Após TRF-4 mandar soltar o ex-doleiro da Lava Jato, juiz Eduardo Appio apresentou novos argumentos e decretou nova preventiva do doleiro e traficante internacional de cocaína protegido de Sergio Moro e Deltan Dallagnol
247 -O juiz Eduardo Fernando Appio, da 13ª Vara Federal de Curitiba, emitiu na tarde desta terça-feira (21) uma nova ordem de prisão preventiva contra o ex-doleiro Alberto Youssef.
Na primeira decisão, Appio havia destacado que o ex-doleiro não devolveu todos os valores de que se beneficiou ilicitamente, levava uma vida “privilegiada” e não atualizou suas informações de endereço à Justiça Federal.
Durante a Lava Jato, Youssef foi preso em março de 2014 em uma operação da Polícia Federal sob a acusação de lavagem de dinheiro. Ele era um dos principais operadores de um esquema de corrupção que envolvia a Petrobrás.
Juiz só pode decretar medida cautelar a pedido das partes, e não de ofício. Com esse entendimento, o desembargador Marcelo Malucelli, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS), revogou, nesta terça-feira (21/3), a prisão preventiva do doleiro Alberto Youssef.
O juiz Eduardo Appio, novo titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, decretou de ofício, nesta segunda (20/3), a prisão de Youssef. A decisão foi provocada por representação fiscal para fins penais apresentada pela Receita Federal.
O processo estava suspenso em virtude do segundo acordo de colaboração premiada fechado entre o doleiro e o Ministério Público Federal — um dos pilares da "lava jato". Appio considerou que a delação não abrange a representação fiscal. Também apontou que Youssef não pagou suas dívidas tributárias, mudou de endereço sem avisar a Justiça e tem elevada periculosidade social, uma vez que é reincidente em crimes de colarinho branco e lavagem de dinheiro.
Em sua decisão, o desembargador Marcelo Malucelli destacou que a colaboração premiada de Alberto Youssef abrange, sim, a representação fiscal para fins penais. O compromisso prevê a suspensão dos processos em curso e dos seus prazos prescricionais quando a soma das penas transitadas em julgado ultrapassassem 30 anos de prisão. Isso ocorreu em 2015, e o procedimento tributário foi sustado a pedido do MPF.
Além disso, não há razão atual e concreta para revogar as medidas cautelares alternativas (como uso de tornozeleira eletrônica) impostas ao doleiro pelo TRF-4 em 2020, disse Malucelli. Na ocasião, a corte avaliou que o fato de Youssef ter voltado a cometer crimes após firmar seu primeiro acordo de delação premiada, no caso Banestado, em 2004, justificava que o controle a ele fosse maior do que o de outros colaboradores da “lava jato”.
"Como se vê, não escapou da análise deste tribunal a questão relativa à reiteração delitiva após o ajuste firmado pelo paciente [Youssef] e a PGR, devidamente homologado pelo STF. Contudo, estabeleceu a 8ª Turma desta corte as medidas que entendeu pertinentes, e que subsistem, registro, sem qualquer objeção por parte do Ministério Público Federal", afirmou o desembargador.
Ele ainda ressaltou que a Lei "anticrime" (Lei 13.964/2019) alterou o Código de Processo Penal (artigos 282, parágrafo 2º, e 311) para estabelecer que o juiz só pode decretar a prisão preventiva ou outras medidas cautelares a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.
O ex-doleiro Alberto Youssef, o pivô da operação Lava Jato, foi preso nesta segunda-feira (20) em Santa Catarina. O juiz do caso, Eduardo Appio, afirmou que Youssef não devolveu todos os valores de que se beneficiou ilegalmente e a partir de investigações do Petrolão, o doleiro foi condenado a mais de 100 anos de prisão.
Preso condenado a mais de 100 anos.
Perdoaram 10 anos,
mais 10 anos,
mais 10 anos,
mais 10 anos,
mais 10 anos,
mais 10 anos,
mais 10 anos,
mais 10 anoss,
mais 10 anos,
e solto, e leve, e livre para gastar o que abocanhou com o tráfico. Esbanjar com farras, com mulheres, com viagens. Para isso comprou um helicóptero. Idem continuar nas mil negocionatas de sempre.
Eduardo Fernando Appio juiz da vara que foi de Moro critica "versões deltônicas" e diz: "é chegada a hora do renascimento das garantias dos princípios constitucionais"
Por Joaquim de Carvalho
O juiz Eduardo Fernando Appio, da 13a. Vara Federal de Curitiba, revogou nesta quinta-feira (16/03) a prisão preventiva do advogado Rodrigo Tacla Durán, que estava em vigor desde 2016.
"O cidadão Tacla Durán, como qualquer outra pessoa, merece e tem o direito constitucional de receber do Estado brasileiro uma jurisdição serena, apolítica e republicana, na qual os dois pilares fundamentais são a certeza do conteúdo da acusação (para que possa se defender), bem como plena isenção dos agentes de Estado (juízes, procuradores, policiais e demais protagonistas)", escreveu Appio, no despacho de seis páginas.
Tacla Durán mora em Madri desde o final de 2016, com toda a família, que levou para lá para se proteger do que entendia ser a perseguição por parte de Sergio Moro e dos procuradores da Lava Jato.
Ele chegou a ficar preso por cerca de três meses no presídio Soto del Real, perto de Madri, em cumprimento a uma ordem de prisão de Moro. A Lava Jato pediu a sua extradição, mas a Justiça espanhola negou, por ter Tacla Durán, neto de espanhol, dupla cidadania - brasileira e espanhola.
O Judiciário daquele país chegou a oferecer ao Brasil a possibilidade de que o processo tramitasse lá, mas a Lava Jato não levou adiante, e os procuradores faltaram a uma audiência previamente agendada.
Tacla Durán conseguiu também cancelar o alerta vermelho da Interpol, acionado a pedido de Moro. A antiga rede internacional de polícia aceitou o argumento de sua defesa de que Moro agia com parcialidade. Na prática, foi como se a Interpol rasgasse o mandado de prisão assinado pelo então juiz.
Em novembro de 2017, Tacla Durán prestou depoimento na CPI da JBS e apresentou os prints da conversa que teve com o advogado Carlos Zucolotto Júnior, padrinho de casamento, amigo de Sergio Moro e ex-sócio da esposa do então juiz, Rosângela. A imagem da tela do computador de Tacla Durán foi periciada na Espanha.
Na conversa, Zucolotto oferecia facilidades num acordo de delação premiada, como prisão domiciliar e a redução de multa, mas, em troca, queria 5 milhões de dólares, pagos por fora. Zucolotto disse que iria bater o martelo com o DD (coincidência ou não, iniciais de Deltan Dallagnol).
