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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

21
Mar23

Pátria Voluntária: mais um rolo de Michelle

Talis Andrade
 
Charge: Fredy Varela

 

Por Altamiro Borges

Paparicada pelo chefão do PL – o que tem gerado ciumeira no maridão que fugiu para os EUA –, Michelle Bolsonaro não está com essa bola toda para disputar a presidência da República ou outro cargo eletivo. O seu telhado de vidro é enorme. Na semana passada, o site Metrópoles revelou que “uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União encontrou uma série de ilegalidades no programa Pátria Voluntária, chefiado pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro”. 

Segundo documento obtido com exclusividade pelo site, o TCU “constatou que o programa, que obtinha arrecadações privadas e as direcionava para entes privados, não respeitava o princípio da impessoalidade orçamentária e não usava critérios objetivos, amparados pela legislação, para definir quem recebia doações. Por considerar que o modelo de gestão adotado era ilegal, o tribunal chegou a indicar que recomendaria a extinção do programa”. 


Ingerência sobre o destino dos recursos

De acordo com o relatório assinado pelo ministro Antônio Anastasia, “o programa de voluntariado era uma maneira de agentes públicos promoverem arrecadações para, depois, terem uma ingerência sobre o destino de recursos privados sem autoridade para isso. Em tese, os recursos eram geridos pela Fundação Banco do Brasil (FBB). A auditoria descobriu, porém, que no Conselho de Solidariedade, criado na pandemia, o governo Bolsonaro definiu a destinação de algumas arrecadações. Além disso, o TCU verificou que os beneficiários das doações eram escolhidos pela Casa Civil”. 

“Embora a arrecadação dos recursos financeiros e a sua gestão sejam de competência da FBB, a seleção das entidades beneficiárias era efetuada no âmbito da Casa Civil”, escreveu o ministro, apontando a grave ilegalidade. No programa, não havia “critérios objetivos e isonômicos para a seleção de instituições sociais a serem beneficiadas com recursos financeiros oriundos de doações privadas”. Os gestores do programa tampouco tinham respaldo legal para administrar os recursos. 


Negociatas na compra de vacinas para Covid
 
Esse não é o único caso escabroso envolvendo a ex-primeira dama – que já tinha o apelido de Micheque, em alusão aos R$ 89 mil em cheques que recebeu do miliciano Fabrício Queiroz, e que agora passou a ser chamada também de MisSheik, em referência às joias de R$ 16,5 milhões que recebeu da ditadura saudita. No início de 2021, no pico das mortes na pandemia do coronavírus, por exemplo, ela foi denunciada por suposto envolvimento nas negociatas para a compra de vacinas. 

Na ocasião, a revista Veja publicou que “uma nova leva de mensagens do cabo da PM Luiz Paulo Dominguetti, em poder da CPI da Pandemia, insere um novo personagem na nebulosa negociação de vacinas superfaturadas com o governo. Trata-se da primeira-dama Michelle Bolsonaro”. O militar citou o reverendo Amilton Gomes de Paulo, que operava como lobista no Ministério da Saúde e “atuou para aproximar os supostos vendedores das vacinas do gabinete presidencial”. 

“Dominguetti comenta assustado sobre os avanços do reverendo. 'Michele [sic] está no circuito agora. Junto ao reverendo. Misericórdia', escreve. O interlocutor se mostra incrédulo diante do nome da primeira-dama. 'Quem é? Michele Bolsonaro?'. E Dominguetti retorna: 'Esposa sim'”. O depoimento bombástico faz parte do relatório da CPI do Genocídio, que infelizmente foi esquecido – para a sorte da hoje “presidenciável” ex-primeira-dama. Mas ele pode ser recuperado em uma futura campanha eleitoral.
 
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17
Fev23

O papel do general Augusto Heleno na tentativa de golpe em 8 de janeiro

Talis Andrade

 

por Germano Oliveira & Marcos Streckeri /IstoÉ

Os inquéritos sobre os ataques de 8 de janeiro exibem números impressionantes. Dos 1.398 presos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já denunciou 835. Destes, 645 são classificados como “incitadores”, 189 como “executores” e 1 é um agente público citado por omissão. Mas nenhum militar entrou na mira da PGR. Em breve as apurações sobre a invasão à sede dos três Poderes tomarão um novo rumo. Também será averiguada a participação dos generais mais próximos a Jair Bolsonaro. Entre eles, destaca-se aquele que tinha o controle sobre o aparato de segurança e informações do governo e era o responsável por órgãos que deveriam ter se antecipado aos acontecimentos e agido diante dos riscos de ataque: o general Augusto Heleno. Ele deve ser investigado por seu papel como um dos mentores intelectuais do golpe de 8 de janeiro.

O general deixou no final de dezembro a chefia do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que controlava a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Será investigado porque desmontou o GSI para que o órgão ficasse totalmente inerte no dia 8. Tirou militares de posições importantes do órgão e da Abin para deixá-los sem reação. “Heleno foi de uma conivência abissal”, diz um ministro do Supremo. O militar só deixou gente da confiança dele nos principais postos, e essa ação foi o que mais contribuiu para a falta de um projeto de reação do governo no dia do golpe.

A faixa "intervenção militar" uma mostra do planejamento da invasão terrorista

 

Muitas dúvidas ainda pairam sobre a atividade dos subordinados no dia dos atentados. Um dos homens de confiança de Heleno, o coronel do Exército José Placídio Matias dos Santos, participou dos eventos e pediu nas redes sociais que as Forças Armadas “entrassem no jogo, desta vez do lado certo”. Ainda conclamou o então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, a “cumprir o seu dever de não se submeter às ordens do maior ladrão da história da humanidade”. O oficial depois apagou as mensagens, mas o recado foi dado. Há muitas questões não esclarecidas. No dia da invasão, o secretário do Consumidor do Ministério da Justiça, Wadih Damous, denunciou em um vídeo o roubo de armas e munições em uma sala do GSI no Planalto. Segundo ele, os invasores tinham informação de que naquele local havia armamentos e documentos. “Isso significa informação.” Também há relatos de que militares do GSI tentaram facilitar a saída de depredadores pelo térreo do prédio, sem serem presos.

NO STF Ministro Alexandre de Moraes: relator de inquéritos sobre ações contra a democracia (Crédito:Adriano Machado)

 

Personalidades do mundo jurídico destacam o papel central de Augusto Heleno na preparação para o golpe, mas dizem que será difícil caracterizar o papel do militar encontrando ordens executivas de sua autoria ligando-o aos eventos. Por outro lado, sua culpabilidade poderá ser fundamentada pela conivência ou pelas falhas deliberadas na estrutura que montou e comandou para garantir a segurança da Presidência – e que deixou de atuar no 8 de janeiro. Mas a omissão é um crime difícil de provar. Será preciso averiguar “de baixo para cima” a cadeia de comando para identificar as responsabilidades.

O ex-ministro do GSI é visto como um dos principais, se não o principal, articulador de uma tentativa de golpe de Estado que começou a ser conspirada meses antes das invasões. Fontes ligadas à Segurança Pública e ouvidas por ISTOÉ relatam que Heleno teria usado o aparato técnico do órgão que comandava e a influência nas Forças Armadas para evitar a posse do presidente Lula. As articulações que aconteciam nos bastidores eram retratadas a apoiadores com veemência após a vitória de Lula. E no dia dos ataques isso teria se refletido, entre outras ações, na facilitação do acesso de radicais ao Planalto. “Você acha que alguém entra assim do jeito que entrou?”, questionou uma das fontes. Um almirante influente no governo Bolsonaro e próximo de Augusto Heleno teria enfatizado várias vezes a seus subordinados e em reuniões de segurança que o novo presidente não governaria. “Foi uma tentativa de golpe. Ele não se consumou porque não conseguiram consolidar a maioria no Exército”, disse outra pessoa sob condição de anonimato.

