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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

09
Mar24

Em ‘O Conde’, ditador chileno é retratado como um vampiro com mais 250 anos e traz dilemas atuais da conjuntura do País

Talis Andrade

Indicado à categoria de Melhor Fotografia, o filme de Pablo Larraín coloca para nós que além de entender o personagem do Augusto Pinochet como alguém ora debilitado, ora viril, é preciso ir além do corpo e pensar o mandatário também como política, que insiste em não morrer

 

Por Gabriel Rocha

Indicado ao Oscar de Melhor Fotografia, o filme “O Conde”, de Pablo Larraín faz jus à indicação. A produção feita em preto e branco conta com voos do vampiro Pinochet sob paisagens pacatas e espaçadas, o que dá um efeito na produção.

Além do lado estético, o longa de Larraín conta também com o aspecto político. Ele é mais um dos filmes latino-americanos que falam sobre os períodos ditatoriais da segunda metade do século passado, mas não apenas, ele conta com o trunfo de ser lançado no ano em que o golpe militar chileno completa 50 anos, 1973-2013.

O diretor chileno não é estreante na hora de mexer com os traumas da sociedade chilena, na produção de “No”(2013), indicado ao Oscar de Melhor filme Estrangeiro de 2013, Larraín conta a história do plebiscito que marcaria a transição do período ditatorial para a redemocratização. Já em “Tony Manero”(2008), o personagem principal usa sua inspiração em “Os Embalos do Sábado à Noite” para fugir da violência pinochetista.

Já em “O Conde”, o diretor traz para o plano central o general Pinochet como um vampiro com mais de 250 anos e que necessita de sangue- se for dos trabalhadores, melhor- para continuar sobrevivendo, mas que já apresenta sinais de cansaço decide morrer. Para organizar o inventário, a família contrata uma contadora, Carmen(Paula Luchsinger).Infiltrada, a personagem de Paula foi designada pela igreja católica na função de exorcizar o conde.

A história se desenrola através desses marcadores e faz um exercício de misturar importantes aspectos de memória, história e também conjuntura chilena. Ao longo da trama outros vampiros vão aparecendo, é o caso de Fyodor, o mordomo russo que fugiu do seu país de origem quando os bolcheviques chegam ao poder, e também a mãe de Pinochet, Margareth Thatcher, ex- primeira ministra da Inglaterra. O parentesco se faz interessante quando ligamos a história e notamos a proximidade de Londres com Santiago em momentos chave da história da sul-americana. O ditador chileno, por exemplo, foi um importante aliado de Londres quando estourava a Guerra das Malvinas, conflito armado entre Argentina e os ingleses. A proximidade não para por aí, com o digno amor maternal, só que na vida real, Margareth pronunciou que estava entristecida com a morte do chileno, em 2006.

Os estreitos laços entre a terra da rainha e o país andino continuam quando na mesma época, a política adotada pelos seus respectivos líderes foi a do neoliberalismo, com o intuito reduzir gastos públicos e transferi-los ao setor privado, redução de proteções sociais, como a previdência. A diferença entre os dois países foi como isso foi colocado em vigor. Se os chilenos vinham de um momento de importante agito social causado pela chegada ao poder de Salvador Allende e a Unidade Popular, a via chilena ao socialismo, como dizia o próprio Salvador, e que veio acompanhado de uma agitação popular com greves e nacionalizações de empresas privadas. A contra revolução chegou encarnada no general que mencionava que não trairia um presidente eleito, mas que no dia 11 de setembro de 1973 bombardeava o Palácio de La Moneda e, em seguinte, praticava todo tipo de violência contra sua população.

Do lado thatcherista, não faltou conflito, só quem uma dose muito menor do seu aliado político. A ex-primeira-ministra chegou batendo de frente com o movimento sindical inglês que vinha de algumas vitórias conquistadas no período anterior, nos anos de governo do Partido Trabalhista. Um dos pontos altos desse conflito se dá quando estoura a greve dos trabalhadores das minas de carvão, em 1984. A greve dura 16 meses entre 84 e 86, e os trabalhadores ingleses saem derrotados e sem emprego, já que um dos estopins da greve era de que a importação do carvão era mais barata do que a produção em solo inglês, daí o fechamento das minas.

A lacuna deixada pelo ‘O Conde’, em sua conexão com a realidade, impõe uma inquietação, já que no filme, ainda quando em preto e branco, o desejo de Pinochet era o de morrer, porém, parte final não passar de um flashback da narradora, Thatcher, que já no presente, aparece com o seu filho rejuvenescido em frente a Escola das Américas, importante local de tortura. Na vida real a localidade teve a função projetar o modo de tortura para todas as ditaduras latino-americanas, do Uruguai a Guatemala.

À espera pela morte que não vem pode nos ajudar a compreender esse personagem de Pinochet como um corpo envelhecido, mas que carrega consigo a política, e que não se trata mais da matéria, mas desse potencial que ela consegue impactar a sociedade chilena. Afinal, elementos de sua época que ainda continuam intactos e que foram pautadas pelas últimas manifestações. Afinal, se hoje a Escola das Américas é um simpático hotel no Panamá, a metodologia ainda está vigente, já que nas últimas manifestações os ‘carabineros’ tinham artífice atirar nos olhos dos manifestantes. Ou seria também, o fato da membra da igreja no filme acabar se tornando um vampiro igual a Pinochet, e em sua conexão com a realidade acaba também sendo questionada pelos próprios manifestantes nas ruas de Santiago e como resultado, algumas basílicas acabam queimadas.

Se Pablo Larraín teve esse cuidado ao fazer essa conexão com a realidade chilena, isso só ouvindo o diretor para nos dar certeza, mas você pode tirar suas conclusões de “O Conde” na Netflix. Ah, não se esqueça, se municie de dentes de alho porque os vampiros estão à solta.

01
Out23

Bomba: Secretaria de Educação do Ratinho Junior Paraná divulga material com conteúdo golpista

Talis Andrade

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Pinochet, Ustra e outros monstros heróis de Bolsonaro. Ilustração Gilmar

 

I - OS LOBOS SEDENTOS BOLSONARISTAS 

Os governadores do Sul são fanáticos da extrema direita bolsonarista. Importante lembrar os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná abrigam a denominada Liga da Justiça da Lava Jato, células nazistas, e preferem eleger para os legislativos estaduais e da União parlamentares militares e policiais e pastores fundamentalistas e capitães-do-mato do agronegócio, grileiros de terras e exploradores do trabalho escravo, ou como eles dizem trabalho análogo 'a escravidão. Coronéis que recentemente promoveram uma CPI sobre o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Nada de importante temos como exemplo. Na justiça, no combate insano e safado e circense 'a corrupção, a mágica do desaparecimentos de bilhões de moedas, botijas arrecadadas nos acordos de leniência das grandes empresas nacionais e multas das delações super premiadas, criando os novos ricos da Lava Jato das Festas da Cueca em hotéis de luxo. 

 

Operação Condor



Investigar, perseguir, torturar e matar eram os procedimentos da Operação Condor, um pacto letal firmado nos anos 1970 entre os governos militares de nações sul-americanas, inclusive o Brasil, com o objetivo de eliminar indivíduos que se opunham ao regime golpista.

Conforme um slide fornecido pela Secretaria da Educação do Paraná (Seed) para ser compartilhado por professores com os alunos, as pessoas que sofreram os horrores da ditadura eram classificadas como “antipatriotas” e “esquerdistas”.

