Os estudiosos do nazi-fascismo, do Estado Novo e outras manifestações autoritárias, são unânimes em descrever dois processos paralelos que levam à perda dos direitos e ao fim das democracias.
O primeiro, a Suprema Corte abrindo espaço para o arbítrio. O segundo, sem os freios do Supremo, o fortalecimento das corporações públicas, especialmente aquelas ligadas a controles e à repressão, disseminando o arbítrio por todos os poros do Estado e do país.
Ambos os fenômenos estão intrinsecamente ligados.
O massacre de Cancellier se deveu à desmoralização do devido processo legal, do “garantismo” alvo de campanhas de Barroso. Condenaram antes de analisar os fatos, inventaram crimes, inventaram provas e levaram o caso inicialmente ao tribunal da mídia, que aceitou passivamente, sem ouvir os réus, para não ser acusada de “bandidolatria”. Transformaram fatos corriqueiros em versões criminosas.
Primeiro, vamos apresentar os atores finais desta trama macabra, as autoridades diretamente envolvidas com a morte de Cancellier.
Corregedor Rodolfo Hickel – com histórico de violência e de desequilíbrio, foi indicado corregedor da UFSC por uma reitora que saía, visando atazanar o sucessor. Produziu um relatório repleto de inverdades que serviu de ponto de partida para a prisão de Cancellier.
Delegada Erika Marena – atuante na Lava Jato, apresentada como heroína em série da Netflix, chegou a Santa Catarina sem holofotes. Criou o escândalo da UFSC para uma operação com 120 policiais de todo o país.
Procurador André Bertuol – do Ministério Público Federal. Endossou todas as arbitrariedades e prosseguiu na perseguição a Cancellier mesmo depois de morto, processando o filho.
Juíza Janaina Cassol – juíza substituta que endossou todas as arbitrariedades da PF e do MPF.
Procurador Marcos Aydos – denunciou professores da UFSC pelo simples fato de, na cerimônia em homenagem a Cancellier, não terem impedido faixas de protesto contra a delegada Erika (Continua)
No dia 7 de novembro passado, o procurador Deltan Dallagnol pediu demissão do Ministério Público Federal. Houve duas especulações sobre a saída repentina. A primeira – desmentida por ele – é que sairia candidato a algum cargo eletivo. A segunda – repetida à boca pequena por adversários – é que teria dificuldades em explicar o aumento patrimonial ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
De fato, em setembro de 2018 – em pleno apogeu da Lava Jato – Deltan comprou um apartamento em um prédio de luxo de Curitiba, um por andar, pelo valor de R $1,8 milhão, pago em duas parcelas. O apartamento tem 393 metros quadrados, mais 4 vagas na garagem, totalizando quase 600 metros quadrados.
Dois anos depois, segundo levantou Joaquim de Carvalho no Brasil 247, um imóvel no mesmo condomínio estava sendo vendido por R$ 3,1 milhões.
Especulava-se como iria bancar suas despesas, já que apenas com condomínios dos dois apartamentos chega-se a um valor superior a R$ 10 mil mensais.
Boatos que correram em Curitiba davam conta que ele teria adquirido quatro franquias da Hering para sua esposa. Os boatos podem ter nascido das atividades de sua irmã, Édelis Martinazzo Dallagnol.m
Em seu perfil no Linkedin, Édelis se apresenta como especialista “Gestão Comercial e de Marketing, Gestão Financeira; Contratos; Desenvolvimento de Negócios Internacionais; ESG; EHS; Desenvolvimento e Gerenciamento de Projetos (Sociais e de Meio Ambiente)”. No Escavador, é apresentada como formada em Direito e em Veterinária e Zootecnia, sua formação principal, de acordo com o currículo Lattes.
Mas a atividade principal, em período integral, é a de gestora do Hering Kids de Curitiba. Na página da empresa, fica-se sabendo que se trata de uma “extensão infantil da renomada Hering, voltada ao publico de 0 a 16 anos, a Hering Kids Curitiba apresenta uma rede independente de lojas. A marca é reconhecida pelas suas roupas de qualidade e extremo conforto, com produtos para que a criança viva na prática uma infância plena e saudável”. É uma rede com – coincidentemente – quatro lojas em shoppings da cidade.
Segundo o perfil de Élida, seu trabalho por lá começou em julho deste ano.
No mês anterior exatamente no dia 7 de junho de 2021, foram abertas várias empresas, todas em nome de Élida, do pai Agenor Dallagnol e a mãe Vilse Salete Martinazzo Dallagnol.
No mesmo dia foram abertas as seguintes empresas:
Breakout Comércio de Confecções Eireli, de propriedade de Edelis.
