Casas submersas em Lajeado (RS) nesta quarta-feira (6) após a passagem de um ciclone. — Foto: Diego Vara/Reuters
Casa ilhada após ciclone em Bom Retiro do Sul (RS) nesta terça-feira (5). — Foto: Diego Vara/Reuters
Após ciclone, parte fértil do solo é varrida pela correnteza no RS — Foto: Reprodução Globo Rural
Chuvas fortes causam mortes, estragos, enchente e deixa centenas de pessoas desabrigadas — Foto: DIOGO ZANATTA/ESTADÃO CONTEÚDO
Sugestões quanto ao que pode e deve ser feito
por Paulo Brack e Eduardo Luís Ruppenthal
1. Trazer o tema das mudanças climáticas e seus eventos extremos, com base em instituições de referência internacional e nacional, para o centro do debate, localmente, regionalmente e mundialmente, no âmbito governamental, legislativos, conselhos, ministério público e demais setores que tratam de políticas públicas socioambientais. A questão climática tem relação estreita com o aumento dos GEE, o que remete, obrigatoriamente, a que se discuta a matriz energética atual e, de forma inescapável, o modelo de economia hegemônico e energívoro que emite elevadas quantidades de gases de efeito estufa, diminuindo-se o uso de combustíveis fósseis, mas revendo-se a concentração de megaparques de geração elétrica, que vêm gerando impactos ambientais importantes. Em resumo, rever a pegada ecológica e debater com a sociedade, principalmente questionando-se os setores que concentram capital e encabeçam as maiores fontes de liberação de GEE ou mineração predatória em minerais raros, em especial o lítio, associados às fontes de geração mais renováveis, no que chamam de transição energética, porém ainda presa ao paradigma do crescimento econômico e concentração ilimitados.
2. Diagnosticar os maiores riscos sobre as bacias hidrográficas, por parte dos órgãos de meio ambiente e instituições de pesquisa, juntamente com as prefeituras locais.
3. Fortalecer os Comitês de Bacia, em uma recomposição democrática, longe da influência, muitas vezes dominante, de representação de setores econômicos. Os conselhos devem ser compostos, predominantemente, por membros da sociedade, superando-se os atuais conflitos de interesse de representantes vinculados a setores empresariais ou governamentais, recorrentemente com visão econômica imediatistas. Também devem receber apoio e recursos financeiros da cobrança pelo outorga ou uso da água por parte de grandes usuários.
4. Fiscalizar e proteger as cabeceiras do Rio Taquari-Antas e nas demais regiões de nascentes dos rios do Estado. Planejar e buscar programas e projetos para reflorestamento das matas ciliares conforme legislação vigente sobre as APPs, sem oretrocesso da inconstitucional Lei n. 14.285/2021. Há que se controlar e coibir as licenças ambientais para atividades que, inclusive, estão a comprometer a qualidade, a quantidade e a vazão de água na bacia. Arquivar oPL 364/2019do deputado Alceu Moreira, inconstitucional, que retira a proteção dos Campos de Altitude da Lei 11.428/2006, Lei da Mata Atlântica.
5. Proteger as margens dos rios, em especial as matas ciliares da bacia do rio Taquari-Antas.. Há que se lembrar que o Rio Taquari-Antas constitui-se em um dos principais Núcleos da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, enquadrado como Patrimônio da UNESCO e Patrimônio Nacional neste bioma reconhecido pelo Artigo 225 da Constituição Federal, sendo necessária, portanto, a revisão de todas as atividades que comprometam a vegetação nativa e a biodiversidade que, além de Patrimônio Internacional, desempenha papel fundamental nas funções ecológicas e econômicas (serviços ecossistêmicos) da bacia.
6. Preparar governo e sociedade para o enfrentamento dos eventos climáticos extremos. Onde há negacionismo, não se reconhece a gravidade e não há ações, neste caso de adaptação, precaução e prevenção. O efeito El Niño era esperado, houve alerta e não houve preparo de parte de governos para engajamento da população em tomada de medidas prévias e emergenciais, incluindo o deslocamento de pessoas das áreas potencialmente mais atingidas para áreas mais seguras e rotas de fugas. É necessário o treinamento de pessoas para a prevenção, que envolva todas as comunidades, e ações ligadas às medidas emergenciais. A implantação de um sistema de alerta por parte do governo do Estado, defesa civil e de governos dos municípios sujeitos a estas tragédias e preparo da população frente a novos eventos como o que ocorreu no vale do rio Taquari. Avisos prévios, com instalação de sirenes e comunicação pública com carros de som, nos municípios risco de eventos climáticos extremos, neste caso, em toda a Bacia Hidrográfica do Rio Taquari.
7. Rever conjuntamente os empreendimentos hidrelétricos na bacia. Dezenas de barragens, de médias e pequenas centrais hidrelétricas na bacia, alteram a vazão e devem ter controle para se evitar a abertura de comportas. Há que se averiguar a mudança na vazão do rio Taquari-Antas, em decorrência destes empreendimentos, em seu conjunto ou isoladamente, situação que deve ser avaliada por instituições de pesquisa independentes e pelo Ministério Público, e controlada por demais instituições públicas, em especial do executivo estadual e municipais. Há que se fazer modelagens de controle conjunto das comportas de barragens, evitando-se o efeito dominó da abertura conjunta e um pulso d’água agravante da situação. Tudo isso remete a que se estude a situação dos rios, frente a tantas hidrelétricas na bacia, reconhecendo-se um limite para tais, antes da emissão de novas licenças ambientais para novos empreendimentos que afetem matas ciliares e alterem a vazão dos rios da bacia. A integração de instituições de pesquisa, governos e outros setores é fundamental e urgente para se antecipar às tragédias climático-ambientais como as que ocorreram. Cabe se respeitar a Avaliação Ambiental Integrada de toda a bacia hidrográfica, prevista em 2001. A segurança das barragens deve ser avaliada, frente a novas cheias, pois do contrário as tragédias podem ser muito mais elevadas do que as que ocorreram em setembro de 2023 nos municípios da porção mais baixa do rio Taquari.
8. Recuperar as condições naturais, vegetação ciliar e manutenção da sinuosidade dos rios e demais cursos de água (Baptista & Cardoso, 2013) com reflorestamentos genuínos, com diagnóstico e identificação prévia das áreas com maior demanda de recuperação da Mata Ciliar e demais tipos vegetacionais, com planejamentos de programas e projetos. Trazer à necessidade de MORATÓRIA À CONVERSÃO DOS CAMPOS DE CIMA DA SERRA/ CAMPOS DE ALTITUDE (protegidos pela Lei 11.438/2006, compatíveis com a pecuária em campos nativos e turismo rural e ecológico).