No dia seguinte à conversa, o advogado de Tacla Durán recebeu uma minuta do acordo, com os termos acordados com Zucolotto. Questionado pela imprensa, Moro defendeu o padrinho e atacou Tacla Durán, prejulgando-o. Foi o que levou a Interpol a cancelar o alerta vermelho.
Foi a primeira vez que a fragilidade de Moro se tornou pública. Mesmo pessoas próximas diziam que o mínimo que se esperava de um magistrado correto é que determinasse investigação das graves denúncias apresentadas por Tacla Durán. Antes da CPI, a história foi relatada no capítulo de um livro de Tacla Durán que vazou na internet.
Tacla Durán também apresentou indícios de fraude na contabilidade e no sistema de comunicação da Odebrecht, MyWebDay e Drousys, juntadas no processo pelos procuradores da Lava Jato. O Supremo Tribunal Federal tem aceitado esses documentos de Tacla Durán como argumento para absolvições.
Na decisão que revogou a prisão preventiva, o juiz Appio associa a forma de agir da Lava Jato aos ataques ao Supremo Tribunal Federal e à sede de outros poderes da república, em razão das críticas exageradas. Ele chama esses ataques que partiram de procuradores da Lava Jato de "versões deltônicas". E lembra que juízes e procuradores também são responsáveis pela sobrevivência das "frágeis raízes da jovem democracia brasileira".
Tacla Durán aguardava a decisão do juiz para retornar ao Brasil. A decisão de Appio é consequência do julgamento do ministro Ricardo Lewandowski esta semana, que suspendeu as ações da Lava Jato em razão da "imprestabilidade" do acordo de delação da Odebrecht.
O juiz a 13a. Vara Federal de Curitiba estabeleceu algumas condições para a revogação da prisão. Tacla Durán terá que prestar contas de suas atividades (a Lava Jato o acusou de ser doleiro) a cada dois meses, a proibição de se ausentar do país sem comunicar à Justiça e o empenho para repatriar recursos "eventualmente depositados no exterior".
Enquanto isso, responderá a processo, que terá se ser justo, como define a Declaração de Direitos Humanos, um dos fundamentos da Interpol.
A direita volver sempre nazista lá no Sul da supremacia branca
247 -O Grupo de Atuação no Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) de São Miguel do Oeste optou pelo arquivamento do procedimento que apurava asaudação nazista feta por bolsonaristas durante ato de protesto contra a democracia, realizado na esteira da derrota de Jair Bolsoanro (PL) para o presdiente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro e no segundo turno das eleições, por entender que o gesto coletivo não foi intencional.
De acordo com o siteNSC, “o Gaeco ouviu testemunhas desde a manhã desta quarta-feira (3), e entendeu que os participantes não sabiam que o gesto de estender o braço direito poderia ser associado a uma saudação ligada ao nazismo”.
O ato em que os manifestantes bolsonaristas repetiram um gesto semelhante à saudação nazista "Sieg Heil", enquanto cantavam o hino nacional, aconteceu em frente ao 14º Regimento de Cavalaria Mecanizado, base do Exército na cidade. La na Cavalaria ninguém ficou incomodado.
“Se Hitler fez com judeus, faço com petistas”: manifestações de ódio se intensificam em escolas de elite
Casos de intolerância e de inspiração nazista se intensificaram depois da eleição de Lula, relata repórter do jornal O Globo
A repórter Malu Mões, deO Globo, apurou casos de intolerância e ódio que se espalha por escolas de elite e universidades depois da eleição de Lula.
Um dos casos é o do adolescente Antonio Biebie, de 15 anos, que viu suas redes sociais serem tomadas por mensagens com discurso de ódio, disseminadas por alunos da Fundação Visconde de Porto Seguro, colégio de elite em Valinhos, interior de SP, onde ele cursa o primeiro ano do ensino médio.
Um colega afirmou que “petista bom é petista morto” e também compartilhou pelos stories de seu perfil no Instagram uma foto de Hitler: “Se ele fez com judeus, eu faço com petistas”, dizia o post.
No grupo de WhatsApp, ao qual Antonio, que é negro, foi adicionado sem que tivesse solicitado, mensagens como “Quero que esses nordestinos morram de sede”, “Fundação pró-escravização do Nordeste” e “Quero ver pobre se f… mais ainda” foram publicadas.
Figurinhas nazistas também inundaram o grupo, batizado “Fundação Anti Petismo”, que já contava, quando Antonio entrou, com 32 participantes.
Diante da divulgação do caso, o colégio Porto Seguro disse, em nota, “repudiar qualquer ação e ou comentários racistas” e “não admitir nenhum tipo de hostilização, perseguição, preconceito e discriminação”.
Afirmou ainda que faz palestras e projetos sobre diversidade de opinião, raça e gênero, o que Antonio aponta como eventos raros. Na última sexta-feira, oito alunos foram expulsos do colégio.
— Me revolta saber que existem pessoas assim na minha escola. Mas, se resolver, eu vou me sentir mais livre — desabafou Antonio, antes de saber da decisão pela expulsão tomada pelo colégio.
Antonio, que é simpatizante do PT e militante de causas sociais, conta ter ficado tenso ao ver o conteúdo ofensivo de seus colegas. Ao lado da mãe, que é advogada, o jovem denunciou o caso, agora investigado pela Polícia Civil, mas fica com medo de ser “cobrado” por outros estudantes.
Os casos de intolerância pós-eleição têm acontecido em várias cidades do país, com estudantes do ensino fundamental ao superior.
Em Porto Alegre, adolescentes do Colégio Israelita Brasileiro (CIB) fizeram, às gargalhadas, uma live no TikTok com insultos preconceituosos a pobres e nordestinos, atribuindo a eles uma suposta culpa pela vitória de Lula. A conta da estudante que publicou a transmissão foi apagada da rede social.
“(A vitória do Lula) não muda nada na minha vida, sua pobre, vagab…, não vem reclamar depois que meu pai for te demitir”, diz a estudante na live. Na sequência, outro aluno diz que “todos os nordestinos deveriam tomar no c...” e que “600 pila pra gente não é nada”, em referência ao Auxílio Brasil. A aluna, então, conclui: “A gente limpa o c… com 600 reais, não faz diferença, por isso a gente deixa pra vocês”.
Em nota, o CIB reforçou “firme repúdio às manifestações”: “O discurso de ódio não será tolerado. Serão aplicadas as penalidades cabíveis. Essas ações em nada refletem nossos princípios filosóficos e nossa prática pedagógica”, informou a escola, sem especificar que medidas seriam tomadas.
A repórter relaciona ainda casos em Curitiba, Campo Grande e Florianópolis.
Como se sabe, o slogan de campanha de Bolsonaro faz referência a uma frase de simpatizantes do nazismo na década de 30, alguns abrigados no Movimento Integralista: "Deus, Pátria e Família".
