O PT entrou com uma representação no Conselho de Ética da Câmara contra o deputado federal caboJunio Amaral(PL-MG), após ele divulgar umvídeo segurando uma arma e dizer que aguardava a “turma” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva(PT) chegar em sua casa. “Serão muito bem-vindos”, afirmou o parlamentar.
O vídeo de Amaral foi uma reação a fala de Lula durante evento daCentral Única dos Trabalhadores (CUT), na segunda-feira (4). O petista sugeriu que os sindicalistas mapeiem o endereço dos parlamentares e se dirijam às residências deles para “incomodar a tranquilidade”, pressionando-os com demandas sindicais.
“Então, se a gente (…) pegasse, mapeasse o endereço de cada deputado e fossem 50 pessoas para a casa desse deputado… Não é para xingar, não, é para conversar com ele, conversar com a mulher dele, conversar com o filho dele, incomodar a tranquilidade dele. Eu acho que surte muito mais efeito do que a gente vir fazer manifestação em Brasília,” disse o ex-presidente.
A representação do partido, segundo reportagem do Estadão, afirma que a resposta do parlamentar foi “desproporcional, autoritária, odiosa, totalmente incompatível com o que se espera de um deputado federal”. O PT pede a abertura de um processo ético, disciplinar, no Conselho, por quebra de decoro parlamentar.
“O representado responde à fala do presidente Lula fazendo expressa ameaça, consistente em receber, tanto o presidente, quanto eventuais cidadãos (manifestantes), com uma arma de fogo totalmente carregada, a indicar que poderia matá-los ou lesioná-los, de forma grave”, denuncia o PT.
[É preciso conhecer o histórico desse cabo de guerra. Se participou de alguma chacina. Que perigo representa.
A ameaça de morte é a ameaça, feita geralmente de forma anônima, de matar alguém. A ameaça de morte constitui crime na maioria das jurisdições modernas. O propósito das ameaças de morte é o de constranger ou dissuadir a vítima, sendo ainda uma forma de coerção.
Ameaça se torna mais grave quando realizada por um militar, um profissional que sabe usar arma de fogo, treinado para matar.
O verbo do tipo do artigo147,CPé “ameaçar”. No caso, ameaçar alguém de um mal injusto e grave. Como diz claramente a lei, o mal prometido há que ser “injusto”, ou seja, não configurará o crime a ameaça de um mal “justo”. Por exemplo, não configura crime de ameaça o fato de alguém dizer que irá pleitear seus direitos na justiça ou registrar ocorrência policial contra outrem. Além disso, o mal deverá ser “grave”. Esse elemento do crime deve ser analisado de acordo com o caso concreto, aferindo se o mal prometido atinge um interesse de considerável importância para a vítima.
A ameaça é crime de forma livre, podendo ser perpetrada de diversas maneiras: oralmente, por escrito, por telefone, por gestos etc.
A doutrina costuma classificar a ameaça em algumas espécies:
a) Ameaça direta – aquela que incide sobre a pessoa ou patrimônio da vítima;
b) Ameaça indireta – aquela que incide sobre pessoas próximas à vítima devido a laços familiares, amorosos, de amizade etc.
c) Ameaça explícita – feita diretamente, de maneira clara, sem sutilezas. Por exemplo, dizer a alguém que vai agredi-lo ou matá-lo.
d) Ameaça implícita – aquela feita sutilmente, indiretamente, de forma velada. Por exemplo, dizer a alguém que ela ficaria muito feia com os dois olhos inchados ou dizer a outra pessoa que naquela região costuma-se resolver as questões na faca.
e) Ameaça condicional – quando a ameaça do mal está condicionada a alguma ação ou omissão da vítima. Por exemplo: se você repetir o que disse lhe dou um tiro.
Deve-se lembrar que para a configuração do crime o mal ameaçado deve ser daqueles que se encontram na esfera de ação do autor. Se a ocorrência ou não do evento não está vinculada à atuação do agente, desconfigura-se o ilícito. Exemplo disso são as pragas e maldições. Se alguém diz para outrem que “vá para o inferno” ou que quer que a vítima morra, não ocorre o crime de ameaça, embora possa eventualmente caracterizar-se a injúria (artigo140,CP).
Questão controversa na doutrina é aquela que versa sobre a necessidade de que o mal prenunciado na ameaça seja futuro. Alguns autores entendem que o crime somente se configura quando o mal ameaçado é futuro. Se o mal for presente ou iminente (“ameaça em ato”), descaracterizado estaria o crime de ameaça. Neste sentido: Celso Delmanto[1], Rogério Greco[2]e Guilherme de Souza Nucci[3]. No entanto, há quem entenda que o mal pode ser futuro ou mesmo presente ou iminente, já que o tipo penal não faz nenhuma distinção ou restrição. Neste sentido: Ney Moura Teles[4], Damásio E. De Jesus[5], Flávio Augusto Monteiro de Barros[6], Luiz Regis Prado,[7]Manzini, Piromallo, Nelson Hungria[8], Agnes Cretella,[9]dentre outros.
Parece-nos mais correto o segundo entendimento, o qual inclusive predomina. Apenas deve-se ter em conta o devido cuidado com a acepção que se pretenda imprimir à palavra “presente”. Note-se que acaso um mal, por exemplo, de agressão física, seja ameaçado contra alguém em meio a uma discussão, sendo que neste mesmo momento a dita agressão se concretize, ocasionando lesões na vítima, ficará afastado o crime de ameaça, o qual será absorvido pelas lesões corporais. É claro que qualquer ameaça é sempre de um mal “futuro”, senão não seria uma ameaça e sim um ato concreto. Quando se fala em caracterização do crime de ameaça, referindo-se a ameaças presentes pretende-se referir-se a situações em que o autor do crime promete agir naquele momento ou muito próximo no tempo. Nestes casos não há por que afastar o crime de ameaça. Inclusive se o mal for muito remoto, aí sim é que estará descaracterizado o ilícito sob comento.[10]
Cezar Roberto Bitencourt é bastante claro sobre o tema de acordo com nossa linha de pensamento:
“Só a ameaça demal futuro, mas de realização próxima, caracterizará o crime, e não a que se exaure no próprio ato; ou seja, se o mal concretizar-se no mesmo instante da ameaça, altera-se a sua natureza, e o crime será outro e não este. Por outro lado, não o caracteriza a ameaça de mal para futuro remoto ou inverossímil, isto é, inconcretizável”.[11]
No mesmo diapasão leciona Mirabete:
“Entende-se que somente haverá o crime se a ameaça for da prática de mal iminente e não do prenunciado para futuro remoto. Por outro lado, discute-se se o prenúncio de mal a ser executado no curso de entrevero ou de contenda caracteriza o crime de ameaça (...) ou se deve ser de um mal ‘futuro’ (podendo ser próximo ou iminente) e que não se confunde com a simples etapa de um mesmo complexo material ou verbalmente agressivo (...). Mais correta se nos afigura a conclusão de que haverá ameaça com a promessa de mal iminente, mas que será ela absorvida pela concretização do mal ou pela tentativa de causá-lo”.[12]
Vale ainda lembrar que predomina na doutrina o entendimento de que a ameaça, para configurar o tipo penal, precisa ser marcada pela seriedade e idoneidade, razão pela qual são encontráveis diversas decisões jurisprudenciais apontando a não configuração de crime quando a ameaça é produto de ato impensado, “em momento de cólera, revolta ou ira”; estando o autor ébrio; ou quando a vítima não lhe confere maior relevância.[13]
Por derradeiro deixe-se consignado que o crime de ameaça é subsidiário, de modo que quando compõe o “iter criminis” de outros ilícitos, é por estes absorvido. Por exemplo, nos casos de estupro, roubo, extorsão, tortura etc.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de.Crimes contra a pessoa. São Paulo: Saraiva, 1997.