A perda de vegetação nativa está conduzindo a maior instabilidade hídrica, menor qualidade das águas e maior vulnerabilidade ambiental
por Paulo Brack e Eduardo Luís Ruppenthal
O cenário preliminar
O cenário de destruição ocasionada pelas chuvas extraordinárias e enchentes do rio Taquari-Antas, ao que tudo indica, não tem precedentes nem mesmo nos registros históricos de chuvas, se tornando uma calamidade de grandes proporções ainda a serem calculadas. A enchente catastrófica, em suas dimensões social, ambiental, econômica e histórica, não pode ser expressa somente em números, apesar de serem impressionantes como umas das maiores já vividas no Rio Grande do Sul. Pelo menos 47 mortos, além de desaparecidos, milhares de desalojados, destruição total ou parcial de milhares de casas e prédios urbanos, comunidades inteiras e municípios devastados, danos psicológicos, perdas de animais de criação e de plantios de subsistência, prejuízos econômicos e perdas ambientais significativas. A retomada da vida de milhares de famílias será muito difícil, após a perda de parentes, de lares e de bens materiais e imateriais.
Levará ainda muito tempo para se conhecer, em maior profundidade, as causas, as consequências e o cenário futuro de aumento da frequência de eventos extremos verificados e previstos para se agravar no mundo inteiro. Os comunicados daOrganização Meteorológica Mundial(OMM) já apontavam que 2023 seria o ano com maior temperatura já registrada na atmosfera do planeta, o que se comprovou a partir de junho deste ano.
Do ponto de vista climático, as previsões já traziam potenciais chuvas históricas, ressaltando-se os alertas da plataformaMetsul Meteorologia, em 31 de agosto e 1ode setembro de 2023, com os títulos respectivos: “Setembro começa com chuva extrema, onda de tempestades e enchentes” e “ALERTA:Chuva virá com volumes excepcionais de até 300 mm a 500 mm. Volumes excepcionalmente altos são previstos pela MetSul Meteorologia para o Sul do Brasil nestes primeiros dez dias do mês[de setembro]”
Também cabe lembrar que em meados de junho de 2023 ocorreu outro ciclone extratropical e uma chuva excepcional devastadora no vale do rio Maquiné e no rio dos Sinos, no município de Caraá, tendo chovido no Litoral Norte do Rio Grande do Sulquase 300 mmem 48 horas. Houve a morte de 16 pessoas, somando-se o Litoral Norte e o Vale do Rio dos Sinos.
Infelizmente, o comunicado prévio da plataforma de divulgação meteorológica MetSul foi desconsiderado pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul. O governador Eduardo Leite, em entrevista a um programa daTV GloboNews, em 6 de setembro, alegou que os modelos matemáticos de previsão do tempo não indicavam o elevado volume de chuva que atingiu o estado no evento daquela semana. Como resposta, a MetSul divulgou umanota públicacontestando a declaração do governador, demonstrando que o alerta realmente tinha sido dado.
Quanto à atuação do governo do Estado do Rio Grande do Sul, à semelhança de outros governos estaduais diante de eventos climáticos extremos, o que geralmente se nota, de um lado, é “surpresa” e uma certa dose de cinismo e, não raro, oportunismo em uma narrativa de retirar sua responsabilidade e ao mesmo tempo imputar a culpa em fenômenos naturais. A grande imprensa também reverbera tratar-se de um fenômeno “natural“, desconsiderando que o agravamento de tais eventos está associado também às alterações ambientais provocadas por atividades humanas. O atual excesso de chuvas, temporais, ciclones, secas e ondas de calor são ainda considerados, por governos, como fenômenos “inesperados”, pois, pelo menos na prática, impera onegacionismoda emergência climática-ambiental.
Além do negacionismo por parte de agentes públicos, vários setores econômicos rezam pela mesma cartilha a fim de afastar parte de sua responsabilidade ou inação diante das mudanças climáticas e à destruição ambiental decorrentes de atividades de origem antrópica que agravam essas calamidades. Do outro lado, quem mais paga o custo da tragédia é a população mais vulnerável do ponto de vista social, tanto na perda de dezenas de vidas, de quem mora mais precariamente na beira dos rios, mas também nas perdas materiais e nas condições de sua sobrevivência, na agricultura familiar ou nos pequenos e médios comércios. Qual é o custo de uma vida? Como restabelecer as condições mínimas dignas de vida aos atingidos que sobreviveram a estas calamidades?
As mudanças climáticas negligenciadas
No atual contexto de crise climática, além dos alertas da OMM, os seis relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) vêm trazendo um conjunto de informações incontestáveis. Principalmente, a partir do 4º relatório, consagra-se cientificamente que os eventos climáticos extremos são predominantemente antropogênicos e cada vez mais intensos e frequentes. No caso da Região Sul do Brasil, em especial o Rio Grande do Sul, além das secas severas dos últimos verões, associadas ao fenômeno La Niña, agora ganha destaque o fenômeno inverso, oEl Niño.
O El Niño, previsto para 2023 e que representa a maior quantidade de chuvas no sul do Brasil, está ligado ao aquecimento, em temperaturas maiores do que a média na superfície do Oceano Pacífico, em decorrência do aumento de gases de efeito estufa, influenciando a formação de nuvens e outros processos climáticos. É importante lembrar que no caso do gás carbônico (CO2) seus valores subiram, desde meados do século XVIII, de 270 ppm (partes por milhão) para421 ppm, na atualidade.
Vale destacar que as enchentes fazem parte da dinâmica de um rio. Entretanto, o uso mais intenso ou a alteração do solo da bacia, como um todo, especialmente suas margens, várzeas inundáveis e as matas ciliares, a intensidade e as consequências desses eventos se torna de maiores dimensões. A intensidade das cheias, em várias partes do mundo, está ultrapassando os registros históricos. O ciclo da água na natureza está sendo rompido por atividades humanas, o que também é comprovadocientificamente. Ademais, a vegetação das bacias tem papel neste ciclo e atua no amortecimento parcial dos picos de cheias. No Brasil, esta proteção está amparada pelaLei n. 12.651/2012(Código da Vegetação Nativa, ou “Código Florestal” Brasileiro ), em especial no que toca às Áreas de Preservação Permanente (APP) que, se não preservadas, além de ambientes de beira de rios ficarem mais vulneráveis a impactos socioambientais, se tornam áreas de risco quando ocupadas pela construção de moradias, prédios, etc.