As manifestaçoes de ódio recentes mostram que a cultura nazista não desapareceu do Brasil.
'Quero alunos expulsos', diz mãe de vítima de racismo em colégio de elite
Reinaldo Azevedo: Crianças, adolescentes, seus pais nazistas e fascistas
JOVEM SOFRE RACISMO EM ESCOLA NA CIDADE DE VALINHOS
Nazismo escolas em Valinhos e Curitiba
Polícia investiga alunos que fizeram ofensas racistas
Professor de história faz apologia ao nazismo em Imbituba
Há um ano protagonizamos o que foi o maior protesto já realizado por mulheres no Brasil, e a maior concentração popular durante a campanha da eleição presidencial.
Há um ano gritamos ao mundo, de todas as regiões do país, que não tolerávamos a candidatura à Presidência de um homem que faz declarações misóginas. Um homem que proferiu ameaças à democracia e afirmou a uma colega de parlamento que não a estupraria porque é muito feia.
Um homem que disse que seus filhos não namoram mulheres negras porque foram “muito bem educados”, que as mulheres devem ganhar menos porque engravidam, que prefere que o filho morra num acidente de trânsito a ser homossexual, que os negros dos quilombos não servem nem para “procriar” e que tem um coronel torturador como herói.
Não eram apenas mulheres ligadas à esquerda, mas que, de algum modo, compreendiam quais poderiam ser as consequências da irresponsabilidade de uma escolha como a que se desenhava. Algumas em focos de cidadania organizados e consolidados, outras que se insurgiram naquele momento.
Os atos reuniram cidadãs que assumiram a incumbência de participar e de pressionar por outro caminho para dirigir o país.
Eleito, a atuação de Jair Bolsonaro é considerada uma verdadeira afronta aos direitos humanos, em geral, ao meio ambiente, à cultura e à educação, ao Estado laico, aos direitos trabalhistas, às liberdades individuais, aos povos tradicionais.
Tem sido duro e exaustivo acompanhar cada passo dado para trás pelo governo: da revisão dos processos de anistia às ameaças e perseguições político-ideológicas, que levaram mulheres e homens que lutam para transformar realidades, como Márcia Tiburi e Jean Wyllys, a deixar o país.
Há um ano dissemos não a ele. Mas não estávamos profetizando nada.
Bolsonaro, em essência e inteiramente, nos forneceu todas as informações do que seria a realidade de um governo seu. Não havia necessidade de ser decifrado.
Nos instou a dizer se queríamos habitar seu mundo binário, onde se encontravam a tirania, o machismo, o racismo, a homofobia e a misoginia, em contraste com a defesa de valores humanitários básicos.
Fizemos, pois, de nosso grito, nosso brado, um alerta e um chamamento do que não pode caber na ideia de democracia, como o escárnio público e o deboche que apontam que nós, mulheres, não merecemos sequer respeito.
Já governante, quando convidou, em abril deste ano, turistas a virem ao Brasil e “ficarem à vontade se quiserem fazer sexo com uma mulher”, Bolsonaro deu a senha de que nos enxerga como objetos, utilizáveis, como se pudesse dispor de nossos corpos.
Como habitantes deste imenso pedaço de mundo chamado Brasil, sabemos que estamos incluídas no coletivo de todos que acreditam e lutam por um país plural, diverso e mais igual.
Um ano depois de termos ocupado as ruas, nos encontramos, de certo modo, paralisadas pelo formato dado ao debate público.
Polemizamos pelas redes o “direito de vestir azul” como sendo a contenda central do enquadramento da discussão de gênero, que passa, na verdade, por uma fixação muito mais profunda de novos padrões de moral e costumes, com protagonismo das igrejas evangélicas e adentrando às escolas.
Em tempos que desafiam nossa capacidade de prosseguir e nosso senso de realidade, que nos atingem nesse festival de intolerância, opressão e medo, em que as políticas para mulheres são ridicularizadas e desprestigiadas pela voz de uma ministra que responde aos problemas com frases de efeito de fundamentalismo religioso, precisamos de novo gritar: Ele não!
Em tempos em que o governo é como uma maldição, condenando tudo a fenecer, como um bando de gafanhotos em um campo de trigo – para usar a metáfora bíblica que tanto gosta a ministra Damares - precisamos mostrar que seguimos e seguiremos.
Sair do marasmo e reencontrar nosso aprendizado, reinventando os mecanismos de ocupação do espaço público, nas ruas e fora delas, para afirmar nosso compromisso essencial com nossa agenda de conquistas.
Nosso presente é assustador e, por isso mesmo, muito desafiante. Na catástrofe posta, estamos em guerra. Uma guerra que possui muitos elementos, inclusive a linguagem.
Na batalha das narrativas, existem as ferramentas que falseiam a realidade e prestam informações distorcidas, que nos indicam que é necessário construir - outra vez e coletivamente - respostas que não sejam as do individualismo.
Não custa lembrar sempre que “em tempos de guerra, a primeira vítima é a verdade”. Publicado em 5 de Outubro de 2019
Ex-capitão se entregou à política do centrão, busca voto das mulheres e enfrenta hoje maior rejeição que há quatro anos
por Cristiane Sampaio /Brasil de Fato
Lançado à Presidência da República pela primeira vez em 2018, após 27 anos de vida parlamentar, o personagem político Jair Bolsonaro (PL), que agora busca a reeleição, traz um discurso que encontra semelhanças no passado de quatro anos atrás, mas que também evoca algumas diferenças.
Arthur Lira e Jair Bolsonaro hoje são aliados, especialmente naquilo que se refere a pautas da agenda econômica
A identificação ficou clara diante do que se viu no palanque de Bolsonaro no Rio de Janeiro (RJ) no último domingo (24), quando o líder extremista teve o nome confirmado pelo PL como candidato à reeleição.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, presidente licenciado do PP, estiveram entre os destaques do evento, que reuniu ainda ministros e ex-ministros da atual gestão, além de outros nomes. Os dois estão entre as principais lideranças do centrão, grupo que reúne partidos da direita liberal e fisiológica que mandam no Congresso Nacional.
O general Augusto Heleno, que cantou “Se gritar 'pega Centrão', não fica um, meu irmão...”, agora diz que o Centrão nem existe. Acho que ele vai trocar a letra dessa música pra alguma coisa assim: “Se gritar ‘pega Centrão’, o governo inteiro levanta a mão...” Leia mais no Diário de Bolso, in Jornalistas Livres aqui. Os marechais do Centrão comandam o Orçamento Secreto: Ciro Nogueira chefe da Casa Civil, Lira na Câmara, Collor no Senado
Para o cientista político Paulo Niccoli Ramirez, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), apesar do discurso antissistema, Bolsonaro “percebeu que não tem força suficiente nem apoio para dar um golpe”, como acenou por seguidas vezes que faria, e, com isso, acabou se curvando ao xadrez que há tempos domina a lógica da política institucional no Brasil.
