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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

31
Ago22

Tribunal dos Povos faz leitura da sentença da atuação de Bolsonaro na pandemia

Talis Andrade

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Nesta quinta-feira, 1º de setembro, o Tribunal Permanente dos Povos vai divulgar a sentença do julgamento do presidente Jair Bolsonaro por crimes contra a humanidade e violações cometidos por ele e seu governo durante a pandemia de Covid-19.

A leitura da sentença acontece a partir das 10h, na Sala dos Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo São Francisco, centro de São Paulo.

O julgamento da denúncia contra o presidente Bolsonaro foi realizado em maio deste ano, simultaneamente no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e em Roma, na Itália, sede do Tribunal Internacional.

O órgão acusa o presidente de ter recorrido à máquina pública para propagar intencionalmente a pandemia de Covid-19 no país, gerando morte e o adoecimento de milhares de pessoas, além de promover genocídio dos povos indígenas pela ausência de políticas públicas para a proteção dos indivíduos e seus territórios.

Durante o julgamento, a CNTS, FNE e CNTSS foram convocadas como testemunhas das graves violações dos direitos dos trabalhadores da saúde durante a pandemia. As entidades relataram os problemas que os profissionais enfrentaram durante este período, como a falta de equipamentos de proteção de segurança adequados, falta de treinamento, más condições de trabalho, jornadas de trabalhos exaustivas, que acarretou em 872 mortes de profissionais da Enfermagem reportados junto ao Cofen.

A denúncia foi feita em conjunto pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coalizão Negra por Direitos e a Internacional de Serviços Públicos (PSI).

Sobre o Tribunal – Criado em Roma em 1979, o Tribunal Permanente dos Povos – TTP é considerado um sucessor do Tribunal Russell, que foi estabelecido em 1967 para investigar crimes de guerra no Vietnã. Ainda que não tenha efeito condenatório do ponto de vista jurídico, constitui um alerta para que graves situações não se repitam e uma referência na formulação de legislações nacionais e internacionais.

 

Rascunho de sentença de tribunal condena Bolsonaro pela gestão da covid

 

Relembre as charges que marcaram 2020 no Brasil | Cultura

 

por Jamil Chade /UOL

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Um rascunho da sentença do Tribunal Permanente dos Povos aponta que Jair Bolsonaro será condenado por graves violações de direitos humanos e que, em algumas instâncias, os fatos poderiam ser considerados crimes contra a humanidade.

Ao tratar da questão da pandemia da covid-19, a decisão poderá ampliar a pressão internacional contra Bolsonaro. O órgão internacional, criado nos anos 70, não tem o peso do Tribunal Penal Internacional e nem a capacidade de tomar ações contra um estado ou chefe de governo. Mas uma eventual condenação é considerada por grupos da sociedade civil, ex-ministros e juristas como uma chancela importante para colocar pressão sobre o Palácio do Planalto e expor Bolsonaro no mundo.

Depois de uma audiência e de troca de informações ao longo dos últimos meses, a corte marcou a leitura de sua decisão para esta quinta-feira, dia 1º de setembro. Uma reunião entre os juízes está marcada para ocorrer um dia antes, na quarta-feira, para que se possa bater o martelo sobre a sentença.

Três fontes diferentes da corte, na Europa, confirmaram que um primeiro rascunho sobre a decisão já foi elaborado. Mas o processo ainda envolve uma reunião na quarta-feira para que todos os juízes possam apresentar seus argumentos e votar.

Diante de uma gestão sem precedentes, os juízes tinham de tomar uma decisão sobre o que fazer com Bolsonaro. Dentro do Tribunal, não existe dúvida de que ele será condenado. Mas o debate é sobre como encaixá-lo.

Segundo o UOL apurou, o rascunho que será submetido aos demais juízes aponta para "graves violações de direitos humanos" e, em algumas ocasiões, atos que poderiam significar crimes contra a humanidade.

Não há, pelo menos por enquanto, uma indicação de que os crimes de Bolsonaro devam ser considerados como genocídio. Apesar da opção ter ficado de fora do rascunho, o conceito pode ainda voltar a ser debatido. Alguns dos membros da corte mantém uma postura favorável à consideração também dessa classificação de crime.

A denúncia contra Bolsonaro foi apresentada pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, a Internacional de Serviços Públicos, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e a Coalizão Negra por Direitos.

Os grupos acusaram Bolsonaro de ter, "no uso de suas atribuições, propagado intencionalmente a pandemia de covid-19 no Brasil, gerando a morte e o adoecimento evitáveis de milhares de pessoas, na perspectiva de uma escalada autoritária que busca suprimir direitos e erodir a democracia, principalmente da população indígena, negra e dos profissionais de saúde, acentuando vulnerabilidades e desigualdades no acesso a serviços públicos e na garantia de direitos humanos".

A acusação foi liderada pelos advogados Eloísa Machado de Almeida, Sheila de Carvalho e Maurício Terena.

A denúncia esteve concentrada em demonstrar que houve uma prática de incitação do genocídio, principalmente contra os povos indígenas e movimento negro.

 

O que é o Tribunal

 

Com sede em Roma, na Itália, e definido como um tribunal internacional de opinião, o TPP se dedica a determinar onde, quando e como direitos fundamentais de povos e indivíduos foram violados. Dentro de suas atribuições, instaura processos que examinam os nexos causais de violações e denuncia os autores dos crimes perante a opinião pública internacional.