As tentativas de consolidação dessa “maioria” necessária para executar um plano golpista não foram poucas, conforme os relatos colhidos por ISTOÉ. Várias reuniões teriam ocorrido com a intermediação de Heleno. Pelo menos três fontes diferentes citam uma ocasião específica – após o segundo turno – em que estavam presentes Heleno, o general Walter Braga Netto e representantes do Exército, da Marinha e Aeronáutica. A pauta: como articular um possível golpe de Estado. Dentre os participantes do encontro, somente o membro da Aeronáutica teria sido contra a tratativa e se revoltado com a ideia proposta. Mas a revolta foi ignorada pelos demais, e um dos resultados dessa reunião, ainda segundo as fontes ouvidas pela reportagem, foi a minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. “Não foi uma brincadeira, estivemos a um passo do golpe”, frisou um dos informantes.

ENSAIO Ataque ao STF em 2021: Sara Winter recebeu orientações de Heleno 

 

Desde que assumiu o núcleo mais sensível no Planalto, o GSI, Augusto Heleno aumentou enormemente o papel do órgão. Passou a controlar a área de segurança, monitorando todas as informações sobre os grupos radicais. Por sua atuação, ele sempre foi uma referência para os extremistas. Em novembro de 2021, a ativista Sara Winter revelou à ISTOÉ que foi orientada diretamente por Heleno, no Palácio do Planalto, na época em que ela articulava o “Acampamento dos 300”. “Ele pediu para deixar de bater na imprensa e no [Rodrigo] Maia e redirecionar todos os esforços contra o STF”, disse ela. No dia 13 de junho de 2020, o grupo marchou em direção ao STF e atacou a sua sede com fogos de artifício, numa “advertência”. O papel do general entre radicais aumentou após a eleição de Lula e especialmente depois que Bolsonaro deixou o País. Um dos posts mais compartilhados na época traz uma manifestante que mostrava um link do Diário Oficial supostamente transferindo a Presidência para Heleno. Seria uma “estratégia” de Bolsonaro. Militantes divulgaram nas redes que “Bolsonaro passou todo o poder para o GSI”, ou então que “o general Heleno é o presidente da República. Ele é o melhor estrategista do País, talvez do mundo”.

 

Catalisador do golpe

 

Essa busca de “mensagens ocultas” pode até ter um fundo de verdade, aponta um jurista. Uma resolução publicada no dia 23 de dezembro pelo próprio Augusto Heleno estabeleceu grupos de trabalho técnicos em diversos ministérios sob a coordenação do GSI. “Tudo parece inocente”, mas as más intenções se revelam mais tarde e há um teor “perigoso”, pondera o especialista. Normas como essa poderiam ser empregadas como catalisadores da ala militar hostil ao resultado das urnas. Funcionariam em conjunto com outros documentos golpistas que circularam em Brasília após as eleições, um fato reconhecido pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, publicamente. Em depoimento à Polícia Federal, mais tarde, o político disse que se tratava de “uma metáfora”. Já a minuta apreendida na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, citada acima, tinha um conteúdo golpista bem explícito. Era o esboço de um decreto para o então presidente Bolsonaro instaurar estado de defesa na sede do TSE, revertendo o resultado do pleito presidencial e delegando na prática ao Ministério da Defesa a condução do processo eleitoral. Torres, que diz desconhecer a origem da minuta, está preso pela sua omissão nos atentados, quando comandava a Secretaria de Segurança do DF.

Estabelecer a materialidade das iniciativas golpistas é um desafio. Depois de 30 de outubro, circularam áudios no WhatsApp com a voz de Augusto Heleno em que o general dizia com voz serena, mas assertiva, que a eleição havia sido fraudada e que ele não podia adiantar medidas que estavam em discussão, pois “há ainda muita coisa em jogo”. O GSI desmentiu e considerou o áudio como “fake de péssima qualidade”. O jornal O Estado de S.Paulo o submeteu a dois peritos, que disseram não ser possível atribuir a voz ao general. Mas uma gravação vazada após evento da Abin, em 14 de dezembro de 2021, reproduz o general criticando as atitudes de “dois ou três” ministros do STF. Nesse áudio, ele disse que um dos Poderes está tentando “esticar a corda até ela arrebentar”. “Tenho que tomar dois lexotan na veia por dia para não levar Bolsonaro a tomar uma atitude mais drástica em relação ao STF”, afirmou na ocasião.

E não há dúvidas sobre o sentido de suas manifestações públicas. Quando ocorreu uma audiência da Comissão de Fiscalização e Controle do Senado no dia 30 de novembro, em que vários bolsonaristas questionaram o resultado das urnas, o general conclamou: “Vamos lá discutir os temas que nos afligem. Coragem, força e fé. O Brasil acima de tudo”.

Para Leonardo Nascimento, do Laboratório de Humanidades Digitais da UFBA, as manifestações do general Heleno ao longo do tempo contribuíram para galvanizar os grupos bolsonaristas que participaram do 8 de janeiro. Segundo o pesquisador, as declarações e postagens do ex-ministro do GSI foram fundamentais também para que se criasse em torno dele uma certa “mística”. Nascimento vem monitorando grupos bolsonaristas em redes sociais nos últimos anos e acompanha de perto os efeitos das manifestações de Bolsonaro sobre seus seguidores. O ex-presidente seria o “grande oráculo de desinformação” desses grupos, nos quais tudo o que fala tem ressonância direta. Na sua ausência, ganharam mais importância as declarações de ‘sub-oráculos’, caso de Heleno. O próprio general teria se colocado nesse papel. “Heleno sempre foi o que mais deu declarações no sentido da ruptura institucional. Foi sempre o ministro que cumpria esse papel de verbalizar essa possibilidade, essa intenção.”

 

Sem papas na língua

 

O general Heleno é conhecido entre os apoiadores por falar sem “papas na língua”. Em julho do ano passado, durante uma audiência da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados, ele defendeu o sargento da Marinha Ronaldo Ribeiro Travassos, alocado no GSI, que gravou um vídeo defendendo um golpe militar. Heleno alegou que se tratava da ação de um cidadão brasileiro que tinha “o direito de se pronunciar”. Parlamentares avaliam como graves os indícios de participação de Heleno em ações golpistas. A deputada federal Dandara Tonantzin (PT) protocolou um requerimento para convidar o general a prestar esclarecimentos. “O depoimento poderá trazer elementos importantes sobre a inação da atuação do GSI no dia 8 de janeiro”, justifica. Já para o deputado Rogério Correa, também do PT, o histórico de Heleno é repleto de conspirações. Em 2020, o parlamentar fez parte do grupo de deputados que protocolaram um pedido de impeachment no STF do então ministro do GSI, após ele falar em “consequências graves” caso Bolsonaro fosse obrigado a entregar o celular no inquérito que apurava se o então presidente havia interferido na PF. “Ele já ameaçava com o golpe desde aquela época. E o 8 de janeiro tem tudo a ver com isso”, enfatiza.

Depois do 8 de janeiro, Heleno sumiu das redes sociais – seus últimos tuites são do dia 7 de janeiro. Ao longo do ano passado, ele vinha se mantendo bastante ativo nas redes, fazendo campanha eleitoral para Bolsonaro e retuitando posts do então presidente, além de atacar Lula, a quem chamava de “ex-presidiário”. A atividade nas redes mudou depois do segundo turno, quando, além do tuíte celebrando a audiência pública golpista do dia 30 de novembro, Heleno fez apenas algumas poucas publicações, em grande parte para contestar reportagens.