BITENCOURT, Cezar Roberto.Tratado de Direito Penal. Volume 2. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
CRETELLA, Agnes. A ameaça.Revista dos Tribunais. São Paulo: vol. 470, p. 299 – 304, dez., 1974.
DELMANTO, Celso, “et al.”Código PenalComentado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
GRECO, Rogério.Curso de Direito Penal. Volume II. 2ª ed. Niterói: Impetus, 2006.
MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N.Manual de Direito Penal. Volume II. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.
NUCCI, Guilherme de Souza.Código PenalComentado. 3ª ed. São Paulo: RT, 2003.
PRADO, Luiz Regis.Comentários aoCódigo Penal. 2ª ed. São Paulo: RT, 2003.
TELES, Ney Moura.Direito Penal. Volume II. São Paulo: Atlas, 2004.
[1]DELMANTO, Celso, “et al.”Código Penall Comentado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 316.
[2]Curso de Direito Penal. Volume II. Niterói: Impetus, 2006, p. 570. Greco faz uma abordagem interessante do assunto fundamentando com esmero seu entendimento, merecendo a consulta mais detida do leitor.
[3] Código PenalComentado. 3ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 466.
[4]Direito Penal. Volume II. São Paulo: Atlas, 2004, p. 293.
[5]Direito Penal. 2º Volume. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 254.
[6]Crimes contra a pessoa. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 237.
[7]Comentários aoCódigo Penal. 2ª ed. São Paulo: RT, p. 608.
[8]Apud, JESUS, Damásio Evangelista de. Op. Cit., p. 254.
[9]A ameaça.Revista dos Tribunais. São Paulo: vol. 470, dez., 1974, p. 301.
No dia 25 de abril, o professor Sergio Ubiratã foi à Central de Flagrantes de Curitiba. Aos 61 anos, com 1,75m e 70kg, ele tinha lesões espalhadas pelo corpo e sangue esguichado na lataria do carro. Exames feitos dois dias depois, no Hospital XV, atestaram múltiplas contusões e ferimentos, mordedura humana, uma costela fraturada e traumatismo craniano leve. Apesar disso, o Boletim de Ocorrência (B.O.) registrado naquele dia descreve sua condição física como “íntegra”. O autor da agressão é um vizinho dez anos mais jovem, significativamente mais alto e forte: o policial civil Gilnei Hartleben Diel, que no B.O. aparece como “vítima”.
Foto: Sergio Ubiratã
Sergio e Gilnei são vizinhos desde 2013. Eles vivem em um condomínio no bairro Santa Cândida, em Curitiba, a três quadras da sede da Polícia Federal. Já tiveram uma boa relação, mas a convivência começou a ficar conflituosa em 2016, época do impeachment de Dilma Rousseff, por divergências políticas. “A gente tinha uma convivência interessante, um frequentava a casa do outro raramente, mas frequentava. Ele é pai de duas crianças pequenas que tinham uma relação muito boa com a minha neta, que vive conosco. Mas devido à questão ideológica, essa relação foi se deteriorando”, conta o professor.
“Ele já vinha me provocando em algumas oportunidades. Eu faço parte de um bloco carnavalesco, o Garibaldis e Sacis, e acredito que ele já tenha me visto fantasiado, então mexia comigo dizendo que eu era a rainha da bateria e essas coisas”, continua. “No domingo da agressão, o que aconteceu foi que ele entrou no condomínio, me viu na janela e começou a soltar beijinhos e a me chamar de bicha. Eu simplesmente fiquei ouvindo aquilo e deixei.”
Na versão de Sergio, o policial entrou em casa. Em seguida, ele saiu em direção ao seu carro, que estava estacionado em frente ao seu imóvel. Foi quando aconteceu o confronto. “Eu saí pela porta e ele já veio me xingando e me agredindo. Ele é bem maior que eu e é um policial, achei que podia até estar armado. A única coisa que eu fiz foi tentar me defender. Ele me bateu muito, até que um vizinho pulou e apartou. E aí eu entrei e liguei pro Felipe, meu advogado, que chamou a polícia.”
Apesar das lesões, a briga acabou ficando em segundo plano para o professor, tamanha a dor de cabeça que veio a seguir. “Durante o encaminhamento na delegacia, apareceu uma faca fake, disseram que eu estava armado, mas é uma mentira. A única coisa que eu tentei fazer foi jogar um jarro, um pequeno jarro de plástico que nem bateu nele direito.”
A versão levada ao B.O.
Quando recebeu a chamada de seu cliente, Felipe Lopes ligou para o 190 e correu para o local do crime. “A Polícia Militar chegou e decidiu nos conduzir para a Central de Flagrantes. Chegando lá, me deu um chá de cadeira de duas horas, eu fiquei inacessível ao Sergio. Quando eles me chamaram pra dentro da delegacia, tinha um B.O. que apontava a existência de uma faca que teria sido recolhida pela PM, mas que não foi objeto de atendimento da ocorrência lá na hora. O B.O. também descrevia o Sergio, que estava completamente machucado, como autor do fato e colocava o policial civil como vítima de agressão e ameaça”, relata o profissional.
Ele reitera que na delegacia foram desrespeitadas todas as suas prerrogativas de advogado e a seu cliente, foi negado o direito de registrar um novo boletim de ocorrência colocando o policial como agressor.