“O presidente aprendeu a jogar de acordo com as regras do jogo, que é justamente através de uma maioria no Congresso. E esse grupo, historicamente, desde a proclamação da República, é formado por uma maioria de latifundiários, enfim, uma elite conservadora e reacionária que forma o centrão”, aponta Ramirez.
Em um resgate no tempo, é possível identificar uma série de manifestações antigas de Bolsonaro contra a linha de atuação de políticos do centrão. Em uma delas, em maio de 2018, por exemplo, chegou a dizer que o termo que designa o grupo seria sinônimo de “palavrão”.
Em outro momento, em junho do mesmo ano, o então deputado federal ironizou, via Twitter, ao afirmar que o centrão estaria contra a sua candidatura “em nome do patriotismo e da ética”.
- O Centrão, em nome do "patriotismo e da "ética", contra Jair Bolsonaro.
“A postura dele anti-institucional permanece. A diferença é que ele tem agora o apoio de uma parte importante do Congresso”, observa o professor Pablo Holmes, do Ipol/UnB.
Ao mesmo tempo em que apresenta hoje, em 2022, um discurso mais fragilizado de combate à corrupção, Bolsonaro também busca ganhar a simpatia de grupos com os quais jamais flertou em outras campanhas, sobretudo na de 2018.
“Ele tenta hoje se aproximar um pouco mais tanto do eleitorado nordestino como do feminino, que era uma coisa que ele não fazia muita questão de fazer. Sem dúvida, é a tarefa mais difícil que ele terá”, comenta o cientista político, ao examinar os números das últimas pesquisas de opinião.
Os levantamentos mostram Bolsonaro com ampla desvantagem diante dos dois segmentos. Entre eleitores da região Nordeste, o panorama é desanimador para o atual líder do Planalto: pesquisa PoderData divulgada em 12 de julho mostrou que Bolsonaro perderia de 62% a 28% para Lula em um eventual segundo turno especificamente entre nordestinos. De acordo com o estudo, essa é a única das cinco regiões onde o quadro eleitoral se mostra consolidado para o líder da chapa do PT.
O presidente tem histórica postura preconceituosa contra nordestinos e já fez diferentes gestos nesse sentido. Antes e depois da eleição de 2018, referiu-se por diversas vezes aos cearenses como “cabeçudos”, por exemplo.
Já no atual momento o ex-capitão tenta amaciar o discurso dirigido ao público do Nordeste para capturar votos na região. Em visita a Salvador (BA) no começo deste mês, por exemplo, Bolsonaro afirmou que “o Nordeste é uma parte importantíssima do nosso Brasil” e que “somos um só povo, uma só raça”.
Eleitorado feminino
Enquanto isso, lançando o olhar para outro segmento, a última pesquisa BTG Pactual, divulgada na segunda (25), mostra que entre as mulheres o presidente tem apoio de apenas 24% do grupo. Já o petista Luíz Inácio Lula da Silva, que está à frente do ex-capitão em todos os levantamentos e por isso é seu principal adversário, tem 46% das intenções de voto do grupo.
Foi justamente o segmento das mulheres que, em 2018, mobilizou-se de forma organizada e foi às ruas, antes do pleito daquele ano, em mais de 100 cidades do país em protestos marcados pelo conhecido coro do “Ele, não” (vide tag), em alusão a um voto “anti-Bolsonaro”.
Ato em Curitiba em 2018 pelo "Ele, não", com participação de cerca de 50 mil pessoas / Lia Bianchini
Foi também contra essa fatia da população que o atual presidente da República se colocou em diferentes momentos ao longo do mandato, a exemplo do que fez em outubro de 2021, quando vetou a previsão de distribuição gratuita de absorventes íntimos para mulheres pobres.
A política pública foi aprovada pelo Congresso e convertida na Lei nº 14.214, cujos vetos foram derrubados depois por deputados e senadores, em março deste ano. A isso se soma ainda um conjunto de posturas e declarações de cunho sexista e machista do presidente ao longo destes três anos e meio de mandato. Em abril de 2019, por exemplo, Bolsonaro chegou a fazer apologia ao turismo sexual ao dizer que “quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher fique à vontade”.
O aceno gerou uma cascata de reações críticas, bem como ocorreu com outras declarações do tipo. Foi o caso do episódio em que o chefe do Executivo ofendeu a repórter Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de São Paulo, sugerindo que ela supostamente teria trocado informações por relações sexuais para reportagem relacionada a Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionário da empresa Yacows, investigada pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI) das Fake News, no Congresso.
Concentração do ato "Ele, Não" na Cinelândia, Rio
"Ele, não" em Porto Alegre, com Manu, Manuela d'Ávila
“Ela [Patrícia] queria um furo. Ela queria dar um furo a qualquer preço contra mim", disse Bolsonaro, em fevereiro de 2020, ao jogar com um duplo sentido da expressão “dar o furo”. O ex-capitão chegou a ser condenado judicialmente a desembolsar R$ 20 mil para a repórter por danos morais causados à jornalista. É nesse mesmo cenário que o atual presidente da República busca a reeleição e acena agorapara o eleitorado feminino,tentando conquistá-lo na campanha.
“E por que em 2018 eles não tiveram tanta preocupação em fazer isso? Porque houve ali um momento mais ou menos concomitante às manifestações do ‘Ele, não’ em que Bolsonaro começou a crescer. Eles se despreocuparam com isso. Agora, que estão vendo o Lula ainda com uma vantagem muito grande, o Bolsonaro tenta esse apaziguamento da própria imagem perante o público feminino”, observa o cientista político Thiago Trindade, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB).
Maior rejeição
No meio disso, o Bolsonaro de 2022 enfrenta o desafio de ter que lidar com o avanço da rejeição ao seu nome. “Uma coisa que chama a atenção hoje é que o antibolsonarismo agora é maior que o antipetismo, e isso naturalmente coloca ele numa posição muito difícil”, identifica o professor Pablo Holmes, do Ipol/UnB.
Pesquisa Datafolha de maio deste ano mostrou que o ex-capitão é o mais rejeitado entre todos os pré-candidatos, com 54% do eleitorado refutando a possibilidade de votar por uma continuidade da gestão. Enquanto isso, Lula acumula 33% de rejeição, mantendo-se dentro do patamar histórico da legenda nos últimos pleitos.
