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O CORRESPONDENTE

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O CORRESPONDENTE

29
Abr23

Novo contrato social

Talis Andrade
Imagem: Alexander Zvir

 

 

Direitos humanos, sociabilidade, condição humana

 

por Vinício Carrilho Martinez & Josana Carla Gomes da Silva /A Terra É Redonda

- - -

É preferível avisar ao leitor que esse texto não se propõe ser uma tese, no sentido habitual (combatida por antíteses) e nem acadêmica, como se fosse um recorte de tese de doutorado. Tampouco é uma tese sobre a história, como as de Walter Benjamin. Trata-se apenas de um ensaio, como os de Francis Bacon, e assim deve ser lido – talvez, na melhor das hipóteses, possa ser inspirador de alguma tese.

A humanidade só tem um contrato social: das condições e determinantes da interação social. Assim, na verdade, não há “novo contrato social”, posto que é o mesmo contrato social que a humanidade refaz, reafirma continuamente. Sob condições, revezes drásticos, perigos extenuantes de desintegração social ou, ao invés disso, apostando-se na reafirmação da interação social, é ainda o mesmo contrato social, motivador do processo civilizatório.

Este é o processo refeito desde Lucy, o “grito primal” ou Prometeu, ou desde que a humanidade aportou na super-ação do homo sapiens. Ou desde que nos reconheçamos como humanidade, o homo sapiens sapiens: o humano que reconhece sua potencialidade, capacidade de sapiência (pensamento e ação), enquanto super-ação com vistas à intencionalidade política, como sociabilidade política: super-ação vocacionada à política (decisão) e que é a fonte primária da superação humana – no sentido de que o ser social (homo sociologicus) converte-se (superando-se) na insurgência do “animal político” (zoon politikon).

É óbvio que superação é transformação e ninguém transforma a si sem contribuir com a modificação do meio. Veremos que o vice-versa também é correspondente. Obviamente que as condições determinadas, impostas e independentes das escolhas individuais (via de regra pelo poder econômico) são ou podem ser decisivas – ao menos por algum período de tempo. Porém, não são deterministas, irrevogáveis, pois, se fossem, não haveria mudanças significativas ou somente haveriam transformações controladas, nunca para fora do sistema e de sua lógica.

Na prática, não haveria Lucy, Prometeu ou o proletariado insurgente – esta é uma regra básica da teoria social moderna. Portanto, também é óbvio que a força social – especialmente a que alavanca as transformações sociais – deve, precisa, ser vista dentro e fora do sistema, “de um suposto processo determinado a acontecer”, dentro e além das condicionantes exteriores, mesmo que globais: a concepção funcionalista não se dá bem com a história política.

Não é o caso desse texto, no entanto, podemos pensar que existem indivíduos desviantes ou que, até mesmo as dificuldades podem ser arroladas como motivações irresistíveis à mobilidade e ao impulso decisivo de forças não contidas, previstas, “programadas”. Assim, o desvio que outrora era tido como uma abominação vem a ser uma diferença (SILVA, 2021). Diferença essa que nos torna humanos, que nos humaniza e transforma nossa vivência.

De acordo com Goffman (1988), a sociedade encara o desvio da norma como algo que coloca em risco a espécie humana, no entanto é fato que desde o paleolítico as comunidades incluíam seus anciãos e pessoas com alguma dificuldade de locomoção ou deficiência (SILVA, 1984). Seriam essas comunidades “pré-históricas” mais humanas, mais desenvolvidas intelectualmente que o homem moderno/nós?

Num discurso elevado de Sêneca (à maneira dos estoicos), Bacon nos disse que: “As coisas boas que acompanham a prosperidade são desejadas, mas as coisas boas que vem com a adversidade são admiradas […] Mas em geral a virtude da prosperidade é a temperança; a virtude da adversidade é a fortaleza; a qual, a moral é a virtude mais heroica […] Até mesmo no Antigo Testamento, se você escutar a harpa de Davi, ouvirá muito de marcha fúnebre – assim como canto alegre; e a pena do Espírito Santo laborou mais descrevendo as aflições de Jó do que a felicidade de Salomão. Prosperidade não vem sem muito medo e desgosto; e adversidade não está sem confortos e esperanças […]. Certamente a virtude é como o olor precioso, mais fragrante quando ele é queimado ou esmagado, pois a prosperidade descobre melhor o vício, mas a adversidade descobre melhor a virtude”. (BACON, 2007, p. 22-23).