Embora seja um tribunal de opinião, cujas sentenças não são aplicadas necessariamente pelos sistemas de Justiça oficiais dos Estados, os vereditos do TPP são relevantes. Eles indicam o reconhecimento de crimes e deveres de reparação e Justiça que, de outra forma, sequer seriam considerados pelos sistemas legais oficiais.

Outra de suas funções é embasar processos penais, servindo de subsídio para a elaboração de leis e tratados internacionais, com o objetivo de coibir a repetição dos crimes.

Um exemplo de sua relevância remete à sessão sobre a Argentina, na década de 1980, quando foi apresentada a primeira lista de desaparecidos políticos do regime militar no país.

Criado em novembro de 1966 e conduzido em duas sessões na Suécia e na Dinamarca, o tribunal pioneiro foi organizado pelo filósofo britânico Bertand Russell, com mediação do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre e participação de intelectuais da envergadura do político italiano Lelio Basso, da escritora Simone de Beauvoir, do ativista norte-americano Ralph Shoenman e do escritor argentino Julio Cortázar. Na ocasião, o tribunal investigou crimes cometidos na intervenção militar norte-americana no Vietnã.

Nos anos seguintes, tribunais semelhantes foram criados sob o mesmo modelo, investigando temas como as violações de direitos humanos nas ditaduras da Argentina e do Brasil (Roma, 1973), o golpe militar no Chile (Roma, 1974-1976), a questão dos direitos humanos na psiquiatria (Berlim, 2001) e as guerras do Iraque (Bruxelas, 2004), na Palestina (Barcelona, 2009-2012), no leste da Ucrânia (Veneza, 2014).

Essa não é a primeira vez que o tribunal irá lidar com o Brasil no período democrático.

Em 1989, ele realizou uma audiência dedicada ao tema da impunidade nos crimes de lesa-humanidade na América Latina. Naquele momento, ele colocou em evidência a falta de punição dos responsáveis por violações cometidas durante a ditadura militar brasileira e a negação do direito à memória coletiva como condição para evitar novas formas de autoritarismo.

A situação de crianças e adolescentes na sociedade brasileira e a questão carcerária no país foram temas tratados em 1991. A sessão sobre a Amazônia, no ano seguinte, mostrou a trágica distância entre realidade e direitos preconizados pela Carta de 1988, no manejo do território e nas garantias de autonomia dos povos locais.

E, no ano passado, em sua 49ª Sessão, o tribunal acolheu denúncias de ecocídio e violação de direitos dos povos do cerrado brasileiro. A sentença, porém, ainda não foi divulgada.

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Tribunal dos Povos deve condenar Bolsonaro por crimes na pandemia

Alice Portugal on Twitter: "O Brasil já ultrapassou a marca de 175 mil  mortes pela Covid-19 e o presidente segue com sua guerra política contra a  vacina. Bolsonaro é mercador da morte! #

 

Camilo Vannuchi /UOL

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Será uma condenação simbólica, é verdade, uma vez que o Tribunal Permanente dos Povos, desprovido de competência judicial, não pode aplicar qualquer tipo de sanção aos criminosos julgados por ele. Inspirado no Tribunal Bertrand Russell, que em 1967, também de maneira simbólica, julgou os crimes praticados pelos Estados Unidos na guerra do Vietnã, o Tribunal Permanente dos Povos foi criado em 1979 para ser um tribunal "de opinião".

"A finalidade é reafirmar a autoridade da voz dos povos quando Estados e instituições internacionais falham em proteger os direitos dos povos", declarou o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro acerca dos tribunais de opinião na abertura desta 50ª sessão, na última terça-feira (24). Segundo Pinheiro, professor titular aposentado de Ciências Políticas na USP e ministro dos Direitos Humanos no governo de Fernando Henrique Cardoso, é este o caso do Brasil.

Mesmo sem poder de sanção, uma sentença condenatória no Tribunal Permanente dos Povos terá o condão de ampliar a visibilidade sobre as violações de direitos praticadas por Bolsonaro e seu governo, bem como de incentivar novas investigações e contribuir para a adoção de políticas protetivas dirigidas aos povos por ele ameaçados.

Sobretudo, a iminente condenação de Jair Bolsonaro neste tribunal poderá constrangê-lo ainda mais no cenário internacional, ao mesmo tempo em que o amplo material reunido pela acusação ajuda a sistematizar desde já indícios, provas e testemunhos que poderão engrossar, num futuro próximo, ações movidas contra ele na Justiça comum.

 

Crimes contra a humanidade

 

Bolsonaro virou réu no Tribunal Permanente dos Povos por iniciativa de quatro instituições que representaram contra ele: a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, a Coalizão Negra por Direitos, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Internacional dos Serviços Públicos (PSI).

Duas advogadas e um advogado se revezaram na acusação: Eloísa Machado, que também é professora de Direito na FGV-SP; Sheila de Carvalho, que atua junto à Coalizão Negra por Direitos e coordena o Núcleo de Violência Institucional da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP; e Maurício Terena, advogado indígena da Apib.

