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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

16
Set22

“Bolsonaro é um pesadelo”, diz correspondente do Le Monde que lança livro na França

Talis Andrade
O jornalista Bruno Meyerfeld, correspondente do jornal Le Monde no Brasil.
O jornalista Bruno Meyerfeld, correspondente do jornal Le Monde no Brasil. © RFI

 

O correspondente do jornal francês Le Monde no Brasil, Bruno Meyerfeld, lança nesta segunda-feira (12), em Paris, o livro “Cauchemar brésilien” (Pesadelo brasileiro, em tradução livre) pela Editora Grasset. Baseada em reportagens pelo país, entrevistas e pesquisas sobre a história política do Brasil, a obra expõe a visão do jornalista sobre a personalidade e a trajetória do presidente brasileiro Jair Bolsonaro e as ações de seu governo.  

“O Bolsonaro é uma figura diversa e muito complicada. Foi difícil atribuir um título só para esse personagem. Ele é um produto do interior do Brasil, do Rio de Janeiro, onde foi deputado durante muitos anos, e um produto da política de Brasília”, diz Meyerfeld sobre o processo que o levou a escolher o título da obra.

“Alguns dizem que ele é um doente, um louco, outros dizem que ele é um grande estrategista, que conseguiu criar uma configuração perfeita para chegar ao poder. Ao mesmo tempo, outros dizem que é um ditador, um fascista. Mas os que gostam dele dizem que ele é um democrata e que o STF o impede de governar”.  

Finalmente o título do livro foi definido em uma conversa de bar no Rio, quando uma prima do jornalista expressou seu sentimento de que sob Bolsonaro os brasileiros vivem um verdadeiro pesadelo.

“Pesadelo é interessante porque é apavorante, parece surreal, mas fala muito sobre você e seu inconsciente. Acho isso uma característica muito forte do Bolsonaro e tão louco que pareça o bolsonarismo hoje, e especificamente o presidente, ele fala muito sobre a história do Brasil, a sociedade brasileira e suas raízes. Para mim, de certa forma, ele é um pesadelo”, diz o jornalista franco-brasileiro.

Sob o ponto de vista francês, a política do governo Bolsonaro para o meio ambiente é um dos pontos que justifica qualificar sua gestão de pesadelo. “Para os franceses, esse processo de destruição incrível que acontece na Amazônia é apavorante”, afirma.  Mas, segundo Meyerfeld, para os brasileiros, as maiores críticas podem vir da gestão da Covid-19 e da crise econômica, agravada pela inflação alta, a taxa de desemprego e a fome que atinge 33 milhões de cidadãos.

No entanto, para o correspondente do Le Monde, que chegou ao Brasil em 2019, quando Bolsonaro assumiu o governo, o mais grave diz respeito à crise relacionada à democracia do país. “Os ataques do Bolsonaro, dos bolsonaristas e de seu governo contra as instituições e contra as urnas eleitorais e o sistema de votação brasileiro, que era um motivo de orgulho dos brasileiros até hoje, vão ter consequências no longo prazo”, avalia. 

O grande número de armas em circulação no Brasil, estimado em 1 milhão, também são motivo de preocupação. “Essas armas vão ficar e poderão ter um impacto bastante grande nas relações sociais e no clima de violência que existe no Brasil”.

No texto, o autor alerta que o Brasil se transformou em uma espécie de “laboratório sobre os riscos do extremismo” e Bolsonaro é uma demonstração concreta do que o populismo de extrema direita é capaz de fazer, como a propagação da desconfiança na democracia e a utilização das redes sociais em um país que se encontra, segundo Bruno, em uma “bolha”. “Nessa bolha você pode fazer e falar o que quiser, exprimir qualquer tipo de opinião e está tudo bem. Tudo é muito extremo no Brasil porque às vezes você não tem o autocontrole, uma parte da sociedade brasileira se sente legítima para falar o que quiser”, afirma.

Bruno Meyerfeld refuta qualquer atribuição de Bolsonaro como “Trump Tropical”, em referência ao ex-presidente americano Donald Trump, ou de comparações com outros políticos populistas, como o húngaro Viktor Orban e a francesa Marine Le Pen, líder da extrema direita no país. “Isso é ignorar as especificidades do Brasil e do Bolsonaro. Ele é produto de uma história do Brasil moderno, da ditadura militar, da época da construção de Brasília também dos anos 1950 e 60, e de 30 anos de democracia. Ele tem características próprias”, garante.

 

França virou obstáculo

 

No livro de 361 páginas, Meyerfeld busca fornecer pistas de reflexão para os franceses que, na sua opinião, estão com uma certa dificuldade em acompanhar as mudanças que ocorreram no Brasil desde a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder.  

“Estou percebendo uma forma de incompreensão muito forte. O Brasil de alguns anos atrás era visto como um símbolo de desenvolvimento, progresso de uma democracia mais alegre e progressista, com um líder operário que conseguiu tirar milhões de pessoas da pobreza e de diminuir a taxa de desmatamento em 80%, era algo forte. Era uma democracia nova que estava dando certo. Hoje, com o Bolsonaro, que é visto aqui como o extremo do extremismo, um símbolo de desespero e retrocesso, as pessoas não entenderam muito bem a transição”, avalia.  

Durante o processo da produção do livro, Bruno Meyerfeld tentou várias vezes entrevistar o presidente, mas sem sucesso. Segundo ele, Bolsonaro não tem uma relação difícil apenas com a imprensa brasileira, mas também com os jornalistas estrangeiros e particularmente franceses. O obstáculo é reflexo também de uma crise diplomática entre os dois países depois dos embates de Jair Bolsonaro com o francês Emmanuel Macron, um recorrente crítico das políticas ambientais em vigor no Brasil. “Há pessoas inclusive do primeiro escalão do governo [brasileiro] que têm bastante respeito, até são francófilas, mas tem uma certa dificuldade em demonstrar afinidade por causa dessa briga do presidente com Emmanuel Macron”, explica.

“Fui a Brasília várias vezes, falei com vários assessores e entendi muito rapidamente que Bolsonaro não iria dar uma entrevista a um jornalista francês”. O pior, segundo Bruno Meyerfeld, é que o presidente conseguiu expandir sua visão hostil sobre a França para diferentes regiões. “Muitos setores favoráveis ao presidente Bolsonaro têm uma antipatia e até uma certa raiva contra a França. Isso dificulta muito mais o meu trabalho”, explica.

O livro “Cauchemar Brésilien” é lançado às vésperas do 1° turno da eleição presidencial no Brasil, ocasião para os franceses entenderem melhor o clima político instaurado no país e que pode se tornar imprevisível. “Lula é favorito e tem grandes chances de ganhar, mas o Bolsonaro tem uma dinâmica muito forte e ninguém pode menosprezar as chances do atual presidente se reeleger. Oito meses atrás ele tinha perdido cerca de metade dos eleitores dele. Atualmente, a perda é entre 20% e 25% . Hoje ninguém ganha com 70% no segundo turno e a sociedade vai continuar bastante dividida no futuro, com certeza”, opina.