Tive acesso ao B.O. A descrição sumária da ocorrência é a seguinte:
“Equipe policial militar foi acionada via Copom para prestar atendimento à ocorrência na qual teriam dois indivíduos em vias de fato no condomínio. Chegando no local foi identificado o sr Gilnei Hartleben Diel, que teria entrado em discussão e posteriormente em luta corporal com seu vizinho Sergio Ubiratã Alves de Freitas, por motivos políticos. Gilnei informa que Sergio após proferir ofensas e ameaças, tentou lhe agredir com uma faca (objeto esse que foi apresentado a equipe policial e entregue a central de flagrantes.) onde conseguiu se desvencilhar e desarmar Sergio, em seguida entrando em luta corporal, em que certo momento Sergio pegou um vaso e tentou lhe acertar. Relata ainda que tem alguns processos anteriores contra Sergio. Sergio informou que após ser provocado por Gilnei vieram a discutir e entrar em luta corporal, e que em determinado momento pegou um vaso para tentar se defender tentando acertar sem êxito Gilnei. No local se fez presente Felipe Edurardo Lopes advogado de Sergio, que o acompanhou ate a elegacia. Na delegacia a equipe do Alpha do Cope acompanhou e ouviu o sr Gilnei pelo fato de ser policial civil. Resalta ainda que toda a ocorrência foi acompanhada pelo oficial cpu 20º bpm 2º ten. Zeck e seu motorista sd. Natan. Não foi necessário o uso de algemas pelo fato dos envolvidos se deslocarem por meios próprios com escolta policial. (sic)”
Na relação de objetos, consta uma arma branca: “01 faca de cozinha serrilhada, com cabo de madeira”. O caso foi atendido pelo delegado Pedro Maomé Machado, que estava de plantão. Nas redes sociais, ele se posiciona abertamente como bolsonarista.
Procurei o delegado via assessoria da Polícia Civil duas vezes: a primeira foi no dia 17 de junho, quando expus a queixa de Sergio e pontuei que Pedro Maomé Machado partilha da visão política de Gilnei. Perguntei se ele gostaria de se pronunciar, mas recebi uma nota protocolar que dizia: “A Polícia Civil do Paraná informa que os fatos ocorreram no dia 25 de abril deste ano, conforme boletim confeccionado pela Polícia Militar. No dia dos fatos, o caso foi atendido pela Central de Flagrantes de Curitiba e lavrado o termo circunstanciado. Este já foi encaminhado ao Poder Judiciário com audiência entre as partes já realizada no dia 16 de junho”. Na sexta (25), me dispus a ouvir o delegado novamente, até o fechamento. Desta vez, a assessoria respondeu que ele “não tem agenda para entrevista”.
A defesa do professor afirma que ele não avançou sobre o vizinho com uma faca e que a polícia não tomou o devido cuidado com a arma para preservar as investigações. “Eu só tive acesso ao Sergio por volta das nove da noite. Pouco antes disso, chegou a equipe do COPE e aí apareceu essa faca. Essa equipe só foi por conta d’ele (Gilnei) ser policial civil. O instrumento foi jogado em cima das mesas lá. Não é nada daquilo que a gente vê nos filmes, a arma não chegou no saco plástico. Simplesmente jogaram a faca em cima da mesa”, diz Felipe.
Sergio garante que nunca viu a faca antes e questiona: “O que a gente tem hoje é um caso que envolve a própria credibilidade das forças de segurança do Estado. Qualquer agente pode plantar uma prova e aí você fica refém dessa situação?”
De acordo com o professor, Gilnei tem câmeras apontando para a frente de sua casa e elas certamente registraram a agressão, mas as imagens não foram apresentadas até o momento. A reportagem não conseguiu fazer contato com o vizinho que apartou a briga, única testemunha ocular do fato. Ele também não falou com as autoridades. Sergio e Gilnei fizeram exames de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML), mas os laudos também não estão disponíveis ainda.
Câmeras em frente à casa de Gilnei. Fotos anexadas ao processo
Como o crime registrado – ameaça – é de menor potencial ofensivo, o Termo Circunstanciado (TC) seguiu para o Poder Judiciário. A defesa de Sergio fez dois pedidos ao júri: a retificação do B.O. e o resultado do exame de lesões corporais. A audiência de conciliação entre as partes aconteceu na semana passada. O advogado de Gilnei apresentou uma proposta de respeito mútuo, que foi prontamente negada por Sergio, representado por Felipe. Eles preferiram seguir em frente para que sejam analisados os pedidos feitos no processo.
Injúrias
Liguei para Gilnei. Ele – um policial civil com dez anos de experiência em investigação – me disse que, desde 2016, Sérgio proferiu diversas “provocações verbais” pela janela de casa e chegou a injuriá-lo centenas de vezes nas redes sociais. “A certa altura, eu printei algumas coisas e fui conversar com ele. Eu disse: ‘por que que você está fazendo isso aí comigo? Eu nunca me posicionei, eu respeito a tua ideologia, eu só tenho outra.’ No mesmo dia, ele continuou a me injuriar pelo Facebook. E aí eu entrei com um processo contra ele, só que por uma inépcia da minha advogada – ela teria que ter feito uma queixa e acabou fazendo uma representação – isso aí foi arquivado.
Sobre a briga, ele foi pontual: “Ele continuava me provocando, me provocando e tal, aí nós acabamos desencontrando ali. Ele veio e me jogou um vaso de flor que acabou pegando no meu dedo. E como eu consegui me esquivar desse vaso, ele puxou uma faca serrilhada que ele usava acho que para jardinagem – estava no parapeito dele – e aí veio pra cima de mim. Eu consegui retirar a faca dele, apesar de ter sofrido um corte no braço e tal. E aí a gente acabou, né, entrando em luta corporal ali, até por função disso aí. (…) Eu tive várias lesões, tá? Elas estão laudadas lá no IML, mas no dia eu acabei não tirando foto. Eu fiquei totalmente arranhado, com lesões nas pernas, no braço, corte no braço.”
Pedi para ver os posts injuriosos, mas o policial se recusou a me enviar sob a justificativa de que seriam muitos: 180 a 200 publicações. Em seguida, falou que os prints estavam “oficialmente” registrados em três atas notariais disponíveis em um cartório de Curitiba. Fui atrás dessas certidões e me deparei com 23 prints de postagens políticas de Sergio e a transcrição de uma ligação telefônica.
Alguns dos posts que constam nas atas são direcionados à polícia, outros provocam alguém que Sergio chama de “vizinho”, “canalha” e “imbecil”. Por exemplo: “E aí, vizinho… como era mesmo? Moro livrai-nos do mal. Era isso? Kkkkk imbecil”, ele provoca numa publicação do dia 22 de janeiro de 2019. O nome de Gilnei não é expressamente mencionado nas publicações.
