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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

06
Mar22

Histórias para um imbecil ouvir

Talis Andrade

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por Fernando Brito

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Diante da abjeção daquele (agora ex) candidato do Podemos ao Governo de São Paulo que, depois de exibir-se com uma inacreditável morbidez ao ir promover-se em meio ao conflito na Ucrânia, enchendo coquetéis molotov, fez comentários digno de um verme sobre as refugiadas serem “fáceis, porque são pobres”, nada melhor que o texto publicado por Jamil Chade, certamente o maior correspondente estrangeiros do Brasil, Jamil Chade, que está, na íntegra, na sua coluna no UOL, da qual não resisto a transcrever a parte final.

 

Carta para Arthur do Val: a
condição feminina na guerra e na paz

 

Jamil Chade, no UOL

 

(…) Eu tinha viajado para um lugar a oeste da cidade de Bagamoyo, na Tanzânia, para escrever sobre o impacto da Aids numa das regiões mais pobres do planeta. Mas seria naquele local que eu descobriria, de uma maneira inusitada, a dimensão do drama de imigrantes e refugiados. Ao longo dos anos, visitei campos de refugiados na fronteira do Iraque, entre o Quênia e a Somália, em Darfur, na rota entre a Turquia e a Europa.

Vi milhares de pessoas sem destino. Mas, nas proximidades de Bagamoyo, aquela história era diferente. Oficialmente, não havia uma guerra. Não havia um acampamento de refugiados. Mas eu logo descobriria que nem por isso o desespero deixava de estar presente naquela população.

Eu fazia uma visita a um hospital e esperava para falar com o diretor. Por falta de médicos, ele fora chamado para fazer um parto. Sabia que aquilo significava que eu passaria horas ali, à espera de minha entrevista.

Restava fazer o que eu mais gostava nessas viagens: descobrir quem estava ali, falar com as pessoas, perambular pelo local, ler os cartazes e simplesmente observar. No portão do centro de atendimento, centenas de mulheres com seus véus coloridos aguardavam de forma paciente. Tentavam afastar as moscas, num calor intenso, enquanto o choro de crianças rompia os muros descascados daquela entrada de um galpão transformado em sala de espera.

Ao caminhar para uma das alas, fui barrado. Os enfermeiros me pediram que não entrasse no local. Quando perguntei qual era a especialidade daquela área, disseram que não podiam revelar. Em partes da África, o preconceito e o estigma em relação aos pacientes de Aids obrigam os hospitais a não indicar nem em suas paredes o nome da doença. Decidi sair do prédio em ruínas e, num dos pátios do hospital, vi duas garotas brincando.

Não tinham mais de 10 anos de idade. E o único momento em que olharam para o chão, sem resposta, foi quando perguntei o que faziam ali. Mas a curiosidade delas em saber o que um rapaz branco, com um bloco de notas na mão e uma câmera fotográfica, fazia lá era maior que sua vontade de contar histórias. Desisti de seguir com minhas perguntas. Expliquei que era jornalista brasileiro e, para dizer meu nome, mostrei um cartão de visita, que acabou ficando com elas.

Quando iam responder à minha pergunta sobre os seus nomes, nossa conversa foi interrompida por uma senhora que, da porta do hospital, me avisava que o diretor já estava à disposição para a entrevista. Deixei aquelas crianças depois de menos de cinco minutos de conversa. Já caminhando, virei e disse uma das poucas expressões que tinha aprendido em suaíli: kwaheri – “adeus”. Ganhei em troca dois enormes sorrisos.

Terminada a entrevista com o diretor do hospital, confesso que nem sequer notei se as meninas continuavam ou não no pátio. Estava ainda sob o choque de um pedido do gerente da clínica, que, ao terminar de me explicar o que faziam, me perguntou se eu não poderia deixar para eles qualquer comprimido que tivesse na mala. Qualquer um. Até mesmo se o prazo de validade já tivesse expirado.

Alguns meses depois, já na Suíça, abri minha caixa de correio de forma despretensiosa ao chegar em casa. Num envelope surrado e escrito à mão, chegava uma carta de Bagamoyo. Pensei comigo: deve ser um erro e a carta deve ter sido colocada na minha caixa por engano. Eu não conheço ninguém em Bagamoyo. Mas o envelope deixava muito claro: era para Jamil Chade.

Antes mesmo de entrar em casa, deixei minha sacola no chão e abri o envelope. Umavez mais, meu nome estava no papel, com uma letra visivelmente infantil. Eu continuava sem entender. Até que comecei a ler. No texto, em inglês, quem escrevia explicava que tinha me conhecido diante do hospital e que tinha meu endereço em Genebra por conta de um cartão que eu lhe havia deixado.

Como num sonho, as imagens daquelas garotas imediatamente apareceram em minha mente. Mas o conteúdo daquela carta era um verdadeiro pesadelo. A garota me escrevia com um apelo comovedor. “Por favor, case-se comigo e me tire daqui. Prometo que vou cuidar de você, limpar sua casa e sou muito boa cozinheira.” A carta contava que sua mãe havia morrido de Aids – naquele mesmo hospital – e que seu pai também estava morto.