O jornalista Bruno Meyerfeld lançou o livro Cauchemar brésilien, nesta quarta-feira, 7 de setembro.
O jornalista Bruno Meyerfeld lançou o livro Cauchemar brésilien, em 7 de setembro. © RFI


30
Abr22

Não há desenvolvimento de uma nação sem a engenharia

Talis Andrade

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"Empresas estrangeiras são bem-vindas para a transferência de tecnologia, mas, jamais, para desempenhar as funções que vinham sendo exercidas pelas nacionais"

 

 

Por Francis Bogossian 

A Academia Nacional de Engenharia celebra esta semana seus 30 anos. São 200 luminares da atividade, nomes de todos os pontos do país, unidos em torno de um projeto comum: atender às necessidades do povo brasileiro subsidiando tecnicamente os governos do país, a exemplo do que acontece nos Estados Unidos com A National Academy of Engeneering, constantemente solicitada e escutada pela Presidência da República, nos assuntos que possam lhe dizer respeito.

Desolados, assistimos ao retrocesso, não só em nosso campo, mas em todos do país. Estamos vivendo no Brasil uma das maiores crises da sua história moderna, nos âmbitos institucional, político e econômico.  O que constatamos é o crescente fechamento de postos de trabalho, compondo um quadro que afeta todo o espectro da nossa sociedade.   O ambiente recessivo se agrava e nossa engenharia já pode ser considerada uma das grandes vítimas.   São milhões de pessoas afetadas pelo desmonte da engenharia nacional! São milhares de engenheiros, profissionais de nível médio e mão de obra não especializada desempregados!

As disputas políticas continuaram a tomar conta do país, deixando ao léu reformas imprescindíveis.  Vários setores da sociedade têm se manifestado com propostas de mudanças nos rumos da economia e da política.  Voltaram a ser priorizadas as aplicações financeiras em detrimento dos investimentos em atividades produtivas para gerar desenvolvimento.
 

O setor de engenharia está em vias de mais uma desestruturação.  Não podemos assistir paralisados à demolição da engenharia nacional, com saldo negativo de milhares de empregos, repito.  Não há desenvolvimento sem engenharia e nem tampouco engenharia sem o desenvolvimento da Nação.

Temos convicção de que muito precisa ser feito, e com urgência, para salvar setores fundamentais da economia que geram impostos e empregos.   Petróleo e gás, infraestrutura e construção pesada estão entre eles, e já lançam várias empresas para a recuperação judicial.    Demissões em massa acontecem nas áreas de projetos, obras, indústria e de ensino especializado.  

A engenharia nacional continua sendo desmontada. Apesar de todo o empenho e da forte esperança dos brasileiros, a situação do país continua extremamente preocupante!

A crise que assola o Brasil exige que se busque um consenso em torno de soluções, tendo por base o interesse nacional.  Não existe nação forte sem empresas nacionais fortes.  O congelamento pelos próximos 20 anos de gastos, aprovado pelo Congresso Nacional, torna esse quadro ainda mais dramático e inviabiliza nossas empresas, levando-as até à estagnação ou ao fechamento.

Empresas estrangeiras são bem-vindas para a transferência de tecnologia, mas, jamais, para desempenhar as funções que vinham sendo exercidas pelas nacionais e pelos engenheiros brasileiros.

Assim, não havendo investimentos e nem perspectivas para o setor de obras públicas, a curto prazo, e ainda com o déficit dos governos federal, estaduais e municipais, esta crise se faz monumental.  Há dívidas do setor público para com as entidades privadas que vêm se estendendo por tempo indefinido.

Tais exemplos são aqui por nós incluídos pela imediata ação que requerem, por ilustrarem o pesado jogo de forças que determina a prosperidade ou a pobreza da Nação, e o papel central nele desempenhado pelas engenheiras e pelos engenheiros.

Este é o país que queremos?

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04
Fev22

Política hoje mexe mais com as paixões que com argumentos, analisa pesquisadora

Talis Andrade

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A revolução causada pelas redes sociais na comunicação do mundo provocou alterações importantes no discurso político. Hoje, a política impulsionada pelo mundo digital mexe muito mais com as paixões do que com argumentos lógicos, analisa Camila Moreira César, professora da Universidade Sorbonne Nouvelle e pesquisadora de comunicação e democracia.

Nas últimas duas décadas, a forma como os políticos falam publicamente e o modo de falar sobre política mudou profundamente com a redução da importância de meios de comunicação tradicionais e de espaços institucionalmente legítimos, explica a pesquisadora.

Se antes o espaço de fala da política tinha solenidade e acontecia em uma entrevista na televisão ou em uma fala diante de um partido ou de um sindicato em cima do púlpito e com momento para começo e fim, as redes sociais e a possibilidade de transmitir toda e qualquer mensagem quebrou os códigos preexistentes.

Nas arenas digitais, “há uma dessacralização da política, um alargamento das formas de produzir, de falar, de se apropriar desta política, tanto para os atores institucionais, partidos, candidatos ou pessoas que estão em mandato, quanto para os eleitores, que agora têm em seus celulares um jeito muito simples de participar e de agir nessas disputas discursivas, ainda que de maneira passiva”.

Política da identificação

A mudança no meio provoca alterações no conteúdo. Com o acesso à cena pública fácil e horizontal, já que todos em alguma medida podem ter, os políticos falarão com o público de igual para igual, buscando criar uma identificação. “Isso faz parte do que muitos pesquisadores têm chamado de populismo 2.0, esse ponto de criar uma identificação, uma proximidade que antes era inexistente”, comenta Moreira César.

Essa identificação é criada com um discurso que busca formas específicas de falar simples, mas também em imagens feitas para serem replicadas, como a difusão de cenas da vida privada que anteriormente não seriam vistas no espaço público, como um almoço com farofa espalhada pelo chão ou uma dança sobre uma lancha no meio do mar.Image

Para aproveitar as plataformas digitais, que reúnem as pessoas por preferências e selecionam o conteúdo a ser mostrado por algoritmos, a política tornou-se o lugar preferencial das paixões. “Essa política é muito mais lacradora porque ela está mais apaixonada, ela mexe muito mais com os sentimentos, com as paixões das pessoas em detrimento do que antes era um espaço mais para os argumentos”, afirma a professora.

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Sem constrangimentos

Tentando potencializar a circulação das informações, o discurso político digital vai focar em seus seguidores já convertidos – que também serão aqueles que vão curtir e espalhar as informações. E essa fala direta para convertidos cria uma liberação da palavra que ultrapassa, por vezes, o bom senso público.

“Estamos em uma fase de polarização importante e o funcionamento destas plataformas permite este retorno a círculos mais privados de discussão, que nos deixam mais à vontade para falar coisas que antes não se falavam. E isso cria uma forma de encorajamento nas pessoas para falar coisas que antes eram constrangedoras de se dizer em público.”

O fenômeno ganhou força não só no Brasil, mas em toda América Latina, como mostra o livro recém-publicado “Discours Politiques et Médiatiques en Amérique Latine”, organizado por Camila Moreira César, Henry Hernandez-Bayter e Ailin Nacucchio. A publicação reúne pesquisas de diferentes países da região apresentadas durante um colóquio sobre discurso político realizado em 2019.DISCOURS POLITIQUES ET MÉDIATIQUES EN AMÉRIQUE LATINE - DU XXIE SIECLE,  Henry Hernandez-Bayter, Camila Moreira Cesar, Ailin Nacucchio - livre,  ebook, epub

Ainda que a forma como o discurso político mudou seja parecida, os conteúdos que vão ser usados neste discurso têm grande diferença. Se no Brasil o combate em relação a questões de gênero tornou-se central entre grupos religiosos e conservadores, o tema não mobiliza, por exemplo, na Argentina, país com leis mais progressistas em relação ao aborto, cita a pesquisadora.