As necessidades nos levaram a cruzar o Rio Estige, em busca desesperada pelo banquete dos deuses – como nos contou Bacon (2002), em sua narrativa peculiar, na forma de um mundo de política, polis, e que mesmo não tendo no espaço público um amplo salão para alojar todo o povo ainda forjaria o nascimento da política, sob a era do neolítico inventivo de outra fase, uma das mais profícuas, do interminável processo de hominização.[i]

Processo esse que ocorre face a face, o homem se torna homem quando em face de seu igual, a cultura e o ambiente são modificados e adaptados em função do homem, a humanidade normaliza tudo a sua volta de modo que o ambiente o beneficie. A cultura e o ambiente são influenciados e influenciadores da natureza humana, essa humanidade que conhecemos é construída através e a partir das relações estabelecidas entre homem e homem, homem e cultura, homem e ambiente e modificadas de acordo com o lugar e período em que ele se encontre (VYGOTSKY, 2008).

Desse modo, quando Marx (2003) dize, no famoso Prefácio, que “a humanidade não se propõe problemas que não possa resolver” está reafirmando nossa capacidade de superação nas intenções e ações decisivas de humanização. Está observando a fabricação social do homo sapiens (nós), em um ininterrupto contínuo de superação das determinações iniciais – por meio, exatamente, da inteligência social – da humanidade, que se fez e se faz enquanto espécie e nunca isoladamente.

Trata-se da inteligência coletiva (social), da superação das necessidades persistentes pela exímia potência humana. Essa mesma que deu início ao que conhecemos como códigos: linguístico, social. A partir dos códigos instituímos os símbolos e seus significados (VYGOTSKY, 2008) que orientam e regem o que chamamos de sociedade e codificam o modus operandi com o qual necessitamos nos enquadrar e guiar nossa conduta num sistema que impele à produção contínua.

Entenda-se essa potência de superação de duas formas: síntese e super-ação. Esta super-ação é uma ação decisiva, a decisão política, a práxis revolucionária que sempre supera as dificuldades, necessidades, e as transforma em possibilidades, acionando-se as potencialidades que (movendo-se) nos fazem continuamente humanos – ou mais humanos, para o bem e para o mal.

Esta super-ação age coletivamente, com a consequência de (continuamente) nos fazer (obrigar a sermos) seres sociais capazes de atuarmos na práxis de superação da própria humanidade – de modo genérico, e na hominização que há em nós. Portanto, não se trata de ação isolada, mas de força social atuante na fabricação social de seres sociais destacados e impulsionados pela capacidade de superação dos atuais níveis limitadores da inteligência social.[ii] A super-ação é uma dialética, um moto contínuo formador de indivíduos sociais e de capacidade socializadora (intencional) e transformadora das necessidades resistentes em potencialidades revigorantes.

O que não se desprende de uma suposição de haver elos substantivos de um forte contrato social; com a diferença de que se supõe um contrato social que considera as dificuldades negadoras – até mesmo da socialização e humanização. Bem como se destaca a capacidade de enfrentar tais restrições, negações, com a mesma infindável capacidade humana de nos afirmarmos no seio social – ainda que, em muitas circunstâncias, já venha desintegrando-se enquanto ligações, relações sociais. Afinal, essa potencialidade de superação não pertence a um ou poucos, uma vez que é a condição essencial da humanidade e de seu incontido processo civilizatório.

Nisto está a dialética – essa disposição genética, ontológica, teleológica –, tão móvel quanto a síntese: a super-ação que é sempre decisiva no fazer-se humano. Esse contrato social nos exige, em consciência e ação, (re)fazer um pacto conosco: o de sermos melhores humanos amanhã do que fomos capazes de sermos hoje.

É um pacto severo, indócil, exigindo-nos conexão, interação, nos níveis e valores humanos mais difíceis de serem alcançados e mantidos no córtex decisivo dos indivíduos sociais decididos em hominização. É um pacto que nos exige uma superação a cada dia (humanos melhores amanhã, do que hoje): superar a si implica na interação social que corrobora a superação da espécie.