Um dos posts registrados em ata. Imagem: reprodução/Facebook
A ligação registrada é do dia 8 de outubro de 2018. Quem atendeu foi a neta de Sergio, que passou o telefone para o avô. Durante 8 minutos e 51 segundos, Gilnei recitou postagens de Facebook, fez menção à vez que teria ajudado a esposa de Sergio, que estaria passando mal, e cobrou respeito e gratidão dos vizinhos, além de uma retratação pública. Confira alguns trechos da conversa:
Gilnei: Sergio, esses dias tava olhando, assim na…. na rede social e aí eu vi uns ‘posts’ teus a respeito de mim e da minha família… assim Sergio: família?! Gilnei: não, família sim. Aí eu queria entender por quê… por exemplo, aqui uma: “aqui jaz a sanidade humana” Sergio: é… aqui jaz… com relação a isso aqui… Gilnei: tá, mas eu acho que assim… acho que você tá falando de mim, da minha esposa, dos meus filhos…. Sergio: não tô falando de você, Gil, tô falando de todos que assumem determinada opção política. (…) Gilnei: pois é, mas o o que que tu, o que que assim, Sergio…. assim, me desculpa, o que que tu tem na tua cabeça, cara??? Sergio: assim… é o seguinte Gilnei: eu te desrespeitei? Sergio: não, de jeito nenhum… Gilnei: eu alguma vez te falei: ah você é um pão com mortadela… você é um comunista safado? Sergio: isso pra mim não é agressão…
Quanto ao processo mencionado por Gilnei, apurei que de fato foi aberto e arquivado porque os prazos e formalidades legais não foram respeitados pelo próprio autor. Não tive acesso ao conteúdo da denúncia, já que correu em segredo de justiça, a pedido de Gilnei.
Perguntei ao advogado de Sergio sobre esse processo. Ele me respondeu: “Se ele fizesse acusações efetivamente sérias, teria dado outro tratamento na justiça. Fazer boletim de ocorrência qualquer um faz, mas bancar um processo até o final, isso não é pra qualquer um.”
Felipe ainda pontuou que condutas difamatórias não justificam a agressão perpetrada por um policial contra um idoso: “Então, discussões políticas de rede social se respondem com agressão violenta? Me parece que não.”
A entrevista com Gilnei foi curta. Antes de desligar, ele me disse: “Tá, Jéssica, mas assim, volto a te dizer: eu não autorizo a divulgação do meu nome. Por favor, senão nós vamos ter outro problema. Eu não quero ter outro problema”. Em seguida, ele me pediu, via WhatsApp, para retornar a ligação, então me perguntou se eu estava falando de um telefone pessoal e qual era a minha função no jornal
Apesar do pedido, em conversa com a edição, optamos por não ocultar o nome por três razões: não há impedimento legal; a informação é de interesse público, uma vez que Gilnei ocupa um cargo na segurança pública; e mencionar apenas o nome de Sergio nos pareceu bastante desequilibrado.
“Processo de intimidação”
O caso chegou à Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), que decidiu, por unanimidade, acionar o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Paraná, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “A nossa preocupação é que casos como esse venham a se repetir se não forem tomadas providências”, afirma o deputado Tadeu Veneri, presidente da Comissão.
“No relatório que fizemos há um pedido de providência com relação ao tratamento que foi dado pela Polícia Civil e também pela Polícia Militar, porque houve um isolamento do Sergio, que é o reclamante, durante o período em que ele faria o depoimento. Depois apareceu uma faca – e o Sergio diz que essa faca foi trazida por dois policiais e uma policial do COPE”, detalha Veneri.
“Os policiais civis e do COPE tiveram acesso à sala onde Sergio estava aguardando, inclusive o próprio policial que o agrediu, uma coisa absolutamente fora de contexto, né? Se você foi agredido por alguém, imagine estar numa sala e de repente chegar o agressor, tomar café, bater papo com todo mundo, depois chegarem mais amigos do agressor… É óbvio que tudo isso aí é um processo de intimidação”, opina. “A OAB também será acionada porque em certo momento o advogado do Sergio foi impedido de acompanhá-lo, coisa que é prerrogativa do advogado.”
O deputado ainda questiona a presença do Centro de Operações Policiais Especiais (COPE) durante o atendimento da ocorrência. “É claro que nos interessa saber qual é a posição do secretário de segurança sobre isso. Não é possível que a corporação faça uma cobertura do caso como se fosse uma agressão à própria corporação. Primeiro: a briga aconteceu num período em que o policial não estava em horário de trabalho. Segundo: foi entre duas pessoas sem que houvesse interferência de uma terceira. Terceiro: nós entendemos que agressões como essa têm que responder civilmente.”
O Ministério Público do Paraná informou que o caso “não é exatamente área de atribuição do Gaeco”, mas confirmou que recebeu as informações sobre o fato. A Polícia Civil do Paraná acrescentou que “administrativamente, a petição da defesa do noticiado chegou na Corregedoria-Geral no dia 10 de junho”. Desta forma, “a investigação preliminar está em tramitação na Corregedoria de Assuntos Internos.”
4 comentários sobre “Em briga por política, policial bolsonarista espanca professor e é registrado como vítima no B.O.”
Abominável a atitude do policial. Conheço o Prof. Sérgio há muitos anos e se há algo que posso afirmar com absoluta segurança é que ele não é uma pessoa violenta e jamais tentaria agredir alguém com faca, principalmente tratando- se de diferenças de pontos de vista em relação á politica
Põe a arma na mão de uma pessoa desqualificada como essa, despreparada, e é isso o que dá. Como passou em um exame psicotécnico? Imagine o que não deve ser da família desse cidadão de bem, o que não deve passar. Muito bom exemplo de policial… xerox mal feita e depauperada do ídolo dele.
CRÉDITO TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL No dia em que o assassinato completou um ano, houve homenagem e protestos contra o fato do crime ainda não ter sido totalmente solucionado
O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes completa três anos neste domingo. A investigação do caso trouxe à tona diversas informações sobre o submundo do crime no Rio de Janeiro, mas não solucionou algumas das principais dúvidas sobre os homicídios.
Das três perguntas mais importantes — quem matou Marielle e Anderson, quem mandou matar Marielle e por que motivo —, apenas a primeira começou a ser respondida.
Depois de um ano de investigações, autoridades do Rio de Janeiro apontaram aqueles que teriam cometido os assassinatos. São eles o PM reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Elcio Queiroz, que havia sido expulso da corporação. Lessa e Queiroz ainda não foram julgados, mas foram denunciados pelo Ministério Público do Rio. As defesas negam que eles sejam os autores do crime.
Desde então, os responsáveis pela investigação não divulgaram avanços. Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, critica a falta de transparência sobre os obstáculos para a solução do crime. "Autoridades dizem que é um caso complexo, mas por quê? (...) Tem muita gente preocupada com essa aparente ineficiência", diz ela.
O Rio de Janeiro é um dos Estados onde menos homicídios são solucionados — apenas 11% deles, segundo estudo do Instituto Sou da Paz. Mas, por ser crime político, a complexidade de sua investigação vai além dos problemas típicos de solução de mortes no Rio.
A Polícia Civil, por sua vez, respondeu à reportagem afirmando que não comenta possíveis erros de gestões passadas e que seu foco é a busca de novas provas e linhas de investigação.