O argumento central é de que o réu incorreu em graves violações de direitos humanos e praticou crimes contra a humanidade - como o homicídio, o extermínio e atos desumanos - que atingiram, de forma deliberada, a população negra, povos indígenas e trabalhadores da saúde durante o período mais delicado da pandemia de Covid-19.

 

Muito mais do que negligência

 

Os números são impressionantes. Os pronunciamentos compilados pelas entidades e reunidos num vídeo exibido durante a audiência, nauseantes. Cito alguns exemplos.

Estudos realizados em 2021 mostraram que 63% dos profissionais de saúde não tinham equipamento de proteção individual adequado para atuar na linha de frente da Covid, parte deles nem sequer máscaras cirúrgicas. Foi preciso cobrar na Justiça para que o EPI começasse a chegar.

Em março daquele ano, entidades de classe computaram a morte de um profissional de saúde a cada nove horas no país.

Houve hierarquização de vidas na distribuição de vacinas aos profissionais de saúde num amplo conjunto de unidades: primeiro vacinavam-se os médicos e médicas; se sobrassem vacinas, eram aplicadas nas equipes de enfermagem. Nas raras vezes em que havia excedente, imunizavam-se profissionais de serviços gerais, atendimento, limpeza.

O governo decidiu deliberadamente suspender a contagem dos casos de contágio e de óbito após os primeiros meses, o que obrigou veículos de imprensa a organizar um consórcio a fim de sistematizar os dados que o governo se negou a sistematizar.

Faltou oxigênio em Manaus. Quando chegou oxigênio, não havia medicamentos essenciais para a sedação. Para tentar salvar a vida dos pacientes, enfermeiros precisaram amarrá-los nas macas e intubar sem sedação, ato equivalente à tortura.

Com 2,7% da população mundial, o Brasil somou 11% das mortes por Covid.

Não houve testagem ampla, sobretudo nas classes mais baixas. Pessoas com renda acima de quatro salários-mínimos fizeram testes de Covid quatro vezes mais vezes, em média, do que cidadãos com renda de até meio salário-mínimo. Mais da metade da população brasileira jamais testou.

Pelo menos 120 mil mortes poderiam ter sido evitadas apenas no primeiro ano da pandemia somente com medidas não farmacológicas, ou seja, com lockdown, distanciamento, uso de máscaras e uma política de busca ativa e testagem em massa.

 

Necropolítica

 

Enquanto isso, Jair Bolsonaro não dizia apenas que a Covid era uma gripezinha, mas envidava esforços reiterados para demover a população das três coisas que mais poderia salvar vidas: o distanciamento, as máscaras e as vacinas. Mais do que isso, sempre segundo a acusação: pressionou pelo uso de medicamentos ineficazes, protelou a aquisição de imunizantes a despeito das muitas ofertas feitas por laboratórios que já começavam a produzir comercializar vacinas no segundo semestre de 2020, e fez o que pôde para levar adiante o projeto perverso de buscar a imunidade de rebanho induzindo o contágio de muitos.

Aglomerações promovidas por Bolsonaro, na terra ou no mar, sempre sem máscaras - chegando ao cúmulo de abaixar a máscara de uma criança de colo com a qual fazia uma selfie - completam a extensa lista de ações ora catalogadas como indícios de uma ação deliberada de espalhar a doença e a morte.

"Bolsonaro impõe a todos nós desde 1º de janeiro de 2019 um governo de morte e destruição", afirmou Eloísa Machado, da acusação. "O que ele fez foi encontrar na pandemia uma oportunidade de levar esse projeto a cabo." Entre outras ações, incitou o descumprimento das medidas sanitárias e boicotou a vacina de todas as maneiras que possíveis. Declarou, por exemplo, que a vacina poderia alterar o código genético - e transformar a gente em jacaré, quem lembra? - e transmitir o vírus da Aids.

"O surgimento da pandemia foi algo repentino, imprevisível, é claro", acrescenta Eloísa. "Mas aqui o que estamos destacando não é a resposta imediata, mas toda a gestão, a forma com que ele lidou com a doença ao longo de mais de dois anos".

Para Deisy Ventura, da Faculdade de Saúde Pública, um extenso e cuidadoso trabalho de levantamento de todas as medidas provisórias, portarias, decretos e vetos presidenciais deflagrados nos últimos dois anos com algum impacto na saúde revelou que a atuação de Bolsonaro na gestão da pandemia não pode ser chamada de negligente ou de equivocada, apenas.

"O que houve foi um projeto deliberado para impedir a adoção de medidas de contenção da doença e promover seu alastramento", diz Deisy. "Isso aconteceu de diversas formas, mas principalmente por meio de campanhas de desinformação e perseguição, inclusive judicial, a governos estaduais que adotaram medidas de proteção mais restritivas. Imunização por rebanho nada mais é que um outro nome para assassinato em massa".

 

Genocídio negro

 

A população negra foi particularmente impactada por esse extermínio deliberado, segundo a denúncia, o que pode ser constatado quando se faz um recorte de raça e cor na relação das vítimas.

Profissionais do sistema de saúde sem equipamento de proteção individual, últimos a receber vacina, eram majoritariamente negros.

A população de Manaus, onde a imunidade de rebanho foi particularmente encorajada e onde a população ficou sem oxigênio e sem sedação, num cenário apocalíptico que acabou merecendo ampla divulgação na imprensa, é 75% parda e preta, segundo o IBGE: uma das capitais mais negras do país.