É fácil perceber que não há como ser diferente, afinal a humanidade (e cada um de nós) não se supera por inércia, por forças metafísicas ou geração espontânea. Ao contrário disso, o processo civilizatório decorre do pacto consciente, ativo (não só reativo), contínuo, de sempre fazer-se humano. É esse o custo individual do pacto social: a humanidade sempre se modifica, modificando-nos a todo custo. É da nossa quantidade, de super-ação, que advém a qualidade humana superior.

É possível aprender com erros ou mediante as adversidades? Por suposto que sim e a trajetória humana com suas criações técnicas ou sociais demonstra isso. A questão mais relevante nos diria que mais importante do que responder à questão anterior (bastante óbvia) nos diz que “apreender a diversidade”, tomar para si as experiências humanas efetivamente socializadoras, ajuizando-se em benefício da inteligência social, é muito mais produtivo do ponto de vista da hominização: aprender com a heterogeneidade, com as diferenças, diversidades, nos permite ver que a humanidade é muito mais ampla do que o espelho nos revela.

Esta é ainda a lógica dos Direitos Humanos: avançar na adversidade, superar as dificuldades, as desigualdades, consolidar a “unidade na diversidade”. é assim que o direito se revela humanizador, profundamente ético, antropológico, sociológico. É o que somos, um contrato de apostas futuras.

no espectro dos direitos humanos, podemos inferir que a interação social se avoluma quando ocorre inclusão social modificada pela heterogeneidade, na medida em que atua como fonte de socialização: sociabilidade crescente na diversidade. Este é o poder dos direitos humanos, alargar as raias do processo civilizatório, sempre repactuando com a humanidade os valores humanos mais inclusivos, socializadores e progressivos.

Enfim, esta é ainda uma forma válida e justificável de observarmos os direitos humanos como força social – pacificadora, no sentido de que promulga e revigora as forças sociais inerentes à socialização como processo contínuo e faz inibir as forças sociais degenerativas da sociabilidade. Este é o efetivo poder social dos direitos humanos – um contrato social em que os valores humanos são a origem e a razão da pacificação social.

Por fim, pode-se ver claramente que é neste conjunto que se constitui a matriz da heterogeneidade: a capilaridade social que move as diversidades para o reencontro no eixo humanizador do direito. Estamos bem longe disso? Não há resposta única, determinista, especialmente porque esta é a força de nossa origem e condição essencial enquanto espécie: super-ação (agir para adaptar e superar) e síntese progressiva. Em todo caso, aprimoremos nossa filosofia e práxis desde já. Isto nos fará ainda mais humanos.

Referências


BACON, FRANCIS. A sabedoria dos antigos. São Paulo: Editora da UNESP, 2002.

BACON, FRANCIS. Ensaios. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.

BENJAMIN, WALTER. Obras escolhidas – Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1987.

GOFFMAN, ERWIN. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução: Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos -LTC, 1988. 158 p.

MARTINEZ, VINÍCIO CARRILHO. Necrofascismo: Fascismo Nacional, Necropolítica, licantropia política, genocídio político. Curitiba: Brazil Publishing, 2022.

MARX, KARL. Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo : Martins Fontes: 2003, p. 03-08.

SILVA, JOSANA CARLA GOMES DA SILVA. Dupla excepcionalidade: identificação de altas habilidades ou superdotação em adultos com deficiência visual. Dissertação (Mestrado em Educação Especial). Universidade Federal de São Carlos. São Carlos: UFSCar, 231 f. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/14750/Disserta%c3%a7%c3%a3o_Silva_JCG_2021.pdf?sequence=1&isAllowed=y.

SILVA, OTTO MARQUES. A epopeia ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: CEDAS, 1987. 470 p.

VYGOTSKY, LEV SEMENOVICH. Pensamento e linguagem. 2008.

