No relatório de 75 páginas, lançado no Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, em 30 de agosto, a Artigo 19 busca expor o quanto o acesso aos arquivos nacionais públicos pode ser mais ou menos determinante para o reconhecimento e superação da ocorrência sistemática de violações dos direitos humanos no passado. O documento relaciona a questão à violência contra povos negros e indígenas no contexto brasileiro, mas também situa aspectos mais recentes, como a repressão durante a ditadura militar e o que chama de ‘violência embranquecedora’, que ainda é perpetrada contra as populações brasileiras não-brancas.
A Artigo 19 expressa no relatório que compreende o direito à informação como um direito humano fundamental, mas também de caráter instrumental, uma vez que passa por este a necessária efetivação de outros direitos. Em Direito à Informação: memória e verdade, a organização aponta a vinculação entre o direito à informação e o direito à verdade; sendo este entendido como a obrigação do Estado de publicizar informações sobre violações de direitos humanos ocorridas a qualquer tempo e que sejam relevantes para a reparação e o acesso à justiça.
Essa exposição da ‘verdade histórica’ teria, portanto, a pretensão de superar o negacionismo e o revisionismo, reclamando uma reescrita da história, mas também, reivindicando o redesenho de políticas públicas e superando a impunidade fincada no colonialismo e que ainda corrompe o sistema social, político e de justiça no Brasil.
Brasil profundo
E antes de ‘torcer o nariz’ para as questões aqui colocadas, carecemos de lembrar que há pouco tempo o país teve como mandatário da Presidência da República e representante da extrema direita e elites oligárquicas, um Jair Messias Bolsonaro que, sem qualquer pudor, cometeu o disparate de afirmar em rede nacional, durante entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura), que “(…) se for ver a história realmente, os portugueses nem pisavam na África, os próprios negros que entregavam os escravos”.
Tamanho despropósito, para se dizer o mínimo, em um país que ainda engatinha e esbarra em vários obstáculos para promover dispositivos como a Lei 10.639/2003, que versa sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira na escola, que encarcera a população negra em massa, e que também é vergonhosamente um país em que mais se mata negras e negros, algo assim não poderia jamais ocorrer sem reprimendas. Mas, no Brasil profundo e, ao mesmo tempo, ‘raso’, ainda há quem diga que não existe racismo no país.
Quando transpomos o olhar para a questão indígena, não se pode esquecer da reiterada afirmação da primeira ministra dos Povos Indígenas da história do país, Sônia Guajajara, que sempre faz questão de enfatizar que “sem território, não existem povos indígenas”.
Para a Artigo 19, a preservação e acesso a documentos públicos no Brasil é essencial para passar essa história a limpo, uma vez que isso permitiria constatar como o Estado brasileiro tem agido nestes mais de 500 anos para promover ou contribuir para o esbulho das terras indígenas e, portanto, para o apagamento dessas identidades e extermínio de sua população.
Informar para superar
Assim como versa o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, profissionais do jornalismo, devidamente qualificados para o exercício da profissão com ética e compromisso social, devem atuar de maneira rigorosa na defesa dos direitos humanos e, por meio dessa, contribuir para o fortalecimento da democracia.
Dessa forma, considerando as 21 recomendações que a Artigo 19 faz a respeito do acesso às informações que se encontram em arquivos nacionais públicos, além de buscar esses dados para melhor contextualizar a oferta noticiosa à sociedade, o jornalismo pode e deve atuar para fortalecer esse sistema.
Uma atuação jornalística mais responsável e comprometida nesse sentido pode assegurar os meios para que as populações negras, quilombolas e indígenas possam reescrever suas histórias por si mesmas, mas também pode atuar: fiscalizando e vigiando o acesso aos arquivos públicos; divulgando a existência e o acesso a esses documentos; combatendo os obstáculos ao cumprimento da transparência no acesso a essas informações; cobrando medidas para promover a segurança informacional desses acervos; além de reivindicar a necessária redução da opacidade sobre os documentos de interesse público que se encontram em poder do Estado.
O jornalismo enquanto forma de conhecimento ancorada no presente e atravessada por contradições (GENRO FILHO, 1987), não pode se furtar à responsabilidade de lançar luz sobre o passado colonialista brasileiro e que, lamentavelmente, ainda chancela o silenciamento de vozes como a de Mãe Bernadete e, do grito sufocado dos nossos povos originários.
É preciso que se reconheça a violência historicamente praticada contra determinadas populações brasileiras, para que suas vítimas possam buscar e garantir a reparação destas, mas, principalmente, para que estas jamais voltem a se repetir.
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Referências:
CUNHA, Brenda. Et al. Direito à Informação: memória e verdade. 1ª Edição. São Paulo: Artigo 19, 2023.
GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Editora Tchê, 1987.
Confira um discurso histórico feito pela deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) na CPI do MST. De forma severa, didática e franca, a mais experiente parlamentar do Congresso (foi deputada constituinte em 1987 e 1988) mostra como as lideranças da extrema direita na CPI têm "preconceito profundo" aos pobres, enquanto naturalizam a representação das classes mais ricas e poderosas.
No 25 de julho celebramos o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, e em Salvador ocorreu a décima edição do inspirador Prêmio Mulheres Negras Contam Suas Histórias. O evento teve lugar no Salão Nobre da Faculdade de Medicina da Bahia. O prêmio enaltece mulheres negras que tem seus trabalhos reconhecidos e geram impacto transformador na vida das pessoas e sociedade e Lucinéia Durães, Sem Terra militante do MST, da coordenação nacional do movimento, foi uma das homenageadas com a premiação Mulheres Negras Contam Sua História.
Segundo Lucinéia Durães, homenagear uma camponesa e militante Sem Terra é reconhecer a importância da luta das mulheres rurais no conjunto das lutas enquanto classe trabalhadora para emancipação da sociedade. “Eu não tenho nenhuma dúvida essa é uma homenagem a cada uma das companheiras que estão acampadas fazendo a luta pelo direito de democratização do acesso à terra”, explicou.
