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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

02
Jan23

Carta aberta ao ex-juiz, futuro senador e sempre calhorda Sergio Moro

Talis Andrade

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por Maura Montella

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(Des)prezado Sr. Moro,

Deveria destinar este espaço à estrela da vez, o maior estadista que este País já teve, cuja luz o senhor tentou apagar.

Refiro-me a Luiz Inácio, o LULA da Silva, que o senhor, aliado a grandes poderes, se esmerou em afastar da vida pública, encarcerando-o por longos 18 meses.

Mas, por sorte, Jamil Chade já escreveu uma de suas brilhantes cartas abertas, desta vez destinada a Lula, de modo que me sinto mais à vontade para concentrar minhas energias no senhor.

Gostaria de lhe falar de amor. Talvez você (cansei de chamá-lo de senhor), tão vaidoso a ponto de amar apenas a si próprio, diga que é amor o que você sente pela Conja. 

Na minha opinião, quando duas pessoas se amam, não fingem morar em domicílios diferentes para se elegerem a cargos públicos. Quando duas pessoas se amam, se apoiam, mas não acobertam as falcatruas do outro. Você pode chamar de amor, mas para mim, vocês se parecem mais comparsas do que amantes. 

Quando a Polícia Federal invadiu a minha casa, às seis da manhã, e arrancou o meu marido do meu lado para metê-lo encarcerado nos "porões" da Papuda, eu entendi, mais do que nunca, o verdadeiro significado da palavra amor.

Sabe, Moro, quando o Alexandre foi preso, e nosso futuro era de tudo incerto, eu nunca pensei em abandoná-lo, mas não julgo os casais que se separaram.

A pressão é muito grande; a dor da injustiça dilacera, e às vezes você acaba descontando em quem está mais próximo. Vi vários casamentos se desfazerem, mas por sorte ou por desígnio de Deus, o meu não se desfez; perdurou.

Seus planos na Lava Jato, Sr. Moro, e de seu replicante na Zelotes, o “juizeco” Vallisney Oliveira, eram tirar o Lula das eleições de 2018, ainda que com os meios mais escusos possíveis. 

Vocês inventaram a propriedade de um triplex no Guarujá, de um sítio em Atibaia e ainda prenderam vários inocentes, entre eles meu marido, para que, torturados na cadeia, delatassem o alvo principal: Lula.

Meu marido resistiu; não delatou. Mesmo porque não havia o que delatar no âmbito da Operação Zelotes. Era tudo uma invenção, milimetricamente arquitetada para que membros do Judiciário, como você, Sergio Moro, chegassem ao poder.

Mas ainda que ele tenha resistido, muitas sequelas físicas, financeiras e psicológicas não nos deixam esquecer o que passamos.

Hoje, com meu marido totalmente inocentado, ao ver a Janja ao lado do Lula, subindo a rampa do Planalto, chorei. Choro represado, choro de alívio, de catarse, de emoção. 

Me emocionei ao ver que eles também resistiram, que eles também sobreviveram e que estão mais unidos do que nunca. Porque é clichê, Sr. Sergio Moro, mas o amor sempre vence; e se “ano passado eu morri, este ano eu NÃO morro”!

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24
Set22

Carta a um homem mau

Talis Andrade

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Não desejo a você o mal que você produz, mas sei que ele te encontrará, para além do mero fato de ele já estar em você

 

Marcia Tiburi

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Eu não posso começar essa carta dizendo “Prezado”, como se faz com pessoas que não conhecemos pessoalmente, também não posso escrever “desprezado”, que seria o contrário, porque, de fato, o conceito de desprezível é, ele mesmo, algo desprezível.  

Não tenho certeza que você esteja entendendo o que quero dizer, mas mesmo assim vou confiar na possibilidade de que sua maldade não tenha afetado sua inteligência de modo irrecuperável.  

É um fato que tanto a inteligência, que podemos designar por uma espécie de virtude cognitiva, quanto a bondade, que podemos designar como uma virtude ética, estão intimamente conectadas. Então, quando me refiro à sobrevivência de algum grau de inteligência na sua pessoa, refiro-me também à possível sustentação de algum grau de bondade. Evidentemente, tais conceitos complexos não podem ser assumidos de um ponto de vista dado no senso comum, espaço mental e linguístico no qual estamos todos mergulhados, principalmente porque no momento atual, o senso comum é um território de confusão mental e cognitiva. Em vez de ser um espaço onde buscamos entendimento, tornou-se um lugar onde o desentendimento e a perturbação tomaram conta. Você tem tudo a ver com isso.  