O historiador e cientista político Francisco Carlos Teixeira, da UFRJ, lembra o “DNA golpista” de Heleno, que na década de 1970, ainda capitão, atuou como ajudante de ordens do então ministro do Exército Sylvio Frota, que tentou articular um golpe contra o presidente Ernesto Geisel. “Ele já naquela época estava conspirando e fez parte daquela tentativa fracassada de ‘golpe dentro do golpe’, perpetrado pela chamada linha dura dos militares”, diz o professor. “Foi muito grave, não só pela tentativa de ruptura, mas porque foi contra um general presidente, contra um superior hierárquico”, destaca. O professor lembra que posteriormente o ex-ministro foi favorecido pelo governo do PT, que o nomeou para o Haiti. “Isso contribuiu para essa mítica de que eles estiveram em combate, de que são guerreiros. Mas não se lembra que lutaram contra uma população faminta. E esses militares voltam ao Brasil se dizendo aptos a administrar o Estado”, diz. “Vimos militares lotados no GSI participando dos acampamentos antidemocráticos em frente a quartéis. Heleno não sabia? Ou foi ele que incentivou ou mesmo deu a ordem? Porque aí a participação dele muda de patamar. Passa a ser também por ação, e não só por omissão.”

NOS ATOS O coronel José Placídio dos Santos, que atuou nas invasões. Acima, resolução de 23/12 ampliando atuação do GSI em ministérios 

 

Novos generais

 

Após os atentados de 8 de janeiro, Lula disse que não foi avisado pelos serviços de inteligência sobre o risco iminente. Mas um relatório sigiloso enviado pelo GSI ao Congresso aponta que o governo foi informado. O alerta teria sido produzido pela Abin e compartilhado com órgãos federais. Na época, o ministro responsável pelo GSI era o general da reserva Gonçalves Dias, indicado por Lula. Por isso, Dias passou a ser visto com reservas pelos petistas. A hipótese de uma conspiração antidemocrática sempre esteve no radar do novo governo. Um exemplo foi quando o GSI tentou fazer parte do esquema de segurança do governo de transição, mas a equipe que cuidava da proteção do presidente eleito explicou aos agentes que a participação deles seria desnecessária. A desconfiança estaria pautada nas suspeitas de que a estrutura estava sendo utilizada com viés golpista. “A certeza é que houve leniência do GSI, antes, durante e depois. Às 6h da manhã o acesso [do Planalto] já estava liberado”, disse uma pessoa que acompanhou as reuniões de segurança após o ato terrorista. “Era a primeira semana de governo, a maioria que estava era a turma antiga”, acrescentou, sobre a equipe que compunha o GSI. Só em janeiro, pelo menos 13 militares do órgão, foram exonerados.

DEMORA Ministros do STF estão incomodados com morosidade na PF e no Ministério da Justiça, chefiado por Flávio Dino (Crédito:Fátima Meira)

 

Segue lentamente o trabalho de despolitizar os quartéis. Na terça-feira, 14, o Alto-Comando do Exército definiu os nomes de três generais promovidos a quatro estrelas. Entre eles está Luiz Fernando Baganha, ex-secretário-executivo de Augusto Heleno no GSI. De acordo com uma fonte militar que já transitou na cúpula da caserna, são todos nomes sem atuação política. O Alto-Comando estaria tentando se desvincular “o mais rapidamente possível” da “encrenca” na qual os militares se meteram nos últimos quatro anos. “Os generais da ativa estão focados nisso, sabem o dano causado pelo envolvimento com Bolsonaro e agora só querem ‘tocar o barco’, fazer ‘coisa de soldado’”, afirma o oficial. “Sobrou um monte de trabalho pro Exército, um monte de gente pra punir.” Apesar de ter atuado como braço-direito de Heleno, Baganha não é considerado da sua cota pessoal. Teria trabalhado ao lado dele no GSI de forma “absolutamente circunstancial”. Mas outros nomes ligados a Heleno foram preteridos. O principal é Carlos José Russo Assumpção Penteado, que também foi seu secretário-executivo no GSI e estava no cargo nos ataques de 8 de janeiro.

NOVO CHEFE Indicado por Lula, o novo ministro do GSI, general Gonçalves Dias, demorou a abrir investigações: a Abin foi para a Casa Civil (Crédito: Fátima Meira)

 

A movimentação nos bastidores é lenta. O novo chefe do GSI apenas no dia 26 de janeiro abriu uma sindicância para apurar a atuação de funcionários do órgão. O governo tem resistido a apoiar uma investigação extensiva sobre o papel dos militares, em parte para evitar ampliar a resistência que existe na caserna contra o petismo. Lula também tenta impedir a abertura da CPI dos Atos Golpistas. A PF já investiga ações e omissões que permitiram as invasões, inclusive da parte de agentes do GSI. Mas há ministros do STF incomodados com a falta de empenho da corporação e do Ministério da Justiça em relação aos militares. A responsabilização deles é atualmente um dos temas mais nevrálgicos. Muitos gostariam que, no caso dos fardados, tudo ficasse restrito ao Superior Tribunal Militar (STM). Mas, com a disposição do STF de levar adiante a investigação e trazer o caso para sua jurisdição, será difícil evitar esse encontro com a verdade. É um passo importante para evitar que o País volte a enfrentar novas ameaças autoritárias.

 

Generais serão investigados

 

Além de Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos também estão na mira do STF

CANDIDATO A VICE Ex-ministro da Defesa, Walter Braga Netto tinha ascendência sobre as tropas (Crédito:Ueslei Marcelino)

 

Além de Augusto Heleno, o STF decidiu investigar outros dois generais de Bolsonaro que foram decisivos para os atos de 8 de janeiro: Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos. Junto com Heleno, os dois foram autores intelectuais do golpe, supõe-se. Braga Netto é visto como tendo um papel-chave. Afinal, ele tinha ascendência com as tropas e era o candidato a vice de Bolsonaro.

Foi ministro da Casa Civil a partir de fevereiro de 2020 até março de 2021, quando o ex-presidente demitiu o então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e os comandantes das três Forças: Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica). Esse episódio representou a maior crise militar desde a demissão do ministro do Exército pelo presidente Ernesto Geisel, em 1977. Na época, Frota articulava um golpe contra Geisel, e tinha como ajudante de ordens exatamente Augusto Heleno. Braga Netto então assumiu o Ministério da Defesa e só se afastou em abril do ano passado, para concorrer como vice na chapa de reeleição de Bolsonaro.

EX-CASA CIVIL O general Luiz Eduardo Ramos organizou a live contra as urnas (Crédito:WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS)

 

O outro general que está severamente envolvido com o golpe é Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro da Secretaria de Governo e da Casa Civil, que chegou inclusive a organizar a “live”, em julho de 2021, em que Bolsonaro iria apresentar evidências de que houve fraude das eleições. Na ocasião, o ex-presidente reconheceu que não tinha provas. Um técnico de informática que participou da transmissão, Marcelo Abrieli, declarou em depoimento à PF que antes dessa participação havia sido chamado ao Planalto por Ramos e que conhecia o general desde 2018, quando este ocupava a chefia do Comando Militar do Sudeste. Ramos foi também titular da Secretaria-Geral da Presidência até dezembro passado, e era amigo próximo de Bolsonaro desde os tempos da Academia das Agulhas Negras, nos anos 1970. Foi preterido para o posto de vice na chapa da reeleição, mas permaneceu atuando no círculo íntimo do presidente. Os três generais, segundo ministros do STF, podem ser considerados os principais articulares militares da tentativa de golpe de Bolsonaro.