Segundo uma captura de tela recebida pelo App Sindicado (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná), é possível ver diversos usuários visualizando a apresentação.

 

 

A Secretária Educacional da APP-Sindicato, Vanda Santana, caracteriza a situação como extremamente séria, uma vez que observa que o texto reflete as inclinações políticas e ideológicas de quem elaborou o material, que está acessível a todos os professores da rede estadual.

A líder sindical critica a abordagem adotada pelo sistema educacional do Paraná na criação de materiais didáticos, uma vez que esse método permite que a perspectiva de uma única pessoa se torne uma referência no processo de ensino.

“Por isso nós temos reforçado constantemente a importância da autonomia no trabalho docente, desde o seu planejamento, produção de material e o encaminhamento das aulas”.

Vanda ressalta que a APP-Sindicato defende o conhecimento científico que tenha passado pelo rigoroso processo de pesquisa e validação realizado por instituições acadêmicas e inúmeros pesquisadores. “Portanto, não podemos aceitar esse negacionismo e revisionismo histórico que esse tipo de slide apresenta”, argumenta.

A denúncia sobre o conteúdo do material se espalhou por grupos de mensagens. Algumas horas mais tarde, o texto foi modificado. Na nova versão, as vítimas da ditadura são descritas como “opositores e pessoas consideradas subversivas à ordem estabelecida”.

 

 

Segundo a professora, a alteração no texto ainda é problemática, pois mantém uma orientação ideológica que defende um Estado sob regimes autoritários, sem democracia, e continua a estigmatizar qualquer perspectiva política que seja diferente dos partidos conservadores.

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O caso já aconteceu outra vez

Este não é um incidente isolado ou a primeira ocorrência desse tipo. Em fevereiro deste ano, o sindicato já havia denunciado outro material fornecido pela Seed que apresentava abordagens inadequadas. O conteúdo destinado às aulas de Educação Financeira continha slides que estigmatizavam a pobreza e culpabilizavam os estudantes por sua condição social.

O professor aposentado, Luis Claudio Pereira, que acumulou mais de 32 anos de experiência no ensino da disciplina de História tanto na rede pública quanto privada, considera o que aconteceu como algo inaceitável. Ele acredita que isso expõe claramente a influência da ideologia bolsonarista que parece ter se infiltrado na educação pública do Paraná sob a gestão de Ratinho Jr. e Renato Feder.

“É assustador. O governo cria uma narrativa justificando um posicionamento ideológico da direita. Isso é nocivo para a democracia e nos afasta de uma visão de mundo pautada nos direitos humanos”.

O regime militar no Brasil perdurou por 21 anos. A ditadura começou após o golpe militar que destituiu o então presidente João Goulart em 31 de março de 1964. Além do autoritarismo e das violações dos direitos humanos, esse período se caracterizou pela ausência de eleições diretas para a presidência, pelo fechamento do Congresso Nacional e pela prática da censura à imprensa e à sociedade.

Conforme o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, as sérias violações aos direitos humanos cometidas durante o regime militar no Brasil resultaram em 434 mortes e desaparecimentos políticos. Além disso, um levantamento divulgado pela Human Rights Watch aponta que aproximadamente 20 mil pessoas foram submetidas à tortura, e 4.841 representantes eleitos pelo povo foram destituídos de seus cargos durante esse período. Publicado no portal O Cafezinho (continua)

12
Set23

Documentário: ”Vozes do silêncio. Nem perdão nem esquecimento”. Assista, legenda em português

Talis Andrade

 

Jair de Souza traduziu e legendou o documentário ”Vozes do silêncio: Nem perdão, nem silêncio”, da RT. A legendas em português podem ser acionadas no canto inferior direito, em configurações.

 

Vozes do silêncio: Nem perdão, nem esquecimento

por Jair de Souza

VioMundo

- - -

Estamos chegando ao dia 11 de setembro.

Para os mais jovens, queria retroceder 50 anos na história, pois exatamente neste mesmo dia no ano de 1973, a América Latina e o mundo sofreram um dos mais destruidores golpes de parte das forças mais retrógradas, mais anti-humanas, mais pró-imperialistas que a humanidade já tinha tido o horror de conhecer: o golpe militar comandado por Augusto Pinochet que derrubou o governo socialista de Salvador Allende no Chile.

Foi o marco de uma nova etapa da monstruosidade do grande capital no intuito de extirpar pela raiz toda e qualquer ameaça proveniente das maiorias populares que pudesse ameaçar os privilégios das classes dominantes.

Foi a primeira iniciativa orquestrada pelas instituições capitalistas a nível planetário de implantar o neoliberalismo de maneira organizada e permanente.

Depois de muitos anos de sofrimento e luta, o povo chileno ainda está engajado numa luta ferrenha na busca de sanar as mazelas que os anos de ditadura cravaram em sua sociedade.

Como lição muito importante, precisamos entender que os efeitos nocivos deixados pela passagem de um governo deste tipo não se limitam aos anos em que essas forças permanecem visivelmente no comando do aparelho de Estado.

Até hoje, as maiorias populares do Chile estão padecendo as agruras surgidas com a tomada de poder pelos militares em 1973.

As forças democráticas chilenas estão empenhadas na luta para que os crimes cometidos por essa ditadura não venham a ser esquecidos e, muito menos, os criminosos perdoados.

Esquecer e perdoar fatos e criminosos que tantas desgraças causaram significa abrir a porta para a repetição dos mesmos.

Para nós brasileiros o documentário acima, Vozes do silêncio: Nem perdão, nem esquecimento,  tem um valor adicional, pois ele nos remete à nossa própria realidade e aos nossos embates com as forças do bolsonarismo. Conforme os próprios próceres bolsonaristas deixam patente, o modelo pinochetista lhes serviu de inspiração em nosso país.

Em outras palavras, o pinochetismo é a fonte de inspiração para o bolsonarismo.

Assim, entender bem o que está por trás do pinochetismo nos leva a compreender melhor nossa própria realidade.

No documentário Vozes do silêncio: Nem perdão, nem esquecimento vamos observar que as classes dominantes recorrem a forças de extrema direita do tipo do pinochetismo e do bolsonarismo naquelas fases da história em que eles sentem que as estruturas de dominação tradicionais já não estão dando conta de manter os movimentos populares subjugados.

O pinochetismo não vacilou em matar para se fazer impor, assim como o nazismo também não.

E, devemos ter clareza, o bolsonarismo é fruto da mesma árvore. Em outras palavras, tanto o pinochetismo como o bolsonarismo se inspiraram sempre em seus antecessores da Alemanha hitlerista.

Neste muro, está escrito: ‘Mesmo que os passos toquem este local por mil anos, não vão apagar o sangue dos que aqui caíram’. Entre eles, o do compositor, músico e ativista político chileno Victor Jara, que aí foi fuzilado, em 16 de setembro de 1973. Fotos: Reprodução de imagem do documentário ”Vozes do silêncio” e Wikipedia

 

Muitos argumentam que não é correto equiparar bolsonarismo e pinochetismo com o nazismo, o qual teve seus campos de concentração e suas câmaras de gás. O que podemos responder quanto a isto é que se o bolsonarismo não chegou a tanto foi porque não encontrou condições para ali chegar.

Não há limites de tipo humanitário para as tropas de choque do grande capital.

Aqueles que diante da morte de mais de 700.000 pessoas não se sentem perturbados já que não são coveiros não teriam nenhuma reticência em aplicar métodos similares de extermínio aos de seus inspiradores germânicos. Não tenhamos dúvidas disso.