"Inclusive, a Polícia Civil destacou um delegado da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) e uma equipe, que estão exclusivos no caso. Só este ano essa equipe, que trabalha alinhada com o Ministério Público (MP), já realizou mais de 100 diligências", declarou, em nota, a instituição.
Relembre os percalços do caso até aqui e saiba como, na visão de especialistas em segurança pública, eles dificultam a descoberta da motivação e dos possíveis mandantes do crime — e o que poderia ser feito para o caso avançar.
CRÉDITO GETTY IMAGES Assassinato de Marielle gerou revolta no país todo
Fragilidades da investigação
Especialistas apontam que as autoridades cometeram erros básicos na investigação em seu primeiro ano, o que prejudicou o trabalho.
Dispensaram testemunhas, por exemplo. Segundo o jornal O Globo, duas pessoas que estavam no local do crime foram orientadas a se afastar e não foram convocadas naquele momento para prestar depoimento. Foram convocadas pela polícia após a publicação da reportagem.
Também houve problemas relativos à coleta e processamento de imagens de câmeras de segurança, como o próprio delegado que foi o primeiro responsável pelo caso, Giniton Lages, disse em depoimento à Justiça revelado pela Folha de S.Paulo.
Segundo seu relato, sua equipe tinha imagens que mostravam o percurso do carro em que estavam os executores do crime — mas apenas a partir de um certo ponto, o bairro do Itanhangá, próximo à Barra da Tijuca.
As imagens não permitiam acompanhar o veículo desse local até o início da orla da Barra da Tijuca.
Meses depois, a polícia recebeu a informação sobre de onde o carro teria partido, uma região conhecida como Quebra-Mar, que fica justamente no início da orla da Barra da Tijuca. Ao revisitar o material coletado pelas câmeras, os agentes perceberam que havia um empecilho técnico que os impedia de avançar na leitura das imagens.
"Revisitaram o banco de imagens, reprocessaram a imagem, descobriram que tinha um problema, colocaram numa ferramenta que era capaz de ler aquela tecnologia, que era ultrapassada, ela leu e o carro se revelou", disse Lages.
Quando os agentes se deram conta disso, voltaram ao Quebra-Mar e à avenida da orla, onde fica o condomínio de Ronnie Lessa, mas as câmeras não tinham mais as imagens do dia do assassinato.
"Muito provavelmente nós íamos pegar o momento em que entraram no carro (...) Isso é um fato, não há como negar isso", afirmou.
Na opinião de Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, que produz relatórios sobre a apuração de homicídios no Brasil, "existe de fato um padrão de baixa qualidade de investigação. Mas esses são erros básicos, graves e, pela seriedade e importância do caso, não poderiam acontecer".
CRÉDITO TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL Lessa e Queiroz foram denunciados à Justiça como autores do crime pelo Ministério Público do Rio de Janeiro
Desvios e contradições
Até chegar aos acusados, a investigação sofreu um grande desvio de rota e suspeita de fraude. Por muitos meses, a principal linha de apuração buscava verificar se o assassinato teria sido cometido pelo ex-policial Orlando Oliveira de Araújo, conhecido como Orlando de Curicica, a mando do vereador Marcello Siciliano (PHS).
Essa linha começou a ser perseguida quando o policial militar Rodrigo Jorge Ferreira prestou depoimento à Polícia Civil dizendo que teria visto os dois conversando sobre o assassinato e que Orlando teria matado Marielle a mando de Siciliano.
Ferreirinha, como é conhecido, dizia que o motivo seria que Marielle estaria atrapalhando negócios ilegais de Siciliano na zona oeste do Rio, reduto da milícia.
Essa linha não prosperou. Mais tarde, ele admitiu à Polícia Federal que o testemunho era falso, segundo o portal UOL. Ferreira e sua advogada foram denunciados pelo Ministério Público por obstrução de justiça.
Orlando foi ouvido pelo Ministério Público Federal. Ele negou ter cometido o crime e disse que teria sido pressionado a confessá-lo pela Polícia Civil. Disse também que haveria na corporação um esquema de corrupção para impedir que investigações de homicídios ligadas ao jogo do bicho e à milícia fossem adiante. Foi em parte com base nisso que a então Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, pediu que a investigação dos mandantes ficasse a cargo da Polícia Federal, algo que foi posteriormente negado pelo Supremo Tribunal de Justiça, que entendeu que as autoridades estaduais apuraram o caso devidamente.
É consenso entre aqueles que estudam homicídios no Brasil que as investigações costumam se basear muito em testemunhos. Ludmila Ribeiro, socióloga da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) que coordena pesquisas sobre homicídios, avalia que, mesmo que os investigadores estejam empenhados em solucionar o caso, o envolvimento de pessoas ligadas à polícia no caso torna a corporação vítima dos seus próprios métodos.
"Os autores do crime sabem os métodos investigativos da polícia, portanto parece haver um uso racional de testemunhas para confundir e fazer os investigadores baterem cabeça", diz ela.
Dúvidas sobre depoimento de porteiro
No final de outubro de 2019, o Jornal Nacional divulgou uma informação que gerou mais tumulto na investigação.
Segundo a TV Globo, um porteiro do condomínio Vivendas da Barra, onde morava Ronnie Lessa e onde o presidente Jair Bolsonaro tem casa, teria dito em depoimento que, no dia do crime, Élcio Queiroz esteve ali e disse, ao chegar, que iria à casa de número 58, que pertence ao presidente.
Ao receber Élcio na guarita, o porteiro ligou para a casa 58 para confirmar se o visitante poderia entrar, e alguém na residência autorizou a entrada do veículo. Em dois depoimentos à Polícia Civil do Rio, o porteiro disse ter reconhecido a voz de quem atendeu como sendo a do "Seu Jair", segundo o Jornal Nacional. Jair Bolsonaro estava em Brasília naquele dia.
O porteiro disse, segundo a reportagem, que acompanhou Élcio pelas câmeras de segurança e viu que seu carro tinha ido para a casa 66, onde morava Lessa. Diante disso, ligou de novo para a casa 58, e ouviu da pessoa que atendeu que ela sabia para onde Élcio estava indo. Além desse depoimento, o caderno de registro da portaria mostra o número da casa de Jair Bolsonaro ao lado da placa do carro do visitante.
Segundo o Ministério Público, provas periciais do áudio da chamada da portaria, que mostra, segundo o órgão, que Élcio teria ido para a casa de Lessa e teria sido o próprio a autorizar sua entrada. No entanto, entidades de perícia questionaram a qualidade técnica desse laudo. O inquérito sobre o depoimento segue sob sigilo.