Chelsea Comércio de Confecções Ltda, com capital social de R $250.000,00 tendo Edelis e Sofia Ribeiro Dallagnol como sócias.
Sunray Comércio de Confecções Ltda, tendo como sócios Vilse e Agenor e capital social de R$ 350 mil.
Cherish Comércio de Confecções Eirelli, de Édelis e Vilse, com capital social de R $ 450 mil.
Sunray Comércio de Confecções Ltda, de Édelis e Vilse.
Alguns dias depois, em 29.06.2021 Fernanda Mourão Ribeiro Dallagnol – esposa, com quem Deltan é casado em regime de comunhão parcial de bens – abriu a empresa Delight Consultoria Gerencial e Empresarial Eirelli, com capital social de R$ 110.000,00. E poucos dias depois, adquiriu em leilão da Caixa Econômica Federal um imóvel de escritório, no Edifício Vega Business Center pelo valor de R$ 143 mil. Todos esses negócios realizados em um mesmo curto espaço de tempo.
Antes mesmo dessa maratona de novas empresas, em 13.12.2018 foi aberta a empresa Breakout Comércio, Importação e Exportação de Artigos Esportivos e de Saúde Ltda., de propriedade de Édelis e Vilse Dallagnol. Pouco antes, de acordo com mensagens captadas pela Vaza Jato, Deltan teria comentado com a colega Thamea Daleon as boas relações que tinha com a Unimed, que o contratou para várias palestras bem remuneradas.
Segundo reportagem da Folha,
“Em julho de 2016, Deltan trocou mensagens com a procuradora da República em São Paulo Thaméa Danelon sobre uma operação que ela estava coordenando contra o superfaturamento na aquisição de equipamentos para implante em doentes com mal de Parkinson.
Após comentar sobre a melhor forma de divulgar a operação, Deltan sugeriu que a procuradora aproveitasse o tema de fraude na área da saúde para montar uma palestra para a empresa de planos de saúde Unimed, uma das que mais contratou o procurador nos últimos anos”.
É possível que parte dos investimentos tenha sido bancado pelos pais de Deltan, que se envolveram em indenizações vultosas e polêmicas junto ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). É possível que não.
Segundo o portal “De olho nos ruralistas”, em 2016 foram efetuadas desapropriações de terras na Amazônia, já no governo Temer. Segundo o portal, o INCRA teria identificado irregularidades nas desapropriações e abriu processo para recuperar o dinheiro. Dos R $41 milhões liberados. pelo menos R $36,9 milhões foram para a família Dallagnol. em um total de 14 pessoas, incluindo eu pai Agenor
No material divulgado pela Vaza Jato. Deltan antecipava seus planos de montar novos negócios em nome de terceiros, para não despertar críticas. Ele e o colega Roberto Pozzobon montaram um grupo de WhatsApp exclusivamente para discutir os novos negócios. Nas discussões planejam uma empresa de eventos, mas colocado em nome das esposas.
A perda de rumo do país fica evidente na tentativa de entronizar a candidatura dos ex-juiz Sérgio Moro na Terceira Via. Trata-se da maior ameaça atual à democracia. Bolsonaro representa o eleitorado lúmpen. Moro representa a pior forma de ditadura, a das corporações públicas e com vinculações estreitas com a pior banda do Supremo Tribunal Federal. Sua candidatura terá apoio do Partido Militar, do Partido do Ministério Público, do alto funcionalismo público.
Eleito, não terá planos de governo. Nas primeiras entrevistas, limitou-se a utilizar bordões liberais para cativar um empresariado carente de liderança e de projetos. Mas seu universo é o da militância do Judiciário. De certo modo, ele representa para o juizado de primeira instância o que Bolsonaro representa para a baixa oficialidade das Forças Armadas: o sujeito que, graças à política conseguiu se sobrepor a todos os sistemas de auto-controle baseados na hierarquia.
Assim como com Bolsonaro, empresários serão acessórios. E o mercado e Congresso serão comprados com grandes negócios públicos e verbas secretas do orçamento. Em um momento em que a explosão da fome desperta um sentimento nacional de solidariedade, Moro carrega o passivo de ter destruído uma cooperativa de pequenos agricultores paranaenses, mandado alguns deles para a prisão, baseado em mero preconceito social.
Mais do que Bolsonaro, Moro representa o pior da classe média brasileira, o preconceito social acendrado, a ambição de se beneficiar das prerrogativas de poder, o conhecimento superficial da economia, a total falta de dimensão pública e de visão nacional e uma ignorância sólida, ampla de qualquer tema contemporâneo.