Espero que aproveitemos a comemoração (comemorar não é celebrar) deste novo aniversário da tragédia chilena para estudar e tirar lições desse acontecimento.

Foi com este espírito que me dediquei a traduzir e legendar este vídeo-documentário, que considero uma das peças mais bem-feitas para retratar em pouco tempo o significado daquele trágico acontecimento.

30
Ago23

Ex-militares chilenos são condenados pelo assassinato de Victor Jara

Talis Andrade
Victor Jara é um dos principais músicos e compositores da América Latina e se tornou uma figura lendária, símbolo de luta e poesia
 

Supremo Tribunal do Chile decidiu condenar sete ex-oficiais do Exército a penas de 8 a 25 anos de prisão pelo assassinato de Jara

17
Set22

Precisamos voltar a falar dos criminosos e das vítimas da ditadura

Talis Andrade

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Brasil terá de voltar a falar de ditadura, de ditadores e de torturadores, ou assumir que é um país resignado, alienado e acovardado

 

por Moisés Mendes

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O presidente Gabriel Boric é apresentado como o grande perdedor do referendo que rejeitou a nova Constituição do Chile.

A mobilização contra a Constituição acordou direita e extrema direita, quietas desde as manifestações de rua iniciadas em outubro de 2019, que levaram à Constituinte e agora à frustração.

Tanto acordou que grupos pinochetistas foram às ruas, em 11 de setembro, no aniversário do início da ditadura, para enfrentar manifestantes de esquerda.

E o que fez o presidente? Anunciou que, ao contrário do que os fascistas pensam, eles não terão paz. E que o Chile continuará avivando a memória do que aconteceu na era Pinochet.

Como parte do que está sendo planejado para o aniversário do 50º ano do golpe, em setembro do ano que vem, Boric informou que desde agora o governo participa de uma nova empreitada.

O Chile vai em busca de pistas que esclareçam o que aconteceu com os 1.192 cidadãos e cidadãs até hoje identificados como desaparecidos em algum momento a partir de 1973. Mais de 500 eram crianças.

O Chile teve mais de 3 mil mortes e desaparecimentos. Na Argentina, foram mais de 30 mil, mesmo que esse número seja sempre questionado.

No Brasil, o saldo macabro é oferecido quase como um consolo por fascistas e historiadores condescendentes: 434 pessoas mortas e desaparecidas. .

Mas Argentina, Chile e Uruguai conseguiram, uns mais, outros menos, avançar na punição dos criminosos das suas ditaduras. O Brasil nada fez, por conta da anistia de 1979.

O ambiente que se vislumbra, com uma vitória de Lula, nada assegura de mudança na área da reparação judicial.

O Supremo já fechou todas as portas que poderiam levar à punição criminal de torturadores e assassinos ainda vivos.

Mas o futuro governo poderá oferecer, por gesto político, suporte para que se retome o que foi levado adiante pela Comissão da Verdade e outras iniciativas, para que os horrores da ditadura não sejam esquecidos.

Boric está assumindo com os chilenos, em circunstâncias desfavoráveis ao seu governo, um compromisso com a História.

Um novo governo democrático no Brasil, em substituição ao poder fascista de Bolsonaro, também terá que assumir compromissos.

Pela reabilitação do debate em torno do que foi a ditadura. Pelo fortalecimento de lutas esparsas que ainda resgatam essa memória.

Pelo apoio às energias e aos afetos de todos os familiares e amigos que persistem e pelo respeito a torturados, mortos e desaparecidos.

Um novo governo democrata terá de dar conta de demandas desprezadas e perdidas desde 2016.

O Brasil terá que voltar a dizer, sem medo, todos os anos e de forma permanente, como fazem os chilenos e outros vizinhos, que aqui houve uma ditadura sanguinária.

E reconhecer que a impunidade ajuda a explicar o horror que ainda enfrentamos até hoje.

O esquecimento sustentou a vida tranquila de ditadores e de 377 agentes públicos (militares, policiais e outros) envolvidos em crimes de lesa humanidade entre 1964 e 1985, como torturas, assassinatos e ocultação de cadáveres.

O esquecimento nos levou às crueldades e aos crimes do bolsonarismo e à estrutura militar que tutela e sustenta um genocida.

O Brasil terá de voltar a falar de ditadura, de ditadores e de torturadores, ou assumir que é um país resignado, alienado e acovardado.

O ditador Pinochet na visão de Chico Caruso | Acervo

08
Ago22

Milícia gerenciando o voto

Talis Andrade

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Relnaldo Azevedo no Twitter

 
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Reinaldo Azevedo
Por que Bolsonaro teme ser preso?

Michelle — q nas redes chamam “Micheque” em razão de depósitos feitos por Fabricio Queiroz em sua conta — disse q Palácio do Planalto, antes, estava consagrado ao demônio. Sei. Muito cristão, seu marido encomendou quase 800 mil almas só de Covid. Com quem mesmo está o capeta?

Por que Bolsonaro teme ser preso?

 

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Comissão de militares que fiscaliza urnas é só parte do jogo golpista. Posts absurdos do Cel Ricardo Sant'Anna provam. Leia na minha página no @UOL sobre reportagem de
Sérgio A J Barretto
@SergioAJBarrett
É o general Héber Garcia Portella, aquele designado para contestar as urnas eletrônicas no TSE, que é o responsável pela compra de tecnologia para rastrear celulares. O Brasil tem Forças Armadas ou terroristas fardados?
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Também agora, o preço da liberdade é a eterna vigilância. Veja por que mobilização em favor da democracia tornou-se ainda mais necessária na minha coluna desta semana na ⁦@folha
A traz a íntegra do Manifesto de entidades pró-democracia defende soberania do voto. E no meu linktree vc encontra a url pra juntar-se às 730 mil assinaturas dos cidadãos
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"Mentir precisa voltar a ser errado de novo”, foi a fala de Barroso depois de novos ataques mentirosos de Bolsonaro ao STF e a signatários de manifestos pela democracia. Leia no
@UOLNoticias
@reinaldoazevedo
Lênio sensacional. Como sempre!
Lenio Luiz Streck
@LenioStreck
O NOVO DILÚVIO: 1. Vendo que “cristãos” fuzilam, ofendem e odeiam em Seu nome, Deus resolveu passar a régua. Deu um berro e disse: “F...-se! Farei um novo dilúvio.” Mas Ele tinha que ter critérios. Não podia ser discricionário como o judiciário. “Pouparei, primeiro, os ateus.”
Reinaldo Azevedo
@reinaldoazevedo
Bolsonaro anunciou q fará uma trapaça p/ simular apoio das Forças Armadas à manifestação golpista do dia 07/09. Vai transferir desfile para local do ato dos reaças. Se acontecer, cometerá novos crimes.
 
Há militares bolsonaristas e golpistas. Estes costumam evocar restrições éticas ao PT, lembrando as acusações da Lava Jato. Sei. O palanque de Tarcísio em SP, neste sábado, mostrou quem integraria a base civil do golpe: Eduardo Cunha, este Colosso de Rodes da honestidade.
Jair Bolsonaro e Eduardo Cunha no palanque de Tarcísio em São Paulo. Agora, sim, as coisas estão mais claras. A propósito: se Tarcísio se tornar governador de São Paulo, que pedaço do governo pretende dar a Cunha, esse grande monumento moral?
 
