestão de uma organização de direito privado, que ficaria com uma parcela da multa da Petrobras, gerou desconfiança da sociedade e duras críticas de juristas e autoridades contra a força-tarefa da Lava Jato. O acordo previa, por exemplo, que a fundação teria sede em Curitiba e que o MPF e o MP do Paraná teriam a prerrogativa de ocupar um assento cada um no órgão de deliberação superior da fundação. Ao mesmo tempo, conforme revelado pela Folha de S.Paulo e The Intercept Brasil, Dallagnol estava negociando a criação de uma empresa para vender palestras anticorrupção em parceria com outro procurador.
Em relatório de fim de ano denominado “Retrospectiva Brasil 2019”, em que a Transparência Internacional faz um resumo dos avanços e retrocessos da agenda anticorrupção no período, a entidade chamou de “ato hostil” o pedido de anulação do acordo feito pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge ao STF, que suspendeu a medida em março de 2019. A verba acabou sendo destinada para o combate à Covid-19.
A ONG, no entanto, não informou à sociedade que havia participado extraoficialmente da elaboração do texto da minuta desse mesmo acordo. Ele previa a destinação de R$ 2,5 bilhões para uma fundação privada que investiria em projetos, iniciativas e entidades com atuação na prevenção e combate à corrupção – mesmo perfil da Transparência Internacional.
A destinação desse dinheiro estava sendo discutida entre os procuradores brasileiros e as autoridades americanas desde 2015, conforme revelado pela Pública em março, e é fruto de um acordo entre a Petrobras e o governo americano. Já em outubro daquele ano, Deltan Dallagnol defendia usar a verba para entidades que combatem a corrupção – e citava, inclusive, a Transparência Internacional. “Precisamos de alguém que se disponha a estudar e bolar um destino desses valores que agradaria a todos, como um fundo, entidades contra a corrupção, o sistema de saúde público, fundo de direitos difusos, fundo penitenciário, órgãos públicos que combatem corrupção, a transparência internacional Brasil ou contas abertas etc”, afirmou no Telegram aos colegas que participavam do Chat FT MPF Curitiba 2, em 8 de outubro.
Em dezembro de 2018, mais de um mês antes de o acordo que criava a fundação se tornar público – o que aconteceu em 23 de janeiro de 2019 –, pelo Telegram Dallagnol encaminhou o arquivo com uma versão preliminar da minuta para Bruno Brandão e para Michael Mohallem, professor da Fundação Getulio Vargas Direito Rio, pedindo sugestões.
“Caros, temos uma versão preliminar do acordo com a Petrobras. Vcs podem olhar e dar sugestões, com base na sua experiência? […]”, escreveu o procurador no chat 10M+ a Vingança, no dia 7 de dezembro de 2018. Esse grupo do Telegram, formado por Dallagnol, Brandão e Mohallem, foi criado com objetivo principal de debater as novas medidas de combate à corrupção.
Sete dias depois da mensagem do procurador, o diretor da TI enviou um arquivo com suas sugestões para o acordo.
Deltan Dallagnol e Bruno Brandão chegaram a discutir os pontos propostos pelo diretor-executivo da Transparência Internacional ao texto da minuta. “Bruno, suas sugestões foram ótimas e nos abreviaram um grande trabalho”, agradeceu o procurador, às 13h36 do dia 17 de dezembro de 2018.
Entre eles, Brandão alertou Dallagnol sobre possíveis críticas, que se concretizaram após a publicação do acordo, de que “o MP está criando sua própria fundação pra ficar com o dinheiro da multa”. Deltan ignorou as sugestões do diretor da TI.
Mesmo assim, depois de a minuta ter vindo a público e causado diversas críticas, Brandão foi à imprensa defender o texto final. “A crítica [de exacerbação do papel do Judiciário] seria razoável se o Ministério Público determinasse, de maneira discricionária, o destino dos recursos. Mas não é isso que está acontecendo. Eles não estão se apropriando dos recursos; estão devolvendo para a sociedade”, defendeu Brandão, em entrevista à Folha de S.Paulo, em 3 de março de 2019.
Em 29 de novembro de 2018, o procurador Paulo Roberto Galvão se reuniu com Brandão e o professor Michael Mohallem “para ver o modelo de destinação” dos recursos da Petrobras.
No resumo do encontro que fez aos colegas no Chat Acordo Petro x DOJ x SEC, ele escreveu, sobre a proposta: “Por enquanto pedem para não ser compartilhada com Petrobras. TI tem receio de ficar fora da possibilidade de receber recursos Possibilidade de questionamento do modelo – na J&F há gente querendo dizer que o dinheiro deveria ser usado integralmente para ressarcimento ao erário – mas não afeta o nosso caso”.
A Transparência Internacional participou da elaboração de um plano de trabalho para gerir recursos da multa de R$ 2,3 bilhões imposta à J&F pela força-tarefa da Greenfield, do MPF. O acordo de leniência previa a destinação do dinheiro para projetos sociais. A colaboração formalizou-se com a assinatura de um memorando de entendimento, em 12 de dezembro de 2017, entre a TI, J&F e o MPF.
De acordo com a TI, foi com base nessa experiência que a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba solicitou à organização, em dezembro de 2018, recomendações técnicas para diretrizes de governança e destinação de investimento social, para inserção em acordo com a Petrobras.
“A TI Brasil apresentou as sugestões, baseadas nas referências do trabalho realizado no âmbito do Memorando de Entendimento, conforme solicitado pelos procuradores da Força Tarefa Lava Jato em Curitiba. Entre as recomendações apresentadas pela TI Brasil, estava o alerta para que o Ministério Público não fosse instituidor ou participasse da governança da entidade a ser criada”, destacou a entidade.
O professor Michael Mohallem afirmou que, devido à sua participação em projetos de pesquisa relacionados ao combate à corrupção, recebe “ocasionalmente consultas acadêmicas sobre iniciativas no campo do conhecimento”.
Questionada sobre a possibilidade de receber recursos, a Transparência Internacional respondeu que “nunca recebeu qualquer tipo de remuneração ou pleiteou qualquer função de gestão e jamais teve qualquer acordo para receber recursos” e que “a TI Brasil não contribuiu com recomendações para o caso dos recursos da Petrobras visando beneficiar-se”.
Segundo o MPF, o processo de reflexão e formatação do acordo foi de responsabilidade exclusiva dos 14 procuradores da força-tarefa.
“Houve grande preocupação dos procuradores em garantir mecanismos de governança para que a fundação de interesse público que seria criada atuasse segundo as melhores práticas e com ampla transparência, observando-se regras como objetividade, impessoalidade e accountability. Por isso, nesse processo, foram buscados subsídios junto a vários atores de órgãos públicos e da sociedade civil”, afirmou o MPF. [continua]
Diálogos obtidos pela reportagem mostram a proximidade do então procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, com a ONG Transparência Internacional