Na visão da advogada Sheila de Carvalho, a má gestão dos impactos da pandemia na população negra é reflexo da desumanização do povo negro que Bolsonaro promove desde antes de ser eleito, quando já circulavam vídeos em que ele se referia ao peso dos negros em arroba (unidade utilizada para calcular o peso de animais, em particular do gado bovino).

Wania Sant'Anna, da Coalizão Negra por Direitos, lembrou que a primeira vítima fatal da Covid no Brasil foi uma emprega doméstica que contraiu o vírus dos patrões. "Não é à toa que uma das primeiras pressões governistas foi buscar caracterizar o trabalho doméstico como essencial", ela diz. "O STF não deixou".

 

Genocídio indígena

 

O terceiro grupo especialmente impactado pelas violações de direitos praticadas pelo réu durante a pandemia - uma vez que o tribunal dos povos elege como cerne de sua atuação a defesa dos direitos coletivos de grupos específicos - é formado pelo conjunto dos povos indígenas: 305 em todo o Brasil, segundo o advogado indígena Maurício Terena, um dos três responsáveis pela acusação.

Aqui, o que está em análise é a ação deliberada do governo federal em torno de decisões, investiduras e movimentos que têm como meta ou como resultado o desaparecimento desses grupos - tanto por meio de políticas de extermínio quanto por meio de pressões incontornáveis para que deixem de existir enquanto grupo étnico, linguístico, cultural.

Dinaman Tuxá, coordenador da Apib, destacou que a política de genocídio teve início no primeiro dia de mandato, quando o presidente empossado confirmou sua decisão de descumprir a Constituição Federal. Segundo a Carta Magna, é obrigação do Estado demarcar terras indígenas, coisa que Bolsonaro prometeu não fazer, nem um centímetro, até o fim de seu governo. Por isso uma de suas primeiras ações foi tirar da Funai a prerrogativa de demarcar terras indígenas e entregá-la para o Ministério da Agricultura, agora nas mãos do agronegócio, personificado na figura da ministra Tereza Cristina.

 

Bolsonaro cumpriu a promessa.

 

O advento da pandemia de Covid logrou multiplicar o ímpeto devastador do presidente. O plano nacional de imunização apresentado pelo Ministério da Saúde em dezembro de 2020, por exemplo, colocou a população indígena como prioritária, mas considerou apenas os moradores de terras homologadas. Ao deixar de fora os indígenas que viviam em áreas ainda não homologadas ou em cidades, o plano desprezava metade da população indígena total.

Antes das campanhas de vacinação, missões evangélicas foram denunciadas por entrar em terras indígenas, com a proteção e o incentivo do presidente, para difundir ali o mesmo discurso negacionista e anticientífico divulgado por Bolsonaro em suas lives. Espalhavam que tomar vacina era arriscado e que as máscaras eram ineficazes. Que eram todos fortes demais para se importar com uma "gripezinha". E que medicamentos como a cloroquina eram capazes de curar causando menos riscos que a vacina.

Os resultados foram catastróficos. Algumas etnias, como os korubos, tiveram mais de 70% de sua população contaminada, por agentes de saúde, missionários, ou, em muitos casos, pela presença cada vez mais próxima e intensa de garimpeiros, madeireiros e pecuaristas. "Não há nenhuma política de Estado que tenha como objetivo a proteção dessas comunidades", diz Dinaman.

Segundo o advogado Maurício Terena, a formação de uma barreira sanitárias nas aldeias foi uma reivindicação da Articulação dos Povos Indígenas garantida por imposição judicial, mas que nunca chegou a ser feita. "Nem sequer o fornecimento de água potável às aldeias o governo cumpriu", diz.

O acusador lembra também que os 305 povos indígenas que vivem no território brasileiro praticam cerca de 170 línguas diferentes e que parte dos indígenas não compreende o português. "Nenhuma comunicação oficial sobre as medidas sanitárias ou as campanhas de imunização foi feita nessas terras nas línguas próprias dos indígenas", diz.

Há, nesse interim, o risco iminente da devastação de povos isolados. Do povo Piripkura, há apenas dois sobreviventes. Do povo Tanaru, apenas um. "Perdemos para a Covid 19 o último Juma que havia no Brasil", lamenta Maurício Terena, com a voz embargada. Aruká Juma morreu aos 86 anos em fevereiro de 2021.

A ausência de barreiras nas aldeias e os constantes ataques oficiais à política de restrição de acesso, por um governo que insiste em dizer que os indígenas são vagabundos e que eles devem ser todos incorporados às cidades e aderir ao modo de vida "ocidental", apenas potencializa o risco.

Num testemunho emocionante, a indígena Auricélia Fonseca, do povo Arapiun, no Pará, falou de sua revolta ao precisar viajar até Brasília em abril de 2021, no auge da pandemia com cerca de 3 mil mortes diárias. "Tivemos de ir porque não podíamos permitir que nos matassem", ela diz. "Eram vários os projetos de morte, não apenas a Covid. Garimpo, marco temporal, agrotóxicos, desmatamento, o envenenamento dos mundurucus e ianomâmis por mercúrio, nossas crianças mortas pelas dragas nos garimpos, as mulheres estupradas. Estão nos matando de muitas formas. A boiada passou e continua passando."