Apesar desta revolução das redes sociais e da entrada de novas plataformas como o TikTok, para as eleições de 2022, Camila Moreira César aposta que os termos serão mais moderados do que aqueles da última disputa presidencial brasileira. “Não acho que as coisas serão tão acaloradas como em 2018, acho que a crise que tivemos, que a gestão catastrófica da pandemia são pontos que vão pesar”, considera.

22
Jan22

Peça 4 – o início da guerra

Talis Andrade

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Xadrez sobre Bolsonaro, eleições e crime

 

24
Dez21

Retrospectiva 2021

Talis Andrade

 

No ano em que completou 10 anos, Pública investiga ainda mais os poderosos

 

Não parecia possível, mas 2021 foi ainda mais dramático que 2020. Não apenas pelo agravamento da pandemia, mas pelo aumento da fome, dos despejos, do desemprego, do recorde de desmatamento da Amazônia, que provocou uma seca atroz no Centro-Sul do país, trazendo sofrimento para os agricultores familiares e alta no preço dos alimentos.

A combinação de pandemia e insegurança alimentar, em ambos os casos agravada pela gestão do governo federal, fez desse um ano duro para a maior parte da população, enquanto Jair Bolsonaro distribuía dinheiro a rodo para seus aliados no Congresso, através do orçamento secreto de Arthur Lira. As violações de direitos, especialmente dos mais vulneráveis, se tornou rotina no governo, acusado de genocídio indígena no Tribunal Penal Internacional.

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Queimada vista em meio a área de floresta próximo a capital Porto Velho, em Rondônia

 

Por aqui, seguimos investigando a condução da crise sanitária e econômica pelo governo Bolsonaro e examinando com lupa os efeitos de sua política de devastação no meio ambiente e sobre a vida das pessoas. Também continuamos olhando de perto para a influência cada vez maior de militares e fundamentalistas religiosos na política, com retrocesso da democracia e dos direitos humanos. Nosso compromisso com o jornalismo independente com foco no interesse público nos fez revelar histórias que deveriam ter sido contadas muito antes, como as denúncias de que o fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, teria mantido por três décadas um esquema de exploração sexual de meninas.

Foi neste ano também que a Pública completou 10 anos. A comemoração não teve a festa e os encontros presenciais que queríamos, mas nos fez refletir sobre a caminhada que nos trouxe até aqui e também sobre o futuro: o nosso, do jornalismo, do Brasil e do planeta. Em nosso evento virtual – Pública +10 – realizamos debates com personalidades relevantes da academia e dos movimentos sociais sobre como o Brasil de hoje vai chegar em 2031. Falamos sobre o bolsonarismo, a barbárie na política, o fundamentalismo religioso e sobre os militares que ocupam cada vez mais o governo, temas que serão decisivos no ano que se avizinha. Também falamos sobre o que quer a juventude e sobre como o negacionismo científico agrava as mudanças climáticas.

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A última mesa do festival Pública+10, mediada pela co-diretora e fundadora da Agência Pública, Marina Amaral, uniu Ailton Krenak e Déborah Danowski para refletir sobre as mudanças climáticas

 

No dia de nosso aniversário, 15 de março, publicamos uma reportagem que mostrou que, apesar de a primeira mulher vacinada contra Covid-19 no Brasil ser negra, dois meses após o início da imunização, o país registrava duas vezes mais pessoas brancas do que negras vacinadas. Assim como em 2020, nossa cobertura da pandemia seguiu intensa: revelamos que o governo soube dias antes sobre o colapso do sistema de saúde que ocorreu em Manaus em janeiro, investigamos como o governo Bolsonaro enviou 2,8 milhões de comprimidos de cloroquina produzida pelo Exército para todo o país e mostramos que a Secretaria de Comunicação e o Ministério da Saúde pagaram influenciadores digitais para fazer propaganda de “atendimento precoce” contra a Covid-19. Meses depois, a reportagem foi citada na CPI da Pandemia pelo senador Renan Calheiros, que perguntou ao depoente, o ex-chefe da Secretaria de Comunicação do Governo, Fábio Wajngarten, se ele conhecia a Agência Pública.

Essa não foi a única vez que nosso trabalho serviu de base para as discussões da CPI. Descobrimos que a Senah – Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários, grupo evangélico comandado pelo Reverendo Amilton Gomes de Paula, fez ofertas paralelas de vacinas ao Ministério da Saúde e a prefeituras. Semanas depois, o reverendo foi ouvido pela CPI. No relatório final da comissão, há seis menções ao trabalho da Pública.

A má condução da pandemia é um dos temas mais recorrentes nos mais de 140 pedidos de Impeachment de Jair Bolsonaro, que logo no início de seu terceiro ano de mandato passou a ser o presidente com mais pedidos de impedimento na história do país. Desde 2020, catalogamos os pedidos em uma ferramenta. Enquanto novos pedidos de impeachment se empilhavam na mesa do presidente da Câmara dos Deputados, o governo Bolsonaro perseguia cientistas – como mostramos no podcast Cientistas na Linha de Frente e nesta entrevista com Pedro Hallal, epidemiologista que foi alvo de processo da CGU por se posicionar contra o presidente -, cedia ao lobby de madeireirasflexibilizava a aprovação de novos agrotóxicos e, mesmo com a crise da saúde, fez avançar a pauta antiaborto. E esses são só alguns exemplos do que investigamos por aqui.

Mostramos também que os filhos do presidente praticam tiro em um clube nos Estados Unidos que é acusado de usar sinais nazistas e que a irmã do novo Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Alvaro Pereira Leite, é sócia da Glock, fabricante que vende armas para o governo federal.

No ano em que adotamos a emergência climática como prioridade para nossas investigações, tivemos, pela primeira vez, uma correspondente cobrindo in loco a Conferência do Clima da ONU. De lá, revelamos que a baixa credibilidade internacional do governo brasileiro atrapalhou as tentativas de atrair investidores. Com a cobertura da COP, inauguramos nossa série de investigações sobre Emergências Climáticas, tema cada vez mais urgente e que será ainda mais recorrente em nossas investigações. Como sempre, vamos priorizar o ponto de vista das comunidades tradicionais da Amazônia, do Cerrado, da Caatinga e das regiões costeiras sobre o tema. Neste ano, já mostramos como os indígenas têm usado seus saberes ancestrais para combater o fogo e como os quilombolas Kalunga resistem à cobiça de grileiros para preservar o cerrado.

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O quilombola Boaventura Carvalho afirma que o rio de onde vive “há dois anos, estava cheio de água, até a borda. Quase uma lagoa.”. Agora, ele está seco

 

Seguimos cobrindo a violência ligada à questão fundiária na Amazônia em nosso projeto Amazônia sem Lei, que neste ano ganhou um podcast. Revelamos que em pouco mais de um ano, foram exportadas 100 mil toneladas de madeira da Amazônia, inclusive de árvores ameaçadas de extinção, mostramos que indígenas Yanomami isolados correm sério risco de ter contato forçado com o garimpo e investigamos a relação entre o tráfico de drogas e a madeira ilegal na Amazônia.