Meu Jesus Cristinho, como diria Bandeira! Li o “contramanifesto” de advogados de extrema-direita p/ tentar contestar a carta em defesa da democracia. Há pelo menos 26 erros de pontuação no texto — 16 só no primeiro parágrafo. Há ainda um de concordância verbal, um de crase, dois de regência verbal, um de regência nominal, um de pronome oblíquo, que não corresponde à pessoa gramatical do sujeito, e um anacoluto”. Bolsonaristas precisam de um tipo bem particular de reparação: são excluídos gramaticais. Leiam meu artigo no UOL.Image
 
Pois é…Quem disse que essa família não iria longe? Olhem aí o filhote do Coiso!!! A depender dos desdobramentos, entrará na lista vermelha da Interpol.
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21
Jul22

Luta, substantivo feminino – Mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura

Talis Andrade

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Verdade publica a seguir dois depoimentos extraídos do livro Luta, substantivo feminino  – Mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura, publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que testemunham as brutalidades cometidas pelos torturadores da Ditadura Militar, verdadeiros terroristas que continuam impunes e protegidos pelas Forças Armadas, e a falta de coragem do Governo e do Congresso Nacional.

“Fomos colocadas na solitária, onde ficamos por três meses, sendo tiradas apenas para sermos interrogadas sob tortura. Era choque elétrico, pau de arara, espancamento, telefone, tortura sexual. Eles usavam e abusavam. Só nos interrogavam totalmente nuas, juntando a dor da tortura física à humilhação da tortura sexual. Eles aproveitavam para manusear o corpo da gente, apagar ponta de cigarro nos seios. No meu caso, quando perceberam que nem a tortura física nem a tortura sexual me faziam falar, me entregaram para uns policiais que me levaram, à noite, de olhos vendados, para um posto policial afastado, no meio de uma estrada. Lá, eu fui torturada das sete da noite até o amanhecer, sem parar. Pau de arara até não conseguir respirar, choque elétrico, espancamento, manuseio sexual. Eles tinham um cassetete cheio de pontinhos que usavam para espancar os pés e as nádegas enquanto a gente estava naquela posição, de cabeça para baixo. Quando eu já estava muito arrebentada, um torturador me tirou do pau de arara. Eu não me aguentava em pé e caí no chão. Nesse momento, nessa situação, eu fui estuprada. Eu estava um trapo. Não parava em pé, e fui estuprada assim pelo sargento Leo, da Polícia Militar. De madrugada, eu percebi que o sol estava nascendo e pensei: se eu aguentar até o sol nascer, vão começar a passar carros e vai ser a minha salvação. E realmente aconteceu isso. Voltei para a solitária muito machucada. A carcereira viu que eu estava muito mal e chamou a médica da penitenciária. Eu nunca mais vou esquecer que, na hora que a médica me viu jogada lá, ela disse: Poxa, menina, não podia ter inventado isso outro dia, não? Hoje é domingo e eu estava de saída com meus filhos para o sítio’. Depois disso, eles passavam noites inteiras me descrevendo o que iam fazer com a minha menina de quatro meses. ‘Você é muito marruda, mas vamos ver se vai continuar assim quando ela chegar.

Estamos cansados de trabalhar com adulto, já estudamos todas as reações, mas nunca trabalhamos com uma criança de quatro meses. Vamos colocá-la numa banheirinha de gelo e você vai ficar algemada marcando num relógio quanto tempo ela leva para virar um picolé. Mas não pense que vamos matá-la assim fácil, não. Vocês vão contribuir para o progresso da ciência: vamos estudar as reações, ver qual vai ser a reação dela no pau de arara, com quatro meses. E quanto ao choque elétrico, vamos experimentar colocando os eletrodos no ouvido: será que os miolos dela vão derreter ou vão torrar? Não vamos matá-la, vamos quebrar todos os ossinhos, acabar com o cérebro dela, transformá-la num monstrinho. Não vamos matar você também não. Vamos entregar o monstrinho para você para saber que foi você a culpada por ela ter se transformado nisso’. Depois disso, me jogavam na solitária. Eu quase enlouqueci. Um dia, eles me levaram para uma sala, me algemaram numa cadeira e, na mesa que estava na minha frente, tinha uma banheirinha de plástico de dar banho em criança, cheia de pedras de gelo. Havia o cavalete de pau de arara, a máquina do choque, e tinha uma mamadeira com leite em cima da mesa e um relógio na frente. Eles disseram: ‘Pegamos sua menina, ela já vai chegar e vamos ver se você é comunista marruda mesmo’. Me deixaram lá, olhando para os instrumentos de tortura, e, de vez em quando, passava um torturador falando: ‘Ela já está chegando’. E repetia algumas das coisas que iam fazer com ela. O tempo foi passando e eles repetindo que a menina estava chegando. Isso durou horas e horas. Depois de um tempo, eu percebi que tinham passado muitas horas e que era blefe.”Gilse Cosenza, moça e combatente de Minas - Mauricio Grabois

Gilze Cosenza, ex-militante da Ação Popular (AP), era recém formada em Serviço Social quando foi presa em 17 de junho de 1969, em Belo Horizonte (MG)

 

 

“Toda vez que o guarda abria a cela e vinha com aquele capuz, a gente já sabia que ia apanhar. Numa dessas vezes que foram me buscar, quando chego na sala de tortura, ao tirarem meu capuz percebo que era uma aula. Havia um professor e vários torturadores. Pelo sotaque, percebi que alguns não eram brasileiros, mas provavelmente uruguaios, argentinos. Então me disseram que eu era uma cobaia. Eles começaram a explicar como dar choque no pau de arara. Eu passei muito mal, comecei a vomitar, gritar. Aí me levaram para a cela e, dali a pouco, entrou um médico com outros torturadores.

Ele me examinou, tomou minha pressão e o torturador perguntou: ‘Como ela está?’. E o médico respondeu: ‘Tá mais ou menos, mas ela aguenta’. E aí eles desceram comigo, sob gritos e protestos das companheiras de cela. A aula continuou e acabou comigo amarrada num poste no pátio com os olhos vendados, e os caras fazendo roleta russa comigo, no maior prazer. Essa brincadeirinha levou muito tempo, até que no sexto tiro a bala não veio. Na minha época, eu fui a única a servir de cobaia, acho que eles tinham uma ‘predileção’ especial por mim. No DOl-Codi, a barra foi pesadíssima. Teve pau de arara com choque elétrico no corpo nu: nos seios, na vagina, no ânus. Lá tinha um filhote de jacaré de estimação dos torturadores que eles colocavam para andar em cima do nosso corpo, amarrado numa cordinha. Fiquei três meses no DOl-Codi, depois fui para o Dops e, depois de um tempo, para o presídio de Bangu. Então, fiui transferida para o presídio de Bom Pastor, em Pernambuco.”Dulce Pandolfi conversa sobre ditadura

Dulce Chaves Pandolfi, ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), era estudante de Ciências Sociais quando foi presa em 14 de agosto de 1970, no Rio de Janeiro

 

 

21
Jul22

Como era a censura na ditadura militar

Talis Andrade

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Nestes tempos em que se discute o futuro da democracia no Brasil, nunca é demais lembrar como era o país na ditadura militar. Em entrevista a MONEY REPORT, o jornalista e escritor Sérgio Augusto lembra situações vividas nos anos de chumbo e explica como funcionava a censura no período.

O presidente do STF, Dias Toffoli, se referiu ao golpe militar de 1964 como um “movimento”. Como você avalia essa declaração?

Isso é um insulto pessoal. Negar que houve ditadura ou qualificá-la eufemisticamente de “movimento” é de pasmar. Não creio tratar-se de ignorância histórica, mas de má-fé e desonestidade intelectual.