A vegetação e seu efeito de maior amortecimento às chuvas e às cheias
A vegetação natural (campos, banhados, florestas, etc.) tem papel fundamental na maior função regulatória sobre o ciclo da água, exercendo maior capacidade deestabilizaçãoouefeito tampãoem relação às chuvas volumosas e às cheias. Quando as chuvas caem sobre a estrutura da vegetação (folhas, caules, raízes), a águainfiltra no solo, facilitada pela matéria orgânica de sua superfície e a trama de raízes que atuam, em seu conjunto, quase como um efeito esponja em épocas de maiores quantidades de água pluvial.Solos cobertos por vegetação, portanto, permitem que a água da chuva penetre no solo, infiltre e alimente nascentes e lençóis freáticos e não escoe superficialmente de forma rápida para os arroios e rios(Figura 2).
A vegetação conserva a maior umidade no solo, evitando a erosão, auxiliando a manutenção da permeabilidade e a fertilidade do solo, suavizando o escoamento superficial rápido da água, em solos mais secos e compactados pela agricultura. A vegetação contribui, assim, para a maior regulação do ciclo hidrológico, além de dar abrigo à fauna, mantendo o patrimônio da biodiversidade e suas funções ecológicas e econômicas, proporcionando paisagens diversas que valorizam inclusive o turismo ligado à natureza.
Nas cabeceiras da bacia que inicia-se nos Campos de Cima da Serra, a partir de pelo menos 1000 m de altitude, a maioria dos cursos d’água é drenada ao rio Tainhas e, na sequência, ao rio das Antas com confluência do rio Carreiro que formam rio Taquari. Este é afluente do rio Jacuí, que escoa no rio-lago Guaíba. Seus principais afluentes pela margem esquerda são os rios Camisas, Tainhas e Lajeado Grande e São Marcos, e, pela margem direita, os rios Quebra-Dentes, da Prata, Carreiro, Guaporé, Forqueta e Taquari-Mirim. Nos altos do Planalto das Araucárias, tanto em relevos suaves como nas encostas mais íngremes, a vegetação, que era predominantemente composta por campos, turfeiras, banhados e florestas, com importante proteção e garantia de recarga de nascentes, está se transformando em lavouras, gerando erosão do solo.
Se essa vegetação da região (figuras 4 e 5) seguir sendo retirada, progressivamente, o escoamento das águas da chuva continuará com riscos de picos bruscos, como foi na primeira semana de setembro deste ano, no vale do rio Taquari-Antas, aumentando as chances de cheias mais violentas decorrentes das chuvas torrenciais. O uso cada vez maior de máquinas pesadas de plantios de monoculturas, em especial de soja em campos até então virgens. Grandes superfícies impermeáveis ou sem vegetação podem incrementar a erosão do solo e das margens dos rios, levando ao maior assoreamento e a possibilidade de enchentes de maiores proporções.
Além disso, sem vegetação, que atuaria como filtro para reter parte da lama e resíduos das cheias, as águas dos rios ficam mais barrentas após sua elevação, situação verificada nesta grande enchente do rio Taquari-Antas. A maior perda de vegetação nativa pela agricultura (Figuras 6,7,8 e 9) está conduzindo a maior instabilidade hídrica, menor qualidade das águas e maior vulnerabilidade ambiental. Ou seja, centenas de milhares de hectares de campos nativos de pastagem, com vocação para a pecuária, transformados em agricultura e silvicultura nas cabeceiras do maior rio da região, com mais erosão, assoreamento e escoamento de água que antes infiltrava no solo e alimentava as nascentes.
Destruição das matas ciliares e avanço urbano em APPs e a consequente impermeabilização do solo
Segundo a Lei 12.651/2012, em seu Art. 6º, consideram-se como Áreas de Preservação Permanente (APPs), entre outras, aquelas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a (Inciso I) “conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha”. Entretanto, o que se constata é, em grande parte, o contrário, onde as matas ciliares estão sendo destruídas, e não recuperadas como a lei prevê e obriga,
Hidrelétricas
Na bacia se destacam três Usinas Hidrelétricas (UHE) e dezenas de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH, com até 30MW). As Hidrelétricas são UHE Castro Alves (130MW), UHE Monte Claro (130 MW), UHE 14 de Julho (100MW). É importante destacar que a FEPAM já realizou, há cerca de 20 anos, uma Avaliação Ambiental Integrada (AAI) da bacia do rio Taquari-Antas, recomendando que ⅓ de um conjunto de mais de 50 hidrelétricas não fosse construído e que outro tanto passasse por rígidos estudos de impacto ambiental.
No caso atual da tragédia do rio Taquari-Antas, oMinistério Público Federal solicitouinformações de providências à Defesa Civil e também cópias de todas as comunicações eventualmente recebidas de parte da Companhia Energética Rio das Antas (Ceran), responsável por hidrelétricas no rio, sobre o monitoramento do aumento do nível das águas do rio em decorrência das chuvas e, eventualmente, abertura de comportas, situação que vem sendo imputada à empresa por parte de moradores atingidos à jusante dos empreendimentos hidrelétricos. A empresa negou apresentar comportas com abertura em fluxos mais elevados dos rios.
Por outro lado, um documento da CERAN, no caso da UHE Castro Alves, denominado “PACUERA – Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno a Das Águas” (ABG, 2013) admite a presença de comportas e modificação eventual de vazão da mesma para facilitar esportes, em especial rafting (página 43): “ ‘comporta do rafting’ pela qual é possível regular o fluxo de água e liberar mais volume de água para a prática do esporte”. Ou seja, não se pode afirmar que as hidrelétricas ou pequenas centrais hidrelétricas da bacia tenham alguma influência no problema das cheias. É um assunto delicado, ainda mais em um momento desses. Mas, evidentemente, as hidrelétricas, em outras regiões, influenciam desde a retirada da mata ciliar até algumas mudanças na vazão dos rios, principalmente pela abertura de comportas, alteração na sedimentação do rio, etc.,criando, pelo menos em outros rios, picos abruptos de elevação dos rios à jusante das barragens após a abertura das comportas. De qualquer maneira, é papel do órgão ambiental, em especial a FEPAM, monitorar a gestão do fluxo da água dos rios por parte de UHEs e PCHs.
Em trabalho coordenado pela ONGWWF(2012) foram identificados treze fatores de risco na bacia do rio Paraguai, entre eles, os três primeiros, nesta ordem, são: centrais hidroeléctricas, urbanização e agricultura.