Em 2020, publicamos reportagem em que 14 mulheres denunciavam ter sido abusadas sexualmente na infância por Dinamá Pereira de Resende, um homem que promovia atividades religiosas com crianças em Várzea da Palma, Minas Gerais. Após a publicação, outras vítimas apareceram, o caso foi reaberto e em novembro de 2021, Dinamá foi condenado a 87 anos de prisão. No ano seguinte, em abril, publicamos outra reportagem sobre crimes sexuais contra crianças e adolescentes em que o acusado é Samuel Klein, o fundador das Casas Bahia, uma das maiores redes de varejo do país. 

A reportagem foi resultado de uma investigação realizada em sigilo durante quatro meses de uma equipe composta por dois editores e quatro repórteres, que entrevistou diversas mulheres abusadas quando crianças em uma rede de exploração sexual de meninas que funcionou durante mais de 30 em suas propriedades no litoral e na própria sede das Casas Bahia, em São Caetano do Sul.

Apesar de o Caso Klein gerar impactos importantes como inspirar um Projeto de Lei que quer alterar o prazo prescricional para a reparação civil das vítimas de crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, a reportagem foi pouco repercutida pela imprensa tradicional brasileira. Isso nos mostra a importância de seguirmos independentes e firmes na missão de investigar os poderosos.

Também continuamos a nos engajar em parcerias e projetos colaborativos. Com o Canal Meio, lançamos uma newsletter em série em que a diretora executiva Natalia Viana contava sua experiência como a única jornalista brasileira a trabalhar com o Wikileaks no Cablegate, o vazamento de mais de 250 mil telegramas diplomáticos. Essa história, que completou dez anos no fim de 2020, está na origem da Agência Pública e se mantém: neste ano, graças a um outro vazamento divulgado pelo Wikileaks, revelamos quem são os brasileiros associados a um grupo europeu ultraconservador e antidireitos.

Também participamos do Pandora Papers, a maior investigação colaborativa da história do jornalismo, que envolveu mais de 600 repórteres de 117 países e territórios e revelou documentos de paraísos fiscais em todo o mundo. A série revelou que o Ministro da Economia, Paulo Guedes, mantém uma offshore em paraíso fiscal. Fomos parceiras do Centro Latinoamericano de Periodismo de Investigación (CLIP) em uma investigação transnacional sobre a exportação de madeira amazônica e seguimos investigando o uso de agrotóxicos no Brasil e suas consequências com a Repórter Brasil.   

Seguindo nossa missão de fomentar o jornalismo independente no país, fizemos mais uma edição das nossas já tradicionais microbolsas. Desta vez, em parceria com o Idec, para reportagens sobre acesso à internet no Brasil. Também participamos da fundação da Ajor – Associação de Jornalismo Digital, uma entidade que busca profissionalizar e fortalecer o jornalismo digital no Brasil e já conta com mais de 50 veículos associados.

Com o valioso apoio de nossos 1.600 Aliados, completamos um ano produzindo o Pauta Pública, nosso podcast quinzenal. Entrevistamos diversos jornalistas que nos ajudam a compreender os tempos complexos em que vivemos. 

2021 foi um ano que, apesar de difícil, nos fez celebrar o fato de que há dez anos estamos aqui, fazendo e incentivando o jornalismo investigativo e independente, fundamental para a democracia, tão atacada. Nos próximos meses, vamos lançar um livro comemorativo, dividindo um pouco do que aprendemos até aqui. 

Em 2022, esperamos estar nas ruas, finalmente voltando de vez a sujar os sapatos e olhar nos olhos das pessoas que nos contam suas histórias. Estaremos de olho em quem faz as mudanças climáticas se acelerarem e em quem sofre primeiro com isso; nas eleições que vão definir o futuro de nossa democracia e, como sempre, nas violações de direitos humanos cometidas pelos poderosos.

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Capítulo 1 - Pai e filho investigados por agressões sexuais

 

 

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Cinco vezes em que nossas reportagens fizeram a diferença

1) Gastos do governo com influenciadores digitais para divulgar “atendimento precoce” contra Covid-19: Após a publicação da reportagem, no final de março de 2021, a bancada do Psol na Câmara protocolou uma denúncia contra o Ministério da Saúde na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal por “abuso do poder e desvio de finalidade manifestado pela atuação do governo federal”. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas também pediu para que o governo federal esclarecesse a fonte dos recursos usados para pagar a campanha com influenciadores. A Justiça Federal em São Paulo deu prazo de 72 horas para que a AGU respondesse a uma Ação Civil Pública que pedia a devolução dos recursos pagos em janeiro pela Secom nas ações de marketing reveladas pela reportagem. Em 30 de abril, a Justiça Federal em São Paulo proibiu que a Secretaria Especial de Comunicação Social do governo federal promova campanhas publicitárias defendendo tratamento precoce contra a covid-19 ou promova o uso de remédios sem comprovação científica contra a doença. Além disso, a justiça obrigou a retratação dos quatro influenciadores digitais pagos pelo governo para divulgar “atendimento precoce” contra a doença.

2) Grupo evangélico fez oferta paralela de vacinas ao Ministério da Saúde e prefeituras: A reportagem que revelou a atuação da Senah, liderada pelo reverendo Amilton Gomes, na compra de vacinas pelo governo, pautou e repercutiu na imprensa nacional. Em agosto, o reverendo foi chamado para dar depoimento para a CPI da Covid. Além disso, na mesma semana publicamos uma reportagem que mostra como o reverendo articulou encontros com o presidente da República, empresários e políticos do DF. A reportagem ajudou a embasar o diálogo durante o depoimento do reverendo, e o início da matéria chegou a ser lido durante a sessão pelo Senador Fabiano Contarato (REDE). Entrevistas e investigações da Pública foram citadas algumas vezes no relatório final da CPI da Covid.

3) As acusações não reveladas de crimes sexuais de Samuel Klein, fundador da Casas Bahia: Após a publicação da reportagem, a Família Klein decidiu suspender as atividades do Instituto que levava o nome do empresário e promovia atividades na área da educação. No dia 29 de abril, mulheres se reuniram na frente da sede das Casas Bahia, em São Caetano do Sul, em manifestação para pedir que a rua com o nome do empresário seja rebatizada, assim como um centro médico público que o homenageia. Motivado pela reportagem, o Ministério Público do Trabalho abriu inquérito para apurar a relação das Casas Bahia com as denúncias. O inquérito pretende ouvir testemunhas que teriam conhecimento sobre os fatos revelados, incluindo seguranças, ex-funcionários, motoristas de táxi e secretárias pessoais. Em julho, o vereador Toninho Vespoli (PSOL) propôs um PDL que retire o título de “Cidadão Paulistano” concedido em homenagem a Klein em 2006. Baseada nas revelações da Pública, a deputada Sâmia Bonfim (PSOL), apresentou um Projeto de Lei que visa alterar o prazo prescricional para a reparação civil das vítimas de crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes.