Colaboraram Dyepeson Martins e Gabriela Rölke

 
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Os generais comandantes do golpe militar de Bolsonaro
Leia aqui: Heleno tem 'DNA golpista' e esteve envolvido em plano de levante contra Geisel
Leia maisAlém de Heleno, Braga Netto e Ramos serão investigados por suposto envolvimento com atos golpistas
13
Nov22

"O presidente Lula tem de fazer tudo para não perder o povo que o elegeu"

Talis Andrade

Dora Longo Bahia, Revoluções (projeto para calendário), 2016 Acrílica, caneta à base de água e aquarela sobre papel (12 peças), 23 x 30.5 cm cada
 
 

Escreve Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português

 

Prezado amigo Presidente Lula da Silva,

Quando o visitei na prisão em 30 de agosto de 2018, vivi no pouco tempo que durou a visita um turbilhão de ideias e emoções que continuam hoje tão vivas quanto nesse dia. Pouco tempo antes tínhamos estado juntos no Fórum Social Mundial de Salvador da Bahia, conversando, na companhia de Jacques Wagner, na cobertura do hotel onde Lula estava hospedado. Falávamos então da sua possível prisão. Lula ainda tinha alguma esperança de que o sistema judicial suspendesse aquela vertigem persecutória que desabara sobre si.

Eu, talvez por ser sociólogo do direito, estava convencido de que tal não aconteceria, mas não insisti. A certa altura, tive a sensação de que estávamos a pensar e a temer o mesmo. Pouco tempo depois, prendiam-no com a mesma indiferença arrogante e compulsiva com que o tinham tratado até então. Sérgio Moro, o lacaio dos EUA (é tarde demais para sermos ingênuos), tinha cumprido a primeira parte da missão. A segunda parte seria a de o manter preso e isolado até que fosse eleito o candidato que lhe daria a tribuna a ser utilizada por ele, Sérgio Moro, para um dia chegar à presidência da República.

Quando entrei nas instalações da Polícia Federal senti um arrepio ao ler a placa onde se assinalava que o presidente Lula da Silva tinha inaugurado aquelas instalações onze anos antes como parte do seu vasto programa de valorização da Polícia Federal e da investigação criminal. Um primeiro turbilhão de interrogações me assaltou. A placa permanecia ali por esquecimento? Por crueldade? Para mostrar que o feitiço se virara contra o feiticeiro? Que um presidente de boa-fé entregara o ouro ao bandido?

Fui acompanhado por um jovem polícia federal bem parecido que no caminho se vira para mim e diz: lemos muito os seus livros. Fico frio por dentro. Estarrecido. Se os meus livros fossem lidos e a mensagem entendida, nem Lula nem eu estaríamos ali. Balbuciei algo neste sentido e a resposta não se fez esperar: “cumprimos ordens”. De repente, o teórico nazi do direito Carl Schmitt irrompeu dentro de mim. Ser soberano é ter a prerrogativa de declarar que é legal o que não é, e de impor a sua vontade burocraticamente com a normalidade da obediência funcional e a consequente trivialização do terror do Estado.

Prezado Presidente Lula, foi assim que cheguei à sua cela e certamente nem suspeitou do turbilhão que ia dentro de mim. Ao vê-lo, acalmei-me. Estava finalmente na frente da dignidade em pessoa, e senti que a humanidade ainda não tinha desistido de ser aquilo a que o comum dos mortais aspira. Era tudo totalmente normal dentro da anormalidade totalitária que o encerrara ali. As janelas, os aparelhos de ginástica, os livros, a televisão. A nossa conversa foi tão normal quanto tudo o que nos rodeava, incluindo os seus advogados e a Gleisi Hoffmann, presidenta do Partido dos Trabalhadores.

Falámos da situação da América Latina, da nova (velha) agressividade do império, do sistema judicial convertido em ersatz de golpes militares, das sondagens que o continuavam a destacar, do meu receio que a transferência de votos não fosse tão massiva quanto esperava. Era como se o imenso elefante branco naquela sala – a repugnante ilegalidade da sua prisão por motivos políticos nem sequer disfarçados – se transformasse em inefável leveza do ar para não perturbar a nossa conversa como se, em vez de estarmos ali, estivéssemos em qualquer lugar de sua escolha.

Quando a porta se fechou atrás de mim, o peso da vontade ilegal de um Estado refém de criminosos armados de manipulações jurídicas caiu de novo sobre mim. Amparei-me na revolta e na raiva e no desempenho bem-comportado que se espera de um intelectual público que à saída tem de fazer declarações à imprensa. Tudo fiz, mas o que verdadeiramente senti é que tinha deixado atrás de mim a liberdade e a dignidade do Brasil, aprisionadas para que o império e as elites ao seu serviço cumprissem os seus objetivos de garantir o acesso aos imensos recursos naturais do Brasil, a privatização da previdência e o alinhamento incondicional com a geopolítica da rivalidade com a China.

A serenidade e a dignidade com que o Lula enfrentou 582 dias de reclusão é a prova provada de que os impérios, sobretudo os decadentes, erram muitas vezes os cálculos, precisamente por só pensarem no curto prazo. A imensa solidariedade nacional e internacional, que fez de si o mais famoso preso político do mundo, mostraram que o povo brasileiro começava a acreditar que pelo menos parte do que fora destruído a curto prazo poderia ser reconstruído a médio e longo prazo. A sua prisão passou a ser o preço da credibilidade dessa convicção.

 

Prezado amigo Presidente Lula da Silva,

Escrevo-lhe hoje antes de tudo para o felicitar pela vitória nas eleições de 30 de outubro. É um feito extraordinário sem precedente na história da democracia. Costumo dizer que os sociólogos são bons a prever o passado, não o futuro, mas desta vez não me enganei. Nem por isso tenho maior certeza no que sinto necessidade de lhe dizer hoje. Como sei que não tem tempo para ler grandes elaborações analíticas, serei telegráfico. Tome estas considerações como expressão do que de melhor desejo para si pessoalmente e para o exercício do cargo que vai assumir.

(1) Seria um erro grave pensar-se que com a sua eleição tudo voltou ao normal no Brasil. Primeiro, o normal anterior a Jair Bolsonaro era para as populações mais vulneráveis algo muito precário ainda que o fosse menos do que é agora. Segundo, Jair Bolsonaro infligiu um dano na sociedade brasileira difícil de reparar. Produziu um retrocesso civilizatório ao ter reacendido as brasas da violência típica de uma sociedade que foi sujeita ao colonialismo europeu: a idolatria da propriedade individual e a consequente exclusão social, o racismo, o sexismo, a privatização do Estado para que o primado do direito conviva com o primado da ilegalidade, e uma religião excludente desta vez sob a forma de evangelismo neopentecostal.

A fratura colonial é reativada sob a forma da polarização amigo/inimigo, nós/eles, própria da extrema-direita. Com isto, Bolsonaro criou uma ruptura radical que torna muito difícil a mediação educativa e democrática. A recuperação levará anos.

(2) Se a nota anterior aponta para o médio prazo, a verdade é que a sua presidência vai ser por agora dominada pelo curto prazo. Jair Bolsonaro fez regressar a fome, quebrou financeiramente o Estado, desindustrializou o país, deixou morrer desnecessariamente centenas de milhares de vítimas da covid, propôs-se acabar com a Amazônia. O campo emergencial é aquele em que o Presidente se move melhor e em que estou certo mais êxito terá. Apenas duas cautelas. Vai certamente voltar às políticas que protagonizou com êxito, mas, atenção, as condições são agora muito diferentes e mais adversas.

Por outro lado, tudo tem de ser feito sem esperar a gratidão política das classes sociais beneficiadas pelas medidas emergenciais. O modo impessoal de beneficiar, que é próprio do Estado, faz com que as pessoas vejam nos benefícios o seu mérito pessoal ou o seu direito e não o mérito ou a benevolência de quem os torna possível. Para mostrar que tais medidas não resultam nem de mérito pessoal nem da benevolência de doadores, mas são antes produto de alternativas políticas só há um caminho: a educação para a cidadania.

(3) Um dos aspectos mais nefastos do retrocesso provocado por Bolsonaro é a ideologia anti-direitos capilarizada no tecido social, tendo como alvo os grupos sociais anteriormente marginalizados (pobres, negros, indígenas, Roma, LGBTQI+). Manter firme uma política de direitos sociais, económicos e culturais como garantia de dignidade ampliada numa sociedade muito desigual deve ser hoje o princípio básico dos governos democráticos.