Você ajudou, com palavras e atos, a corromper a mentalidade e a sensibilidade de muita gente.  

É justamente isso o que me faz desconfiar que você não seja tão desinteligente como parece. É que, seja por intuição, seja por hábito, você entendeu desde muito cedo que a esfera pública é onde se constrói o poder político, algo que você sempre desejou ter, mesmo que não soubesse exatamente por quê. E você atuou para dominar a esfera pública. Você queria a alma de cada um, mas queria também a alma de todos e, como deixou claro, a morte para quem não concordava com você. E você sabia que, ao falar assim, conquistaria espaço, assim como quando tocou no profundo sentimento de medo que paralisa as pessoas, ao elogiar um torturador como quem diz: vejam do que sou capaz.  

Desde que você começou a ter alguma fama, você parece atuar para perturbar a mentalidade e a sensibilidade das pessoas com o objetivo de possui-las. E você conseguiu. Em termos muito simples, você descobriu que o discurso de ódio funcionava com as massas. No começo foi algo meio intuitivo. Você percebia que ao falar coisas ruins e propor ações também ruins, você conseguia seguidores e era ovacionado. Depois vieram as redes sociais e nelas você repetiu tudo o que já havia experimentado na vida analógica ao longo de décadas de exercício de falcatruas. Bastava falar grosserias, dizer coisas ofensivas e confiar que ninguém acreditaria no que você estava dizendo e fazendo e assim ir avançando, sem que ninguém percebesse muito bem o que você fazia, até chegar ao topo. Você era parte da democracia e, para muitos, inimputável antes de se beneficiar de um foro privilegiado.  

Você tinha um projeto de poder tanto econômico quanto político e o levaria adiante a qualquer custo.  

Você usou os preconceitos que dão compensação emocional a pessoas toscas e conseguiu os piores aliados, gente disposta a fazer o pior, como você.  

Gente que também tinha um projeto de poder econômico e politico, idêntico ao seu, que, no entanto, não tinha o seu carisma e a sua estranha expressão diabolicamente sedutora. Eles sabiam exterminar desafetos, mas quem sempre soube pregar a matança e incitar à morte foi você. Foi com essa gente sem respeito, sem dignidade, gente capaz de usar o nome de Deus como se fosse uma banana, que você se associou, ou melhor, que você encontrou o seu rebanho. Ninguém diferente de você se tornaria seu sócio. Você é o líder de uma legião de pessoas em tudo idênticas a você.  

Teus aliados, sejam perenes, sejam momentâneos, te adulam, mesmo que no fundo te odeiem, e isso não por que sejam melhores do que você, mas porque têm inveja de você. Se gostam ou não de você, não importa. Fato é que eles idolatram o poder que você tem, assim como você idolatra o poder de outros que você considera superiores a você. De fato, esses aliados são usados por você, mas também te usam. Para muitos você não passa de um espantalho em uma plantação. Você não é o dono de nada, mas aproveita para alimentar o narcisismo que é comum a muitos que almejam cargos importantes.  

 

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Nos rostos dos seus comparsas, pode-se ver que carregam a tristeza infinita das pessoas que se sentem um nada e, de vez em quando, se satisfazem com o fracasso e o sofrimento do outro, o máximo que conseguem sentir. Talvez você não lembre, mas eu lembro quando você riu dos doentes, dos mortos e também dos que restaram vivos chorando seus mortos. Eu lembro porque é impossível esquecer a dor de tanta gente, ao mesmo tempo e por um mesmo motivo.  

Não creio que nenhum ser humano consciente possa esquecer. Mesmo assim, não esquecer, não quer dizer alimentar o ressentimento.  