Na Amazônia, o ecólogoPhilip Fearnside (2015), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, afirma que na Hidrelétrica de Balbina (PA), na estação de chuvas, a grande quantidade de chuvas que pudesse passar por cima do limite do barramento, causaria danos, o que “obrigou a ELETRONORTE a abrir as comportas completamente. Em consequência disto, o nível do rio entre Balbina e Cachoeira Morena subiu vários metros acima do seu máximo normal, assim inundando as casas e muitas das roças dos residentes ao longo do rio, assim como os poços que a ELETRONORTE tinha cavado para eles”. Háinformações desencontradasquanto à abertura de comportas durante as cheias do rio Taquari por parte de hidrelétricas, o que deve ser esclarecido pelos órgãos responsáveis. (continua)
A economia é o ponto chave da armadilha colocada para o governo Lula
porJean Marc von der Weid /A Terra É Redonda
A economia
Há um consenso entre os economistas de que a herança maldita do governo de Jair Bolsonaro é um desafio gigante em si mesma. O executivo está horrivelmente fragilizado em todos os seus instrumentos de ação. Faltam quadros e equipamentos em toda parte, os salários em setores vitais estão super comprimidos, organismos de controle estão sucateados. Só para recuperar a capacidade operativa, que mesmo em seus melhores momentos era carente, vai ser necessário investir muito.
Por outro lado, a infraestrutura de utilidade pública também está sucateada, com centenas de milhares de quilômetros de rodovias em condições precárias, milhares de obras paradas e/ou mal concebidas, investimentos em geração de energia e saneamento paralisados. Isto é só uma pequena amostra. A lista é longa e a superação do desgaste e dos atrasos vai ser cara.
A economia, de modo geral, vai se recuperando devagar e em sentido discutível, do ponto de vista social e ambiental. Inúmeras fábricas, grandes, médias e pequenas foram fechadas e a saúde financeira das empresas abalada, haja visto o escândalo das Lojas Americanas, premiada como modelo de gestão. A participação da indústria na economia vem caindo há tempos, mas levou um baque mais forte nos últimos 10 anos.
Crescem serviços precários, sem qualificação profissional e com remuneração baixa. O setor de construção civil vem retomando algum fôlego recentemente, mas não por acaso, vem privilegiando o setor mais rico. O déficit habitacional gigante está longe de estar equacionado e um novo Minha Casa, Minha Vida vai ter que ser muito turbinado, além de ter que se adaptar a uma lógica de sustentabilidade no desenho urbano que não foi a tônica do seu antecessor.
O que segue rentável e crescendo é o extrativismo e o agronegócio. No primeiro, as atividades ilegais de garimpo e extração de madeira vão ter que ser combatidos (ver adiante) e isto vai representar um freio nesta economia criminosa. Mas a atividade mais importante, a mineração legal, também poderá sofrer inibições, se o governo fizer o que tem que ser feito e obrigar as empresas a cuidar dos riscos ambientais de suas atividades. Nem Lula, nem Dilma Rousseff tentaram botar freios na expansão desenfreada das minas de todo tipo durante os seus governos, com uma legislação frouxa e uma vigilância mais frouxa ainda. Sorte deles que os desastres ocorreram nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, mas eles têm uma parte da culpa.
Como setor apontado como o mais dinâmico da nossa economia nos últimos 30 anos, o agronegócio é um capítulo à parte e que será discutido mais a fundo em outro artigo dessa série. Neste momento o que cabe lembrar é que as condições internacionais que permitiram a expansão inédita deste setor não devem se manter nos próximos anos. Os custos de produção, que vem em processo de ascenso há tempos, tendem a se acelerar, enquanto as restrições dos importadores para produtos oriundos de desmatamento ou do emprego de transgênicos e agrotóxicos tendem a aumentar. O freio nas economias dos países importadores, China e Europa em primeiro lugar, também devem colocar um efeito inibidor para a manutenção da expansão notável do nosso agronegócio. Agregue-se a isso, o aumento do custo Brasil, em particular no que tange o transporte terrestre e o funcionamento dos portos, para que possamos dizer que não teremos a repetição do dinamismo recente neste setor.
Para resumir, temos uma economia que anda de lado, tem problemas estruturais não resolvidos, com baixo nivel de investimentos e uma conjuntura internacional que tende a se manter em banho maria ou em recuperação bem lenta nos próximos anos.
Como o governo Lula pretende dinamizar a economia para ampliar e melhorar a qualidade do emprego, aumentar os salários e a renda dos trabalhadores? Como vai melhorar as condições de vida e o nível do consumo? Como vai enfrentar a brutal desigualdade na distribuição de renda que hoje inibe a expansão do mercado interno?
As ideias genéricas avançadas sobretudo pelo presidente do BNDES, Aluísio Mercadante, apontam para o financiamento de pequenas e médias empresas, o que é uma boa ideia para aumentar a demanda da mão de obra, hoje no desemprego e no subemprego, já que são elas as que oferecem mais vagas por real investido. É um avanço em comparação com os programas dos “campeões nacionais” dos governos petistas anteriores. Investir na economia verde também é um bom princípio, mas é preciso saber o que isso significa concretamente. Vamos colocar recursos na substituição do uso de combustíveis fósseis? Na eliminação de perdas energéticas de todo tipo? Na diminuição do uso de adubos químicos e agrotóxicos na produção de alimentos? Não há um plano de governo claro, nem na campanha eleitoral, nem na transição, nem até agora.
O governo está concentrado ainda em buscar os meios para investir, sem definir exatamente em que. A meu ver, isto é um erro porque significa discutir a reforma tributária apenas em termos de aumentar o cacife do executivo e de sua capacidade de investimento. Como já escrevi antes, este vai ser um debate crucial e ele está sendo travado sem o argumento do emprego futuro dos novos recursos que o governo vai buscar. Há uma ênfase no financiamento dos programas sociais e este é um objetivo importante e que tem que ficar muito claro para todos os contribuintes.
Há também referência à questão da justiça redistributiva e isto não está tão claro para o público em geral. Mas se deixarmos o debate da reforma ficar centrado apenas na racionalização dos inúmeros impostos, estaremos agradando as empresas. No entanto, estas não deixarão de urrar se houver algum movimento de aumento de impostos nesta racionalização. Esta é a reforma que o Lira quer colocar em votação. O que ele não quer, é ver o aumento das taxas para os mais ricos, em particular para os rentistas da economia financeira. O que dificulta fazer uma verdadeira e necessária reforma tributária aliviando os mais pobres e exigindo muito mais dos mais ricos é que os parlamentares fazem parte do bloco do andar de cima e teriam que pagar mais do que hoje desembolsam. Vai ser preciso muita pressão sobre o Congresso.