(4) O contexto internacional é dominado por três mega-ameaças: pandemias recorrentes, colapso ecológico, possível terceira guerra mundial. Qualquer destas ameaças é global, mas as soluções políticas continuam dominantemente limitadas à escala nacional. A diplomacia brasileira foi tradicionalmente exemplar na busca de articulações, quer de âmbito regional (cooperação latino-americana), quer de âmbito mundial (BRICS). Vivemos um tempo de interregno entre um mundo unipolar dominado pelos EUA que ainda não desapareceu totalmente e um mundo multipolar que ainda não nasceu plenamente. O interregno manifesta-se, por exemplo, na desaceleração da globalização e no regresso do protecionismo, na substituição parcial do livre comércio pelo comércio com parceiros amigos.

Os Estados continuam todos formalmente independentes, mas só alguns são soberanos. E entre os últimos não se contam sequer os países da União Europeia. O Presidente Lula saiu do governo quando a China era o grande parceiro dos EUA e regressa quando a China é o grande rival dos EUA. O presidente Lula foi sempre adepto do mundo multipolar e a China é hoje um parceiro incontornável do Brasil. Dada a crescente guerra fria entre os EUA e a China, prevejo que a lua de mel entre Biden e Lula não dure muito tempo.

(5) O presidente Lula tem hoje uma credibilidade mundial que o habilita a ser um mediador eficaz num mundo minado por conflitos cada vez mais tensos. Pode ser um mediador no conflito Rússia/Ucrânia, dois países cujos povos necessitam urgentemente de paz, num momento em que os países da União Europeia abraçaram sem Plano B a versão norte-americana do conflito e condenaram-se ao mesmo destino a que está destinado o mundo unipolar dominado pelos EUA. E será também um mediador credível no caso do isolamento da Venezuela e no fim do vergonhoso embargo contra Cuba. Para isso, o Presidente Lula tem de ter a frente interna pacificada e aqui reside a maior dificuldade.

(6) Vai ter de conviver com a permanente ameaça de desestabilização. É a marca da extrema direita. É um movimento global que corresponde à incapacidade de o capitalismo neoliberal poder conviver no próximo período com mínimos de convivência democrática. Apesar de global, assume características específicas em cada país. O objetivo geral é converter diversidade cultural ou étnica em polarização política ou religiosa.

No Brasil, tal como na Índia, há o risco de atribuir a tal polarização um carácter de guerra religiosa, seja ela entre católicos e evangélicos ou entre cristãos fundamentalistas e religiões de matriz africana (Brasil) ou entre hindus e muçulmanos (Índia). Nas guerras religiosas a conciliação é quase impossível. A extrema-direita cria uma realidade paralela imune a qualquer confrontação com a realidade real. Nessa base, pode justificar a mais cruel violência. O seu objetivo principal é impedir que o Presidente Lula termine pacificamente o seu mandato.

(7) O presidente Lula tem neste momento a seu favor o apoio dos EUA. É sabido que toda a política externa dos EUA é determinada por razões de política interna. O presidente Joe Biden sabe que, ao defender o presidente Lula, está a defender-se de Donald Trump, seu rival em 2024. Acontece que os EUA são hoje a sociedade talvez mais fraturada do mundo, onde o jogo democrático convive com uma extrema direita plutocrata suficientemente forte para fazer com que cerca de 25% da população norte-americana continue hoje convencida que a vitória de Joe Biden em 2020 foi o resultado de uma fraude eleitoral. Esta extrema direita está disposta a tudo. A sua agressividade fica demonstrada pela tentativa recente de raptar e torturar Nancy Pelosi, líder dos democratas na Câmara dos Representantes.

Pensemos nisto: o país que quer produzir regime change na Rússia e travar a China não consegue proteger um dos seus mais importantes líderes políticos. E, tal como se irá observar no Brasil, logo após o atentado, uma bateria de notícias falsas foi posta a circular para justificar o ato. Portanto, hoje, os EUA são um país duplo: o país oficial que promete defender a democracia brasileira e o país não oficial que a promete subverter para ensaiar o que pretende conseguir nos EUA. Recordemos que a extrema direita começou por ser a política do país oficial. O evangelismo hiper conservador começou por ser um projeto norte-americano (vide o relatório Rockfeller de 1969) para combater “o potencial insurrecional” da teologia da libertação. E diga-se, em abono da verdade, que durante muito tempo o seu principal aliado foi o Papa João Paulo II.

(8) Desde 2014, o Brasil vive um processo de golpe de Estado continuado, a resposta das elites aos progressos que as classes populares obtiveram com os governos do Presidente Lula. Esse processo não terminou com a sua vitória. Apenas mudou de ritmo e de táctica. Ao longo destes anos e sobretudo no último período eleitoral assistimos a múltiplas ilegalidades e até crimes políticos cometidos com uma impunidade quase naturalizada. Para além dos muitos que foram cometidos pelo chefe do governo, vimos, por exemplo, quadros superiores das Forças Armadas e das forças de segurança apelarem a golpes de Estado e a tomarem publicamente partido por um candidato presidencial durante o exercício das suas funções.

Estes comportamentos golpistas devem ser punidos exemplarmente quer por iniciativa do sistema judiciário quer por meio de passagens compulsórias à reserva. Qualquer ideia de amnistia, por mais nobres que sejam os seus motivos, será uma armadilha no caminho da sua presidência. As consequências podem ser fatais.

(9) É sabido que o presidente Lula não põe grande prioridade em caracterizar a sua política como sendo de esquerda ou de direita. Curiosamente, pouco antes de ser eleito Presidente da Colômbia, Gustavo Petro afirmava que a distinção para ele importante não era entre esquerda e direita, mas antes entre política de vida e política de morte. Política de vida é hoje no Brasil a política ecológica sincera, a continuidade e aprofundamento das políticas de justiça racial e sexual, dos direitos trabalhistas, do investimento na saúde e na educação públicas, do respeito pelas terras demarcadas dos povos indígenas e da promulgação das demarcações pendentes.

Acima de tudo, é necessária uma transição gradual, mas firme da monocultura agrária e do extrativismo de recursos naturais para uma economia diversificada que permita o respeito por diferentes lógicas socioeconômicas e articulações virtuosas entre a economia capitalista e as economias camponesa, familiar, cooperativa, social-solidária, indígena, ribeirinha, quilombola que tanta vitalidade têm no Brasil.

(10) O estado de graça é curto. Não dura sequer cem dias (vide Gabriel Boric no Chile). O presidente Lula tem de fazer tudo para não perder o povo que o elegeu. A política simbólica é fundamental nos primeiros tempos. Uma sugestão: reponha de imediato as Conferências Nacionais para dar um sinal inequívoco de que há outra maneira mais democrática e mais participativa de fazer política.

05
Nov22

Especialistas alertam para nova onda de Covid-19 nas próximas semanas

Talis Andrade

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A retirada das medidas contra a Covid, como o uso de máscaras, e a maior interação das pessoas já se refletem em uma subida de casos


 
por ANA BOTTALLO /Folhapress /Estado de Minas
 
SÃO PAULO, SP - A nova onda de Covid que já avança na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos acende um alerta para o Brasil, segundo especialistas.
 

A retirada das medidas contra a Covid, como o uso de máscaras, e a maior interação das pessoas já se refletem em uma subida de casos, o que pode levar a um aumento nas hospitalizações e mortes, ainda que consideravelmente menor do que nos anos anteriores da pandemia.

No estado de São Paulo, as novas internações em UTI para Covid aumentaram 86,5%, do dia 17 de outubro até o último dia 31, enquanto as novas internações na região metropolitana de SP cresceram 46% no mesmo período. 