“Essa homenagem é pra cada uma das companheiras assentadas que estão fazendo no dia a dia a produção de alimentos saudáveis. Para cada uma das nossas companheiras assentadas, acampadas, amigas que estão lado a lado conosco caminhando para a superação de todas as violências e para nós o processo de invisibilização das nossas trajetórias das nossas dores, das nossas lutas”, continuou Durães.
A premiação é um importante reconhecimento da luta e trajetória de mulheres que fazem a diferença na sociedade e na Bahia e o troféu é inspirado na divindade negra feminina e idealizado este ano pelo artista visual e designer Ricardo Franco.
“E é por isso que eu gostaria então de dizer que essa homenagem é uma homenagem ao coletivo de Mulheres Sem Terra de todo o nosso estado, de todo o nosso país. É um dia de muita honra, de muita alegria, mas não podemos esquecer cada companheira que trilhou conosco essa caminhada, cada companheira que doou sua vida nessa nossa luta pra construir esse coletivo que é o Movimento Sem Terra. Então, seguimos o exemplo e legado de Tereza de Benguela e de Maria Felipa e vamos nos aquilombando e organizando as nossas lutas diárias e vamos sonhando com um lugar melhor com um mundo possível que a gente vai construir”, finalizou a Sem Terra.
Vídeo 1: O Golpe civil-militar de 64 e a repressão aos camponeses 1. Repressão, resistência e organização camponesa até o início do século XX.
por Leonilde Servolo de Medeiros
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No Brasil, nos anos 50 e início dos anos 60, os conflitos no campo se generalizaram, adquirindo caráter nacional, não só no sentido de que em praticamente todos os estados do país se constatavam tensões de diferentes naturezas, mas principalmente porque esse foi o momento em que se constituiu uma nova identidade e uma linguagem comum que passaram a agregar, no plano político, diferentes tipos de trabalhadores, em regiões distintas, e em que se forjou uma bandeira de luta que aparecia como unificadora: a reforma agrária.
Nesse processo, a diversidade de situações no campo (“moradores”, “colonos”, “camaradas”, “parceiros”, “foreiros”, “arrendatários”, “posseiros”, etc.) passou a ser sintetizada nos termos “trabalhadores agrícolas”, “lavradores” ou “camponeses”. Essas categorias constituíram-se e distinguiram-se em contraposição às de “latifundiários” e “grileiros”, denominações que passaram a abranger todo um conjunto de relações que, como já foi indicado por Palmeira (1968) e Novaes (1987), não podem ser simplesmente reduzidas à dimensão da exploração econômica, mas recobrem também formas particulares e diversificadas de exercício da dominação.
Se, como aponta Martins, os termos usualmente utilizados para referenciar os que trabalhavam nos campos tinham um caráter depreciativo (Martins, 1981), considerando-se a esfera político-institucional, esses trabalhadores sequer chegaram a ser reconhecidos.[1]Predominava nessa esfera uma concepção genérica, produto de uma intensa disputa política que permeou os anos 30, que negava o estatuto de “classe” ao trabalhador rural. O debate de então procurava afirmar a impossibilidade de levar ao campo (por serem inadequadas) as divisões políticas entre “operários” e “patrões” que marcavam o mundo urbano (Stein, 1991). As intermináveis discussões em torno do que se poderia considerar como trabalhador no meio rural significou, em termos práticos, o não reconhecimento de direitos trabalhistas para o campo, a manutenção da regulação dos contratos de arrendamento e parceria no âmbito do Código Civil e a negação do direito de organização própria. Como aponta Gomes, analisando a constituição da cidadania e da identidade da classe operária, “o estatuto de trabalhador é que dá identidade social e política ao homem brasileiro, fato magistralmente materializado pela criação da carteira de trabalho e pela definição da vadiagem como crime” (Gomes, 1988: 26). Se esse ponto de partida é aceitável, o que estava em jogo nos anos 50 era o reconhecimento do estatuto do trabalhador também como profissão, conseqüentemente de reconhecimento como cidadão, para aqueles que o Estado e as entidades de representação patronal tentavam apresentar comohomens do campo,rurícolas, etc.
A emergência de uma nova linguagem é parte de um processo mais complexo de crítica às imagens tradicionais, ligadas ou à visão discriminatória apontada por Martins ou à de negação da existência de uma especificidade do trabalho no campo e, por esse viés, do reconhecimento de uma esfera própria de direitos, envolvendo quer as relações de trabalho propriamente ditas, quer a organização corporativa e política.
O aparecimento dessa nova linguagem e a constituição de uma identidade e imagem de classe, no entanto, não se fizeram num passe de mágica. Foram fruto de diferentes processos que se entrecruzaram. Envolveram o aguçamento dos conflitos em razão da ruptura com determinadas regras estabelecidas (por exemplo, corte do lote para plantio de alimentos, requisição considerada precoce das áreas arrendadas), a emergência de disputa pelo direito de acesso à terra (opondo aqueles que as utilizavam a novos personagens que aparecem dizendo-se proprietários e buscando expulsar os ocupantes), etc. Mas também diz respeito à potencialidade desses conflitos se fazerem conhecer na esfera pública (Arendt, 1987), arrebanharem apoios, gerarem alternativas organizativas com alguma durabilidade e à existência de canais de comunicação entre situações distintas que pudessem promover a formulação de pontos comuns.
Foram vários os caminhos através dos quais essas alterações se processaram: assembléias, reuniões, recurso à justiça (o que significa traduzir uma situação concreta em termos da linguagem legal, mais universal), manifestações públicas, congressos, etc.