Por quê?

O ministro nem era nascido quando houve o golpe. Ok. Eu também não era nascido quando Hitler invadiu a Polônia. Nem por isso digo por aí que as tropas de Hitler foram a Varsóvia a passeio.

Qual a sua lembrança da ditadura no Brasil?

Recordo das redações pelas quais passei. Dos amigos presos, sumidos, torturados e mortos. E também do cerceamento que a imprensa sofria. Cheguei a ser censurado ao mesmo tempo nos três veículos com os quais colaborava (Veja, Pasquim e Opinião).

Como funcionava a censura nos veículos de comunicação no período?

Os censores iam para a redação e ficavam olhando texto por texto, avaliando o que poderia ser publicado. Outra forma era quando os próprios militares ligavam para o jornal proibindo determinados assuntos. Coisas que nem mesmo a gente estava apurando.

Quem eram os censores?

A princípio eram burocratas, gente do governo que era deslocada de outras áreas. Mas, com o recrudescimento da ditadura, o cerceamento ficou pior. Brasília precisava aprovar todo o material. Algumas vezes mal tínhamos conteúdo para fechar uma edição.

Que tipo de assunto era proibido de ser publicado?

Tudo praticamente. A censura atingiu níveis paranoicos porque os militares imaginavam que tudo era conteúdo subversivo. Até uma coluna sobre xadrez chegou a ser proibida. Eles achavam que era alguma linguagem cifrada.

Você acredita que corremos o risco de ver a história se repetir?

O país caminha para um arremedo do que foi o regime militar. Mas não acredito que a censura, nos moldes do que era, possa atingir os veículos de comunicação. Temo mesmo é que os jornalistas virem alvos de agressão.

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A Censura na Ditadura Militar

 

No documento A INCONSTITUCIONALIDADE DA INCOMUNICABILIDADE DO CONSELHO DE SENTENÇA NO TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO (páginas 46-49)

A CENSURA COMO LIMITAÇÃO DOS SENTIDOS

A Censura na Ditadura Militar

O período democrático, instalado em 1946, teve vida efêmera (apenas 18 anos). E o país viveu uma certa turbulência política que foi desde o suicídio de Vargas, em 24 de agosto de 1954, passando pela crise financeira do governo JK, pela eleição direta, em outubro de 1960, de Jânio Quadros e sua renúncia em 25 de agosto de 1961 e pelo conturbado governo de João Goulart, até chegar ao dia 31 de março de 1964, quando os militares assumiram o poder com a perspectiva de nele permanecer, e a isso chamaram de Revolução, mas foi um Golpe de Estado, uma subversão da ordem constitucional. Era o silêncio se aproximando, agora, com a ditadura militar.

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Tradução de: Ismênia Tunes Dantas.

"Em 1964, o Brasil passa por uma ruptura de seu processo político-institucional. Tendo início em 31 de março, com a articulação do general Olímpio Mourão Filho, a partir de Juiz de Fora (MG) e, configurando-se claramente, em 1.o de abril, com o avanço de outras tropas, ocorre um golpe civil-militar que derrubaria o presidente constitucional e legitimamente empossado, João Goulart."

(AQUINO, Maria Aparecida de. Estado autoritário brasileiro pós 64: conceituação, abordagem historiográfica, ambigüidades, especificidades. In: Fico, Carlos et al. 1964-2004 - Anos do golpe: Ditadura militar e resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004. p.55).

A década de 1960, no Continente Latino-Americano, foi palco de outros golpes de Estado, além do que ocorreu no Brasil. A Argentina em 1966 e, depois, em 1976 vivencia outros golpes de Estado semelhantes. No Chile, em 11 de setembro 1973, há a derrubada e morte do Presidente socialista Salvador Allende com a ajuda dos EUA, que colocam no poder o brutal sanguinário General Augusto Pinochet. O Uruguai não fica de fora desse processo autoritário e vê os militares assumirem o poder em 1973.

No caso brasileiro democracia foi exercida por pouco tempo, e a linguagem sofre outro ataque com o novo regime instalado, pois a censura é imposta e os sentidos diversos do que o regime quer, são cassados.

O regime militar impõe uma forte censura à sociedade com o advento do AI 5, sexta-feira, 13 de dezembro de 1968. A garantia constitucional do habeas corpus para os acusados contra a ordem econômica e social, economia popular e contra a segurança nacional foi suspensa, além de ter aposentado, forçosamente, três notáveis Ministros do STF, defensores da liberdade: Evandro Cavalcanti Lins e Silva; Hermes Lima e Victor Nunes Leal.

O rigor imposto pelo AI 5 protagonizou uma das maiores disputas no Superior Tribunal Militar, ocorrida entre dois generais: Geisel e Pery Bevilaqua.

Geisel, durante o julgamento de um habeas corpus de um livreiro, advertiu Pery de que não admitia ser interrompido durante sua fala. Pery o chamou de mal-educado.

Posteriormente, Pery Bevilaqua foi malvadamente posto para fora do STM com base no AI5, poucos meses antes de completar 70 anos, quando seria aposentado pelo calendário. A ditadura acreditou que se livrara dele, mas na verdade foi Pery quem se livrou dela. Anos depois, tornou-se um dos lideres da campanha pela anistia. Graças a ele, o Exército brasileiro pode dizer que um de seus generais teve a coragem de falar em anistia na época em que a palavra parecia ser um estigma.

Estima-se que 5 milhões de chilenos foram mortos durante a ditadura de Pinochet (Tiros em Columbine, Michael Moore). GASPARI, Elio. A ditadura derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p.105.

O regime militar faz com que surjam resistências à censura, pois a palavra foi cassada, mas não calaram os sentidos que são expressos com significados distintos dos que estão proibidos. Pode-se falar, mas não se pode significar aquilo que está proibido de se dizer, mas, mesmo assim, surgem resistências de diversas formas.

A censura estabelece um jogo de relações de força pelo qual ela configura, de forma localizada, o que, do dizível, não deve (não pode) ser dito quando o sujeito fala. Não se pode dizer o que foi proibido (o dizer devido), ou seja: não se pode dizer o que se pode dizer.

O regime militar procura impor um sentido só para toda a sociedade. Trata-se da retórica da opressão fazendo surgir a retórica da resistência em que se procura, de uma forma permitida, resistir ao que é proibido. Ou seja, na relação censura/resistência, o movimento que interessa é aquele que faz dizer o mesmo para significar outra coisa e dizer outra coisa para significar o mesmo. Usa-se a palavra com diversos significados.

O importante nessa relação era o significado, o sentido, não tanto as palavras porque estas foram cassadas, e o que se proibiu, inicialmente, foi a palavra com sentido diferente do que se autorizava.

Uma das formas de resistência em que se disse o que estava proibido dizer significando o que se queria significar, e não o que se estava dizendo, foi na música popular brasileira, com canções clássicas do tipo: MEU CARO AMIGO, de Francis Hime e Chico Buarque; AQUELE ABRAÇO, de Gilberto Gil; PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES, de Geraldo Vandré.

Estupros e répteis: 5 fatos sobre a tortura durante a ditadura militar  brasileira

Gregório Bezerra deputado federal preso, torturado e humilhado pela ditadura militar no Recife do general Hélio Ibiapina torturador  

 

A luta armada foi uma das formas de se resistir contra a censura e o regime propriamente dito. Carlos Lamarca, capitão do exército, carioca do morro de São Carlos, no Estácio, zona norte do Rio de Janeiro, foi um dos principais protagonistas dessa resistência, mediante a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), juntamente com Carlos Marighela, líder da Aliança de Libertação Nacional. O QG do II Exército; o Palácio Bandeirantes, sede do governo de São Paulo, e a Academia de Polícia seriam alvos de suas ações.