Atualmente, 324 pessoas estão internadas no estado de SP, um número que representa cerca de 20% do que foi observado na onda da ômicron em janeiro, mas 40% maior do que há duas semanas.

Segundo Rosana Richtmann, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, já é nítido um aumento do número de casos. "Nós infectologistas já notamos, nas últimas duas semanas, crescimento de atendimentos de Covid, e isso já se reflete na maior procura nos prontos-socorros, que são nosso termômetro. Nas próximas duas semanas acredito que já vamos detectar um aumento expressivo nos novos casos", diz.

A tendência de aumento, verificada por meio dos dados de média móvel de casos e óbitos no país, é algo que ocorreu também em outros picos da pandemia.

"De dezembro de 2021 até fevereiro deste ano tivemos um aumento bem acentuado por conta da introdução da ômicron. Depois, tivemos de novo em maio e junho um pico ascendente com a BA.2 [subvariante]. Agora, estamos vendo uma tendência de aumento, mas é importante salientar que em um patamar bem mais baixo", explica o professor de matemática e computação da Unesp e coordenador do SP Covid-19 InfoTracker, Wallace Casaca.

De acordo com ele, a taxa de reprodução do coronavírus no país, o chamado Rt, já se aproxima de 1 - ele está em 0,91-, e vem subindo desde o dia 10 de outubro, quando estava em 0,68.

Apesar de estar em uma "situação de possível controle", a expectativa é de alta nos próximos dias. Uma taxa de reprodução acima de 1 significa que a cada cem infectados transmitem para outros cem. O ideal é que o Rt esteja abaixo de 1, pois assim é possível fazer o controle do vírus.

A hipótese levantada por Casaca é de que a maior circulação de pessoas nas últimas semanas -devido ao período eleitoral e retorno ao trabalho presencial- pode ter provocado o aumento, uma vez que ainda não foi observada aqui a presença de outras linhagens da ômicron.

 

Embora ainda seja cedo para saber se os novos casos vão refletir em um cenário como o do início deste ano, o pesquisador afirma que é melhor prevenir do que remediar.

"Apesar de ainda serem números abaixo de 200 [novas internações no estado de São Paulo], considerando que chegamos a ter 2.000 por dia, é uma situação para ficar em alerta, especialmente com o período de festas de final de ano que se aproxima", explica.

Ele reforça que a pandemia ainda não acabou e é importante adotar novamente alguns cuidados. "Temos motivos para comemorar hoje, muito pelo advento das vacinas, mas não deixa de ser um momento para ficar alerta e pensar em formas de proteger especialmente os mais vulneráveis", diz.

Outros indicadores também já começam a dar sinais dessa tendência de subida no país. Levantamentos obtidos pela Folha de laboratórios de rede privada, como a rede Dasa, o Grupo Fleury e a Abramed (Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica), que reúne dados da rede privada de laboratórios, a taxa de positividade dos testes de Covid vem crescendo nas últimas quatro semanas de outubro.

O Fleury apresentou uma positividade de 12% no dia 16 de outubro, enquanto os dados até o último dia 31 apontam para uma positividade de 30% -um aumento de 2,5 vezes. A quantidade de exames solicitados na rede também dobrou, passando de cerca de 300 por dia para uma média diária de 600.

A taxa de positividade na rede Dasa foi de 3%, nos primeiros dias do mês, para 30% na última semana. Já o levantamento feito pela Abramed aponta um salto semelhante, de 3,7%, na primeira semana de outubro, para 17,3% até o último dia 28, um aumento de 367%, embora o número de exames realizados na última semana seja menor do que o observado no início do mês (de 21.552 para 18.935).

Na Dasa, não houve a detecção de nenhuma nova variante que pudesse estar associada ao aumento dos casos positivos, como ocorreu nos EUA e Europa, mas isso não significa que o mesmo cenário não possa ocorrer aqui, explica o virologista e responsável pelo projeto de vigilância genômica do grupo, José Eduardo Levi.

"Não me parece ainda que algumas dessas sublinhagens estejam em circulação. Agora, isso pode mudar nos próximos meses, e precisamos nos prevenir já", afirma.

Segundo o pesquisador, o atual momento da pandemia, sem medidas de controle, deve criar um ambiente favorável para essas cepas mais transmissíveis caso elas venham a chegar no país.

O infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury, Celso Granato, afirma que diferente do que ocorre no Hemisfério Norte, com a chegada da estação fria, a alta de casos no Brasil pode ser em parte por causa das aglomerações e em parte por termos tido recentemente uma onda de gripe.

E, enquanto o fim da pandemia não chegar, os especialistas recomendam algumas precauções, em especial para as festas. "Pessoas mais idosas e imunossuprimidas devem estar com as vacinas atualizadas, especialmente com um reforço mais recente, para aumentar a proteção contra a ômicron, e também manter o uso de máscara, se possível, em alguns locais fechados", reforça Granato.

04
Nov22

O real tamanho de Bolsonaro

Talis Andrade

 

Por Bepe Damasco

Analistas da mídia comercial, e até do campo progressista, dão como certo que Bolsonaro sai da eleição com um grande capital político, capaz de torná-lo um forte líder de oposição.

Se tomarmos como parâmetro o número de votos que ele obteve no segundo turno, cerca de 58 milhões, não há dúvida de que o capitão fascista conta com cacife para comandar as forças políticas que se oporão a Lula.

Mas o buraco é mais embaixo. Afora a constatação histórica de que o fascismo precisa do controle do Estado para se consolidar, crescer e aumentar seu poder de fogo, é importante examinar outras variáveis de curto e médio prazos. A saber:

1) Como ficará Bolsonaro sem o Auxílio Brasil turbinado, sem o vale-gás ampliado e sem o derrame de dinheiro para caminhoneiros e taxistas?

2) Depois que Lula mudar a política de preços da Petrobrás, Bolsonaro perderá as condições de posar como o pai da redução do preço dos combustíveis, o que só foi possível à custa do prejuízo dos estados, que perderam bilhões em ICMS.

3) Promessa reiterada de sua campanha, Lula decretará o fim dos sigilos de Bolsonaro, do cartão corporativo a várias decisões nebulosas e suspeitas. Qual será o impacto político das revelações dessa caixa preta?

4) Daqui a menos de dois meses, Bolsonaro não contará mais com Aras para abafar seus crimes, nem com o escudo protetor de setores da Polícia Federal e a cumplicidade da milícia bolsonarista que se transformou a PRF.
 
5) Sem o orçamento secreto, através do qual se comprava apoio parlamentar, pairam chuvas e trovoadas sobre o comprometimento da bancada bolsonarista com seu líder? Calcula-se em apenas 50 o número de deputados que podem ser considerados bolsonaristas radicais.

6) O talento de Lula para a negociação política e o poder de sedução que o chefe do Executivo exerce sobre o Congresso Nacional são trunfos do novo governo para isolar Bolsonaro no parlamento.
 
Com se vê, muita água ainda vai passar por debaixo da ponte até que seja possível avaliar a verdadeira força de Bolsonaro na oposição a Lula.
 

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04
Nov22

Imprensa destaca protestos de 'fanáticos' no Brasil, que dizem sair às ruas 'contra o comunismo'

Talis Andrade

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Manifestantes no Rio de Janeiro pediram intervenção militar durante protesto nesta quarta-feira (2).
Manifestantes no Rio de Janeiro pediram intervenção militar durante protesto nesta quarta-feira (2). AP - Bruna Prado
 
31
Out22

A eleição acaba domingo e precisa mesmo acabar domingo

Talis Andrade

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Qualquer coisa diferente disso tem nome: é golpe.