Mesmo que você seja a expressão perfeita da miséria humana, sobretudo porque hoje você encarna o poder que poderia salvar vidas, salvar a natureza e melhorar o mundo através de palavras e atos, a sua miséria espiritual, intelectual e afetiva, que reverbera ao redor provocando ondas de muitas outras misérias, eu me pergunto se você não poderia mudar. Mesmo que não seja possível, porque a vida é um ato de autorrealização constante, ou seja, nosso devir é, de fato, o que somos, eu ainda gostaria de acreditar que você poderia sair desse circuito de ódio que você cria e alimenta e, assim, liberar também aqueles que foram hipnotizados por suas palavras envenenadas. 

Escrevo para você, sem a intenção de te chamar de estúpido, mesmo que a estupidez não seja um xingamento e apenas uma categoria de análise. Ao contrário, escrevo porque tenho uma suspeita e como pessoa que ama o próximo, você não me é desprezível como eu disse desde o começo, por mais crítica que eu possa ser da sua linguagem, do seu modo de se apresentar e dos seus atos. Na verdade, por mais que você me cause horror. Por mais que você seja um criminoso que cometeu crimes contra a humanidade, eu não gostaria de abandonar o meu desejo de compreender o que levou você a ser quem você é. Eu me pergunto, como você se tornou essa pessoa?  

É por isso que lanço uma singela pergunta ligada à minha suspeita: onde está a sua dor? 

No meio da noite, quando todos dormem e você não tem a quem chamar, ou na cama do hospital, quando seus intestinos param de funcionar e você fica à beira da morte, sendo sempre salvo por médicos que cumprem com o dever humano de salvar vidas, lá no silêncio ao qual toda alma viva faz jus, naquele momento solitário no qual entramos em contato com a gente mesmo e vemos surgir os mais absurdos e indesejáveis sentimentos e monstros da imaginação, aqueles que escondemos de todos porque sentimos vergonha, o que vem à sua mente?  

Eu mesma me autorizo a responder: nada.  

É o nada.  

Contudo, o nada tem uma origem. Ele não é o vácuo.  

O nada é a dor de cada um, com a qual ele não pode entrar em contato.  

Seres humanos são seres de múltiplos sentimentos, alegres e tristes, como dizia um filósofo do passado. Quem é humano sofre em intensidades diversas. O sofrimento é algo que devemos afastar, evitar, contornar, amenizar conforme seja possível. Sofrer não é bom e ninguém precisa sofrer.  

Sem dúvida, o sofrimento em si é um problema, mas a falta de contato com o próprio sofrimento, ou com a própria dor que é uma imagem do sofrimento, não é um problema menor. A falta de contato com a própria dor obriga à escravidão no vazio que nos proíbe de saber sobre a dor. Presos ao vazio, somos incapazes de conhecer o outro.  

A dimensão da alteridade nos escapa quando caímos no vazio.  

Se não há alteridade, não há compaixão. É a impossibilidade de sentir a própria dor que impede que possamos sentir a dor do outro. Contudo, a ausência da alteridade moral, ética e política anda junto com a ausência de abertura para a alteridade cognitiva, ou seja, o conhecimento. Talvez por isso, você não possa deixar de ser diferente do que é e eu tenha que me resignar a esse triste fato. Tomado por esse vazio, que faz pensar que sua alma está morta, embora seu corpo esteja ainda vivo, você explode em mil vazios diariamente destruindo tudo o que estiver pela frente. O seu vazio é uma bomba nuclear explodindo a cultura e a natureza ao redor, a vida em geral que não pode mais ser simplesmente vivida desde que você, por esporte ou perversão, elogia a morte.  

Da experiência de tê-lo encontrado sobre a face do planeta Terra, tão próximo de nós, falando a nossa língua e respirando o nosso ar, saímos todos um pouco machucados. Você é uma ferida. Fica em aberto a questão da bondade da qual você nunca foi capaz, mas talvez em um sentido místico haja algo que possamos compreender. E compreender, mesmo as coisas ruins, é sempre algo bom.  

Contudo, preciso dizer, por mais que você não demonstre compaixão, é curioso como a sua falta de compaixão causou ainda mais compaixão em muita gente. Do mesmo modo, a sua falta de respeito fez muita gente sentir ainda mais respeito por tudo o que você desrespeita. Onde o seu ódio chegou, o amor de muita gente produziu forças de resistência existencial, moral e econômica. Muita gente passou por uma alquimia subjetiva e objetiva fortíssimas. No meu caso, ela foi tão intensa que me permitiu escrever essa carta modesta tentando te olhar de frente e sabendo que você está se desmanchando como uma estátua de sal.    