4) Brasil registra duas vezes mais pessoas brancas vacinadas que negras: Nossos repórteres foram convidados a apresentar o levantamento feito para a reportagem em reunião do Conselho Nacional de Saúde sobre o Plano de Vacinação. No dia 30 de março, o Conselho publicou uma recomendação cobrando a adoção de ações antirracistas no acesso à saúde. O documento é destinado ao Ministério da Saúde, secretarias e conselhos de saúde dos estados e município

5) Áudio revela ameaças e intimidação de advogada da Renova aos atingidos pelo desastre de Mariana: O Ministério Público Federal entrou com pedido de suspeição do juiz da 12ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte, Mário de Paula Franco Júnior, responsável por julgar os processos envolvendo a tragédia de Mariana. A reportagem da Pública que revelou ameaças e intimidação de advogada da Fundação Renova durante reunião com os atingidos, publicada em fevereiro, foi citada na argumentação.

Mais republicadas

 

Nenhuma das campanhas do governo Bolsonaro pagas com dinheiro público mencionava isolamento social

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78 republicações – UOL, MSN, Yahoo.

Entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020, foram investidos mais de R$10 milhões em marketing de influência apenas pelo Ministério da Saúde, incluindo campanhas de combate à tuberculose, de doação de sangue, de prevenção das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e de vacinação contra o sarampo. 

Em 2020, apenas 27% do total gasto no ano – R$4,8 milhões – foi para ações relacionadas à pandemia de coronavírus. Leia mais

 

 

Fazendeiros jogam agrotóxico sobre Amazônia para acelerar desmatamento

61 republicações – UOL, Carta Capital, Metrópoles.

Soja e pecuária foram responsáveis pelo despejo de agrotóxicos com uso de avião sobre floresta amazônica e outros biomas em área do tamanho de 30 mil campos de futebol. 

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16 de novembro de 2021 /Hélen Freitas,

Para acelerar o desmatamento de grandes áreas e abrir espaço para a soja e o gado, fazendeiros estão jogando grandes quantidades de agrotóxicos de avião sobre a floresta Amazônica e outros biomas. Levantamento inédito feito pela Agência Pública e Repórter Brasil revela que, nos últimos 10 anos, cerca de 30 mil hectares de vegetação nativa foram literalmente envenenados. A área corresponde a 30 mil campos de futebol. Leia mais

 

As acusações não reveladas de crimes sexuais de Samuel Klein, fundador da Casas Bahia

48 republicações – Marie Claire, El País, O Dia, Ponte, eldiário.es.

 

Agrotóxicos podem aumentar vulnerabilidade à Covid-19, diz relatório inédito

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47 republicações – Ig, Outras Palavras, Brasil de Fato.

Relatório inédito feito por pesquisadores do Brasil, Portugal e Dinamarca afirma que modelo de produção agrícola deixou o Brasil mais exposto aos efeitos da pandemia

27 de maio de 2021 /Pedro Grigori, Agência Pública/Repórter Brasil

ESPECIAL: POR TRÁS DO ALIMENTO

  • Desde o começo da pandemia, governo federal liberou mais de 600 novos pesticidas, 10 por semana
  • Agrotóxicos comercializados no Brasil podem causar deficiências no sistema imunológico, dizem pesquisadores da Abrasco
  • Agronegócio está relacionado ao surgimento de novas zoonoses e desenvolvimento de comorbidades, diz relatório .Leia reportagem                                 

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A íntima relação entre cocaína e madeira ilegal na Amazônia

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Fotos de apreensões de cocaína acondicionada em cargas de madeira nos portos de Itaguaí (RJ), Itapoá (SC) e Paranaguá (PR) entre 2019 e 2021

 

47 republicações – Animal Político (México), elDiário (Espanha), InSight Crime (EUA).

Pesquisadores e policiais apontam uso crescente de cargas de origem florestal na exportação de drogas — madeira de crime ambiental é hoje uma das principais “maquiagens”

16 de agosto de 2021 /Ciro Barros

  • Pesquisador vê sobreposição entre as rotas do crime ambiental e o narcotráfico
  • Facções veem crimes ambientais como oportunidade de acumular capital
  • Região de conflitos, Barcarena (PA) se consolidou na rota do narcotráfico.

     

  • Os produtos florestais, frequentemente oriundos de crimes ambientais, vêm servindo cada vez mais de maquiagem para o envio de drogas ao exterior. O destaque vai para as cargas de madeira, campeãs de apreensões nos contêineres enviados do Brasil à Europa.

    Pesquisas recentes já apontam o volume significativo de exploração ilegal no mercado madeireiro nacional e sua relação com o desmatamento na Amazônia. Segundo um estudo da ONG Imazon publicado em 2020, cerca de 70% da madeira explorada no Pará entre agosto de 2017 e julho de 2018 tinha origem ilícita — a exploração ocorreu em áreas onde não havia autorização do Estado. 

    Além de apontar a grilagem e a extração ilegal de madeira como duas das principais causas do desmatamento, o relatório “Máfias do Ipê”, produzido pela ONG Human Rights Watch em 2019, mostrou a relação dessa atividade com a violência. A pesquisa analisou 28 casos de assassinatos, 4 tentativas de assassinato e outros 40 casos de ameaças relacionadas à extração ilegal de madeira entre 2015 e 2019.

    A novidade apontada pelos entrevistados é a sobreposição cada vez maior das rotas entre as facções criminosas do narcotráfico e os grupos ligados aos crimes ambientais. Pesquisadores dizem que o crime ambiental pode estar servindo como uma nova forma de capitalização para os narcotraficantes, com indícios do uso de cargas de origem florestal para maquiar o envio de drogas ao exterior.

    A situação é apontada por fontes ligadas à Polícia Federal (PF) e por pesquisadores da área de segurança pública ouvidos pela Pública. “O principal produto florestal usado para a exportação de drogas para a Europa é a madeira”, afirma Aiala Couto, geógrafo da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e pesquisador associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ao Instituto Clima e Sociedade. Couto desenvolve uma pesquisa a ser publicada neste ano que trata da territorialização do crime organizado na Amazônia e a relação deste com os crimes ambientais. Segundo ele, os produtos minerais, com destaque para o manganês, ocupam o segundo lugar na lista de apreensões. Leia mais

 

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10 anos de Pública

Em 2021, comemoramos os 10 anos da Agência Pública. Em março, fizemos um evento especial e convidamos grandes nomes para debater o presente e o futuro do Brasil. Falamos de juventude, militares na política, negacionismo científico e mudanças climáticas, entre outros temas. Relembre aqui.

 

 

 

 

 

09
Nov21

Facada em Bolsonaro volta ao jogo em clima eleitoral

Talis Andrade

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Estranho que justo agora, quando a reeleição do presidente parece cada vez mais complicada, tenha sido tomada a decisão de reabrir o caso

 
por Juan Arias /El País
 
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com sede em Brasília, acaba de reabrir, de surpresa, o processo sobre a facada contra Jair Bolsonaro, algo que já tinha sido encerrado duas vezes. Antes, decidiu-se que o agressor, Adélio Bispo, deveria ser absolvido por se tratar de uma pessoa com problemas psicológicos e que havia agido sozinho —ou seja, sem mandantes. Hoje, é consenso entre os analistas políticos que foi a facada desferida em Bolsonaro durante a campanha eleitoral que o ajudou em sua eleição, por dois motivos: primeiro, porque o transformou em um mártir, um mito protegido por um Deus que o salvou; também, porque o impediu de participar dos debates eleitorais com os demais candidatos. Algo decisivo, já que são conhecidas as dificuldades naturais do capitão.
 