Quando na música Chico Buarque diz que “vai passar”, o povo “sabe” que ele não fala de uma doença ou de uma dor de amor, mas de uma dor, um mal político: a ditadura e o sofrimento social.

No documento A INCONSTITUCIONALIDADE DA INCOMUNICABILIDADE DOCONSELHO DE SENTENÇA NO TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO (páginas 46-49)

 

 

 

15
Jul22

Como era a censura na ditadura militar

Talis Andrade

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Nestes tempos em que se discute o futuro da democracia no Brasil, nunca é demais lembrar como era o país na ditadura militar. Em entrevista a MONEY REPORT, o jornalista e escritor Sérgio Augusto lembra situações vividas nos anos de chumbo e explica como funcionava a censura no período.

O presidente do STF, Dias Toffoli, se referiu ao golpe militar de 1964 como um “movimento”. Como você avalia essa declaração?

Isso é um insulto pessoal. Negar que houve ditadura ou qualificá-la eufemisticamente de “movimento” é de pasmar. Não creio tratar-se de ignorância histórica, mas de má-fé e desonestidade intelectual.

Por quê?

O ministro nem era nascido quando houve o golpe. Ok. Eu também não era nascido quando Hitler invadiu a Polônia. Nem por isso digo por aí que as tropas de Hitler foram a Varsóvia a passeio.

Qual a sua lembrança da ditadura no Brasil?

Recordo das redações pelas quais passei. Dos amigos presos, sumidos, torturados e mortos. E também do cerceamento que a imprensa sofria. Cheguei a ser censurado ao mesmo tempo nos três veículos com os quais colaborava (Veja, Pasquim e Opinião).

Como funcionava a censura nos veículos de comunicação no período?

Os censores iam para a redação e ficavam olhando texto por texto, avaliando o que poderia ser publicado. Outra forma era quando os próprios militares ligavam para o jornal proibindo determinados assuntos. Coisas que nem mesmo a gente estava apurando.

Quem eram os censores?

A princípio eram burocratas, gente do governo que era deslocada de outras áreas. Mas, com o recrudescimento da ditadura, o cerceamento ficou pior. Brasília precisava aprovar todo o material. Algumas vezes mal tínhamos conteúdo para fechar uma edição.

Que tipo de assunto era proibido de ser publicado?

Tudo praticamente. A censura atingiu níveis paranoicos porque os militares imaginavam que tudo era conteúdo subversivo. Até uma coluna sobre xadrez chegou a ser proibida. Eles achavam que era alguma linguagem cifrada.

Você acredita que corremos o risco de ver a história se repetir?

O país caminha para um arremedo do que foi o regime militar. Mas não acredito que a censura, nos moldes do que era, possa atingir os veículos de comunicação. Temo mesmo é que os jornalistas virem alvos de agressão.

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A Censura na Ditadura Militar

 

No documento A INCONSTITUCIONALIDADE DA INCOMUNICABILIDADE DO CONSELHO DE SENTENÇA NO TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO (páginas 46-49)

A CENSURA COMO LIMITAÇÃO DOS SENTIDOS

A Censura na Ditadura Militar

O período democrático, instalado em 1946, teve vida efêmera (apenas 18 anos). E o país viveu uma certa turbulência política que foi desde o suicídio de Vargas, em 24 de agosto de 1954, passando pela crise financeira do governo JK, pela eleição direta, em outubro de 1960, de Jânio Quadros e sua renúncia em 25 de agosto de 1961 e pelo conturbado governo de João Goulart, até chegar ao dia 31 de março de 1964, quando os militares assumiram o poder com a perspectiva de nele permanecer, e a isso chamaram de Revolução, mas foi um Golpe de Estado, uma subversão da ordem constitucional. Era o silêncio se aproximando, agora, com a ditadura militar.

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Tradução de: Ismênia Tunes Dantas.

"Em 1964, o Brasil passa por uma ruptura de seu processo político-institucional. Tendo início em 31 de março, com a articulação do general Olímpio Mourão Filho, a partir de Juiz de Fora (MG) e, configurando-se claramente, em 1.o de abril, com o avanço de outras tropas, ocorre um golpe civil-militar que derrubaria o presidente constitucional e legitimamente empossado, João Goulart."

(AQUINO, Maria Aparecida de. Estado autoritário brasileiro pós 64: conceituação, abordagem historiográfica, ambigüidades, especificidades. In: Fico, Carlos et al. 1964-2004 - Anos do golpe: Ditadura militar e resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004. p.55).

A década de 1960, no Continente Latino-Americano, foi palco de outros golpes de Estado, além do que ocorreu no Brasil. A Argentina em 1966 e, depois, em 1976 vivencia outros golpes de Estado semelhantes. No Chile, em 11 de setembro 1973, há a derrubada e morte do Presidente socialista Salvador Allende com a ajuda dos EUA, que colocam no poder o brutal sanguinário General Augusto Pinochet. O Uruguai não fica de fora desse processo autoritário e vê os militares assumirem o poder em 1973.

No caso brasileiro democracia foi exercida por pouco tempo, e a linguagem sofre outro ataque com o novo regime instalado, pois a censura é imposta e os sentidos diversos do que o regime quer, são cassados.

O regime militar impõe uma forte censura à sociedade com o advento do AI 5, sexta-feira, 13 de dezembro de 1968. A garantia constitucional do habeas corpus para os acusados contra a ordem econômica e social, economia popular e contra a segurança nacional foi suspensa, além de ter aposentado, forçosamente, três notáveis Ministros do STF, defensores da liberdade: Evandro Cavalcanti Lins e Silva; Hermes Lima e Victor Nunes Leal.

O rigor imposto pelo AI 5 protagonizou uma das maiores disputas no Superior Tribunal Militar, ocorrida entre dois generais: Geisel e Pery Bevilaqua.

Geisel, durante o julgamento de um habeas corpus de um livreiro, advertiu Pery de que não admitia ser interrompido durante sua fala. Pery o chamou de mal-educado.

Posteriormente, Pery Bevilaqua foi malvadamente posto para fora do STM com base no AI5, poucos meses antes de completar 70 anos, quando seria aposentado pelo calendário. A ditadura acreditou que se livrara dele, mas na verdade foi Pery quem se livrou dela. Anos depois, tornou-se um dos lideres da campanha pela anistia. Graças a ele, o Exército brasileiro pode dizer que um de seus generais teve a coragem de falar em anistia na época em que a palavra parecia ser um estigma.

Estima-se que 5 milhões de chilenos foram mortos durante a ditadura de Pinochet (Tiros em Columbine, Michael Moore). GASPARI, Elio. A ditadura derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p.105.

O regime militar faz com que surjam resistências à censura, pois a palavra foi cassada, mas não calaram os sentidos que são expressos com significados distintos dos que estão proibidos. Pode-se falar, mas não se pode significar aquilo que está proibido de se dizer, mas, mesmo assim, surgem resistências de diversas formas.

A censura estabelece um jogo de relações de força pelo qual ela configura, de forma localizada, o que, do dizível, não deve (não pode) ser dito quando o sujeito fala. Não se pode dizer o que foi proibido (o dizer devido), ou seja: não se pode dizer o que se pode dizer.