CRÉDITO EPA A mãe de Marielle, Marinete Silva (à dir.), ainda clama por Justiça
Mudanças nas equipes
Na Polícia Civil, a investigação já foi chefiada por três delegados diferentes, o que pode também ter atrasado o andamento do caso.
Giniton Lages ficou à frente por cerca de um ano e foi responsável, junto com o Ministério Público, pela prisão dos suspeitos de cometer o crime. Logo após a denúncia contra os suspeitos, Lages foi substituído por Daniel Rosa, que ficou no cargo por mais de um ano. À época, o então governador Wilson Witzel disse que ele "encerrou uma fase" e que seria enviado para a Itália para participar de um programa de intercâmbio sobre a máfia. Em setembro de 2020, Moisés Santana assumiu a investigação.
Para especialistas, essas mudanças devem ocorrer apenas se ficar claro que a pessoa responsável não dá conta de fazer o caso avançar. Do contrário, são desvantajosas, pois a cada troca é preciso que a pessoa responsável se familiarize com os detalhes da investigação para então buscar possíveis caminhos de apuração.
Segundo Ludmila Ribeiro, da UFMG, que pesquisa homicídios, estudos internacionais dão conta de que a estabilidade da equipe é fator essencial para a solução de homicídios.
As trocas também preocupam os parentes de Marielle. No entanto, Marinete Silva, mãe de Marielle, diz que tem conversado com o atual delegado à frente do caso e que sente que ele está comprometido e fazendo um bom trabalho.
No Ministério Público, o caso também trocou de mãos. No início, estava sob a responsabilidade de Homero das Neves Freitas Filho. Meses depois, foi posto a cargo das promotoras Simone Sibilo e Letícia Emile, que estão ainda à frente do caso.
Ainda no MP, em novembro de 2019, uma promotora que estava envolvida no caso — Carmen Eliza Bastos de Carvalho — se afastou depois que a imprensa veiculou postagens em suas redes sociais em apoio ao presidente Jair Bolsonaro, além de uma foto com Rodrigo Amorim, deputado estadual pelo PSL do Rio que quebrou placa em homenagem à vereadora.
Carmen não participou da investigação, segundo o MP, mas passou a atuar na ação penal em que Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são réus.
A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público diz que é vedado aos membros do MP "exercer atividade político-partidária". Ao se afastar, a promotora disse que tinha feito isso voluntariamente por respeito aos pais das vítimas.
CRÉDITO VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL Marielle foi assessora do deputado Marcelo Feixo até ser eleita em 2016
Problemas de controle de armas e munição
A perícia da Polícia Civil do Rio concluiu que a arma usada no crime foi a submetralhadora HK MP5. Essa arma é usada por algumas forças especiais de polícia e pela Polícia Federal. A investigação não apontou até o momento a origem da arma.
A munição usada no crime foi desviada da Polícia Federal, mas ainda não se sabe como isso aconteceu. O lote UZZ18 havia sido vendido à corporação em 2006. O lote tinha 1,8 milhão de balas, muito além do permitido por lei, que é 10 mil. A fiscalização é de responsabilidade das Forças Armadas.
Na avaliação das especialistas do Instituto Sou da Paz, um lote do tamanho do que foi usado torna impossível seu rastreamento. Portanto, além de expor o problema de desvio de dentro da corporação, o caso mostra também como a falta de monitoramento traz consequências graves, dizem.
A PF anunciou no mês dos assassinatos que abriria um inquérito para investigar a origem das munições, mas até o momento não divulgou seu resultado.
O que falta?
A afirmação mais forte que uma autoridade fez até o momento sobre suspeitos da encomenda do crime veio da então procuradora-geral da República Raquel Dodge. Em seus últimos dias no cargo, em setembro de 2019, Dodge denunciou o político do MDB e conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE/RJ) Domingos Inácio Brazão e outras quatro pessoas por suspeita de envolvimento nos homicídios, entre eles, um policial federal aposentado, um policial militar e um delegado federal.
Ela dizia que Brazão teria atuado para plantar a versão do assassinato que dava conta de que o crime teria sido encomendado por Siciliano. Para Dodge, Brazão teria feito isso porque, desde que fora afastado do TCE e preso na Operação Quinto do Ouro, que prendeu integrantes do tribunal sob suspeita de corrupção, Brazão "vinha perdendo terreno em importantes redutos eleitorais para o vereador (Siciliano)".
A denúncia diz que Brazão tem ligação com as milícias do Rio e seria o verdadeiro mentor do crime. É, diz o texto, "de conhecimento público que sua ascensão política se desenvolveu nas últimas décadas em franca sinergia com o crescimento das milícias e sua projeção nesses territórios do crime".
Brazão teria conexão com o grupo de milicianos conhecido como Escritório do Crime, matadores de aluguel, e possivelmente envolvidos nos assassinatos.
No entanto, não está claro qual seria a relação entre Brazão e os acusados de executar o crime, tampouco se sabe qual seria a motivação dele para desejar a morte da vereadora. Uma hipótese é que fosse uma retaliação contra o PSOL, partido de Marielle, pelo fato de o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) ter agido, quando era deputado estadual, para impedir a posse de Edson Albertassi, seu correligionário no MDB, como conselheiro do TCE. Brazão nega qualquer envolvimento com o crime.
Freixo presidiu a CPI das Milícias instaurada em 2008 na Assembleia Legislativa do Rio e, desde então, passou a receber diversas ameaças de morte. O relatório final da investigação pediu o indiciamento de mais de 200 políticos, policiais, agentes penitenciários, bombeiros e civis. Antes de ser eleita, em 2016, Marielle foi assessora do deputado.
Segundo a professora Ludmila Ribeiro, da UFGM, que pesquisa homicídios no Brasil, o que falta para o crime ser solucionado é uma maior coordenação entre investigadores e mudanças que indiquem que o caso é prioritário, como, por exemplo, a criação de forças-tarefa.
Três anos após o crime, o Ministério Público do Rio anunciou, no último dia 4 de março, que criaria uma.
"Para mim, foi tempo demais", diz Agatha Arnaus, que era casada com Anderson Gomes. Anielle Franco, irmã de Marielle, vê a criação do grupo com bons olhos e diz que confia no trabalho das promotoras à frente do caso.
Natália Pollachi, coordenadora de projetos do Sou da Paz, diz que um caminho a ser perseguido pelos investigadores seria o financeiro. Um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou que foi feito um depósito de R$ 100 mil na conta de Ronnie Lessa alguns meses após o crime.
Freixo (PSOL), que acompanha as investigações, não dá detalhes do caso, mas se diz otimista sobre a perspectiva de identificação de mandantes.
"Minha opinião mudou para melhor. O Rio de Janeiro tem uma complexidade grande. O caso mexeu numa estrutura criminosa muito profunda. Foi um tampão que, quando aberto, revelou um esgoto. O crime dela não foi resolvido, mas muita coisa foi atingida. Revelou-se o Rio de Janeiro profundo", diz o deputado.