Notas


[i] Igualmente, não é o intuito desse ensaio navegar pelas formas mais contundentes da negação da Política, as formas de ataque mais viscerais em conflito com a sociabilidade e de confrontação aos níveis essenciais de Interação Social, quer sejam sistêmicas – como limitações intrínsecas a qualquer sistema social de respostas igualmente sociais – quer sejam as modalidades de achaque que se desenrolam por meio das sistemáticas crises do capital financeiro, tais como o Fascismo clássico ou Fascismo resiliente, altamente reprodutivo e ajustável aos tempos de redes antissociais e do Estado Rentista. Como ensaio talvez nem precisasse do anúncio formal de seus objetivos; no entanto, citaremos ao menos um: delinear um “contrato social” em que a sociabilidade seja guia da Interação Social (enquanto objeto da Sociologia) e no contexto afirmativo dos Direitos Humanos Fundamentais – no sentido de que são direitos fundamentais ao povo pobre, excluído, negro, expropriado até mesmo do Princípio da Dignidade Humana.

[ii] Veja-se, pontualmente no atual deslinde histórico, a força determinante que meia dúzia de empresas globais de comunicação, tecnologia e entretenimento, exercem sobre o caminho traçado à própria inteligência humana, condicionando-se os valores humanos aos hábitos de ostentação, consumismo, de “alienação da política”, como quem foge da luta social nas ruas para o ninho do sofá, com os dedos em riste a fim de lacrar ou cancelar teses, relações humanas, negócios ou outras pessoas.

27
Out22

Que destino queremos: a barbárie ou a democracia?

Talis Andrade

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Bolsonaro no primeiro comício da campanha presidencial em 2018. Hoje ele não faz mais arminha com a mão

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laerte bolsonaro mito senhor das armas e arminhas.

 

Bolsonarista que lambeu cano de arma e pediu golpe foi investigado por  ameaça a Lula | Eleições 2022 | O Globo

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Que destino poderá conhecer o país nas próximas eleições

 

 

por Leonardo Boff /A Terra É Redonda 

Excetuando a classe dominante que se enriquece com regimes autoritários e de ultradireita, como o atual, vigora, na grande maioria, a consciência de que assim como o Brasil está não pode continuar. Deve haver uma mudança para melhor. Para isso penso que devem ser atendidos alguns quesitos básicos. Elenco alguns.

(1) Refazer o “contrato social”. Este significa o consenso de todos, expresso pela constituição e pelo ordenamento jurídico de que queremos conviver como cidadãos livres que se aceitam mutuamente, para além das diferenças de pensamento, de classe social, de religião e de cor da pele. Ora, com o atual governo rompeu-se o contrato social. Dilacerou-se o tecido social. O executivo faz pouco caso da constituição, passa por cima das leis, menospreza as instituições democráticas, mesmo as mais altas como o STF.

Em razão dessa revolução ao revés, autoritária, de viés ultraconservador e fascista, apoiada por setores significativos da sociedade tradicionalmente conservadora, as pessoas se cindiram, nas famílias e entre amigos e até se odeiam, quando não cometem assassinatos por razões políticas. Se não refizermos o contrato social, voltaremos ao regime de força, do autoritarismo e da ditadura, com as consequências inerentes: repressão, perseguições, prisões, torturas e mortes. Da civilização estaremos a um passo da barbárie.

(2) Resgatar a “civilidade”. Quer dizer, deve prevalecer a cidadania. Esta é um processo histórico-social em que a massa humana forja uma consciência de sua situação subalterna, se permite elaborar um projeto e práticas no sentido de deixar de ser massa e passar a ser povo, protagonista de seu destino. Isso não é outorgado pelo Estado. É conquistado pelo próprio povo na medida em que se organiza enfrenta as classes do atraso e até o Estado classista.

Ora, este processo sempre foi impedido pela classe dominante. Visa a manter as massas na ignorância para melhor manipulá-las e impedir, com violência, que ergam a cabeça e se mobilizem. A ignorância e o analfabetismo são politicamente queridos. Os 10% mais ricos que chegam a responder por 75% da riqueza nacional, fizeram um projeto para si, de conciliação entre eles, sempre com exclusão das grandes maiorias. Carecemos de um projeto nacional que a todos insira. Isso continua até os dias de hoje. É talvez nosso maior flagelo pois se desconhecem os 54% de afrodescendentes, os quilombolas, os indígenas e os milhões de covardemente marginalizados. Sem cidadania não há democracia.