28
Out22

Pandemia: os crimes de Bolsonaro contra o povo

Talis Andrade

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por Juarez Cirino dos Santos

- - -

A conduta do Presidente Bolsonaro na Pandemia da Covid-19 configura um programa deliberado de propagação do vírus, mediante estratégias de boicote de vacinação do povo, por ações e omissões que retardaram o combate ao vírus e a proteção da saúde do povo. Afinal, o Chefe do Executivo é o garantidor da vida e da saúde da população (art. 196, CF), com responsabilidades políticas e jurídicas por ações diretas ou através de terceiros (art. 197, CF).

 

 1. Ações criminosas de Bolsonaro 

 

Ações de boicote ao combate contra o vírus ocorreram em declarações públicas levianas ou falsas de Bolsonaro sobre a eficácia da vacina. 

1.1. Em 31/08/20, Bolsonaro disse que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”; no dia 19/10/20, disse que “metade da população não quer tomar essa vacina”, acrescentando: “Isso é direito das pessoas. Ninguém pode, em hipótese alguma, obrigá-las a tomar essa vacina.”

As declarações de Bolsonaro contrariam entidades científicas, não indicam pesquisas sobre a suposta atitude da população, nem referem leis sobre o direito de recusa da vacina – logo, além de disparates científicos, são atos de exposição das pessoas ao risco de morte pelo vírus, incompatíveis com a Presidência da República. 

As declarações de Bolsonaro contrariam entidades científicas, não indicam pesquisas sobre a suposta atitude da população, nem referem leis sobre o direito de recusa da vacina – logo, além de disparates científicos, são atos de exposição das pessoas ao risco de morte pelo vírus, incompatíveis com a Presidência da República.

1.2. Em dezembro de 2020 Bolsonaro atribuiu efeitos colaterais grotescos à vacina da Pfizer, aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA, aberrantes da experiência clínica ou científica: “Se você virar um jacaré, é problema seu. (...) Se você virar Super-Homem, se nascer barba em alguma mulher aí, ou algum homem começar a falar fino, eles (Pfizer) não têm nada a ver com isso.” 

As hipóteses malucas de Bolsonaro manipularam sentimentos humanos, inculcando imagens de terror no psiquismo de pessoas do povo, com o propósito de infundir medo da vacina. As previsões de Bolsonaro induziram a rejeição da vacina em milhares de pessoas, mediante exposição desprotegida ao vírus com letalidade estatística de 2,39% dos infectados. O efeito induzido de aversão à vacina ampliou a taxa de rejeição do imunizante de 9% para 22%, segundo o Datafolha de 08 de dezembro de 2020. A gravidade do fato: aplicação do percentual de 2,39% sobre o diferencial de 13% de rejeição da vacina produzido pelas declarações indica o total de óbitos, com relação de causalidade entre as declarações de Bolsonaro e o morte de milhares de cidadãos.

1.3. Em 23 de dezembro de 2020, nova ação de Bolsonaro contra a vacina, ao declarar: “Eu tive a melhor vacina, foi o vírus, sem efeito colateral”. A declaração é leviana, porque oculta o efeito de morte de 2,39% dos infectados. O Chefe de Estado induziu ideias suicidas inconscientes em dezenas de milhões de pessoas: cidadãos que acreditaram na opinião e morreram pelo contágio do vírus, agiram sob influência das palavras de Bolsonaro. De novo, a taxa de 2,39% de letalidade do vírus aplicada ao diferencial de 13% do Datafolha indica a quantidade de óbitos, com a mesma relação de causalidade entre as declarações e os resultados de morte das vítimas.  

1.4. Decisões de Bolsonaro (a) reduziram a compra de seringas de 330 milhões para 7,9 milhões e (b) suspenderam a compra de seringas até a “normalização dos preços” no mercado, subordinando a vida de milhares de pessoas à economia de alguns trocados. Mais uma vez, existe relação de causalidade entre a redução/suspensão da compra de seringas e alguns milhares de óbitos pelo vírus por dia de atraso da vacinação, por aplicação das mesmas taxas.

1.5. Ações de Bolsonaro desautorizaram a compra de 46 milhões de doses da vacina Sinovac anunciada pelo Ministro da Saúde, por motivos político-ideológicos: os insumos teriam sido produzidos por tecnologia comunista chinesa. A relação de causalidade entre a falta de 46 milhões de doses da Sinovac e milhares de mortes diárias, também é uma simples operação matemática.

1.6. A página oficial do Ministério da Saúde anunciou um inócuo “kit de tratamento precoce” contra a Covid-19, com o objetivo espúrio de substituir a vacina, em contradição com a ciência e a OMS. Existe relação de causalidade entre a propaganda enganosa do “kit de tratamento precoce” e resultados de morte diários de pessoas que acreditaram no curandeirismo de Bolsonaro e do Ministro da Saúde.

Em todas as hipóteses de relação de causalidade entre as ações indicadas e os resultados de morte descritos, Bolsonaro teria agido com dolo eventual, por consciência desses possíveis resultados e pelo consentimento na sua produção.

 

 2. Omissões criminosas de Bolsonaro 

 

2.1. O Presidente Bolsonaro omitiu acordos prévios com laboratórios internacionais para fornecer vacinas suficientes para imunizar a população, assim como omitiu incentivos a Fiocruz e ao Instituto Butantã para fabricar vacinas contra o vírus. Mais uma vez, existe relação de causalidade entre a omissão do dever jurídico de agir para proteger a vida e a saúde do povo e os resultados de morte por infecção pelo vírus, que teriam sido evitados em índices atuariais demonstráveis.

2.2. Rejeição de oferta de vacinas da Pfizer. O Presidente Bolsonaro ignorou a oferta da Pfizer de um lote de 70 milhões de doses de vacina, a ser entregue até 20 de dezembro de 2020 – uma proposta sem nenhuma resposta oficial. De novo, a carência de vacinas indica relação de causalidade entre a omissão do dever jurídico de agir do Chefe de Estado e a média de 1.000 óbitos diários do povo brasileiro por infeção do SARS-CoV-2, a partir do dia de entrega anunciada das vacinas.

2.3. Uma tragédia evitável. A mortalidade da Covid-19 em Manaus aconteceu por causa evitável: falta de oxigênio nos hospitais da cidade, com prévio alerta da empresa fornecedora ao Governo federal – que preferiu recomendar o inócuo “kit precoce” do Ministério da Saúde. A omissão de Bolsonaro determinou a morte em massa de pacientes infectados pelo SARS-CoV-2, por asfixia causada pela falta de oxigênio: é óbvia a relação de causalidade entre a omissão de ação de Bolsonaro e os resultados de morte por falta de oxigênio nos hospitais. 

Em todas as hipóteses de relação de causalidade entre as omissões de ação e os resultados de morte descritos, Bolsonaro teria agido com dolo eventual, por consciência desses possíveis resultados e pelo consentimento na sua produção, mediante domínio do fato por controle do aparelho de poder organizado do Estado, com atuação subordinada do Ministro da Saúde, em situação de concreta fungibilidade administrativa.

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28
Out22

Na pandemia, ex-gestora de Paulo Guedes investiu no maior grupo de funerárias do País

Talis Andrade

Foto: Reuters/Bruno Kelly

Credit. Foto: Reuters/Bruno Kelly
 

Ex-empresa de Paulo Guedes começou a investir no chamado ‘mercado da morte’ quando o país alcançava a marca de 120 mil mortes por covid

 

 

Por INFORME JB com Mídia Ninja

  •  

 

No momento em que o país alcançava a marca de 120 mil mortes por covid-19, em agosto de 2020, o maior grupo de funerárias do Brasil, o Grupo Zelo, especializado em “death care”, recebeu o investimento de R$ 350 milhões da Crescera Capital – antiga Bozano Investimentos, que tinha entre seus sócios o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Na época, a Crescera Capital se tornou sua maior acionista deste fundo funerário para lucrar com as milhares de vítimas da pandemia do novo coronavírus, conforme reportagem do site Brazil Journal. Nesta terça-feira (25), o Brasil alcançou a marca de 687.710 mortes por covid-19.