Se o governo quiser mobilizar a opinião pública para apoiar a reforma tributária ele vai ter que mostrar a importância dos recursos para tocar a economia e montar um programa onde o homem/mulher comum possa encontrar uma resposta concreta para suas preocupações quotidianas. Ou seja, precisamos de um programa que, claramente, se dirija para prover as necessidades do povo em alimentação, moradia, educação, saúde, emprego, saneamento, acesso à água, transporte, energia, lazer e cultura.
A discussão em curso sobre a taxa de juros está mal explicada. Baixar a Selic é uma necessidade admitida por quase todo mundo, até o setor bancário, embora da boca para fora. Mas, no passado, isto não teve qualquer efeito maior nas taxas de juros pagas pelas pessoas, no cartão de crédito, no cheque especial (em extinção), nos crediários das lojas. Com 70% da população com atrasos nos pagamentos das contas e um terço destes inadimplentes, são estes juros escorchantes os que interessam e não a abstração econômica (para o grande público) da Selic.
Anistiar as dívidas dos mais pobres é uma medida paliativa, embora necessária. Sem uma reforma bancária de fundo que baixe as taxas de juros para o consumidor, o reindividamento vai acontecer paulatinamente. A argumentação dos bancos em defesa de seus juros estratosféricos, os maiores do mundo, não se sustenta. Seria um spread para cobrir os riscos de inadimplência, mas ele provoca o próprio risco. Aliás, se este argumento se sustentasse, os bancos deveriam reduzir as taxas dos empréstimos consignados para meio por cento ao mês, já que o risco é zero.
A taxa Selic é “justificada” por ser um mecanismo de controle da inflação. Se estivéssemos com uma economia com forte pressão de demanda poderia até ser o caso, embora, tomado isoladamente, este mecanismo de controle tenha um efeito perverso de punir os mais pobres, e, em casos extremos (acredito ser o nosso) mais do que uma inflação moderada o faria. Mas não estamos diante de uma inflação de demanda, com a economia estagnada, a população endividada e os salários comprimidos. No caso dos alimentos, pelo menos, temos claramente uma inflação de custos e um contínuo aumento de preços devido à dolarização da produção do agronegócio e à alta dos preços dascommoditiesno mundo.
Para quem acha que o pesadelo da inflação de alimentos acabou com a queda nos índices do mês de fevereiro, é melhor examinar melhor o quadro mais amplo. As grandes quedas nos preços de alimentos se concentraram nas carnes, em particular a bovina. Isto é um efeito conjuntural da suspensão temporária das exportações para a China, fruto de questões sanitárias. Por outro lado, o fato de que os frigoríficos e criadores se voltaram, por razões contingentes, para o mercado interno, mostra que é perfeitamente possível adotar políticas dirigidas para o abastecimento interno sem que se instale uma crise entre estas empresas. É óbvio que elas têm mais lucros com as exportações, mas são perfeitamente viáveis vendendo para o consumidor nacional.
No meio de tantas questões sobre o presente e o futuro da economia, o debate sobre a “autonomia” do Banco Central é quase obsceno. Para começar, o Banco Central foi declarado autônomo em lei com um único objetivo: tirar o controle da economia monetária das mãos do executivo. Tudo bem, tiraram. E quem controla o Banco Central? Um corpo de funcionários, na sua maior parte vinculados historicamente ao setor financeiro. Em outras palavras, a autonomia em relação ao poder executivo é trocada pela subordinação a um setor da economia, os bancos e financeiras.
Os burocratas de plantão se mostram fiéis às suas origens e interesses. Haja vista a oposição do atual presidente do Banco Central, tanto às pressões eleitoreiras de Jair Bolsonaro no ano passado como as de Lula este ano. Os bancos agradecem e os rentistas também. Entre parênteses, sei que nem todo aplicador em papéis do governo é um desalmado sugador das economias do povo. A grande maioria são pequenos aplicadores que buscam a proteção de suas parcas economias.
Mas o grosso, e bota grosso nisso, dos detentores de títulos do governo são grandes bancos e financeiras. Este mecanismo de financiamento do Estado através de títulos do governo, não tem nada de errado, intrinsecamente. O complicador é quando ele passa a ser utilizado como um enxugador de moeda a pretexto de controle de inflação, em qualquer circunstância, seja qual for o diagnóstico sobre a natureza desta inflação.
A autonomia do Banco Central é uma aberração. Os mecanismos de gestão da economia não podem ser fatiados entre agentes diferentes que podem estar em contradição, como é o caso aqui e agora. É uma jabuticaba brasileira (pleonasmo), salvo exceções aqui e ali e que eu gostaria de estudar, como no caso do Chile.
Para resumir, a economia é o ponto chave da armadilha colocada para o governo Lula. É o típico enigma da Esfinge: “decifra-me ou te devoro”. Se Lula não conseguir reanimar a economia e, mais ainda, se não conseguir reanimá-la na direção correta, ele vai naufragar no governo, por mais que faça bons programas sociais, por mais que reestruture o Estado dilapidado por Jair Bolsonaro, por mais que defenda as instituições democráticas, por mais que proteja o meio ambiente, a cultura, as mulheres, os negros e os LGBTQIA+.
E para fazer isso, Lula depende apenas, por enquanto, de um congresso hostil, de uma classe dominante tacanha e de uma imprensa que vive no passado, com cacoetes de um neoliberalismo abandonado até pelos seus patronos, os americanos. Haja visto o orçamento de Joe Biden, com trilhões de investimento estatal para recuperar a economia. Se prevalecesse a versão tupiniquim do estado mínimo, os EUA estariam falidos.
A questão ambiental
Embora o acordo entre Lula e Marina Silva tenha colocado a questão ambiental como um “tema transversal”, atravessando todas as decisões de governo, tanto as convicções dos dirigentes petistas como as do próprio Lula, para não falar de atores menores de outros partidos, apontam para a repetição dos problemas do primeiro governo. Este princípio de transversalidade já tinha sido enunciado em 2003 por Marina Silva e foi sendo ignorado enquanto ela esteve no governo e abandonado, sem remorsos, pelos ministros que a sucederam.
Decisões que iam da importação de pneus usados ao investimento na barragem de Belo Monte, passando pela transposição do rio São Francisco e pela liberação dos produtos transgênicos foram tomadas tratorando a ministra, que passou a digerir sapos cada vez maiores e mais nojentos. Vai ser diferente? E por que seria? As convicções de uns e de outros são as mesmas e as pressões econômicas e políticas também. A exceção parece estar colocada no tema do desmatamento e das queimadas, mas este já tinha sido o ponto onde Marina Silva conseguiu mais suporte na sua experiência no governo anterior. Carlos Minc manteve a postura de Marina Silva, mas no governo de Dilma Rousseff ela foi enfraquecida, com o apoio da presidente ao novo Código Florestal.