 

Sentença

Numa composição feita com o número 684, no círculo do número 6 há um jair zumbi e nos círculos do número 8 a frase “não sou coveiro”.

Todos os fatos e números apresentados nos dois dias de audiência estão consolidados na peça de acusação encaminhada ao Tribunal Permanente dos Povos. Eles se apoiam em farto material de pesquisa.

O Governo Federal não enviou representantes. Paulo Sérgio Pinheiro, a quem coube presidir essa sessão, afirma que recebeu uma reposta oficial segundo a qual o Governo considerou que não lhe cabe dar satisfação, uma vez que esse tribunal não está previsto em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Ficou sem advogado de defesa e sem testemunhas.

O júri é formado por doze membros, de nacionalidades distintas, com trajetória reconhecida no âmbito do direito ou nas áreas de ciências sociais e saúde. O presidente do júri é o ex-juiz e eminente jurista italiano Luigi Ferrajoli, referência mundial em Direitos Humanos.

 

10
Ago20

Pedro Casaldáliga, testemunho profético

Talis Andrade

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por Frei Betto

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Dom Pedro celebrava o Dia de Finados no mais pobre cemitério de São Félix do Araguaia (MT). Ali jazem os restos mortais de indígenas e trabalhadores atraídos à Amazônia pelo sonho de uma vida melhor. Muitos deles, além de verem suas expectativas frustradas, foram abatidos a bala.

O bispo manifestou ao povo e aos agentes pastorais da prelazia: “Escutem com ouvidos atentos. Vou falar algo muito sério. É aqui que eu quero ser enterrado.”


Para descansar / eu quero só esta cruz de pau / como chuva e sol; / estes sete palmos e a Ressurreição! (Poema “Cemitério do Sertão”, de Dom Pedro)


Atacado há anos pelo mal de Parkinson, ao qual se referia como “Irmão Parkinson”, Pedro, aos 92 anos, sofreu uma piora em seu estado de saúde na primeira semana de agosto. Os recursos em São Félix são precários, e a indigência é agravada pela pandemia do novo coronavírus. A congregação claretiana, à qual Pedro integrava, decidiu transferi-lo para Batatais (SP), onde seria melhor atendido. No sábado, 8 de agosto – festa de São Domingos, espanhol como Pedro – ele transvivenciou pouco depois de 9h da manhã. Seus confrades cumpriram o desejo dele de repousar no cemitério Karajá.

Pedro chegou ao Brasil, como missionário, em 1968, em plena ditadura militar. Veio implantar o Cursilho de Cristandade. Porém, ao se deparar com a exploração dos peões nas fazendas da Amazônia, fez uma radical opção pelos pobres. Trabalhadores desempregados e sem escolaridade se afundavam nas matas em busca de melhores condições de vida, atraídos pela expansão do latifúndio na região amazônica. Literalmente arrebanhados nas cidades, caíam na arapuca do trabalho escravo. Não tinham alternativas senão adquirir provimentos e roupas nos armazéns da fazenda, a preços exorbitantes que os prendiam nas malhas de dívidas impagáveis. Se tentavam fugir, eram perseguidos pelos capatazes, assassinados ou levados de volta, chicoteados, e muitas vezes mutilados, com uma das orelhas cortada. 

Pedro nomeado bispo

São Félix é um município amazônico do Mato Grosso, situado em frente à Ilha do Bananal, numa área de 36.643 km2. Na década de 1970, a ditadura militar (1964-1985) ampliou a ferro e fogo as fronteiras agropecuárias do Brasil, devastando parte da Amazônia e atraindo empresas latifundiárias empenhadas em derrubar árvores para abrir pastos ao rebanho bovino.

Casaldáliga, pastor de um povo sem rumo e ameaçado pelo trabalho escravo, tomou-lhe a defesa e entrou em choque com grandes fazendeiros; empresas agropecuárias, mineradoras e madeireiras; políticos que, em troca de apoio financeiro e votos, acobertavam a degradação do meio ambiente e legalizavam a dilatação fundiária sem exigir respeito às leis trabalhistas. 

Em 13 de maio de 1969, o Papa Paulo VI criou a Prelazia de São Félix do Araguaia. A administração foi confiada à congregação dos claretianos e, de 1970 a 1971, padre Pedro Casaldáliga foi o primeiro administrador apostólico da nova prelazia. Logo em seguida, nomeado bispo. Adotou como princípios que haveriam de nortear literalmente sua atividade pastoral: “Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar”. No dedo, como insígnia episcopal, um anel de tucum, que se tornou símbolo da espiritualidade dos adeptos da Teologia da Libertação.

Na Carta Pastoral de 1971, “Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social”, Pedro posicionou, ao lado dos mais pobres, a recém-criada prelazia: “Nós – bispo, padres, irmãs, leigos engajados – estamos aqui, entre o Araguaia e o Xingu, neste mundo, real e concreto, marginalizado e acusador, que acabo de apresentar sumariamente. Ou possibilitamos a encarnação salvadora de Cristo neste meio, ao qual fomos enviados, ou negamos nossa Fé, nos envergonhamos do Evangelho e traímos os direitos e a esperança agônica de um povo que é também povo de Deus: os sertanejos, os posseiros, os peões, este pedaço brasileiro da Amazônia. Porque estamos aqui, aqui devemos comprometer-nos. Claramente. Até o fim”.