Nosso objetivo, neste artigo, é refletir sobre uma das dimensões do processo de construção dessa nova imagemsobreeparaos trabalhadores do campo, realizada, em grande medida, mas não exclusivamente, pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), de forma a permitir a afirmação de sua presença política através da construção de uma linguagem própria, de caráter classista, de um perfil para os opositores na arena política, a conformação de rituais políticos próprios, etc.[2]Os efeitos desse processo no sistema político podem ser avaliados pela importância que a questão agrária assumiu nessa conjuntura.[3]Pretendo tratar, ainda que de forma apenas indicativa, da imprensa comunista. O ponto de partida é que, como o lembra Davis (1990), a palavra impressa, mais do que uma fonte de idéias e imagens, é mensageira de relações e afeta determinados ambientes, no caso em pauta, grupos mobilizados ou potencialmente mobilizáveis, para os quais os periódicos se voltavam prioritariamente.
A imprensa comunista
O PCB manteve no período que nos interessa uma imprensa ativa, editando regularmente um jornal de âmbito nacional, informativo e doutrinário,Voz Operária, que, a partir de 1959, foi substituído porNovos Rumos. Além desse, mantinha informativos de âmbito estadual/regional (Imprensa Popular,Hoje,Notícias de Hoje,Folha de Goyas, etc). Através desses jornais eram divulgadas análises políticas do que eram considerados os grandes temas nacionais, diretrizes do partido, matérias sobre o movimento comunista internacional, ampla cobertura sobre as lutas “operárias”. Apareciam também, com bastante regularidade, notícias sobre o campo. Descrições de condições de vida e trabalho, notícias de conflitos, etc. podem ser vistos como caminhos através dos quais, pouco a pouco, procurou-se fazer a socialização, para um público eminentemente urbano, que constituía a base do trabalho do PCB, das teses sobre as potencialidades transformadoras de uma aliança operário-camponesa e da bandeira reforma agrária, considerada como condição para a realização de uma revolução de caráter “democrático-burguês”, uma das principais metas do partido.[4]
Dentre os instrumentos da imprensa comunista, ganha destaque, no que se refere ao tema que aqui procuramos destacar, o jornalTerra Livre, principal instrumento escrito de propaganda das bandeiras do PCB entre os trabalhadores do campo e de apoio às lutas desenvolvidas por esse segmento. Esse periódico começou a ser editado em maio de 1949, numa conjuntura de intensa repressão sobre o “movimento camponês”, que então pipocava em diversos pontos do país e em diferentes frentes de luta.
A função doTerra Livre, segundo Nestor Veras,[5]era orientar os movimentos emergentes. O seguinte depoimento desse dirigente, referindo-se aos primeiros momentos do jornal, é ilustrativo das dificuldades encontradas para sua consolidação: “Ensinando os direitos, combatendo a injustiça e denunciando os exploradores nacionais e estrangeiros,Terra Livretornou-se o centro das perseguições policiais no campo. Muitas buscas, com invasões de casas, nas fazendas de café, usinas de açúcar e em outros latifúndios foram realizadas... Mas nada conseguiram com isso: o jornal continuava a circular. Não tinha redação fixa e sua remessa era feita cada vez de um lugar diferente e por um meio também diferente. Enrolado com os impressos, costurado em algodãozinho como qualquer objeto, enviado uma hora por correio, outra por trem, assim o jornal foi se firmando e crescendo...” (TL, 122, mai. 63, Supl. Especial, p. 3).
Embora o público a quem oTerra Livrese dirigia fosse majoritariamente analfabeto, estimulava-se a sua leitura em pequenos grupos onde, quem fosse alfabetizado, deveria ler em voz alta para os demais. Eram constantes as mensagens existentes no jornal nesse sentido. Segundo Elizabeth Teixeira, liderança camponesa da Paraíba, ela mesma assim procedia na Liga Camponesa de Sapé[6]. Dessa forma, é importante considerar que o próprioleitor(ou, talvez melhor se dissesse, otradutor) não era qualquer um, mas alguém de destaque, uma liderança, capaz de gerar legitimidade à nova mensagem que a palavra impressa trazia. Acreditamos ser possível também afirmar que havia nos grupos leitores do jornal uma certa propensão para a adesão às novas idéias, pela sua própria inserção política (segmentos mobilizáveis e mobilizados por quadros do PCB) e é nesse sentido que ela ganha eficácia enquanto mensagem nova, que institui uma nova linguagem e novas relações (Davis, 1990). Continua
Vídeo 2: O Golpe civil-militar de 64 e a repressão aos camponeses 2. Lutas camponesas no pós-guerra e o PCB. Leonilde Servolo de Medeiros, Professora Doutora em Ciências Sociais no Programa em Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento
Sâmia Bonfim enumerou os crimes pelos quais o ex-ministro do Meio Ambiente é investigado, entre eles corrupção e prevaricação; ela teve o microfone cortado e questão de ordem foi considerada “subjetiva” pelo presidente da comissão
porBruno Stankevicius Bassi
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Composta majoritariamente por membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi instalada na última quarta-feira (17) na Câmara. A CPI, que pretende criminalizar a luta pela terra no Brasil, será presidida pelo deputado Tenente-coronel Zucco (Republicanos-RS) e terá como relator o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL-SP) — ambos membros ativos da frente ruralista.
Salles toma posse como relator da CPI do MST. (Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)
Responsável por “passar a boiada” durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), Salles é um dos nomes mais questionados da CPI por sua relação explícita com o poder econômico e pelo beneficiamento escancarado de infratores ambientais, conforme descrito pelo De Olho nos Ruralistas em relatórios e reportagens ao longo dos últimos anos: de sua ascensão política patrocinada pelo empresário David Feffer, daSuzano, ao financiamento de campanha por usineiros e madeireiros beneficiados por sua gestão à frente doMinistério do Meio Ambiente, transformado por Salles em um balcão de negócios, como mostrou o dossiêAmbiente S/A.
Os conflitos de interesses em série foram citados pela deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP), durante asessão inauguralda comissão, para tentar impedir a posse de Salles na relatoria.
Logo após o ex-ministro ser chamado para compor a mesa diretora, a parlamentar apresentou uma questão de ordem baseada no artigo 5º, inciso VIII, doCódigo de Éticada Câmara, que impede que parlamentares relatemmatérias “de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuídopara o financiamento de sua campanha eleitoral“.