Talvez possamos sair também mais sábios desse encontro com o mal que você representa se soubermos fazer um projeto de mundo capaz de superar a imensa dor que constitui a condição de possibilidade de existências como a sua.  

Não lhe desejo o mal, seria uma redundância desejar você para você mesmo.  

Desejo mais que justiça, desejo que sejamos capazes de superar o mundo de matança e guerra, de desamor e rancor, de tristeza e preconceito que você propõe.  

Um dia você será passado, assim como eu e como todos. De minha parte, eu terei aprendido várias coisas, pois me esforço em viver para isso. Talvez você não tenha tempo para isso, pois sua última experiência nessa vida será com a justiça que não vai poupá-lo.  

Não desejo a você o mal que você produz, mas sei que ele te encontrará, para além do mero fato de ele já estar em você.  

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20
Fev21

O doce sabor da impunidade

Talis Andrade

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Por Lygia Jobim /Carta Maior / Blog do Miro

Muitos se preguntam o porquê do General Villas Boas ter confessado publicamente, em livro organizado por Celso Castro e editado pela FGV Editora, que, em conluio com membros do Alto Comando do Exército, cometeu, em 03 de abril de 2018, diversos crimes ao dizer através de duas mensagens publicadas em seu Twitter:

"Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?".

"Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais."

As mensagens foram dirigidas ao Supremo Tribunal Federal que deveria julgar um habeas corpus preventivo interposto pela defesa do ex-presidente Lula e que impediria sua prisão.

Entre os crimes destacam-se o agir contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (CF art. 5o. inciso XLIV- constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático); o crime de tentativa de golpe de Estado previsto no Código Penal (Art. 366 - tentar, o funcionário público civil ou militar, depor o governo constituído ou impedir o funcionamento das instituições constitucionais: Pena – reclusão, de quatro a doze anos).

É repugnante mencioná-la, mas quem pariu Mateus que a embale. A Lei de Segurança Nacional em seu artigo 1º. Inciso Il inclui, em sua abrangência, o crime de atentar contra “o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito”; e em seu Art. 18 tipifica aquele de ”tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados. Pena: reclusão, de 2 a 6 anos”.

Não tendo agido sozinho é imprescindível que seja convocado a informar os nomes daqueles que a ele se uniram para, de acordo com o art. 288 do Código Penal formarem uma quadrilha – “ Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente”.

Incoerente a nota publicada na página de opinião do jornal O Globo, em 14/02/21, onde se lê: “Certos episódios demonstram como é essencial ser intransigente na defesa da Constituição e da democracia. É o caso da revelação, feita em livro pelo General Eduardo Villas Bôas de que articulou com a cúpula do Exército os tuítes de alerta ao Supremo antes de a Corte julgar um habeas corpus para o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018.

(...) Não está em questão a pessoa do General. Comandante do Exército desde os governos Dilma e Temer, sempre foi aberto ao diálogo. O problema é outro.”

O problema não é outro problema, são vários problemas, mas um deles se chama, com certeza, General Villas Boas. Em 2015, com seu colega Etchegoyen e o então vice-presidente Temer, conspirou, para tirar Dilma Rousseff da Presidência. Já ali nossa democracia foi seriamente ferida por ele.

Incompreensível a notícia publicada nas primeiras páginas dos jornais de 15.02.21 onde se lê que o Ministro Edson Fachin critica o General Villas Boas e diz que a pressão de militares sobre STF, caso confirmada, é “intolerável e inaceitável”. Como assim se confirmada? Estamos diante de um crime instantâneo, consumado dolosamente com a publicação no Twitter, e do qual o Ministro teve ciência no dia em foi cometido. A única diferença é que agora se sabe que o General não agiu sozinho, mas em conluio com o Alto Comando.

Outra pergunta que se impõe: levou quase três anos para chegar a essa conclusão? Porque o Ministro não gritou antes de, pressionado, dar seu voto contra todos os argumentos apresentados pela defesa de Lula? Poderia ter pedido vista e conversado com seus colegas chegando todos a um consenso que lhes garantisse um mínimo de dignidade. Mas, diante da situação, era melhor acatar a ordem do quartel. Afinal, sentir medo é humano e vencê-lo é só para aqueles que têm coragem.