Cada um dos oito filhos fora buscar formas de sobreviver e ela era a última da família a ter permanecido na empobrecida cidade. “Preciso sair daqui”, escrevia a garota. A cada tantas frases, uma promessa se repetia: “Eu vou te amar.” Uma observação no final parecia mais um atestado de morte: “Com as últimas moedas que eu tinha, comprei este envelope, este papel e este selo. Você é minha última esperança.”

Deputado, talvez o senhor classificaria essa pessoa no grupo de “meninas fáceis”. Eu, porém, chorei de desespero e de impotência diante daquele pedido de resgate. Eu e o senhor - homens brancos – nascemos como a classe mais privilegiada do planeta. Eu e o senhor não tivemos de fazer nada para adquirir esses privilégios. Existimos.

É nossa obrigação, portanto, desmontar o processo de profunda desumanização de uma guerra e da miséria. Cada um com suas armas.

Não sei qual será o destino que a Assembleia Legislativa em São Paulo, seu partido e seus eleitores darão ao senhor. Qualquer que seja ele, só espero que esse episódio revoltante sirva para que haja alguma insurreição de consciências sobre a condição feminina. Na guerra e na paz.

Grato pela atenção
Jamil

05
Mar22

As facções, os machos, os eleitores e todos os cúmplices fáceis do fascismo brasileiro

Talis Andrade

 

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Mamãe Falei troca ataques com Eduardo Bolsonaro nas redes: "Frouxo" -  CartaCapital

DIREITA VOLVER Mamãe Falei e o parceiro de arma Eduardo Bolsonaro

 

Por Moisés Mendes /Jornalistas pela Democracia 

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A viagem do deputado Mamãe Falei à Ucrânia ficaria na antologia do folclore da guerra, se não fosse a ostentação do macho incontrolável.

A viagem não foi a farra macabra de um sujeito que se revela farsante até como mercenário. A excursão e seus desdobramentos são da essência da degradação da política brasileira. 

Bolsonaro, os filhos de Bolsonaro e todos os que estão no entorno do bolsonarismo cometem atitudes só aparentemente absurdas. Porque tudo para eles é fácil. O brasileiro é considerado fácil.

Mamãe Falei foi a Ucrânia mentir que fabricaria coquetéis Molotov para enfrentar os russos, assim como Bolsonaro disse ter ido a Moscou para assegurar para o agro-é-pop que haveria adubo para sempre.

Para garantir o abastecimento de adubo, Bolsonaro levou 32 militares e o filho Carluxo a uma conversa com Putin. E boa parte da imprensa se dedicou a explicar a lógica da viagem de Bolsonaro, assim como Mamãe Falei tentou dar sentido à viagem à Ucrânia.

A barbeiragem cometida pelo amigo de Sergio Moro ao espalhar o áudio entre membros da sua facção é apenas o acidente no roteiro. 

Era previsto que ele sairia a alardear que as mulheres estariam lá aguardando seu retorno, depois da guerra. Aí elas iriam ver o que é o machão brasileiro. 

Mas não era previsto que alguém vacilasse como macho e vazasse o áudio, talvez um macho inseguro, sem as mesmas convicções do restante da turma.

Bolsonaro também acha que o eleitor brasileiro é fácil. Antes do segundo turno de 2018, ele anunciou que mataria os inimigos na ponta da praia. Ele era ali um Mamãe Falei. O eleitor era fácil e o inimigo também.

Bolsonaro já mostrou que faz o que quiser com o eleitor da sua base. Tudo com facilidade. É fácil ser negacionista e sabotar a imunização de velhos e crianças e continuar com 25% de apoio, porque é fácil enganar.

Os brasileiros são fáceis para Bolsonaro, para os militares, o centrão, os milicianos. Não porque sejam pobres, como disse Mamãe Falei das mulheres ucranianas, até porque muitos dos fáceis brasileiros são ricos. Simplesmente porque são fáceis.

Bolsonaro, Mamãe Falei e a extrema direita mundial descobriram que convencer, assumir controles e submeter vastos contingentes à hipnose do fascismo são tarefas fáceis. Pessoas em desalento se tornaram presas fáceis, ou não teriam levado Bolsonaro ao poder.

Se em algum momento a engrenagem falha, é só porque Mamãe Falei faz parte da ala da chinelagem e mexeu com o poder das mulheres. 

Se Bolsonaro tivesse dito algo parecido com o que o deputado amigo do ex-juiz suspeito disse, não aconteceria nada. Seria apenas mais uma fraquejada ou a livre manifestação de quem, segundo o genocida, não estupra mulher que não merece ser estuprada.

Bolsonaro foi eleito como incentivador de estupros. Nada é difícil para o sujeito, em qualquer área. Foi fácil para a estrutura montada por ele levar adiante as quadrilhas da pandemia, que intermediaram os negócios da cloroquina e estavam prontas para vender vacinas.

Nunca foi tão fácil para o fascismo agir com a conivência de setores do empresariado, de um jeito que não existiu nem na ditadura. 

A elite empresarial é dócil e fácil. Os banqueiros são fáceis. O mercado financeiro é facílimo. Os liberais brasileiros nunca foram tão fáceis. E os militares facilitaram tudo. 

Com um Ministério Público fácil, tudo fica ainda mais facilitado para proteger os filhos e os milicianos que protegem os filhos. 

O sistema de Justiça é fácil para o bolsonarismo. Mas as mulheres brasileiras não são fáceis. As mulheres vão derrotar a extrema direita no Brasil.

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