(3) Recuperar a “democracia mínima”. Nunca houve em nosso país uma verdadeira democracia representativa consolidada, na qual estivessem presentes os interesses gerais da nação. Os eleitos representam os interesses particulares de seu segmento (bancada evangélica, do gado, da bala, do agronegócio, da mineração, dos bancos, do ensino particular etc.) ou dos que financiaram as suas campanhas. Poucos pensam num projeto de país para todos, com a superação da brutal desigualdade, herdada da colonização e principalmente do escravagismo.

Sob o atual governo, como poucas vezes em nossa história, a democracia se mostrou como farsa, um conluio dos referidos políticos com um executivo que governa para os seus eleitores e não para todos, inventando até um vergonhoso orçamento secreto, sem qualquer transparência, destinado, primordialmente, para compra de voto da reeleição de um executivo que usa a mentira, a fake news como política de governo, a brutalização da linguagem e dos comportamentos, vive ameaçando de golpe de estado, desmontando as principais instituições nacionais como a educação, a saúde, a segurança (permitindo mais de um milhão de armas nas mãos de cidadãos afeitos à violência).

É urgente recuperar a democracia representativa mínima, para podermos, depois, aprofundá-la, fazê-la participativa e sócio-ecológica. Sem essa democracia mínima não há como fazer funcionar, com a devida isenção, a justiça e o direito; fragilizam-se as instituições nacionais, especialmente a saúde coletiva, a educação para todos e a segurança cujos corpos policiais executam com frequência jovens da periferia, negros e pobres.

(4) Fomentar a “educação, a ciência e a tecnologia”. Vivemos numa sociedade complexa que para atender suas demandas precisa de educação, fomento à ciência e à tecnologia. Tudo isso foi descurado e combatido pelo atual governo. A continuar, seremos conduzidos ao mundo pré-moderno, destruindo nosso incipiente parque industrial (o maior dos países em desenvolvimento),nossa educação que estava ganhando qualidade e universalidade em todos os níveis, especialmente beneficiando estudantes do ensino básico, alimentados pela agricultura familiar e orgânica, o acesso de pobres, por cotas, ao ensino superior, às escolas técnicas e às novas Universidades.

Podemos nos informar a vida inteira nos advertia a grande filósofa Hannah Arendt, sem nunca nos educarmos, vale dizer, sem aprender a pensar criticamente, construir nossa própria identidade e exercer praticamente nossa cidadania. Se não recuperarmos o tempo perdido, poderemos nos transformar num num país pária, marginalizado do curso geral do mundo.

(5) Conscientizarmo-nos de nossa importância única no tema da “ecologia integral” para ajudarmos a salvar a vida no planeta. O consumismo atual demanda mais de uma Terra e meia que não temos (Sobrecarga da Terra). Devemos ademais assumir como fato científico assegurado, de que já estamos dentro do novo regime climático da Terra. Com o acumulado de gases de efeito estufa na atmosfera não poderemos mais evitar fatais eventos extremos graves: prolongadas estiagens, imensas nevascas e inundações, perda da biodiversidade, de safras, migrações de milhares que não conseguem se adaptar e submetidos à fome e aos novos vírus que virão (vorosfera).

Haverá grande escassez mundial de água, de alimentos, de solos férteis. Neste contexto, o Brasil poderá desempenhar uma verdadeira função salvadora já que é a potência mundial de água doce, pela extensão de solos férteis e pela Amazônia que, preservada, poderá sequestrar milhões de toneladas de CO2, devolver-nos oxigênio, fornecer umidade a regiões a milhares de quilômetros de distância e por sua riqueza geobioecológica poderá atender às necessidades de milhões de pessoas do mundo.

Nossos governantes possuem escassa consciência desta relevância e fraquíssima consciência na população. Possivelmente teremos que aprender com o sofrimento que sobrevirá e que já se manifestou entre nós pelas desastrosas enchentes, ocorridas em vários estados neste ano de 2022. Ou todos no planeta Terra colaboramos e nos demos as mãos ou então engrossaremos o cortejo daqueles que rumam na direção de sua própria sepultura, nos advertiu Sigmunt Bauman pouco antes de morrer. Nas palavras do Papa Francisco: “estamos no mesmo barco, ou nos salvamos todos ou ninguém se salva”. A questão essencial não reside na economia, na política e na ideologia, mas na sobrevivência da espécie humana, realmente, ameaçada. Todas as instâncias, saberes e religiões devem dar sua contribuição, se ainda quisermos viver sobre este pequeno e belo planeta Terra.