Mais um recente atentado à nossa democracia se deu através das ações de Sérgio Moro, chefe da organização criminosa instalada em Curitiba que criou, à vista de todos, códigos particulares e agiu pelas leis que ali escreveu e aprovou, ignorando o art. 5º. da Constituição Federal que, em seu inciso XXXVII determina: “não haverá juízo ou tribunal de exceção”.

Se os processos e sentenças ilegais não forem anuladas, nosso Estado de Direito, do qual as leis e garantias processuais são parte fundamental, estará irremediavelmente comprometido.

O Ministro Gilmar Mendes só agora atenta para aquilo que, com a cumplicidade do STF, acontece no país: "Isso tudo indica uma fase do Brasil. A esta altura, quero entender como permitimos isso acontecer. Quanto mais a gente aprofunda, há dois dias parei de ler as coisas e me senti perturbado. São informações desorientadoras. É uma avalanche. Quero saber o que fizemos de errado para que institucionalmente produzíssemos isso, um setor que cria sua própria constituição e opera seguindo seus sentimentos de justiça”, disse.

É fácil saber o que fez de errado, Sr. Ministro. O senhor e mais sete de seus colegas que participaram, em 2010, do julgamento do pedido da OAB para que não fosse considerada a anistia para agentes públicos acusados de cometer crimes de lesa humanidade durante a ditadura militar, garantiram que Sérgio Moro, codinome Russo, e seus asseclas, bem como o General e seus comparsas, se habituassem à doce certeza da impunidade. Se matar, torturar e desaparecer com corpos não é punível qual a importância de ser um juiz parcial ou um militar conspirador? Mas errar é humano e quando reconhecido o erro, como o senhor o fez, é fácil repará-lo. Temos certeza de o STF saberá honrar sua toga e se reposicionar diante das omissões passadas.

Se a sociedade civil não cobrar dos poderes Legislativo e Judiciário a punição a procuradores, juízes, e conspiradores militares que infringem a lei, nossa democracia, já gravemente ferida, continuará a ser vilipendiada até desaparecer por completo.

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11
Fev21

Spoofing: o tiro no pé de Moro e no coração da Lava Jato

Talis Andrade

Por Tânia Maria Saraiva de Oliveira

“O mar da História é agitado!”. A frase do poeta e dramaturgo russo Vladimir Maiakovski cai como uma luva nos acontecimentos mais recentes que envolvem as novas divulgações sobre o grande compadrio entre o então juiz Sérgio Moro e a turma do Ministério Público do Paraná, no curso da operação Lava Jato, enquanto brincavam de fingir investigar corrupção.

A Lava Jato foi encerrada. A maior fraude jurídica da História, como disse Gilmar Mendes, já acabou

A chamada operação “Spoofing”, que nunca é demais lembrar, foi aberta a pedido de Moro enquanto ministro da Justiça para investigar a invasão dos celulares, cujos conteúdos mostram todas as armações entre ele e os procuradores da força-tarefa, resultou na prisão de quatro pessoas e na tentativa de enquadrar jornalistas. No entanto, terminou por se revelar um tiro no pé do ex-juiz e bem no coração da Lava Jato. A operação que determinou os rumos do país durante mais de seis anos, vendida como a maior operação anticorrupção do mundo, com o respaldo fundamental da mídia, e foi encerrada formalmente no último dia 1º de fevereiro.

Foi justamente nos autos da Ação Penal em curso na 10ª Vara Federal do Distrito Federal, que apura os supostos crimes investigados na “Spoofing”, que foram periciados pela Polícia Federal os áudios e textos, e confirmada a autenticidade das mensagens, a despeito dos autores das conversas vazadas ainda insistirem em não reconhecê-las.

No afã de exercer seu poder de ministro de Estado, Moro não mensurou que terminaria por ajudar a produzir prova contra si mesmo e seus comparsas, com a confirmação da veracidade das conversas havidas e da checagem dos atos combinados entre ele próprio e os procuradores, além de outros atores envolvidos.

Quanto aos conteúdos, difícil fingir surpresa em qualquer revelação sobre as combinações entre os atores. Ao mesmo tempo em que o grau de promiscuidade é tamanho que torna impossível para qualquer cidadão ou cidadã não se indignar.