O caso parecia encerrado, embora Bolsonaro e sua família nunca tivessem aceitado as investigações e continuassem com o sonho de poder provar que um terceiro —que seria um político e de esquerda— teria participado do atentado.

Não é difícil entender por que justo agora, já em plena campanha pela reeleição, voltem a ressuscitar a misteriosa facada sobre a qual se criou até a fantasia de que seria um falso ataque criado pelos seguidores do então candidato Bolsonaro. Tudo para criar a imagem do mártir, que teria, depois, milhões de votos dos evangélicos.

E não deixa de causar estranheza que, justo agora, quando a reeleição de Bolsonaro parece cada vez mais complicada, tenha sido tomada a decisão de reabrir o caso para tentar investigar se havia ou não um mandante e se era alguém de esquerda. Ao mesmo tempo, o recente documentário do jornalista Joaquim de Carvalho, Uma facada no coração do Brasil, desenterrou a inusitada hipótese de que o atentado foi apenas uma ficção criada pelos seguidores de Bolsonaro para mitificá-lo. E para provar isso difundiu-se a teoria de que não existe uma única foto de sua barriga ensanguentada depois do esfaqueamento e de que houve uma suposta cumplicidade entre os médicos que o atenderam e operaram.

Agora, segundo o jornal O Globo, o que se deseja com a investigação é saber se, além do veredicto dos que conduziram o caso (que insistiram que Adélio agiu sem cúmplices), houve algum mandante que forjou o atentado, usando uma pessoa que aparentemente havia pertencido ao PSOL. Agora que já se respiram ares eleitorais, Bolsonaro e seus filhos insistem que a família precisa saber se houve ou não alguém que planejou tudo. E o sonho dos Bolsonaros e seus seguidores sempre foi tentar provar que o mandante foi algum militante de esquerda para mudar o rumo das eleições.

O último gesto de mau gosto de Bolsonaro sobre o atentado ocorreu dias atrás, por ocasião da morte da jovem cantora Marília Mendonça, amada por todo o Brasil. O presidente, sem nomear a morte da artista, referindo-se apenas à dor de um filho que ficava órfão, aproveitou para relembrar seu atentado, algo que desencadeou uma lista de críticas nas redes sociais, condenando sua já conhecida falta de sensibilidade.

Quem também apareceu foi o polêmico advogado de Bolsonaro e de sua família, Frederick Wassef. Ele voltou ao jogo nos últimos dias para defender a tese de que houve um mandante do atentado. Segundo ele, “há fortes indícios e um conjunto robusto de provas de que a esquerda brasileira ordenou a morte do presidente”. Para ele e para a família Bolsonaro, as duas investigações realizadas pela polícia, que convergiam para a tese de que o agressor agiu sozinho, não teriam mais valor.

Parece não haver dúvida de que há um interesse especial em tentar provar neste momento que o agressor agiu instigado por um político de esquerda, já que, segundo todas as pesquisas, Lula poderia derrotar Bolsonaro ainda no primeiro turno. Seria, portanto, um sonho para o presidente que antes da data da reeleição a polícia descobrisse que o verdadeiro mandante era alguém à esquerda, o que se tornaria o tema central de todas as discussões eleitorais. Como escreveu o jornalista Ricardo Noblat em seu blog, se alguém está interessado hoje em desenterrar a já desmentida hipótese de que o atentado foi organizado pela esquerda, esse alguém é Bolsonaro.

As forças democráticas precisam estar atentas para que esse sonho de Bolsonaro e sua família seja abortado o mais rápido possível para que não obscureça uma eleição já carregada de ameaças. A última é a chegada de Sérgio Moro, considerado uma esfinge difícil de decifrar e que continua a acrescentar ambiguidade e confusão extra às eleições.

O fantasma que Bolsonaro deseja desenterrar justo neste momento de tensão pré-eleitoral pode ser, sem dúvida, um elemento novo e perigoso que acrescenta dramaticidade e intriga à já complexa eleição que ocupa o interesse de toda a vida política, enquanto se agrava a crise econômica, que, como sempre, afeta os mais desfavorecidos, que os políticos usam somente na hora de tentar comprar voto.

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31
Out21

"André Esteves usa Veja para apoiar Bolsonaro"

Talis Andrade

 

 

Em participação no Bom Dia 247, na TV 247, neste sábado (30), o jornalista Joaquim de Carvalho comentou a reportagem da Veja que ataca o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP).Capa da revista Veja 29/10/2021

A Veja, que pertence à Editora Abril e que tem o banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, como proprietário, está sendo utilizada para beneficiar o governo Jair Bolsonaro, de acordo com Carvalho.

Alcolumbre foi atacado porque é ele quem tem o poder - como presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado - de definir a data da sabatina de André Mendonça, indicado por Bolsonaro a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Este é o motivo pelo qual a publicação veio à tona, para pressionar o parlamentar a pautar a sabatina.

Para o jornalista, André Esteves, por meio da Veja, "está apoiando o Bolsonaro pelo conjunto da obra, porque o Bolsonaro serve aos interesses dele e ao interesse do grande capital. E isso já vem de antes. Em 2018 a Veja fez uma capa desonesta na qual colocou a foto do Paulo Guedes - e é exatamente como o mercado vê - e o título era: 'ele vai governar o Brasil'. E depois tinha só no subtítulo dizendo que era o Bolsonaro, que se ele se elegesse o Guedes seria o cara que ia tomar conta da economia e ia corrigir os problemas da economia. Não aconteceu nada disso".

"Então na verdade eles estão interessados é na privatização da Petrobrás, no que ocorreu já, da retirada dos direitos [dos trabalhadores], estão interessados na entrega do pré-sal para grandes corporações fora do Brasil. O interesse deles é esse, e em dividendos espetaculares, obviamente, que a Petrobrás paga. O Bolsonaro representa os interesses do grande capital. Foi sempre assim", completou.

André Esteves e Joaquim de Carvalho

O banqueiro, com pinta de playboy, comprou uma revista com todo o gado peba - uma redação de jornalistas com cabrestos da direita volver

16
Out21

O paraíso fiscal e o inferno real de Paulo Guedes

Talis Andrade

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por Weiller Diniz

A anunciação do ministro Paulo Guedes foi a de um redentor milagroso, enviado para expiar os pecados econômicos na seita bolsonarista. Rapidamente desabou do paraíso para o inferno sem estagiar no purgatório. Intoxicado por uma ceia profana de dólares em uma “offshore”, num paraíso fiscal, Guedes terá de rezar muitas novenas para evitar a crucificação na diocese da economia, da qual sempre vocalizou um desapego insincero. Os US$ 9,5 milhões nas Ilhas Virgens Britânicas, o equivalente a R$ 52 milhões (mesmo valor das malas penitentes do contrito Geddel Vieira Lima), foram excomungados até mesmo na prelazia governista, erodida sistematicamente por sacrilégios éticos.