Atualmente, o Grupo Zelo Hoje possui 45 empresas, que vão de funerárias a cemitérios – inclusive o maior da capital mineira – passando por ‘velórios on-line’. (Com informações da Revista Fórum)

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Cérebro de Bolsonaro

21
Out22

Como a covid pode provocar mortes prematuras anos depois da infecção

Talis Andrade

Uma mulher em um hospital com a mão no peito

A doença cardiovascular em decorrência da covid pode se manifestar anos depois e levar à morte

 

 

  • Guillermo López Lluch /The Conversation /BBC News

 

Quem se lembra da demora de Jair Bolsonaro em comprar vacinas contra a covid, por negativismo, por acreditar em imunidade de rebanho, e por ludibriar o povo em geral com o kit cloroquina, o kit me engana que eu gosto?

Muita gente faturou com a pandemia, causou mortes que alimentaram a ganância de coronéis e políticos corruptos exterminadores. Estamos perto das 700 mil mortes, e o povo nas ruas das eleições, manda a tristeza embora na frevança  e dança, no "nóis sofre mas nóis goza", esquecidos dos defuntos e do luto.

O vira-casa que gritou "ele não", "fora genocida",  inclusive aprova a falta de empatia de Bolsonaro, que debochou da fome (33 milhões de brasileiros civis), da peste e da morte, e que agora aposta na guerra civil de um golpe militar.

 

Escreve Guillermo López Lluch:

No hemisfério norte, estamos nos aproximando dos meses de inverno — e sofrer com resfriados e doenças respiratórias ficará mais comum. Na verdade, dados da Oceania indicam que a onda de gripe pode ser especialmente agressiva em 2022-2023.

A isso devemos acrescentar que é mais provável que venha junto com outra onda de covid-19 com as variantes atuais, mais eficientes. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já alertou para que medidas sejam tomadas na Europa e que os cuidados primários sejam reforçados. Vamos precisar deles.

Além dos sintomas respiratórios habituais (que podem variar de um resfriado a uma pneumonia fatal), vale ficar atento a outro fato preocupante: o SARS-CoV-2 (causador da covid-19) e outros vírus respiratórios podem desencadear sintomas cardiovasculares.

Na verdade, o conhecimento que temos das sequelas de outras pandemias indica que esses sintomas podem afetar a expectativa de vida, causando mortes prematuras meses a anos depois.

 

Lições de pandemias passadas

 

Após a gripe de 1918, a literatura científica da época descreveu casos raros de nevoeiro mental e fadiga crônica, dois dos sintomas associados à covid-19 hoje. Mas além dos sintomas habituais da gripe, a de 1918 deixou uma sequela muito preocupante com efeitos retardados: uma onda de infartos que abalou o mundo entre 1940 e 1959.

Essa onda foi estranha, aparentemente inexplicável, mas hoje já sabemos que estava associada à pandemia de gripe anterior. O vírus havia deixado uma bomba-relógio em alguns sobreviventes.

Essa onda de doenças cardiovasculares afetou especialmente os homens, assim como a própria pandemia de gripe e agora a de covid-19. Como possível explicação, foi proposto que a resposta imune incomum em homens entre 20 e 40 anos em 1918 poderia ter condicionado os sobreviventes a sofrer maior mortalidade na vida adulta.

Mas, além disso, a exposição pré-natal ao vírus da gripe de 1918 foi associada a uma maior chance de sofrer de doenças cardiovasculares a partir dos 60 anos.

Estudos posteriores mostraram que a infecção pelo vírus da gripe aumenta o desenvolvimento de placas ateroscleróticas e, portanto, a possibilidade de sofrer infartos. Danos ao endotélio vascular aceleram a formação de placas e, portanto, o risco de ataques cardíacos.

 

Infecção por SARS-CoV-2 e doença cardiovascular

 

Após os primeiros meses da pandemia, começaram a ser coletados dados que indicavam um aumento dos danos cardiovasculares após a infecção pelo SARS-CoV-2. As complicações mais frequentes eram insuficiência cardíaca, lesão do miocárdio, arritmias e síndrome coronariana aguda.

Para explicar esses sintomas, duas possibilidades são consideradas e ambas são baseadas em evidências consistentes:

1. Uma resposta imune desequilibrada à infecção viral causa um processo inflamatório que leva a danos vasculares. A inflamação, cujo expoente máximo é a tempestade de citocinas, causaria vasculite, ou inflamação vascular. Assim, em pessoas que já apresentam um princípio de doenças cardiovasculares, essa inflamação aceleraria o processo.

2. O SARS-CoV-2 entra nas células usando a proteína ACE2, bastante presente nas células endoteliais que revestem os vasos sanguíneos. Essa proteína é essencial para o funcionamento do sistema cardiovascular, regulando a pressão arterial, o controle de eletrólitos, a reparação de vasos e a inflamação.

 

Aumento de abortos em mulheres que sofrem de covid-19

 

Como o SARS-Cov-2 afeta o endotélio, é muito possível que cause danos irreparáveis ​​a tecidos altamente vascularizados, incluindo a placenta.

Isso explica o aumento de abortos em mulheres que tiveram covid-19. Na verdade, os perfis de danos vasculares em gestantes com covid-19 são semelhantes aos encontrados em casos de pré-eclâmpsia, desequilíbrio da pressão arterial que causa danos vasculares e abortos.

Além disso, outros estudos mostraram que em gestações precoces o vírus pode causar danos aos órgãos do feto associados a um processo inflamatório generalizado.

 

Vacinas e miocardite? Não há evidências

 

O efeito da proteína S no endotélio foi relacionado a um possível dano vascular causado ​​pelas vacinas baseadas em mRNA. Nessas vacinas, o mRNA que contêm gera essa proteína nos tecidos para que o sistema imunológico a reconheça e se ative contra ela. Mas esse dano não pôde ser demonstrado.

Embora sejam feitas tentativas de alarmar sobre a miocardite associada à vacina, os dados científicos não respaldam esse medo. Uma publicação recente na revista científica JAMA mostrou que de cerca de 192,5 milhões de vacinados nos EUA, apenas 8,4 por milhão de pessoas apresentaram sintomas de miocardite, das quais apenas 92 necessitaram de tratamentos mais específicos do que os anti-inflamatórios habituais — e nenhuma delas morreu.

Não há motivo para tanto alarmismo. Os sintomas de miocardite relatados alguns dias após a vacinação são leves e provavelmente indicam uma resposta inflamatória um pouco mais agressiva nesses indivíduos, mas não um dano direto da proteína S.

Na verdade, os níveis de proteína S no sangue após a vacinação são muito baixos e seu efeito no endotélio é transitório, desaparecendo em poucos dias.

 

Prevenção de danos vasculares, mais um motivo para se vacinar

 

Com todos os dados acumulados até o momento e os precedentes de pandemias anteriores, podemos concluir que a covid-19, assim como outras infecções respiratórias agudas, pode agravar doenças cardiovasculares e reduzir a expectativa de vida, seja acelerando danos vasculares ou gerando novos danos. Esse dano pode acabar levando à morte até mesmo meses ou anos após a infecção.

Felizmente, a vacinação tem se mostrado eficaz contra esses efeitos e também contra a covid-19. A lógica é simples: se o vírus não consegue chegar ao sangue, não pode afetar o sistema cardiovascular.

Mais um motivo para não deixarmos o coronavírus nos infectar sem estarmos preparados. A vacinação salva vidas, até mesmo anos depois.

*Guillermo López Lluch é professor da área de biologia celular. Pesquisador associado do Centro Andaluz de Biologia do Desenvolvimento. Pesquisador de metabolismo, envelhecimento e sistemas imunológico e antioxidante da Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha, na Espanha.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em espanhol).

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