Nos novos diálogos fica cabalmente comprovado que aquelas horas de espetáculo midiático, no dia 14 de setembro de 2016, na apresentação do bizarro e infantil PowerPoint, não passavam de uma representação teatral. Muitos meses antes disso, o juiz que analisaria a denúncia já tinha conhecimento do teor dela, e teve que dar seu aval. Em uma das mensagens, trocadas em 16 de fevereiro de 2016, o então magistrado pergunta se os procuradores têm uma “denúncia sólida o suficiente”. Em seguida, o então coordenador da força-tarefa da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol, informa a ele linhas gerais do que os procuradores pretendiam apresentar contra Lula.

A forma como faziam a lavagem de provas ilegais com o conluio de autoridades estrangeiras, atuando clandestinamente no Brasil, também não é novidade. A força-tarefa recebia documentos e informações de autoridades estrangeiras fora dos trâmites legais. Quando eram considerados úteis, fazia o pedido internamente para validá-los, quando, de fato, já estavam sendo utilizados pelos procuradores. No caso da Suíça, seguia um jogo  combinado. Os procuradores brasileiros eram avisados sobre quais informações as autoridades suíças possuíam, e então solicitavam exatamente aqueles dados.

Os diálogos também falam em reunião conjunta com suíços e norte-americanos, divisão de pagamento, destinação de dinheiro apreendido, uso do dinheiro apreendido em poder de Moro para campanha do Ministério Público.

Ironicamente, o termo “Spoofing”, que tem origem no verbo spoof e significa enganar, fingir ou imitar, que faz alusão a burlar o acesso tecnológico de uma ou várias pessoas, deu nome a uma operação que jogou luz sobre fatos já narrados e denunciados, dessa vez sob a batuta do Poder Judiciário, que finalmente não pode mais calar-se ou fingir não saber.

Ao denunciar que seu celular e de várias autoridades foram clonados, Moro colocou-se na armadilha óbvia de assumir que as mensagens divulgadas são originárias dos aparelhos. Isso ou não haveria o crime de que acusa os hackers. Uma vez feita a perícia pela Polícia Federal, submetido a exames, nada mais há a considerar acerca da legitimidade e autenticidade dos textos e áudios.

Quando a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal confirmou no dia 9 de fevereiro de 2021 a decisão liminar do ministro Ricardo Lewandowski, nos autos da Reclamação Constitucional nº 43.007, deixando de conhecer os recursos internos feitos pelos membros da força-tarefa da Lava Jato, para que a defesa do ex-presidente Lula possa ter acesso aos conteúdos das conversas reveladas, deu um passo muito significativo, não apenas para reconhecer o direito de defesa de um cidadão que foi óbvia e injustamente perseguido e condenado, mas para situar a dimensão de um problema que é muito maior, mais profundo e mais grave.

Servidores públicos do sistema de justiça criaram uma enorme farsa sob a insígnia do combate à corrupção. Construíram uma bolha interativa em que se relacionavam com espelhos, em reiterada perspectiva unilateral de se apresentarem como heróis. Perderam, no caminho, qualquer pudor, qualquer mínimo apego à cultura democrática que criou as bases dos princípios do devido processo legal constitucional.

A Lava Jato foi encerrada formalmente. A maior fraude jurídica da História, como afirmou o ministro Gilmar Mendes, já acabou. O que é necessário agora é matar as raízes venenosas sobre as quais floresceu.

Tornar públicos os nefastos diálogos que apontam a miséria de espírito e ausência de caráter dos procuradores da República e do juiz, no exercício de suas funções públicas, é uma parte importante. Passo seguinte é considerá-los como provas bastantes para, junto a tudo quanto já alegado antes, determinar a nulidade dos processos contra o ex-presidente Lula.

Isso não é causa de um homem, é causa de uma sociedade.