Poeta e profeta
 

Cinco vezes réu em processos de expulsão do Brasil, Casaldáliga morava em um casebre simples, sem outro esquema de segurança senão o que lhe asseguram três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Calçando apenas sandálias de dedo e uma roupa tão vulgar como a dos peões que circulavam pela cidade, Casaldáliga ampliou sua irradiação apostólica através de intensa atividade literária. Poeta renomado, trazia a alma sintonizada com as grandes conquistas populares na Pátria Grande latino-americana. Ergueu sua pena e sua voz em protestos contra o FMI, a ingerência da Casa Branca nos países do Continente, a defesa da Revolução Cubana, a solidariedade à Revolução Sandinista ou para denunciar os crimes dos militares de El Salvador e da Guatemala. 

Certa ocasião, fez uma longa viagem a cavalo para visitar a família de um posseiro que se encontrava preso. Chegou sem aviso prévio. Diante de um prato de arroz branco e outro de bananas, a filha mais velha, constrangida, desculpou-se à hora do almoço: “Se soubéssemos que viria o bispo teríamos feito outra comida”. A pequena Eva, de sete anos, reagiu: “Ué, bispo não é melhor que nós!” Esta  lição ele guardou, e sempre praticou, evitando privilégios e mordomias.

Quando os Karajá iam à cidade, vindos da Ilha do Bananal, o pouso era sempre na casa do Pedro. Ali comiam, tomavam água, descansavam das andanças por São Félix.

Fundador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Casaldáliga admitia que a sabedoria popular era a sua grande mestra. Indagou a um posseiro o que ele esperava para seus filhos. O homem respondeu: “Quero apenas o mais ou menos para todos”. Pedro guardou a lição, lutando por um mundo em que todos tenham direito ao “mais ou menos”. Nem demais, nem de menos.

Pedro em Cuba

Em setembro de 1985 viajei a Cuba com os irmãos e teólogos Leonardo e Clodovis Boff. Informamos a Fidel que Dom Pedro se encontrava em Manágua, participando da Jornada de Oração pela Paz. O líder cubano insistiu para que o levássemos a Havana. Tão logo desembarcou na capital de Cuba, a 11 de setembro, foi conduzido diretamente ao gabinete de Fidel, na época interessado na literatura da Teologia da Libertação. Pedro observou com a sua fina ironia: “Para a direita é preferível ter o papa contra a Teologia da Libertação do que Fidel a favor”.

Na mesma noite, discursou na abertura de um congresso mundial juvenil sobre a dívida externa: “Não é só imoral cobrar a dívida externa, também é imoral pagá-la, porque, fatalmente, significará endividar progressivamente os nossos povos”.

Ao reparar que os sapatos do prelado estavam em péssimo estado, Chomy Miyar, secretário de Fidel, lhe ofereceu um par novo de botas. “Deixo os meus sapatos ao Museu da Revolução”, brincou Dom Pedro.

Fomos juntos para a Nicarágua no dia 13 de setembro de 1985. Ali participou de inúmeros atos contra a agressão do governo dos EUA à obra sandinista e batizou o quarto filho de Daniel Ortega, Maurice Facundo.

Em sua segunda viagem a Cuba, em fevereiro de 1999, Casaldáliga declarou em público, em Pinar del Río: “O capitalismo é um pecado capital. O socialismo pode ser uma virtude cardeal: somos irmãos e irmãs, a terra é para todos e, como repetia Jesus de Nazaré, não se pode servir a dois senhores, e o outro senhor é precisamente o capital. Quando o capital é neoliberal, de lucro onímodo, de mercado total, de exclusão de imensas maiorias, então o pecado capital é abertamente mortal”.

E enfatizou: “Não haverá paz na Terra, não haverá democracia que mereça resgatar este nome profanado, se não houver socialização da terra no campo e do solo na cidade, da saúde e da educação, de comunicação e da ciência”.

 Em conversa com Dom Pedro certa ocasião, ele me disse:
- Penso na frase de Jesus: “haverá fé sobre a Terra quando eu voltar?” Haverá, mas não na sua palavra. Fé no mercado, o grande demiurgo. Só de pensar que, de cada três economistas premiados com o Nobel nos últimos trinta anos do século vinte, dois eram da Escola de Chicago... Portanto, a Academia Sueca acreditou nos modelos matemáticos criados para favorecer a especulação financeira e voltados a considerar a humanidade somatória de indivíduos motivados apenas por interesses pessoais e envolvidos na mais renhida competição com seus semelhantes. Hoje, só vão à igreja aqueles que não têm recursos para frequentar os templos de consumo. O novo lugar do culto é o centro comercial, o Shopping Center, considerado a porta de entrada no Paraíso, pois ali não há mendigos, lixo, crianças de rua, ameaças; tudo refulge em brilho paradisíaco. Somos todos fiéis seguidores do catecismo publicitário. Ele nos incute a convicção de que a salvação individual passa pelo consumo. Excluído não é quem tem pecado; é quem não tem dinheiro. Herege não é quem discorda dos dogmas da Igreja, mas quem se opõe aos dogmas do capitalismo. Apóstolo não é quem abjura a fé cristã, e sim quem professa outra crença convencido de que fora do mercado não há salvação.