O silêncio dos confessionários, liturgia adotada nos primeiros dias após revelado o escândalo não empolgou os seguidores. A consequência da pregação herética foi a convocação dele nas duas Casas do Congresso Nacional. Na Câmara foram 310 votos para que Guedes purgasse suas blasfêmias no púlpito dos parlamentares. Dias depois, quando foi constrangido a sair da clausura para iluminar os fiéis incrédulos do bolsonarismo, em 8 de outubro, pontificou estar dentro da lei. Disse que se afastou da diretoria da empresa antes de assumir a capela bolsonarista. Confessou, inclusive, que perdeu dinheiro. Pobre alma, desviada pela avareza.

Profetizada por toda a paróquia, a legalidade evangelizada pelo ministro não convenceu, nem pela palavra, menos ainda pelo mau exemplo. Há muitas dúvidas quanto a outras heresias praticadas por ele nas trevas financeiras das Ilhas Virgens. Ao se afastar da diretoria da empresa, Guedes deixou de ser sócio ou acionista? Quem o sucedeu? Qual a atuação da sua mulher e filha, que são suas sócias? Fizeram investimentos? Obtiveram lucros a partir de decisões tomadas por Paulo Guedes? Além da legalidade, há outros questionamentos, morais e éticos, entre o céu e a terra.

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A Lei de Conflito de Interesses é tão peremptória quanto os cânones bíblicos: ministros estão proibidos de atuar em empresas que possam ser eventualmente beneficiadas por suas decisões no governo. Um dos pontos desse mandamento ético diz que é conflito de interesse “praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão”. O afastamento de Guedes da diretoria não redime o pecado, já que mulher e filha seguiram no comando da abadia milionária no paraíso das Ilhas Virgens.

Em julho desse ano, Paulo Guedes, ao apostolar sobre tributos, defendeu retirar do projeto de lei do Imposto de Renda a regra que taxaria recursos de brasileiros em paraísos fiscais: “Ah, porque tem que pegar as offshores’ e não sei quê. Começou a complicar? Ou tira ou simplifica. Tira. Estamos seguindo essa regra”, doutrinou o ministro no debate em evento organizado pelo altíssimo clero da CNI (Confederação Nacional da Indústria) e da Febraban (Federação Brasileira de Bancos). O patriotismo retórico de Guedes é renegado pelo comportamento infiel e descrente. Quem esconde empresas e valores em paraísos fiscais prefere rezar por cartilhas pouco ortodoxas e para santos de pau oco. Paraíso fiscal, majoritariamente, é a terra santa para o dinheiro sujo.

Enquanto se ajoelhava no milho da basílica buscando a benção para os dólares em paraíso fiscal, Guedes foi abençoado com lucros celestiais. Há um reluzente conflito de interesses entre a ganância e a gestão da economia brasileira. Mais do que o sacrilégio de deixar os recursos longe do Brasil, o reinado dele é apocalíptico para a economia brasileira. A inflação voltou ameaçadora e já se avizinha dos dois dígitos, realidade cruel desconhecida de muitas gerações. Até mesmo o bem-sucedido plano Real, que Guedes tanto excomungou em missas reservadas, responsável pela redenção inflacionária nas gestões Itamar Franco/Fernando Henrique Cardoso, está amaldiçoado.

Apresentado como a reencarnação da dádiva divina, Paulo Guedes sacralizou-se como o ícone do fracasso na Administração. O desemprego atingiu níveis infernais. Mais de 14 milhões de pais e mães de família não conseguem trabalho. A renda brasileira desabou e o real é uma das moedas que mais se desvalorizou no mundo. O Ministério da Economia virou um Éden estéril. A pasta assiste, genuflexa, a fome se expandir, a indigência crescer, a mendicância se alastrar, a fuga de investidores, o crescimento da dívida pública, a queda abrupta da renda per capita e um tombo histórico no ranking das economias mundiais. Mas há altares para consagrar orçamentos paralelos, cloroquinas, tubaínas e propinas. A vida dos brasileiros só piora. Um verdadeiro calvário.

A meta de zerar o déficit em um ano, assim como a maioria das prioridades da equipe econômica, eram pregações de um vigário incapaz, de um falso profeta. A ideia “luminosa” de iniciar a capitalização com os recursos do FGTS sublimou. As ambicionadas reformas administrativa e tributária agonizam na mesma proporção da queda da credibilidade do ministro. Guedes também perdeu na CPMF e no auxílio emergencial. Vítima de uma possessão diabólica, promete um paraíso econômico em “V”, virtual. Os Estados Unidos, cultuados pelo bolsonarismo até a era satânica de Donald Trump, está a 5 milhões de postos de trabalho para recuperar o nível de emprego antes da pandemia. A gestão Biden mostra um gráfico em “V” real.

Em um estudo da OCDE, o Brasil é o único em 30 nações analisadas a apresentar PIB negativo (-0,1%) na comparação entre os trimestres mais recentes. Enquanto Portugal, Reino Unido, Áustria apontam uma ascensão gloriosa (+ de 4%) e países da América do Sul registram perspectivas de crescimento acima de 1%, o Brasil desce às profundezas de maneira consistente rumo ao purgatório da miséria. Outra projeção, do Banco Mundial, mostra que o Brasil terá o pior desempenho da América Latina e do Caribe em 2022. Bahamas e Barbados crescerão acima de 8%, Bolívia, Colômbia, Argentina, Paraguai acima de 3% e o Brasil, na lanterna infernal da região, com estimativa de 1,7% de expansão.

As estimativas do Fundo Monetário Internacional sobre crescimento também foram revisadas para baixo em 2022. Reflexo da alta na taxa básica de juros, inflação elevada e desemprego. Cresce o endividamento das famílias e a fome ressurge como resultado do flagelo. O levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) é obsceno. Quase 20 milhões de brasileiros declararam passar 24 horas ou mais sem ter o que comer. Mais de 25 milhões não têm segurança se irão se alimentar regularmente e já diminuíram a quantidade ou qualidade do que comem. Mais de metade do país (55%) sofre de algum tipo de insegurança alimentar (grave, moderada ou leve).

Guedes é mais um apóstolo ordinário entre os descaídos. É o ministro responsável pela ruína da economia que deveria proteger. Equipara-se aos demais anjos caídos do culto bolsonarista que fracassaram em outras paróquias da esplanada. O ex-ministro da Educação não sabia escrever, errava nas contas e escapuliu de maneira fraudulenta. O atual, cujo nome é ignorado, exorciza os centros do saber, as universidades. O ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, catequizava a destruição da natureza e é suspeito de contrabando de madeiras. O ex da Saúde, Eduardo Pazuello, e o atual, Marcelo Queiroga, profanam o santuário da Saúde em plena pandemia, condenando milhares de pessoas à morte.

Outros sacerdotes macabros completam a legião dos incapazes. Ernesto Araújo dessacralizou a diplomacia brasileira, outrora venerada. Na devoção servil ao bezerro de ouro acima dos trópicos ideologizou o Itamaraty e nos isolou do mundo com versículos xenófobos, negacionistas e terraplanistas. Outro idólatra da prelazia bolsonarista trapaceou, corrompeu a Justiça e o Ministério Público até ser recompensado com um altar dentro da seita maligna. Depois foi renegado pelos infames. Alma penada que não desapega. Ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro emporcalhou o Estado Democrático de Direito com pregações fascistas para alcançar a glória política. Ainda reza pela improvável ascensão.