Concentração do ato "Ele Não" no Largo da Batata, em São Paulo (SP), onde mais de 500 mil pessoas saíram às ruas em 2018 / Mídia Ninja
Pauta do voto "anti-Bolsonaro" ganhou as ruas há quatro anos, com multidão de mulheres vocalizando discurso contra a opressão de gênero / Giorgia Prates
Com a gestão marcada por escândalos de corrupção, pela má gestão da pandemia, pelo negacionismo com que lidou com a pauta da covid e, por exemplo, pelo controverso “orçamento secreto”, que irriga políticas definidas a partir de decisões coordenadas majoritariamente pelo centrão, o presidente que em 2022 tenta atrair nordestinos e mulheres para a sua massa de eleitores encontra no país um cenário menos favorável do que tinha à sua figura há quatro anos.
Bolsonaro perde para Lula em todas as pesquisas e todos os cenários divulgados até o momento
“O governo viveu crise sobre crise e, depois disso, continuou criando outras crises – crise contra o STF, contra a Justiça Eleitoral, contra as urnas, contra a Petrobras, contra os Estados Unidos, contra a França. É um governo que produz muita crise, e as coisas só pioraram. Esses fatores contam porque existe uma confusão permanente no país e ele não consegue gerar estabilidade. É esse o Bolsonaro que vejo hoje”, descreve Holmes.
Nós de Curitiba somos vítimas de três déspotas, Rafael Greca, o esclarecido, ou outros dois Ratinho Jr – há que se saber por que o apelido do pai e do filho – e o energúmeno que ocupa a presidência. Todos fascistas
Seu Joaquim sempre levava uma bainha de couro presa ao cinto e dentro um canivete de fina lâmina, afiada e cortante. Com ele, também, sempre, um indefectível guarda chuva. Andava a pé de sítio em sítio castrando porcos e porcas. Necessário deixar claro a questão de gênero, pois o processo cirúrgico é diferente.
Não sei se marcava as datas das visitas ou saía do seu sítio no dia que lhe desse na telha. Para nós, crianças, a sua chegada era sempre inesperada.
Para mim, seu Joaquim era um velho (assim mesmo que dizíamos), mas, hoje, pensando e rememorando, tenho a impressão de que deveria ter entre 45 e 50 anos de idade.
Ele não sabia – ou talvez até soubesse – que sua figura era usada para aterrorizar as crianças. Às vezes algum de nós, após fazer alguma “arte” era ameaçado: vou chamar o seu Joaquim pra te capar.
Gostávamos dele porque sempre vinha com alguma brincadeira ou pegadinha. Uma das contumazes pegadinhas era fazer a pergunta, muitas vezes repetida: por que o cachorro entra na igreja?
No começo não sabíamos, mas depois decoramos a resposta: porque a porta tá aberta. Em seguida perguntava por que o cachorro sai da igreja?
Em Rolândia, na paróquia São José, hoje igreja Matriz, havia o padre, José Herions, que contavam – nunca vi – que quando ele enxergava um cachorro dentro da igreja, chegava até a interromper a missa para aos gritos expulsá-lo e, se o alcançasse, colocava-o para fora aos ponta pés.
Lembrei-me destas duas histórias no momento seguinte ao fato de um grupo de homens e mulheres, em protesto justo contra o racismo e a xenofobia, entraram, aqui em Curitiba, na igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.
Estes homens e mulheres, de maioria preta, participavam de um protesto na frente da igreja. Cobravam justiça pelo assassinato de dois homens – Moïse Kabagambe e Durval Teófilo Filho – ambos pretos. Pediam justiça e um basta aos crimes raciais, alguns deles bárbaros, que perpetrados reiteradamente.
Num dado momento, após o final de uma missa, um grupo destes militantes entrou na igreja e o fez – lembrando o seu Joaquim – porque a porta estava aberta. Ao entrar não romperam nenhuma regra de religiosidade nem de afronta à fé e a espiritualidade, respeitaram o simbolismo do local e demonstram respeito a Deus.
Em um momento de indignação e contra o desrespeito ao sagrado, o próprio Jesus Cristo entrou no templo e de lá expulsou os mercadores.
Ao contrário, do que os hipócritas e cretinos disseminaram, os homens e mulheres que entraram na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos não expulsou e tampouco afrontaram alguém. Dentro da igreja a seus modos, fizeram suas pregações e orações a favor da justiça, da paz, da fraternidade e do valor da vida. Aos seus modos e aos seus jeitos, num curto espaço de tempo – cerca de oito minutos –, também pediram proteção a Deus.
Feito o ato eclesiástico, assim como entraram, saíram e a igreja permaneceu como a encontraram, intacta. Nem um ser humano, imagem ou espaço de religiosidade foi afrontado.
Mas Curitiba é uma cidade que tem um povo estranho: entrar na igreja é uma afronta, benzer armas não.
O prefeito Rafael Greca mandou benzer armas – pouca gente reclamou – talvez com o objetivo de usá-las para dar o tiro de misericórdia em algum moribundo, na maioria das vezes um preto.
Tiro de misericórdia, escrevo, porque muitas vezes as vítimas já foram, não só torturados pela pobreza, exclusão e racismo, mas também fisicamente e, à beira da morte, uma arma abençoada é disparada. Talvez assim o coração e a alma misericordiosa do Greca, imagina, não levará nenhuma culpa ao juízo final. Afinal a pistola ou o fuzil foram benzidos.
Nós de Curitiba somos vítimas de três déspotas, Rafael Greca, o esclarecido, ou outros dois Ratinho Jr – há que se saber por que o apelido do pai e do filho – e o energúmeno que ocupa a presidência. Todos fascistas.
Os três caíram sobre o fato ocorrido na igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos como baratas sobre o mel. As baratas fazem isso pela doçura do mel e pelo prazer de se alimentarem.
Os três também o fizeram pelo prazer. Duplo, quem sabe triplo: o deleite de praticarem seu racismo – sem explicitar – ao pedirem investigações sobre o que chamam de crime; a exploração política para melhor se qualificarem para a disputa eleitoral; e, ainda, afastar da vida pública um preto, que, de acordo com eles, não sabe o seu lugar.
Importante ainda a destacar é que, depois dos fatos, o padre não reclamou, o que significa que ele relevou ou entendeu que, por não haver danos e tampouco desrespeito à religiosidade, não precisava tornar público o ocorrido. Mais tarde, inclusive, colocou-se contra a cassação do vereador Renato Freitas.
O fato veio à tona e se tornou relevante quando um dos vereadores fascistas de Curitiba revelou o corrido com o objetivo de obter vantagens políticas e eleitorais e punir aquele preto que não sabe seu lugar.
A última pergunta do seu Joaquim: por que o cachorro sai da igreja?
Na nossa afoiteza infantil resposta era sempre: porque a porta tá aberta. Ele ria e dizia: erraram, o cachorro sai da igreja porque entrou.
No caso do protesto de Curitiba, assim como Cristo no templo, entraram porque a porta estava aberta e pela mesma porta aberta saíram. Cristo quebrou e derrubou mesas, estandes e expulsou mercadores e por fazer isso na época foi chamado de criminoso.