Sucessão

Em 2003, ao completar 75 anos, Casaldágica apresentou seu pedido de renúncia à prelazia, como exige o Vaticano de todos os bispos, exceto ao de Roma, o papa. Em 2005, o Vaticano nomeou o sucessor. Antes, porém, enviou-lhe um bispo que, em nome de Roma, pediu que ele se afastasse da prelazia, de modo a não constranger o novo prelado. Dom Pedro não gostou do apelo e, coerente com o seu esforço de tornar mais democrático e transparente o processo de escolha de bispos, recusou-se a atendê-lo. O novo bispo, frei Leonardo Ulrich Steiner, pôs fim ao impasse ao declarar que Dom Pedro era bem-vindo a São Félix. 

Ameaças

Dom Pedro foi alvo de várias ameaças de morte. A mais grave em 1976, em Ribeirão Cascalheira, em 12 de outubro – festa da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida. Ao chegar àquela localidade em companhia do missionário e indigenista jesuíta João Bosco Penido Burnier, souberam que, na delegacia, duas mulheres estavam sendo torturadas. Foram até lá e travaram forte discussão com os policiais militares. Quando o padre Burnier ameaçou denunciar às autoridades o que ali ocorria, um dos soldados esbofeteou-o, deu-lhe uma coronhada e, em seguida, um tiro na nuca. Em poucas horas o mártir de Ribeirão Cascalheira faleceu. Nove dias depois, o povo invadiu a delegacia, soltou os presos, quebrou tudo, derrubou as paredes e pôs fogo. No local, ergue-se hoje uma igreja, a única no mundo dedicada aos mártires.

Por suas posições evangélicas, Pedro era acusado de “bispo petista”. Nunca se importou com as acusações que sofria. Sabia que era o preço a pagar por não defender os privilégios dos latifundiários. Na campanha presidencial de 2018, um dia antes do primeiro turno da eleição, uma carreata pró Bolsonaro desfilou pela cidade e o buzinaço se acentuava ao passar diante de modesta casa do bispo. 

Ninguém encarna e simboliza tanto a Teologia da Libertação quanto Dom Pedro. Ele se tornou referência mundial dessa teologia centrada nos direitos dos pobres

Militante da utopia

Pedro era poeta. A poesia era a sua forma preferida de expressão e oração. Deixou-nos vários livros com poemas de sua lavra, verdadeiros salmos da atualidade. 

Uma de suas músicas preferidas era esta versão de Chico Buarque e Ruy Guerra de “O homem de la Mancha”, espetáculo musical:  “Sonhar mais um sonho impossível, / lutar quando é fácil ceder, / vencer o inimigo invencível, / negar quando a regra é vender”. Ele pedia à advogada e agente de pastoral Zezé para cantá-la na capela.

Pedro nasceu em uma família pobre, de pequenos agricultores, na Catalunha. Em 1940, aos 12 anos, levado pelo pai, ingressou no seminário disposto a se tornar missionário. Aos 24, foi ordenado sacerdote, em maio de 1952. 

Em seu último ano de formação pastoral, na Galícia, manteve contato com operários e migrantes, muitos trabalhadores em fábricas de tecidos. Ganhou as alcunhas de “padre dos malandros” ou “pai dos desvalidos”. Após a passagem pela cidade fabril, sua próxima parada foi Barcelona. Aos 32 anos, foi para a Guiné Equatorial, então colônia espanhola, para implantar os Cursilhos de Cristandade. Ali ele percebeu que o modelo europeu de Igreja não deveria ser exportado para as nações periféricas. 

Como bispo no Brasil, Pedro nunca usou nenhum distintivo que o diferenciasse das outras pessoas e o identificasse como prelado.

Me chamarão subversivo. / E lhes direi: eu o sou. / Por meu Povo em luta, vivo. / Com meu Povo em marcha, vou / Tenho fé de guerrilheiro / E amor de revolução.” (“Canção da Foice e do Feixe”)

Agora tenho plena consciência de que conheci um santo e profeta: Pedro Casaldáliga. Santo por sua fidelidade radical (no sentido etimológico de ir às raízes) ao Evangelho, e profeta pelos riscos de vida enfrentados e as adversidades sofridas. 

 

10
Ago20

Cimi: Nota de pesar pela Páscoa de Dom Pedro Casaldáliga

Talis Andrade

dom-pedro-casaldaliga-.jpg

 

 

Hoje o planeta está mais entristecido!

Foi chamado aos braços do Pai nosso amado profeta Dom Pedro Casaldáliga! O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) vem manifestar o seu pesar pela partida deste homem que, em sua simplicidade, sabia acolher como ninguém os pequenos de Deus.

Foram décadas de compromisso com a luta do povo, defendendo e amplificando a voz dos indígenas, dos camponeses, dos negros, das mulheres e dos mais esquecidos.

Desde seu início, quase 50 anos atrás, o Cimi se inspirou no exemplo de vida profética de Dom Pedro, no seu despojamento e nas suas propostas práticas em nossas Assembleias e encontros. A sua vida foi dom e graça para todas e todos nós.

Que lá do Céu, reluzindo como um grande sol, esteja velando por cada um e cada uma de nós, que ainda não completamos nossa jornada nesse mundo cheio de desafios e graças.