Artigo publicado originalmente no Brasil de Fato /PRERRÔ

07
Fev21

Herança da vergonha

Talis Andrade

 

Por Cléa Corrêa e Everardo Gueiros

Quando a Lava-Jato surgiu em 2014, o Brasil todo aplaudiu as ações de um grupo de procuradores de Curitiba empenhados em combater a corrupção e defender os cofres públicos das chamadas tenebrosas transações. Conforme o tempo foi passando, os profissionais do Direito começaram a desconfiar de que havia algo muito errado por detrás de todo aquele ímpeto heroico e midiático. Depois da Vaza-Jato, como ficou conhecido o vazamento das conversas entre Sergio Moro e os procuradores publicadas pela imprensa, o que era uma desconfiança virou uma certeza.

Foram expostos à luz os métodos com os quais o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores de Curitiba conduziram investigações e afrontaram as mais altas esferas do Judiciário, do Executivo e do Legislativo. Quebram as principais empresas de construção civil do país, um celeiro de conhecimento e tecnologia, desempregaram mais de 200 mil pessoas, quando poderiam ter preservado tudo isso, fazendo com que somente os verdadeiros responsáveis pagassem pelos seus erros. Os diálogos contidos em meios eletrônicos que formam uma montanha de gigabytes, mostram um juiz que negociava com procuradores desde a produção de provas até prisões de suspeitos questionando inclusive os termos de recursos a serem interpostos. É um despautério cogitar-se a investigação de Ministros do STJ (com prerrogativa de foro) sem competência para tal e nenhum indício de terem praticado crime algum.

Na medida em que a Lava-Jato deixava de ser um instrumento de Justiça para se transformar num instrumento de poder, se esperava que a Ordem dos Advogados do Brasil, especialmente a seção do Distrito Federal, se posicionasse em defesa da lei e do Estado de Direito, a exemplo do que fez o Ministro Maurício Corrêa na época da ditadura militar. Especialmente depois de revelados casos de grampos e mandados de busca e apreensão em escritórios de advocacia cujo “crime” era simplesmente defender aqueles acusados pela Lava-Jato.

A omissão foi denunciada pelo grupo Prerrogativas, que reúne advogados preocupados em garantir o cumprimento do que é primordial ao exercício profissional. Um destes advogados é Antonio Carlos de Almeida Castro, nosso Kakay, incansável na defesa do direito pleno da advocacia. O direito faz parte da nossa cultura e formação e crescemos com a consciência de que sem lei e sem Estado de Direito não há civilização.
O que os procuradores de Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro fizeram beira a barbárie e é digno de açougueiros como o lendário procurador Honorato Himalaya Vergolino, capaz de todo tipo de ilegalidade quando atuou no Tribunal de Segurança Nacional durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. A diferença entre Vergolino e o grupo de Deltan Dallagnol era que o primeiro tinha salvo-conduto para agir em nome de uma ditadura, enquanto os de Curitiba solaparam a democracia e passaram por cima da lei em nome do combate à corrupção. Felizmente ninguém consegue enganar todo mundo todo o tempo e este verdadeiro crime de lesa pátria está sendo descortinado.

Na primeira semana de fevereiro o procurador-geral da República Augusto Aras acabou de vez com a Força-Tarefa da Lava-Jato em Curitiba. Interessante notar que não houve choro nem vela, não houve tuitaços, manifestações de rua, protestos no Congresso, na frente da PGR ou na porta do Supremo. Dias antes, a reação de Deltan Dallagnol, ao tentar impedir que se cumprisse a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, liberando o conteúdo das conversas apreendidas pela Polícia Federal na Operação Spoofing a pedido da defesa do ex-presidente Lula, mostrou desespero e o desconforto. Ele bem sabe o que fez no verão passado, assim como Moro também sabe.

Quando a imprensa publicou as mensagens hackeadas, a primeira reação de Moro e dos procuradores foi negar, dizer que tudo não passava de mentira. Entretanto, as conversas acabaram sendo confirmadas por integrantes da própria Força-Tarefa e até personalidades da TV. Depois da Operação Spoofing, as provas foram para as mãos da Polícia Federal, periciadas e entregues ao Supremo. No decorrer da operação, o então ministro Sergio Moro chegou a telefonar para o presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, para avisá-lo de que tinha sido alvo dos hackers. Noronha reagiu de forma elegante e correta, dizendo que nada tinha a esconder. Mas é no mínimo estranho que um ministro da Justiça se disponha a vazar informações de uma investigação em curso a quem quer que seja.