Os que protestaram em Curitiba nada quebraram e também são chamados de criminosos. Ambos assim são tratados por questões políticas e a Renato soma-se a questão racial.
A maioria absoluta dos vereadores expulsaram o Renato Freitas da vida pública como o padre José expulsava os cachorros da igreja, a pontapés.
Será que alguns dos vereadores não gostariam de andar como seu Joaquim, com um canivete de fina lâmina, afiada e cortante para castrar – até fisicamente e com mais afoiteza, se pretas – as pessoas que lutam contra o racismo e a favor da igualdade racial?
O vereador Renato Freitas (PT) deverá voltar a tomar posse como vereador. É o que determinou uma liminar do Tribunal de Justiça do Paraná publicada nesta terça-feira. Para o TJ, as sessões que determinaram a cassação de Freitas no plenário da Casa não têm validade porque a defesa do vereador não foi intimada dentro do prazo processual necessário.
Segundo o advogado Guilherme Gonçalves, que representa Freitas, a Câmara havia sido alertada do erro um dia antes da primeira sessão, mas escolheu manter a convocação. Nem o vereador, nem sua equipe de defesa compareceram a sessão.
Com a decisão liminar, as sessões deixam de ter validade e a Câmara precisa dar novamente posse a Renato, que nasegunda-feira havia sido substituído por Ana Júlia, primeira suplente da chapa. A liminar é assinada pela Desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima, da 4a. Câmara Cível.
Agora a Câmara de Curitiba poderá recorrer da decisão ou convocar novamente duas sessões para votar a cassação do vereador novamente. A Casa, porém, está em recesso e só deve retomar as sessões Ordinárias em agosto.
Marcha para Jesus em 21/05/2022 (Imagem: Clauber Cleber Caetano | PR)
O discurso que deveria ter sido na praça, acabou sendo em uma rua oposta, onde as árvores camuflavam a falta de público. Foi preciso malabarismo dos fotógrafos oficiais para encontrar um ângulo que ajudasse a não mostrar o fiasco
Até que ponto a fé e a política podem se misturar?
Essa é uma dúvida que vem crescendo no coração e na mente de uma parcela cada vez maior de evangélicos no Brasil, especialmente a partir das mudanças sentidas nos últimos anos em muitas igrejas e comunidades, nas quais os princípios básicos do cristianismo, como o amor e a solidariedade, foram perdendo espaço para a intolerância e o ódio implantados com objetivos políticos-econômicos-eleitorais (questões bastante mundanas, por sinal).
Os brasileiros viram surgir um tipo de “evangelho do ódio”, a partir de discursos acalorados vindos de lideranças que, em vez de pregar o amor de Cristo, passaram a disseminar rancor e raiva contra tudo aquilo considerado ‘diferente’.
Não é de hoje que eles sabem que as pessoas reagem mais pelo sentimento do que pela racionalidade. Só que eles descobriram que, entre os sentimentos, as pessoas reagem mais fortemente ao medo.
O objetivo dos pregadores do “evangelho do ódio” é espalhar medo. Em excesso, medo vira paranoia. Em grande escala, se transforma em paranoia coletiva, que é o que eles espalham nas igrejas brasileiras ao disseminar mentiras de cunho político.
É aí que as coisas se misturaram de forma perversa e passaram a corroer o tecido social de comunidades inteiras que antes se reuniam para compartilhar atos de amor, esperança, fé e solidariedade.
Em grande escala, isso criou uma nova geração de pessoas “desigrejadas”, que deixaram de frequentar cultos, células e outros espaços de convivência porque sofreram com a intolerância de “irmãos” e “irmãs” (que é a forma como se identificam as pessoas na igreja) ou porque se desapontaram ao ver lideranças envolvidas em uma política de baixo nível, disseminando a discórdia a partir de mentiras e conteúdos extremistas.
Tudo isso vem gerando, mais recentemente, uma forte angústia em parcela significativa das comunidades evangélicas. Cada vez mais, as pessoas estão sentindo que essa entrada da política oportunista no meio evangélico está destruindo relações humanas e sociais.
Essa pode ser uma das explicações para o gigantesco fracasso da chamada “Marcha para Jesus”, que aconteceu no dia 21 de maio em Curitiba.
Bolsonaro esvaziou a marcha
Há quem diga queBolsonarose tornar presidente foi um acaso na política brasileira. Eu discordo.
Apesar de seus atos não demonstrarem nenhuma identificação com a fé cristã ao longo de sua vida política, o presidente da República, Jair Bolsonaro, veio construindo uma imagem para confundir a população nos últimos anos. Mesmo sendo católico, ele identificou que os votos de eleitores evangélicos poderiam estar entre os mais facilmente influenciados por lideranças religiosas.
Junto com algumas dessas lideranças, ele construiu uma narrativa para se infiltrar no meio evangélico, incluindo vários “batismos nas águas” e até o casamento ministrado por um pastor.
De certa forma, funcionou. Com isso, fizeram com que milhões de pessoas passassem a acreditar que ele é evangélico.
Depois, em sua campanha, adotou slogans e expressões que funcionam como gatilhos mentais para evangélicos, usando de forma bastante genérica palavras-chave como “família”, “fé” e o próprio nome de Deus (em vão).
Tudo isso para criar a falsa impressão de que “ele é um de nós”. É fake, mas continua servindo para enganar pessoas.
Para reforçar essa imagem, ele passou a frequentar eventos voltados ao público evangélico. Daí vieram as contraditórias cenas de “arminha com os dedos” em locais onde a vida deveria ser valorizada.
Quando anunciaram que Bolsonaro participaria da chamada Marcha para Jesus, em Curitiba, os organizadores disseram a jornais da capital paranaense que esperavam entre 200 e 300 mil pessoas. Apesar do exagero, a expectativa era atrair mais participantes do que nas edições anteriores, que chegaram a contar com mais de 100 mil pessoas antes da pandemia de Covid-19 (segundo os mesmos organizadores).
Apostaram alto. E perderam feio.
Em vez de aumentar, o evento deste ano encolheu. E muito.
Quando Bolsonaro discursou em frente a um teatro na capital, não havia mais do que 3 mil pessoas. Isso equivale a 1% do público esperado.
Dezenas de milhares de pessoas, que teriam participado se a marcha tivesse sido realmente para Jesus, preferiram ficar em casa depois que descobriram que era uma “marcha para Bolsonaro”.
O discurso que deveria ter sido na praça, acabou sendo em uma rua oposta, onde as árvores camuflavam a falta de público. Haja malabarismo dos fotógrafos oficiais para encontrar um ângulo que ajudasse a não mostrar o fiasco.
E mesmo depois, com os trios elétricos se movimentando, dando um tempinho para que os correligionários conseguissem mais público, ainda assim não chegou nem perto das edições anteriores.