Na justificativa, Sâmia enumerou os crimes de corrupção, prevaricação, advocacia administrativa e organização criminosa, pelos quais Salles responde no Supremo Tribunal Federal (STF). O caso se refere ao envolvimento do ex-ministro em um esquema de tráfico de madeira ilegal no Pará, revelado pelaOperação Akuanduba, da Polícia Federal.
Na sequência, a deputada cita a apuração desteobservatóriosobre os financiadores de campanha de Salles, mas teve o microfone cortado. A questão de ordem foi dispensada pelo presidente da CPI, que a considerou “subjetiva”.
Confira abaixo, o vídeo da série De Olho no Congresso que aponta quem são os patrocinadores do relator da CPI do MST:
BANCADA RURALISTA REALIZA SONHO ANTIGO E DOMINA A CPI DO MST
A criação de uma CPI para criminalizar as ocupações de latifúndios por camponeses sem terra, indígenas e quilombolas era um sonho antigo da FPA. Desde o governo de Michel Temer (MDB), líderes ruralistas tentam, sem sucesso, emplacar a comissão.
Com Bolsonaro, a perseguição viria através do governo federal, que — em plena pandemia de Covid-19 — enviou a Força Nacional de Segurança Pública para reprimir militantes doMSTno Sul da Bahia e daLiga dos Camponeses Pobresem Rondônia. Sob a batuta do ex-secretário de Assuntos Fundiários Nabhan Garcia, aquele governo promoveu o maior programa de reconcentração fundiária da história recente: oTitula Brasil, que distribuiu mais de 300 mil títulos individuais, em uma modalidade que permite a venda da terra para terceiros. Especialistas ouvidos à época pelo De Olho nos Ruralistas, afirmam que, a longo prazo, o processo deve levar a um enfraquecimento dos assentamentos da reforma agrária no país.
Frente ruralista lançou campanha para criminalizar ocupações de terras no Brasil. (Imagem: FPA)
Após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em outubro, as atenções da FPA voltaram-se novamente à CPI. Por meio do Instituto Pensar Agro (IPA), braço logístico que liga os parlamentares aos empresários do agronegócio, a frente ruralista impulsionou uma campanha nas redes sociais para atacar camponeses e indígenas. A “Semana do Combate à Invasão de Terras” foi lançada poucos dias antes do início do Abril Vermelho, mês em que o MST promove ações de solidariedade, encontros e também ocupações de latifúndios improdutivos e escritórios públicos, para pautar a reforma agrária.
Olobbyruralista deu resultado: em 26 de abril, o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) — ele próprio um membro da FPA — acatou o requerimento do deputado Tenente-coronel Zucco, dando autorização para a CPI ser instalada.
Além de Zucco na presidência e Ricardo Salles na relatoria, a comissão conta com outros 28 membros da FPA. Entre os 25 titulares já designados pelos respectivos partidos, 16 são integrantes da bancada ruralista. Faltam ainda duas nomeações: do Podemos e do PSB. Dos 19 suplentes conhecidos, doze pertencem à frente.
A lista inclui onze dirigentes da FPA. Dois deles são membros da mesa diretora: o “vogal” Kim Kataguiri (União-SP) — cargo equivalente ao de conselheiro — e o vice-presidente da frente na Câmara Evair de Melo (PP-ES). Eles ocupam a 1º e a 3ª vice-presidência da CPI. O segundo posto da comissão está com o Delegado Fabio Costa (PP-AL), ruralista e membro da “tropa de choque” de Arthur Lira na Câmara.
Além deles, figuram entre os titulares: Caroline de Toni (PL-SC), coordenadora jurídica da FPA; Domingos Sávio (PL-MG), vice-presidente da FPA para a região Sudeste; Hercílio Coelho Diniz (MDB-MG), líder da Comissão Trabalhista; eLucas Redecker(PSDB-RS), daComissão de Inovação.
Entre os suplentes estão Alceu Moreira (MDB-RS), ex-presidente da FPA e líder da Comissão de Política Agrícola; Marcos Pollon (PL-MS), da Comissão de Segurança no Campo; e os “vogais” Diego Garcia (Republicanos-PR) e Rodolfo Nogueira (PL-MS) — este último autor de quatro requerimentos na CPI até agora.
Foto principal (TV Câmara/Reprodução): deputada Sâmia Bonfim apresentou requerimento para impedir a posse de Ricardo Salles como relator da CPI do MST
|Bruno Stankevicius Bassié coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. |
Nesta terça-feira (30 maio), o relator da CPI do MST, deputado Ricardo Salles (PL-SP), aquele que sugeriu “ir passando a boiada", repetiu a cena de truculência do deputado tenente-coronel Zucco (Republicanos-RS) contra Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e cortou o microfone da deputada quando ela dizia que os barracos onde integrantes do movimento social residiam foram invadidos e que a polícia abusou da autoridade. O MPF considera que houve violência política de gênero contra a parlamentar, e acionou a Procuradoria-Geral da República (PGR). Os jornalistas Renato Rovai e Dri Delorenzo comentam o caso.
Apaixonado bolsonarista, Zucco inimigo dos sem terra lançou o livro:
Instalada nesta quarta (19), a Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) do MST terá maioria ruralista nas posições de comando e objetivo de desgastar o governo e criminalizar os movimentos sociais. Para Guilherme Boulos (PSOL-SP), o relator Ricardo Salles (PL-SP) busca uso eleitoreiro da CPI.
A CPI tem como objeto principal apurar quem são os financiadores das recentes ocupações feitas pelo Movimento dos Sem Terra.
Os principais postos de comando da comissão ficaram nas mãos da oposição, como o governo já havia antecipado. O presidente da CPI será o deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), e o relator será Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente do governo Jair Bolsonaro (PL).