(6) Por fim, deixando de lado outros aspectos importantes, devemos criar as condições para uma “nova forma de habitar a Terra”. A dominante até agora, aquela que nos fazia donos e senhores da natureza, submetendo-a a nossos propósitos de crescimento ilimitado, sem sentirmo-nos parte dela, esgotou suas virtualidades. Trouxe grandes benefícios para a vida comum, mas também criou o princípio de auto-destruição com todo tipo de armas letais. Devemos fazer a travessia para outra forma na qual todos se reconhecerão como irmãos e irmãs entre os humanos e também com a natureza (os vivos têm o mesmo código genético de base), sentindo-nos parte dela e eticamente responsáveis por sua perpetuidade. Será uma biocivilização em função da qual estarão a economia e a política e as virtudes do cuidado, da relação suave, da justa medida e do laço afetivo com a natureza e com todos os seus seres.

Para que se criem tais condições em nosso país para essa “civilização da boa esperança”, precisamos derrotar a política do ódio, da mentira e das relações desumanas que se instauraram em nosso país. E fazer triunfar aquelas forças que se propõe recuperar a democracia mínima, a civilidade, a decência nas relações sociais e um sentido profundo de pertença e de responsabilidade pela nossa Casa Comum. As próximas eleição significarão um plebiscito sobre que tipo de país nós queremos: o da barbárie ou da democracia.

Sem essa democracia mínima não há como fazer funcionar, com a devida isenção, a justiça e o direito; fragilizam-se as instituições nacionais, especialmente a saúde coletiva, a educação para todos e a segurança cujos corpos policiais executam com frequência jovens da periferia, negros e pobres.

 

O teólogo Leonardo Boff afirmou no programa 20 MINUTOS ENTREVISTA com Breno Altman desta sexta-feira (10/06/2022) que o Papa Francisco mantém viva a Teologia da Libertação e que o movimento social, do qual é figura de referência, representa o futuro da Igreja Católica.

O teólogo espera do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem visitou na prisão, uma aproximação íntima com os valores caros à Teologia da Libertação num eventual próximo mandato. “Ele me disse que chegar de novo à Presidência é a última chance de sua vida em fazer uma grande revolução, e que vai fazer. Fará um discurso político para manter a unidade nacional, mas a prática vai ser radical a favor dos pobres, oprimidos, indígenas, mulheres, LGBTs e todos os que são violados diuturnamente”, narra. Por outro lado, Boff se opõe frontalmente ao presidente Jair Bolsonaro, a quem só se refere como “o inominável”. A postura religiosa do direitista é um dos alvos de sua crítica.

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16
Jan22

Cuidar uns dos outros

Talis Andrade

Minouche Shafik

 

por Gustavo Krause

É o título da magnífica obra de Minouche Shafik (Intrínseca, Dez.2021), economista anglo-egípcia, dona de invejável currículo: vice-presidente do Banco Mundial, aos 36 anos (mais jovem dirigente da Instituição) e primeira mulher a dirigir a London School of Economics. Agrega a experiência acadêmica à gestão de políticas públicas no governo inglês e, como Baronesa da Coroa Britânica, integra a Câmara dos Lordes.

Ao defender um novo contrato social, Minouche não usa a metáfora iluminista dos contratualistas para a criação da “sociedade política”. Refere-se à falta de educação para as crianças, de assistência médica para os pobres e de proteção para a velhice. Sua concepção assemelha-se a uma organização social em círculos concêntricos entremeados de empatia e responsabilidade.

Assim, reflete sobre a política: “Acho que a política não vai ser a mesma daqui a alguns anos, pode piorar, mas temos de fazer o possível para isso não acontecer. Meu livro é um manifesto antipopulista”

Com razão, complementa: “Muitos políticos direcionam as energias das pessoas para assumir discursos de ódio, violência política, divisões e hostilidade entre as pessoas”. Um novo contrato social se constrói a partir das aspirações concretas com a proteção institucional dos instrumentos de limitação e controle do poder: imprensa livre, movimentos sociais ativos e a força do pensamento crítico.

A eleição deste ano bate na porta da história. E se os candidatos almejam vitória, respeitem o cidadão e invistam no bem-estar das pessoas.

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