Fotos de drone? Nem pensar. Estimativa de participantes segundo a polícia? Silêncio total. Muito provavelmente, prevaleceu alguma ordem para que todos ficassem bem quietinhos. No dia anterior, o governador paranaense, Ratinho Jr, havia afirmado que apoiaria Bolsonaro. E como o comando da PM é subordinado ao governo…
Quem pagou foi a população
Todo o aparato do Estado que precisou ser deslocado para esse evento por causa da presença do presidente, ainda acabou prejudicando os curitibanos, já que faltaram viaturas de polícia e ambulâncias para dar conta das ocorrências no restante do dia.
No final da tarde, quando voltava para casa com minha família, uma criança foi atropelada pouco à frente. Corremos para ajudar e ligamos para o Resgate. Fomos informados de que não havia viaturas disponíveis. Mesma coisa com o Siate. Uma pessoa ao lado me contou que tinha acabado de ligar para um amigo policial para pegar orientações e recebeu, como resposta, que grande parte do pessoal teve que trocar de turno por causa do evento ocorrido de manhã.
A criança continuava no chão, ferida e reclamando de muita dor. Dezenas de pessoas em volta. Comoção geral, raiva pela demora no atendimento, e muitas ligações de cidadãos para saber quando chegaria alguma viatura. A ambulância chegou 17 minutos depois. Obviamente, a culpa não era dos bombeiros socorristas, que estavam visivelmente sobrecarregados. Foi do evento minúsculo voltado a um político igualmente minúsculo na manhã daquele dia.
* Guilherme Mikami é jornalista, cientista político, diretor da agência de comunicação sindical Abridor de Latas, e participa da Frente de Evangélicos pelo Estado Democrático de Direito.
Lubaina Himid, Entre os dois meu coração está equilibrado, 1991
O vereador Renato de Freitas é mais um negro vítima do racismo cristão
por Simony dos Anjos
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Renato Freitas, frente à violência das mortes de Moïse Kabamgabe e de Durval Teófilo Filho, se juntou a outras pessoas negras em uma manifestação em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito, na capital do estado do Paraná. Por ser um sábado havia uma missa em curso e após o encerramento da missa, os manifestantes adentraram à Igreja. Em uma cidade conservadora e cristã, como Curitiba, isso soou como “vilipêndio da religião alheia”, nas palavras de um dos vereadores que propuseram a cassação do mandato de vereador de Renato Freitas (PT).
Temos aqui muitos elementos a serem discutidos em relação a toda a violência e racismo que envolvem essa situação: (i) a entrada de manifestantes em uma igreja revolta mais os “cidadãos de bem” do que a própria morte de Moïse e Durval; (ii) a oportunidade de acusar um parlamentar negro de quebra de decoro e, assim, cassar seu mandato e (iii) a indiferença ao que a população negra tem a dizer sobre esse acontecimento.
O que torna a questão ainda mais complexa é que a Igreja que foi então ocupada por manifestantes é nada mais, nada menos, que uma igreja que mobilizou muitas pessoas negras no decorrer da história da cidade de Curitiba. Portanto, a igreja tem uma simbologia na luta negra e antirracista da cidade. Fundada em 1737, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito teve a sua primeira construção – que foi demolida em 1931 –, feita por escravizados e para que os escravizados pudessem frequentar a missa.
Ora, nada mais justo que uma manifestação desse porte e conteúdo acontecesse em um local historicamente pertencente às pessoas negras e que serviu de cenário para articulação de pessoas escravizadas na resistência à escravidão brasileira. Como pessoa negra cristã, o que me chama a atenção nesta história toda é que ao invés de cristãs e cristãos se arrependerem do pecado do racismo e se colocarem na trincheira da luta por reparação histórica, se resignam e ainda se ofendem ao serem confrontados com seu próprio racismo.
Sim, esse caso se trata de racismo das igrejas cristãs, pois afirmam que houve desrespeito com o espaço religioso, mas não admitem nunca o papel crucial da Igreja Católica na justificação moral e religiosa da escravização, no Brasil. Lembro-me do quadro do Debret,Jovens negras indo à Igreja para serem batizadas(1821), no qual as mulheres sequestradas em África vão para a igreja antes de serem estupradas, exploradas e torturadas nas mãos dos senhores de engenho. Portanto, frente às atrocidades que a Igreja Católica (e muitas protestantes) cometeram e apoiaram contra negros e indígenas brasileiros, ceder seus templos para que o movimento negro faça denúncias é o mínimo!
O fato é esse, as mãos dos cristãos estão cheias de sangue, e não há cassação que faça essas mãos se limparem. E o próprio fato de certos cidadãos ditos de bem se incomodarem mais com um ato antirracista dentro de uma Igreja que historicamente é referência do movimento negro curitibano, do que com as mortes de Moïse e Durval, mostra que esses cidadãos querem silenciar o movimento negro.
O segundo ponto é fulcral neste debate: a cassação de Renato. A própria diocese de Curitiba se pronunciou contrária a esse absurdo e em nota disse que essa punição é desproporcional. Contudo, a pena de cassação foi proposta por Sidnei Toaldo por “realização de ato político no interior da igreja”. Sabemos do que se trata na verdade: uma vez que entramos nos espaços de poder, a branquitude faz de tudo para que saíamos. Seja por manobras institucionais, como esta, ou com a nossa própria morte – como ocorreu com Marielle Franco.
Deve ser muito desconfortável ouvir todos os dias que seus ideais são racistas, não? Ver que o espaço de poder não é mais hegemonicamente branco e masculino. Quando Renato abre sua boca para dar voz aos movimentos sociais de Curitiba, ele enfia uma faca no âmago das estruturas racistas, machistas e lgbtfóbicas que sustentam os “homens de bem”. E é por isso que qualquer motivação será o suficiente para arrancar o mandato de uma liderança popular eleita pelo povo e para o povo.
Por fim, a pergunta que fica é: o que pensa a população negra sobre essa cassação absurda? Dos 38 vereadores da casa, apenas 3 são negros. A cidade mais negra do sul, tem 24% de pessoas negras na sua população, mas não tem 24% de vereadores negros na câmara. Será que essa população aprova o movimento negro pedindo misericórdia na Igreja Nossa Senhora do Rosário para as vidas negras perdidas para a violência racista em nossas cidades? Eu acredito que sim. Esse comitê de ética composto por pessoas brancas que não têm qualquer empatia com a causa negra, não está apta para julgar a dor e a denúncia das pessoas negras, que têm seus corpos e direitos vilipendiados todos os dias.
Para os cidadãos de bem cristãos, eu digo, é tempo de arrependimento do pecado do racismo. Pecado esse que garantiu a construção de um país por meio da justificação religiosa do trabalho escravo. É tempo de assumir o lado certo da história e repensar como nossas igrejas dia a dia têm contribuído para o racismo brasileiro. Tenho certeza que neste caso, Jesus estaria não só com os manifestantes, como diria: a casa de Deus é a casa do povo, venham e tomem assento. Racistas, não passarão!