"Desse Rio, contradições podem gerar informações importantes que façam chegar aos mandantes. Não posso dar detalhes, mas tenho confiança de que a atual delegacia tem vontade de chegar lá e no trabalho que vem sendo feito."
Ao participar de um evento na Flórida, Estados Unidos, nesta segunda-feira 9, Jair Bolsonaro desacreditou o TSE e disse ter provas de que foi eleito no primeiro turno nas eleições de 2018.
“Eu acredito que, pelas provas que tenho nas minhas mãos e que vou mostrar brevemente, eu fui eleito em primeiro turno, mas no meu entender houve fraude”, declarou.
A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, sem citar o nome de Bolsonaro, reagiu nesta terça-feira, 10, à gravíssima acusação:
"Ante a recente notícia, replicada em diversas mídias e plataformas digitais, quanto a suspeitas sobre a lisura das eleições 2018, em particular o resultado da votação no 1º turno, o Tribunal Superior Eleitoral reafirma a absoluta confiabilidade e segurança do sistema eletrônico de votação e, sobretudo, a sua auditabilidade, a permitir a apuração de eventuais denúncias e suspeitas, sem que jamais tenha sido comprovado um caso de fraude, ao longo de mais de 20 anos de sua utilização.
Naturalmente, existindo qualquer elemento de prova que sugira algo irregular, o TSE agirá com presteza e transparência para investigar o fato. Mas cabe reiterar: o sistema brasileiro de votação e apuração é reconhecido internacionalmente por sua eficiência e confiabilidade. Embora possa ser aperfeiçoado sempre, cabe ao Tribunal zelar por sua credibilidade, que até hoje não foi abalada por nenhuma impugnação consistente, baseada em evidências.
Eleições sem fraudes foram uma conquista da democracia no Brasil e o TSE garantirá que continue a ser assim."
Por Charles Alcantara O endosso maldisfarçado à tentativa de homicídio contra o senador Cid Gomes e ao motim de policiais no Ceará não são atos irrefletidos ou irresponsáveis do clã Bolsonaro. São um movimento calculado para avançar num projeto cada vez mais evidente: o de instaurar um governo autocrático.
Acontece que esse projeto não se viabiliza sem o engajamento efetivo das forças armadas e do seu braço auxiliar e mais numeroso e capilarizado: as polícias militares.
Bolsonaro, seus filhos e militares do núcleo duro do governo já colocaram em marcha esse projeto.
Os sinais estão aí, todos os dias e noites, evidentes, gritantes.
Primeiro, a adesão do braço armado; ato contínuo, um soldado e um cabo bastam para submeter o Congresso e o Supremo. Depois, a caça (sem aspas) aos opositores, sindicalistas e críticos.
Não será possível fazer o serviço completo de desmontar o serviço público e o Estado Social de Direitos, sem dinamitar os pilares que restam do regime democrático e sem, portanto, implementar um estado policial/miliciano.
Até mesmo do ponto de vista da sobrevivência e da liberdade do clã, em face do aumento da percepção na sociedade de seu envolvimento com milicianos, é necessário criar o caos, para que se justifique a instauração da ordem.
A entrada em cena da versão bolsonariana das SA (as “tropas de assalto”) que espalhou o pânico nas ruas de Sobral-CE na manhã da última quarta-feira, 19, antes portanto dos tiros desferidos contra Cid Gomes, serve bem ao propósito de criar o caos justificador do endurecimento do regime.
A alegria e a liberdade que tomam as ruas do país durante o carnaval podem estar com os dias contados. Pode ser o nosso último carnaval com liberdade de expressão, ao menos por um período.
A quarta-feira de cinzas pode não ser apenas o fim de uma quadra momesca, mas o fim do ciclo histórico inaugurado com a Carta de 1988.
O mês de março, penso, será decisivo para os rumos do nosso país.
Ou saímos às ruas, ou seremos trancafiados em casa ou em celas - quando não, enterrados em covas - por um longo período.
- Ah, mas quanto exagero! - certamente alguns haverão de dizer.
- Ah, o Bolsonaro é um um cara sincero, brincalhão e bem intencionado - muitos disseram, antes e ainda hoje.
Pois digo a esse magnífico povo brasileiro, tão espirituoso e brincalhão:
"O senador Cid Gomes foi baleado por uma arma de fogo na tarde desta quarta-feira (19), em Sobral. Neste momento, o senador passa por estabilização no Hospital do Coração de Sobral e será transferido para a Santa Casa de Misericórdia de Sobral", diz nota da assessoria do senador.
Os disparos ocorreram no momento em que o senador tentava invadir, com uma retroescavadeira, um quartel da Polícia Militar que estava ocupado por manifestantes. Momentos antes, Cid fez um discurso com críticas ao movimento de paralisações deflagrado nas últimas horas pela Polícia Militar do Ceará. “Eu vim aqui defender a paz e a tranquilidade do povo de Sobral. Ninguém será chantageado, ninguém deixará de trabalhar, de abrir suas portas e caminhar com tranquilidade em Sobral”, disse o senador.
“Uma coisa é se amotinarem em um local, outra são os próprios que deveriam defender a paz e a tranquilidade serem eles próprios os incitadores da violência. Eu tô aqui desarmado, e vou enfrentar quem armado estiver, sob o custo da minha vida. Mas ninguém vai fazer o que esses bandidos estão fazendo aqui em Sobral”.
Qualquer que seja a verdade sobre a conversa de portaria no condomínio Vivendas da Barra, cabe não perder de vista o essencial.
Um ano e oito meses depois, o assassinato de Marielle Franco e de Anderson Gomes segue à espera de esclarecimentos capazes de levar ao julgamento e punição de responsáveis -- não apenas os operadores de ponta, mas os mandantes graduados.
A morte da vereadora do PSOL, em 18 de março de 2018, é o grande crime político ocorrido na estrada torta que conduziu uma democracia já esfrangalhada pelo impechament para um período de perseguição aberta e violência à espreita. A evolução dos acontecimentos tem uma cronologia clara.
Um mês antes da morte de Marielle, Michel Temer assinou o Estado de Emergência no Rio de Janeiro, entregando o segundo maior estado brasileiro, subjugado pelo poder paralelo das milícias, ao comando das Forças Armadas.
Um mês depois do assassinato, como se fosse uma sequência natural, Lula seria conduzido de helicóptero para a cela de Curitiba. Depois do assassinato impune, passou-se à prisão sem prova.
Em agosto, por 6 votos a 5, o Supremo decidiu que o candidato favorito ao pleito presidencial estava fora da campanha, decisão sacramentada por um tuíte do então comandante do Exército, general Villas Boas. Em janeiro de 2019, quando tomou posse, Bolsonaro reconheceu em voz alta que o general fora um dos responsáveis por sua chegada à Presidência.