O tema do aquecimento global está sendo tratado, neste governo, estritamente em relação com o desmatamento. Lula ampliou o escopo da questão ao discursar em Sharm-el-Sheik, propondo o desmatamento zero em todos os biomas. Acho que se deixou levar pelo climão triunfante da sua presença na conferência, pois o mais provável é que tudo fique centrado na Amazônia. Ela é o foco da atenção internacional e os recursos do primeiro mundo para apoiar este objetivo estão sendo, até agora, previstos apenas para este bioma.
Desmatamento zero, mesmo que apenas na Amazônia, já seria um avanço enorme, mas é preciso lembrar que há uma diferença legal importante a ser considerada. O Código Florestal permite que agricultores e criadores, dos grandes empresários do agronegócio até os pequenos produtores familiares e assentados da Reforma Agrária, desmatem áreas de sua propriedade, dentro de determinados parâmetros. A ação contra os desmatamentos e queimadas ilegais tem, obviamente, suporte jurídico, mas eles estão centrados, sobretudo, em áreas devolutas ou nas reservas indígenas ou parques naturais.
Controlar o desmatamento não vai ser fácil, mas os instrumentos jurídicos estão disponíveis. Vai ser preciso reforçar muito o IBAMA e o ICMBio e garantir suporte militar (polícia federal, forças armadas) para a repressão aos ilegais. Diga-se de passagem, não vai haver uma colaboração significativa das polícias militares dos Estados da região. Entre governadores bolsonaristas ou próceres da direita não há qualquer entusiasmo por esta empreitada.
O mesmo raciocínio vale para o controle dos garimpos. Vai ser mais fácil sufocar estes empreendimentos através do controle do mercado do ouro do que pela ação direta nos locais de mineração. A operação em curso no território Yanomami mostra o tamanho do problema, com milhares de faiscadores empregados pelas empresas dos cartéis de criminosos de Rio de Janeiro e de São Paulo sendo expulsos da áreamanu militari. E, em alguns casos, resistindo à bala. O caso deste território é apenas a ponta do iceberg da garimpagem e a tática dos cabeças do crime é recuar para retomar a empreitada mais tarde. A vigilância vai ter que ser contínua e, para sufocar estes garimpos, o controle dos rios e do espaço aéreo (leia-se marinha e aeronáutica) vai ser essencial.
Se o combate ao desmatamento na Amazônia for levado a sério pelo governo, este tipo de operação aplicado no território Yanomami vai ter que ser ampliado e permanente. E o preço político vai ser grande. Como já apontei em outro artigo, o garimpo ilegal tem agora uma bancada no congresso e a colaboração de governadores envolvidos nesta economia predadora. É uma bancada pequena, reconheço, mas ela tem aliados importantes entre os ruralistas. Estes últimos percebem claramente que o golpe nos garimpeiros aponta para controles no desmatamento ilegal que ferem os interesses do agronegócio.
A bancada ruralista tem uma agenda voltada para ampliar o acesso do agronegócio a terras que são hoje, teoricamente, preservadas e estão prontos para entrar com projetos de lei que os favoreçam ainda mais do que no presente. A aliança com o garimpo vai se dar por interesses comuns. A bancada ruralista inclui diretamente mais da metade da Câmara e pode crescer ainda mais com alianças políticas com outros lobbies. A armadilha do Congresso tem múltiplos interesses que podem se combinar, como ocorre no caso do desmatamento, ou não, como no caso da legislação sobre armas.
A questão ambiental passa por outro choque com o agronegócio e sua representação no Congresso, a bancada ruralista. A redução do uso de agrotóxicos e de transgênicos é uma pauta dos ambientalistas e dos defensores da saúde pública. Já o agronegócio quer ampliar a velocidade na liberação de novos agrotóxicos e transgênicos, limitando inclusive o papel da ANVISA e entregando os processos para o MAPA. Querem mais do que os milhares de agrotóxicos liberados no governo do energúmeno, muitos deles proibidos nos países onde são produzidos. Os projetos de lei em pauta correm na direção de um ‘liberou geral”, sem restrições. O mesmo se dá em relação aos transgênicos. O agronegócio parece não perceber que a resistência às exportações de commodities agrícolas brasileiras na Europa está se exacerbando. Como vão reagir os negociadores brasileiros do acordo com a União Europeia quando estas cláusulas restritivas vierem à baila? Qual vai ser a posição do governo Lula? Vai defender as exportações do agronegócio poluente?
Até no debate sobre a reforma tributária aparece um contencioso com o agronegócio. Estes setor se beneficia de subsídios de todo tipo, desde eliminação de impostos sobre insumos até reduções ou eliminação de impostos sobre produtos, anistia de dívidas sobre o FUNRURAL nunca pago pelas empresas e pelo pagamento de valores simbólicos no Imposto Territorial Rural. Isto sem falar nas taxas de juros favorecidas nos empréstimos bancários. Tudo isto soma algumas dezenas de bilhões por ano e uma reforma tributária vai ter que eliminar este privilégio.
A questão ambiental, mais precisamente o aquecimento global, passa pela redução paulatina até a eliminação do uso de combustíveis fósseis. Nos acordos de Paris, os governos acertaram a meta de chegar a 2050 com um consumo de combustíveis fósseis no nível de, se não me engano, o ano de 2000. Esta meta, considerada muito insuficiente por cientistas e ambientalistas, agora está vista como totalmente ultrapassada e o ano de 2030 está sendo proposto como o início impositivo da era do carbono zero, em termos do balanço de emissões e absorções. A pressão pela redução do uso dos combustíveis fósseis vai crescer muito a cada ano.
E o que está discutindo o governo Lula? A proposta em pauta é retomar o controle da Petrobras (parte positiva) para abandonar a paridade com os preços internacionais com a clara intenção de manter baixos os preços da gasolina e do diesel. Todo mundo sabe que a redução do uso de qualquer produto tem a ver com aumento de preços, mas o novo governo, tanto como o anterior, não quer pagar o preço político de desestimular o uso de combustíveis fósseis.
Mas se por acaso ou por pressão interna e externa o governo tentar traçar uma política para a redução dos derivados de petróleo (para não falar do carvão, que continua em uso no Brasil inclusive com projetos de mais centrais de geração de energia elétrica) e sua substituição por energia limpa, o choque com o Congresso, mais uma vez, vai ser duro. E com caminhoneiros, bolsonaristas ou não. E taxistas, motoristas de aplicativos, empresas de ônibus e donos de automóveis.