O regime militar procura impor um sentido só para toda a sociedade. Trata-se da retórica da opressão fazendo surgir a retórica da resistência em que se procura, de uma forma permitida, resistir ao que é proibido. Ou seja, na relação censura/resistência, o movimento que interessa é aquele que faz dizer o mesmo para significar outra coisa e dizer outra coisa para significar o mesmo. Usa-se a palavra com diversos significados.

O importante nessa relação era o significado, o sentido, não tanto as palavras porque estas foram cassadas, e o que se proibiu, inicialmente, foi a palavra com sentido diferente do que se autorizava.

Uma das formas de resistência em que se disse o que estava proibido dizer significando o que se queria significar, e não o que se estava dizendo, foi na música popular brasileira, com canções clássicas do tipo: MEU CARO AMIGO, de Francis Hime e Chico Buarque; AQUELE ABRAÇO, de Gilberto Gil; PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES, de Geraldo Vandré.

A luta armada foi uma das formas de se resistir contra a censura e o regime propriamente dito. Carlos Lamarca, capitão do exército, carioca do morro de São Carlos, no Estácio, zona norte do Rio de Janeiro, foi um dos principais protagonistas dessa resistência, mediante a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), juntamente com Carlos Marighela, líder da Aliança de Libertação Nacional. O QG do II Exército; o Palácio Bandeirantes, sede do governo de São Paulo, e a Academia de Polícia seriam alvos de suas ações.

 

Quando na música Chico Buarque diz que “vai passar”, o povo “sabe” que ele não fala de uma doença ou de uma dor de amor, mas de uma dor, um mal político: a ditadura e o sofrimento social.

No documento A INCONSTITUCIONALIDADE DA INCOMUNICABILIDADE DOCONSELHO DE SENTENÇA NO TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO (páginas 46-49)

06
Jul22

As crianças sequestradas e adotadas ilegalmente por militares durante a ditadura brasileira

Talis Andrade

Livro relata sequestros de crianças durante a Ditadura militar | Quarta Capa  por Elisa Dinis | iG

 

Por BBC

 

Sequestrada assim que nasceu, Rosângela Paraná diz que sua certidão de nascimento foi falsificada — Foto: Arquivo pessoal

Sequestrada assim que nasceu, Rosângela Paraná diz que sua certidão de nascimento foi falsificada — Foto: Arquivo pessoal

Seu autor, o jornalista Eduardo Reina, diz que todos os casos foram escondidos, ocultados e negados ao longo dos últimos 40 anos.

A descoberta, realizada pelo, será revelada no livro Cativeiro Sem Fim, que ele lança pela editora Alameda, com apoio do Instituto Vladimir Herzog.

"Até agora, identifiquei e comprovei 19 casos de sequestros e/ou apropriação de bebês, crianças e adolescentes durante a ditadura no País", afirma o jornalista.

"Todos guardam semelhanças com crimes desse tipo ocorridos na Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia durante períodos de repressão militar."

Dos 19 casos identificados até agora, 11 são ligados à guerrilha do Araguaia, movimento guerrilheiro de oposição ao regime que ocorreu entre o final da década de 60 e 1974 na Amazônia. "As vítimas são filhos de guerrilheiros e de camponeses que aderiram ao movimento. Era o segredo dentro do segredo", diz Reina.

Esses 11 casos, conforme descobriu o jornalista, foram realizados entre 1972 e 1974. Um dos casos reportados no livro é o de Juracy Bezerra de Oliveira. Quando ele tinha 6 anos, foi retirado de sua família pelos militares. Por engano.

"Pensavam que ele era Giovani, filho do líder guerrilheiro Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão", conta o pesquisador. "Em comum com Giovani, Juracy tinha a pele morena, a idade aproximada e o nome da mãe biológica, Maria."

Juracy foi levado de sua família aos seis anos, por engano — Foto: Divulgação/Eduardo Reina

Juracy foi levado de sua família aos seis anos, por engano — Foto: Divulgação/Eduardo Reina

 

Conforme apurou o jornalista, Juracy foi levado para Fortaleza pelo tenente Antônio Essilio Azevedo Costa. Acabou registrado em cartório com o nome do militar como seu pai biológico. "O nome da mãe, entretanto, foi mantido: Maria Bezerra de Oliveira", conta Reina.

Ele viveu em Fortaleza até completar 20 anos. Depois voltou ao Araguaia em busca da mãe verdadeira. "Juracy também teve o irmão mais novo - Miracy - levado por outro militar. O sargento João Lima Filho foi com Miracy para Natal. Anos depois, Juracy e a mãe fizeram buscas pelo menino. Não foi encontrado", relata o autor do livro.

"A mágoa que tenho deles, dos militares, é de terem me tirado da minha família biológica. Hoje em dia meus irmãos têm terra, gado. Eu tenho nada. O Exército tinha prometido me dar meio mundo e fundos. E não deu", desabafa Juracy.

Mas Giovani, o filho do Osvaldão, também teria sido encontrado pelos militares. Na operação que terminou com a morte da mulher do guerrilheiro, Maria Viana, os militares encontraram e levaram Giovani e Ieda, outra filha dela.

"Eu tinha seis anos. Quando cheguei no nosso barraco tinha acontecido isso. Eles tinham matado minha mãe e carregado o irmão meu, mais minha irmã, que sumiu também", relata Antônio Viana da Conceição, filho de Maria e irmão de Giovani e Ieda - que nunca mais foram encontrados.

 
Eduardo Reina percorreu mais de 20 mil quilômetros em busca dos personagens sequestrados pelos militares — Foto: Divulgação/Eduardo Reina

Eduardo Reina percorreu mais de 20 mil quilômetros em busca dos personagens sequestrados pelos militares — Foto: Divulgação/Eduardo Reina

 

Pesquisa

 

Em entrevista à BBC News Brasil, o jornalista Eduardo Reina conta que estuda o tema há pelo menos 20 anos. "Mas não conseguia deslanchar pela falta de provas e testemunhos concretos", diz ele. Em 2016, decidiu ir a campo em busca de relatos concretos e de documentos.

"Percorri mais de 20 mil quilômetros em território brasileiro em busca dos personagens sequestrados pelos militares ou seus familiares. Acessei milhares de documentos militares, oficiais ou secretos. Tive acesso a muitos documentos considerados secretos no período de ditadura no Brasil", enumera.

"Nesse período, realizei mais de uma centena de entrevistas. Li mais de 150 livros sobre a ditadura, além de teses de doutorado e dissertações de mestrado, artigos acadêmicos, matérias de jornais. Pesquisei mais de 4 mil edições dos jornais O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, O Globo e Estado de Minas à procura de matérias sobre o tema, além de outras leituras de papers e documentos."

Depois de muita checagem e cruzamento de informações, Reina conclui que ao menos os 19 casos relatados no seu livro são reais.

Reina procurou as Forças Armadas mas elas não quiseram se manifestar sobre os casos identificados. "Instituições envolvidas mantêm a posição de negação. Assim como se nega a prática da tortura e do assassinato nos porões do DOI-CODI, nas bases militares, nos quartéis e nas prisões", diz o jornalista.

"A divulgação desses 19 crimes hediondos, que não prescrevem, deve ser feita para que a história da ditadura do Brasil seja contada sob o olhar de todos os envolvidos. E tomara que a comunicação desses sequestros de bebês, crianças e adolescentes pelos militares leve outras pessoas a revelarem o que sabem e novos casos possam ser identificados."