A história brasileira ensina que a preservação do esquema criminoso que assassinou Marielle e acobertou as responsabilidades maiores é parte essencial de mudanças recentes que ameaçam direitos e garantias conquistados com tantas dificuldades.
Acima de qualquer direito civilizatório, o segredo deve ser preservado de qualquer maneira. É o que se aprende nos manuais de guerra revolucionária dos professores da ditadura, heróis do presidente da República, que usavam até codinomes para dar choques e conduzir cidadãos indefesos para o pau-de-arara.
Quando foi possível acender luzes naquela indizível escuridão, diminuíram os crimes mais infames, a barbárie mais violenta, as atitudes mais hediondas. Nem tudo foi esclarecido, nenhum carrasco foi julgado, o que é uma lástima.
Ainda assim, por três décadas o país teve direito a encontrar-se consigo mesmo, curar dores agudas, alimentar esperanças.
Examinada em retrospecto, única forma de se compreender a História de um povo, a operação que assassinou Marielle Franco e Anderson representa uma tentativa de fazer a história andar para trás.
Está inteiramente ligada ao que veio depois. É preciso que seja esclarecida, para que a roda da história retome seu curso.
247 - Segundo Leandro Demori, editor executivo do Intercept Brasil, "a ONU está preocupada com os ataques que o Intercept Brasil vem sofrendo e escreveu ao governo brasileiro sobre a urgência de garantir nossa proteção, punir os responsáveis pelas ameaças e prevenir uma possível tragédia", escreveu nesta quarta-feira (4).
Demori conta que na terça-feira (3), o jornalista Jamil Chade divulgou uma carta enviada ao Itamaraty pelo relator das Nações Unidas para a proteção do direito à liberdade de opinião, David Kaye, mas que "o governo Bolsonaro não deu a menor bola".
"Recebemos essa notícia na redação com muita preocupação, mas ao mesmo tempo agradecidos por saber que as autoridades internacionais estão de olho no que acontece por aqui (...). Kaye escreveu ao governo brasileiro para comunicar que tomou conhecimento de uma série de ameaças contra o Intercept Brasil após as primeiras publicações da #VazaJato. Por esta razão, o relator se disse profundamente preocupado com a minha segurança e a de Glenn Greenwald, cofundador e colunista do Intercept, de sua família e dos demais membros da nossa redação", relatou Demori.
Kaye escreveu que "se os fatos alegados estiverem corretos, constituem uma clara violação dos artigos 19 e 2 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil é signatário desde de 24 de janeiro de 1992. Manifesto, sobretudo, minha preocupação com a hostilidade de membros do Senado e do governos contra as pessoas mencionadas em reação às revelações feitas por elas".
Demori conta que desde o início da série de reportagens da #VazaJato, em junho de 2019, ele e equipe do Intercept foram "obrigados a tomar novas medidas de cautela e investir pesado em nossa segurança física e digital. É uma tristeza que isso seja necessário, mas sabemos que Brasil é um dos países mais perigosos no mundo para jornalistas. Aqui, a verdade mata. E desde que o governo atual decidiu enquadrar a imprensa — e a Constituição Federal — entre seus principais inimigos, este cenário apenas piorou".
Nas vésperas de deixar a Procuradoria-Geral da República, Raquel Dodge resolveu meter o bedelho no Caso Marielle Franco, qual seja, no assassinato da vereadora do PSL do Rio e de seu motorista, Anderson Gomes, em 2018, cuja autoria ainda é uma incógnita.
A procuradora-geral pediu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) a íntegra do inquérito policial instaurado para apurar possíveis irregularidades na investigação dos covardes assassinatos da parlamentar e de seu assessor.
O em que Raquel Dodge se enfia nesse imbróglio coincide com a crise na Polícia Federal do Rio, aberta depois da intervenção do presidente Jair Bolsonaro (PSL) nas investigações da corporação que envolvem além da morte de Marielle e de Anderson a conexão entre seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o Caso Queiroz, com a milícia no estado fluminense.
“O fundamento para este pedido só pode ser analisado diante de evidências que foram coligidas no inquérito instaurado para verificar se havia o desvio ou deficiência na investigação. Além disso, há ainda indícios de envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro junto ao STJ”, justificou a procuradora-geral da República.
De acordo com a Constituição Federal, compete a ela, procuradora-geral, verificar eventual pedido de deslocamento de competência das investigações. Dodge suspeita que a apuração original foi direcionada para inocentar mandantes dos assassinatos.
Marielle e Anderson foram assassinados em 14 de março do ano passado, portanto, há um ano e meio. Mas até agora os mandantes não foram identificados e nem foram tomadas medidas para a responsabilização criminal dessas pessoas, diz a PGR.
“Passados quase seis meses da denúncia e praticamente um ano e meio dos crimes, não se têm notícias da identificação dos mandantes e nem de providências para a responsabilização criminal dessas pessoas. A impunidade dos mandantes é manifesta”, destaca a procuradora-geral.
Para a procuradora-geral da República, há indícios da autoria intelectual [do crime] de pessoa com prerrogativa de foro perante a corte.
“A negativa de acesso aos dados de investigação coligidos por requisição da própria PGR mantém o grave estado atual de incerteza em relação aos mandantes do crime, tornando perene a conclusão de que a morte da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes foi mero crime de ódio”, afirma Raquel Dodge.
ConJur - A fala do presidente Jair Bolsonaro sobre o pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, atenta não só contra a dignidade do cargo, mas também contra a moralidade a que estão sujeitos os ocupantes de cargo público. A afirmação é do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS).
Na segunda-feira, Bolsonaro usou o assassinato do pai do advogado, durante a ditadura militar, para criticar a OAB.
Em nota desta quinta-feira (1º/8), o Instituto lembra que a Constituição Federal e diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, "repudiam a ofensa aos direitos e garantias fundamentais, assim como a tortura e a apologia à tortura".
"Cabe recordar, ainda, que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2010, condenou o Estado brasileiro, dentre outras violações, pela afronta à preservação da dignidade do corpo de perseguidos políticos", diz o Instituto.
Abominável a atitude do policial. Conheço o Prof. Sérgio há muitos anos e se há algo que posso afirmar com absoluta segurança é que ele não é uma pessoa violenta e jamais tentaria agredir alguém com faca, principalmente tratando- se de diferenças de pontos de vista em relação á politica
Ahammmm
Muito assustador! Sempre novas situações para intimidar quem não defende esse desgoverno.
Põe a arma na mão de uma pessoa desqualificada como essa, despreparada, e é isso o que dá. Como passou em um exame psicotécnico? Imagine o que não deve ser da família desse cidadão de bem, o que não deve passar. Muito bom exemplo de policial… xerox mal feita e depauperada do ídolo dele.