O enfrentamento da questão da eliminação do uso dos combustíveis fósseis é complexa e exige um preparo da opinião pública e políticas ambiciosas de promoção de outras formas de energia e estratégias de substituição. Não podemos ficar na promoção do uso de lâmpadas de led ou de carros elétricos ou de painéis solares no teto das casas dos mais bem aquinhoados. Ou na regulação da carburagem dos motores a explosão para não jogarem tanta fumaça no ar. Se queremos (e, querendo ou não, teremos de fazê-lo) controlar a emissão de gases de efeito estufa temos que começar por tratar o assunto de forma integrada e propor políticas que respondam à complexidade econômica e social do problema.
Ainda sobre a contribuição brasileira ao aquecimento global, notamos que as emissões de gases de efeito estufa geradas diretamente pelas operações do agronegócio são o segundo fator mais importante no nosso passivo, depois dos desmatamentos e queimadas (também provocados pelo agronegócio). Tratam-se dos gases oriundos da aplicação de adubos nitrogenados, dos arrozais, do gado bovino (arrotos e flatulências) e do esterco produzido por bovinos, frangos e porcos. Também há emissões de CO2, não tão significativas quanto as anteriores, oriundas do uso de maquinário agrícola e do transporte de safras por caminhões.
Alterar este modelo produtivo não vai ser coisa fácil. Há, no entanto, pelo menos uma janela de oportunidade no curto prazo. O governo deveria olhar para as dificuldades crescentes para conseguir comprar adubos no mercado internacional e propor uma política de substituição de químicos por orgânicos. Estes poderiam ser produzidos em massa com uma política de compostagem de lixo orgânico e de lodo de esgoto. Seria uma política “win-win”, ou seja, só com vantagens, pois daria um salto na questão sanitária e resolveria em boa parte o problema do custo de adubação, e ainda adotando um processo sustentável. E, é claro, reduzindo a emissão de N2O.
Tudo isso não se ganha só com uma política de produção de adubo orgânico. O agronegócio não gosta de mudar os seus padrões, mesmo os piores e até mais caros e arriscados. Vão argumentar que o custo de movimentar toneladas de adubo orgânico é muito maior do que espalhar centenas de quilos de adubos químicos por hectare. Mas não é nada que um bom subsídio (neste caso, justificável) não supere.
Há uma pletora de outros temas na área ambiental, de menor impacto, porém também importantes. Entre outras a questão da poluição por plásticos e espuma de detergentes que estão sufocando rios, lagos e a orla marítima. Ou o descarte de pneus usados. Ou a existência de lixões. Mas o espaço é curto e tratei das questões ambientais mais agudas e abrangentes, mirando nos problemas que o governo vai ter que enfrentar no congresso e na sociedade.
A primeira visão que tive da Amazônia foi um deslumbramento assustador. Um ser ínfimo, paralisado.
por Gustavo Krause
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A resposta é o enunciado-síntese de Braz França, líder indígena Baré, do Alto Rio Negro: “A terra é a mãe”. A tradição, o conhecimento, a convivência do povo da floresta é proteção eficaz e fonte de sabedoria sobre a relação Homem/Natureza.
A primeira visão que tive da Amazônia foi um deslumbramento assustador. Um ser ínfimo, paralisado. O tamanho não se mede pelo sistema tradicional: envolve sentimentos. O sentimento de uma grandeza mítica; de uma sinfonia mística da biodiversidade, musicada pelo som dos ventos extraindo ritmo das árvores que crescem na direção do viver para renascer; do rumor das águas com o calor úmido que mata a sede e alimenta a Humanidade.
Pelo tamanho, parecia que estava diante do fim do mundo; pela grandeza, percebi que estava no começo do mundo. Sem Amazônia, distinto público, a vida não é possível.
Em agosto de 1995, o Presidente Fernando Henrique Cardoso foi a São Gabriel da Cachoeira (município do Estado do Amazonas, o único no Brasil que tem duas línguas indígenas oficiais, o Tukano e o Baniwa) para ouvir reivindicações e iniciar a execução do processo de demarcação de 10,6 milhões de hectares em terras indígenas no Alto Rio Negro.
Os processos estavam definidos no Plano de Proteção da Terras Indígenas na Amazônia Legal (PPTAL), no âmbito do Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras (PPG7) e foram realizados com ampla participação social ao lado do Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Justiça (Funai, sob a presidência de Marcio Santilli) a Federação Das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e o Instituto Socioambiental (ISA). No dia 15 de Abril de 1998, a demarcação foi formalmente concluída.
A viagem presidencial estendeu-se ao longínquo povoado de Iauaretê (mil quilômetros de Manaus, fronteira com a Colômbia), recepcionada pelo Tenente que comandava o pelotão. Ao demonstrar cabalmente a presença do Estado nos limites da Amazônia, FHC deixou a marca do seu peculiar humor ao ser fotografado lado de dois caciques de distintas etnias: “Aqui estão três chefes, ou melhor, dois e meio. Eu sou o meio”.
Na condição de Ministro do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal, sentia o pesado encargo de zelar por um bem que, solidária e universalmente, recorro ao poeta Thiago de Mello, “é um bem da vida”.
Mesmo sem lei e sem governo, a “boiada” não passará e o crime não destruirá a Amazônia, o começo de um mundo novo.
Menino yanomami tinha cerca de 1 ano e pesava 3Kg, descreveu em ofício o Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna (Condisi-YY). Distrito Sanitário Especial Yanomami (Dsei-Y) informou que apura
Por G1 RR
Um menino Yanomami, diagnosticado com desnutrição, morreu na comunidade Comunidade Yarita, dentro da Terra Indígena Yanomami, relatou nesta sexta-feira (21) o Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna (Condisi-YY). A criança tinha cerca de 1 ano e pesava 3Kg, informou o Condisi-YY, em Boa Vista. O conselho reportou o óbito à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) em um ofício cobrando explicações sobre o motivo de não ter enviado equipes de saúde para remover a criança até a capital.
O documento cita que o Distrito Sanitário Especial Yanomami (Dsei-Y), responsável pelo envio de equipes de saúde para a Terra Yanomami, recebeu uma solicitação para remover a criança a capital às 16h53 dessa quinta-feira (20), mas o socorro não foi enviado.
“A demora na realização da remoção e o consequente agravo no estado de saúde da criança, o que ocasionou óbito às 12h29min deste dia (21/05), compreende-se que houve falha. A falta de assistência nas comunidades têm se tornado algo frequente, e, preocupa em razão do atual cenário que estamos vivenciando no Território Indígena Yanomami”, cita trecho do ofício assinado pelo presidente do Condisi-YY, Júnior Hekurari Yanomami.