Tudo isso aconteceu debaixo das barbas da OAB do Distrito Federal, comandada por um presidente a quem, lamentavelmente, faltou coragem e atitude para enfrentar e denunciar publicamente os atos praticados por Moro e Dallaganol. Creio que o pouco apetite para o enfrentamento de causas como estas se deve ao fato de o doutor Délio Lins e Silva Junior nunca ter demostrado apreço pela defesa das prerrogativas dos advogados durante a sua gestão. Ele mantém a Comissão de Prerrogativas numa salinha, enquanto o Tribunal de Ética, com seu poder de punir e constranger, ocupa todo um andar da nossa sede.

Nos recusamos a acreditar que este é o exemplo que a OAB-DF deixará para os jovens advogados, os quais estão embarcando na advocacia vindos das universidades, sempre cheios de sonhos, esperanças e uma enorme vontade de vencer na vida. É na prática, no dia a dia, que o advogado forma sua cultura profissional e aprende a valorizar tanto os seus direitos quanto seus deveres. Eles não merecem uma OAB alheia aos direitos dos seus profissionais e, em especial, dos cidadãos. Precisam se orgulhar dela e, mais do que isso, confiar. A eles não podemos oferecer a vergonha como herança.

O que aconteceu em Curitiba nos últimos anos merece uma apuração rigorosa e correta, dentro da lei e com todas as garantias, incluindo juízes imparciais e procuradores submissos a Lei e ao Direito. Algumas situações se tornaram símbolo do autoritarismo de Moro e Dallagnol, como a falta de acesso aos autos, a pressão para a delação, o terror da ameaça às famílias dos investigados e a espetacularização das ações com exposição de pessoas que não tinham sequer culpa formada, numa clara obstrução do direito de defesa. São atitudes que não podem ficar impunes.

A OAB não é entidade sindical, muito menos clube associativo. Ela é antes de tudo um dos guardiães da democracia, porque representa a defesa do que há mais essencial no processo civilizatório, qual seja o direito pleno à cidadania. A omissão diante de abusos como os cometidos pela Força Tarefa de Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro é uma mancha numa instituição que, acima de tudo, tem a missão de exercer o papel de advogada dos advogados.

Artigo publicado originalmente no Diário do Poder.

 
 
 
 
 
03
Fev21

Kakay: ‘É até humilhante ver a maneira como Moro coordena os procuradores’

Talis Andrade

Para o criminalista, membros da força-tarefa da Operação Lava Jato e o ex-juiz têm de ser investigados: 'É um caso de polícia'

Crítico dos métodos aplicados pela Operação Lava Jato, o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirma que a nova leva de mensagens trocadas entre o então juiz Sergio Moro e procuradores da força-tarefa de Curitiba, chefiados por Deltan Dallagnol, demonstra que o caso não envolve mais apenas uma típica suspeição de um magistrado.

“O juiz Moro, que, como eu sempre disse, era o chefe da força-tarefa, juntamente com seus comparsas, membros dessa força-tarefa, usaram o Poder Judiciário como uma plataforma política”, disse Kakay em contato com CartaCapital. “Devem ser investigados, pois claramente cometeram crimes e têm que responder por esses crimes”.

Nesta segunda-feira 1, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, levantou o sigilo das conversas entre os procuradores e Moro. Parte dos diálogos, apresentados em um documento com 50 páginas, já era de conhecimento público. Vieram à tona desta vez, porém, mais conversas que reforçam a proximidade fora dos autos entre as partes. O material fortalece a denúncia de que o grupo chefiado por Dallagnol recebia orientações expressas do magistrado que seria responsável pelo julgamento dos casos em primeira instância.

O advogado classifica como “humilhante” a maneira como Moro “coordena os procuradores e, até, alguns advogados de delatores”.

“O juiz manda os procuradores falar para os advogados para tirar algumas testemunhas. De maneira humilhante para os advogados dos delatores, os procuradores dizem que cumpriram a ordem do juiz. São advogados que devem também explicações à OAB [Ordem dos Advogados do Brasil]”.

Kakay ainda analisa que, diante das revelações, o episódio se transforma em “caso de polícia”.

“De política nós já sabíamos que era, pois essa quadrilha tinha objetivo político e elegeu o atual governo ao prender o principal adversário político. Mas agora está comprovado que é um caso de polícia”.

 

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