O cristianismo do companheiro Renato se expressa sobretudo por sua prática, por sua sincera indignação contra as muitas e inaceitáveis injustiças que se mantêm na sociedade brasileira
Embora não tenha estado presente na manifestação antirracista na Igreja do Rosário, em 5 de fevereiro, peço licença para também opinar sobre esse tema, dirigindo-me, especialmente, às pessoas que defendem a cassação do vereador Renato Freitas, ou que tenham dúvidas a esse respeito.
Não é o caso de repassar os eventos daquele dia, nem eu seria o mais indicado para fazê-lo. Penso, de todo modo, que ficou estabelecido que, embora a manifestação tenha se dado também dentro da igreja, não houve “invasão”, muito menos interrupção da missa.
Esse ponto de vista, inclusive, foi expresso pela própria Arquidiocese de Curitiba, que, em documento enviado em 28 de março ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara de Vereadores, expressa sua posiçãocontrária à cassação do mandato de Renato Freitas(ainda que tenha sugerido “medida disciplinadora proporcional ao incidente”).
Mesmo assim, ainda na sessão de 9 de fevereiro da Câmara Municipal, o companheiro Renato pediu “perdão”. Por que o fez, se não houve propriamente “culpa” em seus atos? A resposta encontra-se na mesma fala: porque o companheiro Renato é cristão. Em suas palavras:
“Algumas pessoas se sentiram profundamente ofendidas e a elas eu peço perdão, pois não foi, de fato, a intenção de magoar ou ofender o credo de ninguém, até porque eu mesmo sou cristão.”
Conheço o Renato há quase 15 anos, desde que ele ainda era estudante de Direito da UFPR, e sobre seu cristianismo eu mesmo quero dar testemunho.
Durante a pandemia, tive a alegria de receber a visita dele em minha casa, justamente para debatermos temas bíblicos. Por quase sete horas, conversamos sobre a saída do povo de Deus do cativeiro do Egito, sobre a Revolta dos Macabeus contra a dominação dos Selêucidas na Judeia, sobre os cem anos de insurreições judaicas contra o Império Romano, sobre, enfim, o contexto histórico em torno da vida de Jesus de Nazaré (tomando por base o livroZelota, de Reza Aslan).
Mas não se trata apenas de teoria. O cristianismo do companheiro Renato se expressa sobretudo por sua prática, por sua sincera indignação contra as muitas e inaceitáveis injustiças que se mantêm na sociedade brasileira.
O ato do dia 5 de fevereiro foi motivado pelas mortes de dois homens negros no Rio de Janeiro. O local escolhido para a manifestação foi a Igreja do Rosário, construída e frequentada, desde o século 18, pela população negra de Curitiba.
Em verdade, tanto o judaísmo quanto o cristianismo se confundem com a luta histórica de populações negras. Hoje é consensual nos estudos bíblicos que Jesus não era um homem branco de olhos azuis, mas um galileu de pele escura. Importantes comunidades judaicas e cristãs viveram e floresceram nas grandes cidades do Norte da África, sobretudo Alexandria. Uma das primeiras nações cristãs foi a Etiópia, do que dá testemunho o batismo, pelo apóstolo Filipe, de um alto funcionário da rainha etíope, narrado no livro de Atos (8:26-40). O próprio Santo Agostinho era africano, da cidade de Hipona, na Argélia atual.
Nesse contexto, os cristãos e cristãs verdadeiramente comprometidos/as com sua fé têm sempre sofrido as mais obstinadas perseguições. A maior delas, evidentemente, acometeu o próprio Cristo, submetido a torturas e humilhações arbitrárias e cruéis e, por fim, à terrível morte por crucificação, impetrada por autoridades do Império Romano e seus aliados na elite de uma nação submetida à dominação colonial.
Mas há várias outras, como as mortes e prisões relatadas no livro de Atos dos Apóstolos. Por apenas testemunhar sua fé, Estêvão foi cruelmente apedrejado até a morte (7:57), fato que desencadeou “uma grande perseguição contra a Igreja” e a dispersão da comunidade cristã de Jerusalém (8:1). Os apóstolos foram presos e açoitados (5:18, 40). Tiago, irmão de João, foi sumariamente executado a mando de Herodes (12:2). E Paulo foi covardemente espancado quando saía do Templo de Jerusalém (21:27-31), um episódio que levaria à sua prisão e, posteriormente, à sua morte em Roma.
Nada disso, no entanto, impediu que o cristianismo dos primeiros séculos afirmasse seu vínculo visceral com a igualdade humana. Num dos trechos mais conhecidos de suas epístolas, Paulo afirma que, em Cristo, “não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher” (Gálatas 3:28), um antigo credo que só pode ser compreendido como um compromisso contra toda espécie de desigualdade social, étnico-nacional e de gênero.
Todos esses elementos, eu os vejo presentes na vida e na militância do companheiro Renato Freitas. Não se trata da atuação de um escriba ou de um hipócrita, mas de alguém devotado a afirmar uma verdade para os vivos e não para os mortos (Mateus 22:32).
Superando uma situação inicial desfavorável, enfrentando violências que afetaram sua vida pessoal, o companheiro Renato Freitas logrou formar-se advogado e concluir o mestrado na Universidade Federal do Paraná. Para tanto, contou com o corajoso apoio de sua mãe, mulher brasileira que traz no sangue a força da cidade paraibana de Princesa.
Mas, contraditoriamente, essa realização acadêmica e política, que a nós nos causa tanta admiração, a outros talvez cause espanto e, quem sabe, um difuso desconforto. Uma reação semelhante, me parece, à do tribuno que prendeu o apóstolo Paulo nas escadarias do Templo de Jerusalém. Julgando que não passasse de um conhecido bandido da época, o oficial romano se espanta quando descobre que Paulo não apenas falava grego, como era inclusive cidadão romano (Atos 21:37; 22:27-28).
O que fazer com alguém assim? Que nasceu para ser marginalizado, mas cresceu e se formou, mantendo-se, entretanto, no campo das lutas populares?
A atuação do vereador Renato Freitas ainda aguarda sua avaliação definitiva pela Câmara Municipal de Curitiba. As pessoas encarregadas desse julgamento certamente buscarão se guiar pelos princípios da justiça e da ponderação. Muitas delas são cristãs, e essa fé penso que desempenhará certo papel no processo.
Foi precisamente para auxiliar essa reflexão que este texto foi escrito. Para afirmar o compromisso humano e cristão da militância do companheiro Renato. Para reivindicar que ele mantenha o mandato que lhe foi democraticamente outorgado por uma parcela importante do povo de Curitiba.