A primeira vice-presidência ficará com Kim Kataguiri (União Brasil-SP), seguido pelo Delegado Fabio Costa (PP-AL), na segunda vice-presidência, e Evair Vieira de Melo (PP-SP), na terceira vice-presidência.
Além dos postos de comando, a comissão tem uma esmagadora maioria relacionada a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA). Dos 27 titulares, 17 são integrantes da bancada ruralista, uma das maiores forças da Câmara dos Deputados.
O Partido dos Trabalhadores indicou parlamentares ligados ao movimento sem-terra. São eles: João Daniel (SE), Marcon (RS) e Valmir Assunção (BA), ligados ao MST; Padre João (MG), Camila Jara (MS), Paulão (AL) e Nilto Tatto (SP).
A presidenta do Partido dos Trabalhadores, nomeada uma das suplentes da base do governo, lembrou que a atuação do MST já foi tema de outras CPIs e que nada de irregular foi descoberto. “Há uma tentativa de criminalizar o movimento social e dar voz à extrema direita, contribuir para mais preconceito e ataques infundados. Mas nós estaremos na comissão e vamos mostrar que o MST é o maior movimento social organizado no Brasil e quem sabe no mundo”, disse a deputada.
Movimentos Sociais x Agronegócio
Coautor do requerimento de abertura da CPI, o deputado Tenente Corolnel Zucco (Republicanos-RS) teve como maior doador individual da sua campanha eleitoral o empresário gaúcho Celso Rigo, dono da indústria de beneficiamento de arroz Pirahy Alimentos.
Segundo reportagem doBrasil de Fato, do jornalista Paulo Motoryn, a Pirahy Alimentos doou R$ 60 mil para a campanha de Zucco.
Além do empresário do agronegócio, André Gerdau, CEO da Gerdau, também doou R$25 mil para a campanha de Zucco. Em 2016, segundo reportagem doBrasil de Fato, uma fábrica da Gerdau, em Recife (PE), teve a entrada bloqueada por metalúrgicos e militantes do MST que iniciavam o Dia Nacional de Paralisações, contra as medidas neoliberais do governo golpista de Michel Temer.
Em livro recém-lançado, o deputado Zucco chamou o MST de movimento de “terrorista” e “grupo criminoso travestido do movimento social”.
Ex-ministro do Meio Ambiente do governo de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles também é um notório defensor do agronegócio e da criminalização dos movimentos sociais sem-terra. Salles defendeu “passar a boiada” enquanto a imprensa intensificava a cobertura da pandemia de covid-19.
Entre as alterações normativas que Salles protagonizou enquanto o país lutava contra os altos índices de óbitos devido ao coronavírus, uma delas se refere justamente a invasão, exploração e até comercialização de terras indígenas ainda não homologadas.
Segundo apurações daFolha de S.Paulo, parlamentares afirmam que um dos objetivos da comissão é avançar com projetos de lei que aumentam a punição para quem ocupa propriedades e, até mesmo, excluir os “invasores” de programas sociais, caso elas sejam beneficiárias.
Em junho de 2021, o já ex-ministro de Bolsonaro, foi um dos alvos da operação Akuanduba da Polícia Federal, que investigava suspeitas de facilitação à exportação ilegal de madeira do Brasil para os Estados Unidos.
Um dos principais pontos usados na argumentação dos investigadores foi a edição de um despacho interpretativo assinado pelo ex-presidente do Ibama, Eduardo Bim, em 25 fevereiro de 2020. O documento retirava a obrigatoriedade de concessão de uma autorização específica para a exportação de madeira.
Uso eleitoreiro
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Ricardo Salles afirmou que poderá aumentar o escopo de atuação e investigar o MTST. Em março, o ex-ministro de Bolsonaro se declarou pré-candidato a prefeitura de São Paulo nas eleições de 2024.
A extrema-direita ainda não se decidiu se apoia o atual prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB) ou o deputado federal Ricardo Salles. Por outro lado, a esquerda já praticamente definiu Guilherme Boulos (PSOL) como candidato.
Para Boulos, Salles faz uso eleitoreiro da relatoria da CPI do MST para viabilizar a sua candidatura à Prefeitura de S.Paulo. “Ele quer fazer uso eleitoreiro da CPI, quer usar a CPI de palco para viabilizar a candidatura dele em São Paulo. É lamentável”, disse Boulos.
O deputado do PSOL diz que Salles não tem credibilidade para ser relator da comissão. “Ele é o cara de passar boiada, acusado de relação com madeireiro. Isso já coloca sob suspeição a maneira como vai ser conduzida a CPI”, disse.
“Se for falar de crime, vamos falar do tráfico de madeira e de crimes ambientais cometidos a rodo pelo Ricardo Salles quando era ministro do Meio Ambiente. Uma comissão como essa que vai analisar crimes no campo deveria começar por aí, pelos crimes da turma do Salles, de madeireiros e garimpeiros.”
O coordenador do MTST afirma que vai participar dos debates quando para “combater arbitrariedades e tentativas de criminalizar movimentos sociais”.
A parelha Zucco e Fahur militantes da extrema direita integralista.
"Já matei uns doze", contabiliza Gilson Fahur. Quantos sem terra?
Trabalhadores rurais, livres da escravidão, encerraram a IV Edição da #FeiraDoMST com o sentimento de muita alegria.
560 toneladas de alimentos
e 320 mil pessoas reunidas no Parque
junto de 1700 feirantes vindos de todo Brasil
e a comercialização de 1730 tipos de produtos.
A IV Feira Nacional da Reforma Agrária acontecer para fazer brotar 880 kg de sementes e 20 mil mudas vieram a São Paulo para construir o Espaço do Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”.
O evento espantou os deputados das bancadas bbb,
bancada do boi,
bancada da bala,
bancada da bíblia (Segundo Testamento),
que responderam com mais uma CPI contra os sem terra, os trabalhadores rurais, escravizados pelos latifúndios improdutivos ou de exportação de alimentos em terras griladas ou doadas pelos reis de Portugal.