O messias da destruição, da morte, do negacionismo e da mentira purgou ao abandonar a catedral do cercadinho do Alvorada e as celebrações ensaiadas para ir ao Santuário de Aparecida nas comemorações da padroeira. Jair Messias Bolsonaro foi xingado de “genocida”, “assassino”, “ladrão” e “lixo”. O arcebispo da cidade, Orlando Brandes, foi inclemente: “Para ser pátria amada, não pode ser pátria armada.

Para ser pátria amada seja uma pátria sem ódio. Para ser pátria amada, uma república sem mentira e sem fake news. Pátria amada sem corrupção… Mãe Aparecida, muito obrigado porque na pandemia a senhora foi consoladora, conselheira, mestra, companheira e guia do povo brasileiro que hoje te agradece de coração porque vacina sim, ciência sim e Nossa Senhora Aparecida junto salvando o povo brasileiro”.

Mesmo incinerado no submundo dantesco, Paulo Guedes, ainda praguejou. Disse estar “indignado” com as labaredas esconjurando seu tesouro nas Ilhas Virgens. Um monastério da candura financeira, mais puro que os desejos impuros das domésticas que insistiam em pecar na sublimação esbanjadora do dólar baixo: “todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para a Disneylândia, uma festa danada”.

A riqueza dele também não paga os impostos para ajudar as bolsas ofertadas até para os filhos dos porteiros. Definitivamente, na subida aos céus ou na queda às profundezas, Paulo Guedes não divide o elevador de serviço com o brasileiro. Sempre irá pelo social. Guedes se regozijará no paraíso enquanto padecemos no inferno de mortes, dor e fome. Legado de uma legião demoníaca.

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14
Out21

O Brasil da fome

Talis Andrade

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por Fernando Brito

Para onde a gente se vire, a fome virou tema onipresente no noticiário, bom tempo depois de tornar-se onipresente na realidade.

Os restos de ossos no Rio, a coleta de refugos no mercadão paulistano, agora a fila em busca de doação de comida que dobra no Ceasa de Goiânia, tudo isso já ocorria faz tempo, mas a escala em que se agravou nos últimos meses, levou estas cenas aos telejornais e sites.

Paulo Guedes rebate que a “inflação está alta em todo o mundo”, especialmente em energia e alimentos.

Não é a essencialmente a inflação que está provocando estas cenas é a degradação continuada do emprego e renda provocada pela estagnação econômica e pelas políticas que levam a isso.

Daniel Balaban, representante do Brasil do Programa Mundial de Alimentos da ONU, diz à Folha que nosso país é “um exemplo perfeito de erros de política e seus resultados, que redundaram no aumento da fome” e que isso poderia ser atenuado por medidas como um “aumento de salário mínimo, política que foi interrompida no Brasil, e por financiamentos aos pequenos produtores. No Brasil, eles são 5 milhões de famílias que produzem cerca de 70% do que consumimos”.

Mas estamos vendo os preços dos alimentos – como acontece com os dos combustíveis – dispara ao sabor dos dólares do setor agroexportador.

A R$ 5,56 por dólar, não há maneira de baixar, mesmo.

Guedes e Bolsonaro vão ficar roucos de tanto falar que “a crise é mundial”, porque a crise é ali mesmo quando se abre o armário da cozinha cada vez mais vazio.

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13
Out21

"Brasil afunda na extrema pobreza”, denuncia jornal francês Le Monde

Talis Andrade
O jornal Le Monde explica que o perfil dos moradores de rua mudou no Brasil, com famílias inteiras cada vez mais numerosas vivendo nas calçadas das grandes cidades.
O jornal Le Monde explica que o perfil dos moradores de rua mudou no Brasil, com famílias inteiras cada vez mais numerosas vivendo nas calçadas das grandes cidades. © Reprodução / Le Monde / Francisco Proner

O jornal Le Monde que chegou às bancas na tarde desta terça-feira (12) traz uma longa reportagem sobre o aumento da pobreza no Brasil. O correspondente do vespertino francês relata que o impacto da pandemia combinado com uma crise econômica profunda fez explodir o número pessoas que vivem na miséria.

Ilustrado com fotos de Francisco Proner, o texto de Bruno Meyerfeld começa contando a história de alguns moradores de rua no Rio de Janeiro e explica que o perfil dessa população mudou nos últimos anos, com famílias inteiras vivendo nas calçadas. “Mas a situação dos moradores em situação de rua é apenas a parte mais visível do drama atual do Brasil, onde a pobreza explodiu”, resume o jornalista.

Baseado em dados da USP, ele relata que o país já pode ter acumulado mais de 60 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. O texto também contabiliza 19 milhões de pessoas, o equivalente a um em cada dez habitantes do país, vivendo em situação de grave insegurança alimentar.

A reportagem aponta que a inflação é galopante e atinge todos os produtos essenciais, com aumentos que podem chegar a 40% para itens com feijão ou 67% para o óleo de soja. “Isso não acontecia desde 1994 e o famoso ‘plano real’, que permitiu colocar um ponto final na hiperinflação estrutural”, analisa o correspondente.

 

Contexto econômico e responsabilidade dos dirigentes

Le Monde tenta explicar as causas do empobrecimento do país. “Elas são antes de mais nada mundiais, ligadas à crise sanitária, que provocou uma recessão planetária. Mas também resultam do aumento generalizado do petróleo, que fez subir o preço da energia”, resume. Como se não bastasse, o Brasil foi alvo de geadas e de uma seca histórica, que afetaram o abastecimento de água e a produção de cereais, “em um país onde o agronegócio pesa mais de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB)”, avalia o texto.

Mas a pandemia e as questões climáticas não explicam tudo”, sentencia o correspondente. “A Covid-19 atingiu um país particularmente vulnerável”, aponta, lembrando que a pobreza vem aumentando no Brasil desde 2014. “O país ainda não se recuperou da recessão histórica do segundo mandato de Dilma Rousseff. E entre 2018 e 2019 apenas os trabalhadores qualificados se beneficiaram de uma tímida retomada econômica”, analisa para Le Monde Daniel Duque, pesquisador em economia da Fundação Getulio Vargas.

“Os especialistas apontam a responsabilidade de Jair Bolsonaro (...), acusado de favorecer a instabilidade e bloquear a retomada econômica”, aponta o texto, lembrando que o presidente sempre disse “não entender nada” de economia. “O PIB brasileiro caiu 0,1%, só no segundo trimestre deste ano, enquanto no resto do mundo a retomada econômica já estava em andamento”, ressalta o jornal.

Para completar, o correspondente frisa que a política monetária do governo e do banco central, que desvaloriza o real diante do dólar, é criticada. “Uma política que favorece as exportações dos barões do agronegócio, mas pesa muito nos produtos importados, e por tabela, no bolso dos consumidores”, resume.  

Mas “esses debates políticos passam muito longe dos olhos dos milhares de miseráveis abandonados nas ruas do Rio de Janeiro e das grandes cidades brasileiras”, conclui o texto. O correspondente do Le Monde lembra que as ajudas sociais foram reduzidas, “num momento em que parte da população afunda na miséria”.

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