Yarita fica na região do município de Iracema, no Sul de Roraima. A viagem de avião à localidade demora cerca de 1h20, saindo de Boa Vista. O pedido de remoção foi feito por equipes da comunidade Homoxi, que atende Yarita.
No ofício, o Conselho pede explicações sobre: horário exato em que a solicitação de remoção foi repassada e os motivos de não ter sido considerada urgente; a conduta que a equipe do local adotou; informação sobre a última missão realizada em Yarita e o planejamento do Distrito e da Sesai sobre o “alto índice de desnutrição no Território Indígena Yanomami”.
Procurado, o coordenador do Dsei-Y em Boa Vista, Rômulo Pinheiro, disse que a “região desse óbito é muito complexa, o acesso, os conflitos entre os próprios indígenas e outras situações culturais são fatores que interferem na nutrição da criança.”
Pinheiro informou que há equipes profissionais na região e que o caso será investigado. “O Distrito recentemente finalizou o processo de aquisição de gêneros alimentícios para pacientes em área, porém no caso específico tem que apurar a verdadeira causa do óbito”.
A reportagem também procurou a Sesai, em Brasília, e aguarda resposta sobre a morte relatada pelo Condisi-YY.
A desnutrição entre crianças na Terra Yanomami foi notícia nacional no último dia 10, depois que missionário católico Carlo Zacquini divulgou a foto acima de uma menina indígena debilitada numa rede na comunidade Maimasi. Na avaliação dele, a situação retrata o abandono nas aldeias.
Maior reserva indígena do Brasil, a Terra Yanomami tem quase 10 milhões de hectares entre os estados de Roraima e Amazonas. Cerca de 27 mil indígenas vivem na região.
Pessoas esperam em fila para sacar auxílio emergencial em agência da Caixa, em Brasília - Foto: REUTERS/Adriano Machado
Os municípios devem combater o aumento da vulnerabilidade social
Eis um exemplo de candidato que não governa para o povo:
O prefeito Rafael Greca declarou:
Eu coordenei o albergue Casa dos Pobres São João Batista, aqui do lado da Rua Piquiri, para a igreja católica durante 20 anos. E no convívio com as irmãs de caridade, eu nunca cuidei dos pobres. Eu não sou São Francisco de Assis. Até porque a primeira vez que eu tentei carregar um pobre no meu carro eu vomitei por causa do cheiro", disse o candidato. Esse nojo do Greca foi noticiado pela imprensa.
O vômito de Greca retrata o desprezo, o abandono, a pobreza das populações das periferias.
O papel das cidades para combater a vulnerabilidade social
por Tamires Fakih e André Paiva Ramos /Jornal GGN
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O Brasil vive um conjunto de crises simultâneas – sanitária, econômica, social e ambiental – que tem resultado em um significativo aumento da pobreza e da vulnerabilidade social. O Estado deve adotar urgentemente um conjunto de medidas, tanto para conter e reverter o agravamento da situação socioeconômica, quanto para fomentar um desenvolvimento sustentável, com redução de desigualdades, com geração emprego e renda e com responsabilidade ambiental.
As perspectivas apresentam um cenário muito grave para o conjunto da sociedade. Segundo o IBGE, o país já tem 14 milhões de desempregados, mais de 33 milhões de trabalhadores subutilizados e mais de 10 milhões pessoas com insegurança alimentar grave. Ressalte-se que metade das crianças menores de 5 anos vive em lares com insegurança alimentar. Ademais, 50 milhões de brasileiros têm uma renda mensal menor do que R$ 523, situação que pode piorar significativamente.
Além da queda na renda das famílias e da falta de oportunidades no mercado de trabalho, há um expressivo aumento do custo de vida da população, principalmente da parcela mais pobre, pois essa destina a maior parte de seus recursos para alimentação e moradia. Segundo o Dieese, o preço da cesta básica em São Paulo subiu 19% em 12 meses. Já o IGP-M, que usualmente é utilizado na correção dos contratos de aluguel, acumulou aumento acima de 20% em 12 meses.
No estado de São Paulo, houve aumento de 20% no número de alunos que trocaram escolas particulares pelas estaduais entre janeiro e agosto de 2020 em relação ao mesmo período de 2019. A fila para atendimento na saúde pública (exames, consultas e cirurgias) aumentou 70% entre 2016 e 2020, atingindo 1,3 milhão de paulistanos. Já as mulheres têm sofrido uma piora na sua inserção no mercado de trabalho, sobretudo devido à falta de acesso a serviços públicos, como escolas e creches para seus filhos.
Diante de tamanha gravidade, os atuais formuladores de políticas públicas não têm atuado adequadamente. Cortes e contenções de recursos para diversas áreas, como saúde, educação e infraestrutura social, têm sido as principais medidas realizadas, piorando o acesso da população aos bens e serviços públicos, quando há um aumento marcante da demanda por eles. Não se verifica um conjunto de medidas econômicas para a geração de emprego e renda e para impulsionar as atividades econômicas. A destruição do meio ambiente e a falta de responsabilidade ambiental são questões que também têm piorado as perspectivas para o país. Ademais, o corte pela metade do Auxílio Emergencial e a falta de definição para o próximo ano sobre programa de transferência de renda aos mais vulneráveis ampliam a angústia e o desalento da população.
O modelo econômico implementado desde 2015 e a crise atual, enquanto ampliam o desemprego, a desigualdade, a pobreza e a fome para a população, têm impulsionado a concentração de renda e de mercado. Apenas em 2020 a fortuna conjunta de 42 bilionários brasileiros cresceu cerca de 28%.
O cenário para o conjunto da sociedade brasileira nas diversas localidades é muito grave e confirma a importância de uma atuação adequada do Estado. Apesar de muitas das medidas necessárias serem de responsabilidade federal e estadual, no âmbito municipal há a possibilidade de implementarmos um conjunto de medidas para o enfrentamento desse cenário adverso e, desta forma, melhorarmos a qualidade de vida da população.
Despontam-se algumas políticas necessárias, como: renda básica municipal complementar; programa municipal de compras públicas de alimentos da agricultura familiar para distribuição em associações de bairro e unidades socioassistenciais, direcionada à população mais vulnerável; alterações na legislação tributária municipal, focando em melhoria de aspectos de progressividade; e políticas de apoio às micro, pequenas e médias empresas, a fim de gerar mais trabalho e renda, principalmente nas periferias.