O modelo dominante do agronegócio promove a concentração de terras e a monocultura. Prioriza a exportação de commodities em detrimento da produção de alimentos, intensificando a utilização de agrotóxicos que causam danos ambientais e à saúde humana.
Celso Rigo, empresário gaúcho dono da indústria de beneficiamento de arroz Pirahy Alimentos, fez a maior doação individual da campanha para as eleições de 2022 do deputado federal Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS). O dinheiro somou um total de R$ 60 mil.
O que chama atenção, no entanto, é o fato de Zucco ter sido um dos deputados que sugeriu a criação da CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Isso porque, curiosamente, o MST se destacou nos últimos anos por ser o maior produtor de arroz orgânico da América Latina.
Segundo o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), o MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina há mais de 10 anos. A Pirahy Alimentos, indústria de Rigo, é dona da marca de arroz Prato Fino, a terceira maior beneficiadora do grão no Rio Grande do Sul.
Rigo não foi o único a doar para a campanha de Zucco. André Gerdau, CEO da Gerdau, a maior empresa brasileira produtora de aço, também doou R$ 25 mil à campanha de Zucco.
A Gerdau nutre uma relação com MST marcada por acontecimentos como o fechamento, em 2016, de uma fábrica da Gerdau/Açonorte, em Recife (PE), que foi ocupada por aproximadamente 200 militantes sem-terra.
As doações individuais são permitidas por lei e não são consideradas ilegais. Os montantes doados por Rigo e Gerdau foram registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e estão disponíveis para consulta na plataforma DivulgaCandContas, administrada pela Corte.
Já a CPI do MST foi proposta por Zucco e pelos deputados federais Kim Kataguiri (UB-SP) e Ricardo Salles (PL-SP). O objetivo da comissão é criminalizar ocupações de terra feitas pelo movimento. Na última quarta-feira (15), a CPI alcançou o número mínimo de assinaturas para ser instalada, em uma ação liderada pela bancada ruralista.
Celso Rigo, empresário gaúcho dono da indústria de beneficiamento de arroz Pirahy Alimentos, fez a maior doação individual da campanha para as eleições de 2022 do deputado federal Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS). O dinheiro somou um total de R$ 60 mil.
O que chama atenção, no entanto, é o fato de Zucco ter sido um dos deputados que sugeriu a criação da CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Isso porque, curiosamente, o MST se destacou nos últimos anos por ser o maior produtor de arroz orgânico da América Latina.
Segundo o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), o MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina há mais de 10 anos. A Pirahy Alimentos, indústria de Rigo, é dona da marca de arroz Prato Fino, a terceira maior beneficiadora do grão no Rio Grande do Sul.
Rigo não foi o único a doar para a campanha de Zucco. André Gerdau, CEO da Gerdau, a maior empresa brasileira produtora de aço, também doou R$ 25 mil à campanha de Zucco.
A Gerdau nutre uma relação com MST marcada por acontecimentos como o fechamento, em 2016, de uma fábrica da Gerdau/Açonorte, em Recife (PE), que foi ocupada por aproximadamente 200 militantes sem-terra.
As doações individuais são permitidas por lei e não são consideradas ilegais. Os montantes doados por Rigo e Gerdau foram registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e estão disponíveis para consulta na plataforma DivulgaCandContas, administrada pela Corte.
Já a CPI do MST foi proposta por Zucco e pelos deputados federais Kim Kataguiri (UB-SP) e Ricardo Salles (PL-SP). O objetivo da comissão é criminalizar ocupações de terra feitas pelo movimento. Na última quarta-feira (15), a CPI alcançou o número mínimo de assinaturas para ser instalada, em uma ação liderada pela bancada ruralista.
Antes do golpe, os trabalhadores rurais estavam num processo crescente de luta pela reforma agrária e por direitos sociais. Com a ditadura, a repressão conjunta de militares e latifundiários se abateu pesadamente sobre eles. Muitos foram presos e outros tantos assassinados. Mas, quando se fala sobre repressão e resistência nessa época, muitas vezes as lutas e as violações de direitos humanos ocorridas nas zonas rurais são esquecidas.
Ligas Camponesas
A partir do final dos anos 1940, o movimento de trabalhadores rurais começou a desenvolver um novo formato organizativo e de ação. Os movimentos baseados na linguagem religiosa ou no banditismo rural (como o Cangaço), expressões das tensões no campo, deram lugar a movimentos organizados com uma linguagem mais diretamente política, baseada na luta pela terra e por direitos sociais.
Surgiram nesse período as primeiras greves de trabalhadores assalariados nas usinas de açúcar da Zona da Mata de Pernambuco. Na década de 1950, conflitos isolados de camponeses posseiros assumiram caráter de luta armada, no Paraná. Depois, movimentos semelhantes puderam ser observados em Goiás, de 1948 a 1957, quando os posseiros foram vitoriosos, alcançando a legalização de suas terras.
As Ligas Camponesas eram uma forma de organização dos trabalhadores do campo, estimulada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), para levar adiante a luta por seus direitos. Elas começaram a existir em 1945, estabeleceram-se em vários municípios, e foram importantes no movimento pela reforma agrária no Brasil. Mas em 1947 o PCB foi colocado na ilegalidade e as Ligas Camponesas foram abafadas.
Só em 1955 elas ressurgiram no Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, em Pernambuco. Inicialmente, para driblar as restrições à formação de sindicatos e ligas rurais, bem como escapar da repressão dos latifundiários, os camponeses organizaram a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPP). Uma sociedade com a finalidade de prestar assistência médica, jurídica e educacional às famílias, e formar uma cooperativa de crédito, para que os camponeses pudessem se livrar do domínio do latifundiário e para fins de auxílio funerário.
Ameaçados de expulsão, os camponeses se apoiaram na SAPP para resistir. Quando contrataram um advogado para fazer a defesa de seus interesses, protagonizaram um momento histórico para seu movimento. Isso significava que não estavam dispostos a se submeter às condições de trabalho impostas pelos latifundiários e assumiam que tinham direitos. Esse advogado se chamava Francisco Julião, deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB).