Querido Dom Pedro, das missionárias e dos missionários do Cimi, oração, agradecimento e a promessa de continuar com o compromisso pela causa do Reino!

Conselho Indigenista Missionário
Brasília, 8 de agosto de 2020

08
Ago20

Morre dom Pedro Casaldáliga, o "bispo do povo"

Talis Andrade

Brasilien Pedro Casaldáliga im Gespräch 2014 (Agência Brasil/Wilson Dias)

Casaldáliga em fotografia de 2014. Ele continuou a receber ameaças de morte

mesmo depois de completar 80 anos

Bispo que enfrentou a ditadura militar e latifundiários da Amazônia tinha 92 anos. Nascido na Espanha, religioso atuou por décadas na defesa dos pequenos posseiros e dos povos índigenas

Deutsche Welle

 

O bispo emérito de São Félix do Araguaia, em Mato Grosso, Pedro Casaldáliga, conhecido pela luta a favor dos direitos humanos e da defesa dos posseiros e povos indígenas na Amazônia, morreu neste sábado (08/08), aos 92 anos, na cidade de Batatais (SP). A informação foi divulgada pela Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria. A causa da morte não foi divulgada.

O bispo estava infecção no pulmão e insuficiência respiratória agravada pelo Parkinson, doença que o acometia há mais de 10 anos. Testes não acusaram a presença do novo coronavírus.

"D. Pedro Casaldáliga voltou para a Casa do Pai”, diz a nota divulgada em conjunto pela Prelazia de São Félix do Araguaia (Mato Grosso, Brasil), a Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria (Claretianos) e a Ordem de Santo Agostinho (Agostinianos), que informou ainda que o bispo estava na cidade de Batatais.

Nascido na Catalunha, Espanha, em 1928, Casaldáliga se mudou para o Brasil quando tinha 40 anos. Ao chegar no Araguaia, em 1968, o religioso passou a se dedicar ao trabalho de defesa da população desfavorecida pela luta pela posse da terra. Ele foi o primeiro bispo prelado de São Félix do Araguaia, nomeado em 1971 pelo papa Paulo 6°. Ele ocupou o ofício até 2005, quando renunciou.

O bispo foi um dos responsáveis ao lado de outros religiosos progressistas pela fundação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), na década de 1970. À época, denunciou o trabalho escravo na região do Araguaia e entrou em choque com garimpeiros, latifundiários e madeireiros.

Adepto da teologia da libertação, ele atuou contra o regime militar (1964-1985) e chegou até mesmo a contrariar o Vaticano, durante o papado do conservador Joao Paulo 2° (1978-2005). Pelo seu trabalho na Amazônia, ficou conhecido como "bispo do povo” e "bispo dos pobres”, também por causa dos seus hábitos simples e falta de vaidade.

Durante a ditadura, foi alvo em cinco ocasiões de processos de expulsão do Brasil, mas permaneceu graças as intervenções do então arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns. Com medo de ser barrado, só arriscou viajar ao exterior após a redemocratização, em 1985.

Em 1976, ao se dirigir a uma delegacia em Ribeirão Bonito (MT) para averiguar uma denúncia de tortura contra um grupos de mulheres, Casaldàliga foi ameaçado por policiais. O padre jesuíta João Bosco Penido Burnier, que acompanhava o bispo, foi assassinado com um tiro na nuca pelos agentes.

A atuação intransigente de Casaldàliga em prol dos direitos humanos lhe valeu ameaças de morte até mesmo em 2012, quando ele já tinha 84 anos e estava doente. À época, a retirada de invasores terra indígena Marãiwatsédé acirrou os ânimos na região. Casaldáliga teve que deixar sua casa.

Além do trabalho pastoral, dom Pedro Casaldáliga foi reconhecido por sua produção literária, tanto em poesia quanto em artigos e obras políticas.

O velório ocorrerá em Batatais, neste sábado a partir das 15h, na capela do Claretiano - Centro Universitário de Batatais, unidade educativa dirigida pelos Missionários Claretianos. A missa de exéquias será celebrada, também em Batatais, neste domingo às 15h,  com transmissão ao vivo pelo YouTube.

Depois, o corpo será levado para Ribeirão Cascalheira, em Mato Grosso, onde será velado, a partir de segunda-feira. Em seguida, irá para São Félix do Araguaia, onde o bispo realizou o seu trabalho missionário. Haverá um velório seguido de sepultamento.

Vários atores políticos do Brasil lamentaram a morte de Casaldáliga. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que dom Pedro Casaldáliga "viveu e praticou a fé e o amor que nos ensinou Jesus Cristo”. "Teve solidariedade e compromisso até o fim da vida com os desvalidos, a democracia, a liberdade, a natureza e os direitos humanos.”

A ex-presidente Dilma Rousseff disse: "Toda sua vida foi de luta por Justiça Social e em defesa dos mais humildes. Um homem de fé e de perseverança. Um homem de esperança em meio à injustiça que envergonha a todos que lutam por dias melhores.”

O ex-governador e candidato à Presidência em 2018 Ciro Gomes afirmou: "O Brasil perdeu hoje um grande lutador. Seu trabalho importante na defesa dos povos indígenas seguirá sendo exemplo para todos, ainda mais nestes tempos de ataques aos povos tradicionais.”

O governo Bolsonaro ainda não se manifestou.

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