A reportagem da BBC News Brasil também solicitou esclarecimentos às Forças Armadas, por meio da assessoria de comunicação do Ministério da Defesa. Até o fechamento desta reportagem, entretanto, eles não se posicionaram.

Rio Araguaia na região onde guerrilha de mesmo nome se organizou na época da ditadura — Foto: Divulgação

Rio Araguaia na região onde guerrilha de mesmo nome se organizou na época da ditadura — Foto: Divulgação

 

 

Camponeses

 

Entre novembro de 1973 e o início de 1974, seis filhos de camponeses aliados aos guerrilheiros do Araguaia teriam sido sequestrados, segundo informações descobertas por Reina. José Vieira, Antônio José da Silva, José Wilson de Brito Feitosa, José de Ribamar, Osniel Ferreira da Cruz e Sebastião de Santana. "Eram todos jovens, adolescentes que trabalhavam na roça para o sustento de suas famílias. Foram enviados a quartéis", conta o jornalista.

José Vieira é filho de Luiz Vieira, agricultor que foi morto pelas forças militares durante a guerra no Araguaia. José foi preso junto com o guerrilheiro Piauí, então subcomandante do Destacamento A, em São Domingos do Araguaia.

"Sai de lá com o Piauí. Ele era o comandante dos guerrilheiros. Eu fiquei lá e a tropa chegou e me cercou. Soube que eu tinha ido lá para falar com minha mãe. Mas antes de minha mãe chegar em casa, a tropa cercou. Aí me pegaram. Eu mais ele, o Piauí", descreve Vieira.

Piauí, apelido de Antônio de Pádua Costa, ex-estudante de Astronomia da UFRJ, é listado como um dos guerrilheiros "desaparecidos", após ser capturado no inínicio de 1974. A essa altura, o Exército havia enviado milhares de soldados para caçar os cerca de 80 guerrilheiros que se esconderam na mata no sul do Pará. Segundo o relatório da Comissão da Verdade, setenta deles foram mortos ou executados na selva.

O nome de Vieira, nascido em 1956, está registrado em documentos do Centro de Informações do Exército (CIE) junto com os nomes dos outros cinco filhos de camponeses sequestrados pelos militares entre o fim de 1973 e o início de 1974. Era a fase mais grave de repressão à guerrilha do Araguaia.

"Inicialmente, Vieira ficou preso e foi torturado na base de Bacaba, erguida no km 68 da Transamazônica. Depois foi levado para o quartel general do Exército em Belém do Pará; onde passou um mês e 12 dias. Depois foi para a 5ª Companhia de Guardas, no bairro de Marambaia, também em Belém. Na sequência foi transferido para Altamira", narra Reina.

José Vieira é filho de agricultor morto pelas forças militares durante a guerra no Araguaia; ele foi preso e depois incorporado ao Exército — Foto: Divulgação/Eduardo Reina

José Vieira é filho de agricultor morto pelas forças militares durante a guerra no Araguaia; ele foi preso e depois incorporado ao Exército — Foto: Divulgação/Eduardo Reina

 

Foi ali que ele acabou incorporado ao Exército. Tornou-se soldado em 5 de março de 1975, serviu no 51º Batalhão de Infantaria de Selva, conforme aponta seu certificado de reservista.

Um garimpeiro chamado Dejocy Vieira da Silva, que mora em Serra Pelada no Pará, conta que foram 11 as crianças sequestradas naquela época. Eram filhas de guerrilheiros com camponesas e filhos de camponeses que aderiram à guerrilha do Araguaia. Dejocy esteve inicialmente com os comunistas do PCdoB. Depois, durante combate na selva com militares, levou tiro. Sobreviveu, mas ficou com sequelas. Então se bandeou para o lado do major Sebastião Curió e passou a ajudar o Exército.

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Na foto, Lúcia Maria de Souza, conhecida como Sônia e Osvaldo Orlando da Costa, o famoso Osvaldão, ambos guerrilheiros no Araguaia

 

Dejocy confirma a existência de ordem para sequestrar e desaparecer com os filhos dos guerrilheiros e de camponeses. Afirma se lembrar da história do sequestro de Giovani, filho do líder dos guerrilheiros, Oswaldão. Não presenciou o crime. Diz que foram realizadas em segredo as operações de sequestro dos filhos de guerrilheiros e de lavradores. "Fizeram tudo às caladas", diz o garimpeiro-guerrilheiro.

O sequestro de bebês, crianças e adolescentes filhos de militantes políticos ou de pessoas ligadas a esse grupo tinha como objetivo difundir o terror entre a população; vingar-se das famílias; interrogar as crianças; quebrar o silêncio de seus pais, torturando seus filhos; educar as crianças com uma ideologia contrária à dos seus país, além da apropriação das vítimas.

 

 

Em busca dos pais biológicos

 

Para Eduardo Reina, um "caso emblemático" do modus operandi dos militares é o de Rosângela Paraná. "Ela foi pega assim que nasceu, no Rio Grande do Sul ou Rio de Janeiro. Acabou entregue a Odyr de Paiva Paraná, ex-soldado do Exército pertencente a tradicional família de militares. Seu pai - Arcy - foi sargento; e seu tio-avô Manoel Hemetério Paraná, médico que chegou ao posto de major e ex-superintendente do Hospital Geral do Exército em Belém do Pará", conta o jornalista.

"Odyr manteve relações de trabalho, através de prestação de serviços, com o ex-presidente da República e general Ernesto Geisel. Foi seu motorista por algum tempo no Rio de Janeiro. Também trabalhou na Petrobras e Ministério de Minas e Energia", prossegue.

Foi somente em 2013, após uma discussão em família, que Rosângela descobriu que havia sido sequestrada. "Sua certidão de nascimento é falsificada, foi registrada em 1967 em cartório no bairro do Catete, no Rio. O documento aponta 1963 como ano de seu nascimento", conta Reina. "A certidão apresenta como local de nascimento um imóvel numa rua no bairro do Flamengo. Mas levantamento em cartório demonstra que a casa citada na certidão pertence a autarquia de previdência dos servidores públicos desde 1958."

Rosângela segue em busca de seus pais biológicos. Debilitada física e emocionalmente, ela conversou com o autor do livro. "Hoje vivo na angústia de não saber quem sou, quantos anos tenho, e sequer saber quem foram ou quem são meus pais. Todos se negam terminantemente a falar sobre esse assunto. Só desejo saber quem sou, e onde está a minha família. Acredito que esse direito eu tenho, depois de sofrer tantos anos. Hoje só sei que sou um ser humano que nada sabe sobre seus pais. Desejo Justiça", diz ela.

"A família Paraná fez um pacto de silêncio para que não se fale o nome dos pais biológicos ou de onde a bebê veio", conta Reina. "Odilma, irmã de Odyr, o pai adotivo já falecido, confirma apenas que Rosângela foi adotada e que a mãe 'era uma baderneira'."

Reina comenta que o objetivo de seu trabalho "é puramente jornalístico e histórico". "Dar voz àqueles que foram esquecidos à força, invisibilizados pela história e pela mídia. Contar a verdadeira história da ditadura no Brasil, no período entre 1964 e 1985, sem filtros ou pendências de narrativa."

"É mostrar a verdade. Mostrar a realidade. Mostrar a história de pessoas que foram jogadas no buraco negro da história do Brasil. De pessoas que foram usadas pelas forças militares na ditadura. Mostrar as histórias de pessoas que vivem num cativeiro sem fim."

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