A luta demorou quatro anos, mas os camponeses acabam por conquistar suas terras. Nesse meio tempo, a SAPP organizou várias delegacias em outros municípios. O advogado Francisco Julião se tornou um dos organizadores e o principal líder do movimento.
As Ligas Camponesas se expandiram, em 1959 já eram 25 delegacias apenas em Pernambuco, e elas começaram a se espalhar por outros estados. Na Paraíba, surgiu a Liga de Sapé, com 10 mil filiados, a mais forte do país. Seu dirigente principal, João Pedro Teixeira, se tornou um líder nacional ao lado de Francisco Julião.
As Ligas defendiam a reforma agrária e se colocavam como organizações apartidárias, embora contassem em suas fileiras com militantes do PCB, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), da Ação Popular (AP) e com a participação de trotskistas.
Em 1961, já existiam federações das Ligas em dez estados e foi fundado o Conselho Nacional das Ligas Camponesas, com representação em treze estados. Houve um processo de articulação nacional que colocou a luta dos trabalhadores rurais em outra categoria, ela passou a ser feita não mais de ações isoladas, mas contando com uma forte organização.
Reforma agrária na lei ou na marra
Outro momento importante na luta dos trabalhadores rurais foi, em 1960, quando surgiu o Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), no Rio Grande do Sul, com o apoio do governador do estado, Leonel Brizola, que era favorável à reforma agrária. Essa organização, que chegou a contar com 100 mil associados, conquistou algumas vitórias, como desapropriações de terras improdutivas e assentamentos.
Em novembro de 1961, realizou-se o 1º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, em Belo Horizonte, reunindo 1,6 mil participantes. Entre eles, estavam representantes da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultab), das Ligas Camponesas, do Master, do movimento estudantil e da ação católica. Os trabalhadores rurais ganharam espaço político: o governador Magalhães Pinto cedeu o local para a reunião, o presidente Goulart compareceu acompanhado de Tancredo Neves e defendeu a reforma agrária.
O PCB, a Igreja Católica, as Ligas Camponesas e o governo lutaram pela hegemonia de suas propostas dentro do movimento. Intensos debates se desenvolveram, centrados principalmente na questão da reforma agrária. Os representantes da Ultab criticaram a radicalização das ações, como o confisco de terra, e defenderam reivindicações trabalhistas e uma reforma agrária dentro da lei. As Ligas Camponesas, com o apoio do Master, divergiram e cunharam a palavra de ordem: “Reforma agrária na lei ou na marra”. Assim, empolgaram o plenário e, mesmo sendo minoria, conseguiram introduzir na declaração final do congresso uma posição que refletisse essa palavra de ordem. Em outros termos, se a reforma agrária não fosse aprovada, os camponeses a fariam de qualquer forma.
Em março de 1963, o governo Goulart assinou a lei que criava o Estatuto do Trabalhador Rural. Ele equiparava os direitos dos trabalhadores rurais aos dos urbanos, garantindo registro em carteira profissional, salário mínimo, horário de trabalho e descanso, férias anuais, 13º salário e direito à sindicalização.
Para fazer frente às Ligas Camponesas, o governo apoiou um movimento de sindicalização rural. Muitas delas trataram de se organizar e, em 1963, já se somavam 557 sindicatos de trabalhadores rurais. No mesmo ano, o governo federal iniciou uma verdadeira batalha parlamentar para aprovar a reforma agrária.
Paralelamente, as Ligas radicalizaram suas ações. Ocuparam engenhos e enfrentaram ataques policiais, como em Miri, na Paraíba, quando houve 10 mortos e 15 feridos. Essa radicalização não teve apoio suficiente e levou a um isolamento de Julião, o que fez com que as Ligas perdessem força. Os latifundiários promoveram perseguições e assassinatos de lideranças.
Um caso exemplar dessas ações de extermínio de lideranças foi o de João Pedro Teixeira. O presidente da Liga de Sapé, da Paraíba, foi assassinado em 1962. Sua mulher, Elisabeth, o substituiu na luta. Após o golpe de 1964 ela e toda sua família foram ferozmente perseguidos, como conta o célebre documentário de Eduardo Coutinho, Cabra marcado para morrer (continua)
Coordenador nacional do MST, João Paulo Rodrigues avalia que comissão servirá de "palco para latifundiários" e tem objetivo de intimidar luta pela terra e paralisar políticas públicas do governo Lula no campo. CPI contra os sem terra manobra golpista da extrema direita
A criação de uma CPI na Câmara que investigue as ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é encarada com preocupação por uma de suas lideranças. "Se ela acontecer, acredito que será violenta contra nós", afirmou em entrevista à DW Brasil João Paulo Rodrigues, coordenador nacional do movimento, durante evento da organização no sábado (29/04), na região central de São Paulo.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) leu, na sexta-feira (27/04), o requerimento para abertura de CPI proposta pelo deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) e com apoio da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária). Para que a comissão seja de fato instalada é preciso que os blocos partidários indiquem seus representantes. A tendência é que nomes da bancada ruralista tenham predominância no colegiado.
A iniciativa no Congresso para avaliar a estratégia do MST acontece após uma série de ocupações pelo país durante o mês de abril, como as ocorridas em uma fábrica da empresa Suzano, na Bahia, e de uma área da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Pernambuco. Os atos não foram bem recebidos no governo Lula. O atual ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), chegou a comparar a atuação dos sem-terra com os atos golpistas de 8 de janeiro.
João Paulo Rodrigues afirma que o embate com setores do governo é normal diante da expectativa criada dentro do MST após a vitória lulista. "O governo é nosso. O que nós achamos é que já são quase 120 dias da posse e estamos esperando que nossas pautas sejam respondidas o quanto antes. A luta pela terra exige urgência, porque queremos ter terra, crédito e produzir comida."