Mas é o símbolo maior da mediocrização da disputa política nacional. Desde que o PT ocupou o centro-esquerda e o PSDB abandonou qualquer veleidade de formulação programática, o único discurso alternativos foi o do anti. Não se constrói um projeto de país, ou uma candidatura, manobrando apenas o anti.
Nesses anos todos, dispondo do megafone dos grandes grupos de comunicação, a oposição não avançou um centímetro na disseminação da conceitos de saúde, educacionais, na discussão de modelos de desenvolvimento e sequer dos dogmas econômicos – que estão sendo revisados internacionalmente. Como consequência, a disputa para a terceira via se resumiu ao anti: alguém que fosse anti-Bolsonaro e anti-Lula, mesmo sem ter uma ideia sequer na cabeça.
O único candidato com conteúdo – Ciro Gomes – é um desastre completo na estratégia política. Autodestruiu-se antes de começar o jogo, tentando ocupar o lugar do anti-lulismo, mas com ideias que conflitavam com os interesses do mainstream. Julgou que o anti-lulismo fosse uma peça solta, com vida própria. Jamais se deu conta de que se trata de uma estratégia de marketing do mercado, para garantir seus privilégios. O sistema valeu-se de Ciro para desgastar Lula, e já começou a descarta-lo, agora que o antilulismo encontrou sua melhor tradução, o próprio Moro.
Daqui até as eleições, muita água ira correr. Mais do que em qualquer outro período da história, mais do que no final do governo Sarney, no início da redemocratização, o jogo político está completamente embolado. Há Lula como galvanizador do chamado pensamento progressista, mas ainda vacilando no discurso. Até agora, por exemplo, não explicitou ponto centrais do próximo governo, a política econômica, o temor reverencial pelo mercado, o “republicanismo” ingênuo. De um lado, mostra sabedoria, não antecipando conflitos. De outro, traz dúvidas: repetirá os mesmos erros dos primeiros governos, as mesmas concessões, ou já tem ideias mais claras sobre os obstáculos ao crescimento e à democratização?
E tudo isso em meio a uma completa subversão das instituições, com Arthur Lira sequestrando o orçamento,. Ricardo Barros comandando a distribuição do butim, a Polícia Federal boicotando ordens do Supremo, o Partido Militar se infiltrando em todos os poros da atividade civil.
Com ou sem rumo, as eleições de 2022 serão decisivas para o futuro do país. Provavelmente, serão as eleições mais decisivas da história.
No auge da conspiração midiática contra Dilma Rousseff, entrevistei o ex-primeiro ministro espanhol, Felipe Gonzales. Indaguei-lhe sobre como enfrentava o que parecia um poder invencível dos grupos de mídia. Sua resposta foi objetiva:
– Não há nada mais forte que a caneta do presidente da República. Desde que ele saiba utilizar.
O “republicanismo” ingênuo do PT permitiu abusos da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, da Procuradoria Geral da República, o aval do Supremo aos ataques à Constituição.
O modelo democrático, o sistema de freios e contrapesos, conferiu ao Executivo poderes para enfrentar as conspirações corporativas de agentes do Estado, partindo da premissa de que é o representante do povo, o único poder eleito. Nem isso os governos petistas utilizaram para combater a conspiração. Bastava um adjetivo da mídia – “venezuelização”, “boliviarismo”, “cubanização” – para o governo recuar em medidas que seriam corriqueiras em qualquer país de democracia avançada.
Ora, a carreira de um burocrata depende fundamentalmente da caneta dos superiores. Não existe ninguém mais temeroso que o burocrata, a pessoa que depende de sistemas inflexível de promoção, submetido à hierarquização do setor público.
Quando o Executivo mostrou fraqueza, os valentes saíram da toca. No Distrito Federal e em outras praças, procuradores, delegados, funcionários públicos participaram de passeatas, gritaram palavras de ordem, levantaram cartazes, mostrando uma valentia incomum. Era o homem comum, o burocrata comum, saindo dos trilhos devido aos estímulos da mídia. Era o Ministro do Supremo deixando de lado dois séculos de discrição para cair no samba. Bastava o tamborim da mídia falar dos poemas de um, das frases de outro, do Iluminismo de um terceiro, para sairem de porta-estandarte de um bacanal anti-democrático.
Com o impeachment, tudo volta ao normal. Com Temer e, principalmente com Bolsonaro, o bonde volta aos trilhos. Intimoratos procuradores se escondem dos holofotes, delegados da PF jogam fora quatro décadas de construção de uma imagem profissional. E o aparato repressivo, quando não é cooptado, não encontra forças sequer para impedir genocídios contra a população brasileira.
Bastou a real politik de Bolsonaro, para COAF, TCU, MPF, PGR, PF, todas as siglas do que se prenunciava uma ditadura das corporações ir para o espaço.