Guilherme Henrique entrevista João Paulo Rodrigues
DW Brasil: Como avalia a criação da CPI na Câmara dos Deputados contra o MST e como ela pode atingir o movimento?
João Paulo Rodrigues: Nós estamos preocupados. É uma CPI de perseguição política ao MST e totalmente desnecessária. Não há fato e nem objeto definido do que ela vai investigar. É uma CPI preventiva sobre o que o movimento vai fazer no futuro. É um instrumento importante do Congresso, isso não se discute.
Mas, da forma como esse mesmo Congresso está atuando contra o MST, é perigoso, porque está servindo de perseguição. Será nossa quinta CPI e nossa preocupação não se dá por aquilo que fazemos, mas porque essa comissão servirá de palco para a direita e para os latifundiários nos atacarem.
Há desinformação sobre o papel do MST?
Eles sabem o que nós fazemos e por isso nos atacam. Há consciência do nosso trabalho. É a Frente Agropecuária, que sabe que o MST está no caminho certo para a democratização da terra, e por isso precisam nos deter. Por que não atacam o movimento sindical?
O ataque é no MST, porque eles sabem da importância pública que o movimento conquistou e que coloca medo no agro. Nós criamos a capacidade de dialogar com a sociedade e mostrar o que o agro faz de errado. E por isso eles não podem deixar barato.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, você disse que o MST vai contestar a CPI no Supremo Tribunal Federal caso ela avance no Congresso. Como isso pode ser feito e sob qual argumento?
Nós estamos reafirmando a necessidade de um debate público antes da CPI sobre a função social da propriedade no Brasil, que é o nosso argumento nesse caso. O direito à propriedade na Constituição de 1988 está ligado a um direito de preservação ambiental, bem-estar, de garantia às leis trabalhistas e à produtividade. O MST nunca ocupou nenhuma fazenda que esteja atuando dentro desses requisitos.
O MST ocupa propriedades flagradas com trabalho escravo, que são devedoras da União, que desmatam ou ocupam terra pública, como é o caso da Suzano. Então, nós estamos muito tranquilos sobre nossa atuação. O problema é que nós não podemos achar que só vale a nossa compreensão das coisas. Os parlamentares no Congresso, o Judiciário, todos precisam entender que a função social da terra é tão importante quanto o direito à propriedade.
A base do governo na Câmara é suficiente para barrar ou ser atuante na CPI?
Ainda estou na perspectiva de que ela não aconteça. Se ela acontecer, acredito que será uma CPI violenta contra nós, que vai tentar intimidar a luta pela terra, mas que também tem como objetivo perseguir e constranger o governo Lula, para que a atual gestão não realizar nenhum tipo de política pública no campo.
Qual o saldo da Jornada de Lutas e das ocupações ao ocorridas ao longo de abril?
É positivo, porque deixou claro que nós estamos na luta pela reforma agrária. Não se pode existir dúvida de que esse é o objetivo do MST e em suas ações. Além disso, mostrou que o movimento tem autonomia em relação ao governo e o governo em relação ao movimento. É bom para não misturar as duas coisas.
Outro ponto é que mobilizamos nossa base social para que todos estivessem inseridos na luta. Agora, a verdade é que saímos da jornada sem nenhuma conquista econômica do governo, que não anunciou nada para nós até agora. Ainda assim, o balanço político é positivo.
Como é relação com o governo Lula? As críticas às ações em Suzano e na Embrapa surpreenderam?
O MST está acostumado a esse embate. O que nos preocupa é quando o governo ou setores do Congresso acham que o movimento não é mais uma organização de luta pela terra, mas uma grande cooperativa de produção de comida. É também. Mas o nosso foco principal continua sendo a luta pela terra.
O MST espera algo do governo Lula?
Claro, o governo é nosso. O que nós achamos é que já são quase 120 dias da posse e estamos esperando que nossas pautas sejam respondidas o quanto antes. A luta pela terra exige urgência, porque queremos ter terra, crédito e produzir comida. Essa é a nossa vontade que precisa avançar.
Governo é que nem feijão: só funciona na pressão. E o governo sabe disso. Para que uma conversa com Lula vire política pública demora meses, às vezes anos, porque o Estado é feito para não atender os pobres. Pressionar esse sistema é uma forma de tentar avançar.
Como vê o futuro do MST?
O MST precisa estar atento a um novo período, que é de atualização. Como fazer ocupação? Como explicar para a sociedade melhor o que nós fazemos? Antes demorava 24 horas para sair na imprensa uma ocupação nossa. Agora é tudo online, e às vezes não dá tempo de nós explicarmos os motivos de uma determinada ação.
O MST vai precisar cuidar mais desse diálogo e a jornada nos mostrou isso. E acredito que o MST precisa unificar e comunicar melhor a ideia de que produção, cooperativa, agroindústria e ocupação são ações que estão juntas. Não há outro jeito. É um esforço na construção de uma narrativa política na sociedade que não criminalize a ocupação de terra e nem coloque o MST como uma grande ONG produtora de comida.
As ocupações vão continuar?
Isso é a vida do movimento. Hoje mesmo nós tivemos duas ocupações: uma no Rio Grande do Norte e outra na Bahia. Tem terra e pessoas sem-terra, nós vamos agir. Agora, o que não há é uma grande jornada marcada para as próximas semanas. O MST não pretende anunciar grandes operações, mas também não vai ficar parado. A rotina do movimento de ocupar latifúndio improdutivo vai seguir.
Quais são as estratégias do MST contra a escalada de violência no campo?
Esse é um tema que nos deixa preocupados e apreensivos, porque tem muito fazendeiro armado no Brasil. A única forma de lidarmos com isso é fazer com que toda e qualquer ocupação seja feita dentro do campo da democracia e constituição. Não pode ser clandestina.
A lei está do nosso lado, no que já falei sobre a função social da terra, e nós temos que denunciar e mostrar os ataques sofridos. O país não pode se transformar em um grande pavio pólvora com conflitos sociais a todo momento.