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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

29
Mar23

Família vai periciar documento sobre tortura e assassinato de Stuart Angel (vídeos)

Talis Andrade

 

www.brasil247.com -

 

“Nós vamos periciar esse documento, meu advogado e eu. E ele está disposto a ir até o fim com essa história", disse Hildegard Angel

 

Agência Brasil – Um leilão virtual anunciava até a última sexta-feira (24) um documento de 1976 com informações sobre a morte de Stuart Edgar Angel, estudante de economia e militante do MR8 que lutou contra a Ditadura Militar no Brasil. O caso gerou notas de repúdio do Instituto Vladimir Herzog e de solidariedade do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Além disso, mobilizou a família: a jornalista e irmã do desaparecido político, Hildegard Angel, conseguiu suspender o leilão com a ajuda de advogados e recebeu nesta terça-feira (28) o item em mãos. Agora, a prioridade é descobrir se ele é autêntico.

“Nós vamos periciar esse documento, meu advogado e eu. E ele está disposto a ir até o fim com essa história. Mas esse documento já cumpriu o objetivo que foi trazer de volta a lembrança desse assunto às vésperas do dia do golpe, que eles apelidaram de revolução”, disse Hildegard.

A suposta carta-confissão é assinada por um oficial da aeronáutica de nome Marco Aurélio de Carvalho. Ela tem duas páginas amareladas, data de 30 de março de 1976 e possui um carimbo de registro em cartório. O declarante dá detalhes dos interrogatórios e das torturas contra Stuart Angel na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, em maio de 1971.

O oficial afirma que Stuart Angel foi submetido a uma sessão de choques eletromagnéticos, afogamentos e amarrado ao para-choque de um jipe. Arrastado nessa condição por várias horas, ele morreu, o corpo foi colocado em um helicóptero e jogado no mar. O principal objetivo dos torturadores era obter uma confissão sobre o paradeiro de Carlos Lamarca, um dos líderes da luta armada contra a Ditadura. O que não aconteceu.

Tempos felizes: Zuzu Angel com os três filhos (Hildegard, Ana e Stuart). Filha de Zuzu acredita que 'a política brasileira tem o mau costume de conciliar demais' - Acervo Instituto Zuzu Angel
 

Autenticidade

A descoberta do texto causou comoção, mas especialistas ouvidos pela Agência Brasil acham improvável que ele seja autêntico. Há, pelo menos, dois pontos críticos: a identidade do autor e o contexto histórico. É o que explica Pádua Fernandes, ex-pesquisador da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” e da Comissão Nacional da Verdade (CNV), atualmente filiado ao Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS).

“É uma época ainda de muita repressão, do governo Geisel, quando continuam ocorrendo assassinatos políticos. Esse documento seria improvável não só por ser feito por um militar, mas por ter sido levado a um cartório. Não seria o local seguro para fazer um documento desses. Um segundo ponto é que os nomes não batem. Esse suposto militar não aparece no relatório da Comissão Nacional da Verdade, não aparece em dossiês dos familiares dos mortos e desaparecidos políticos. Eu verifiquei na base de dados do Arquivo Nacional, tampouco aparece lá”.

O pesquisador diz que, nessa época, o mais comum era que as pessoas fizessem declarações escritas quando tinham medo de serem assassinadas pelos agentes da Ditadura. Ele lembra do caso de Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da Casa da Morte, em Petrópolis, que deixou um registro da própria história com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). E de Criméia Alice Schmidt de Almeida, guerrilheira no Araguaia, que confiou a uma igreja católica de São Paulo texto em que afirmava não ter pretensão de se matar. E que se algo acontecesse com ela, era preciso suspeitar da Ditadura.

Há outras inconsistências no suposto documento encontrado agora. Ele menciona o nome de Alberto Dias como autor de uma carta enviada para Zuzu Angel, com detalhes sobre o que aconteceu com Stuart na prisão. Mas o nome Alberto Dias não existe em nenhum tipo de registro da época. A carta que Zuzu Angel recebeu em 1972 era de Alex Polari, vizinho de cela de Stuart. Outro ponto de divergência é sobre a data de prisão. Polari fala em 14 de maio de 1971, e a carta-confissão assinada por Marco Aurélio de Carvalho fala em 15 de maio de 1971.

O homem que colocou o documento no site de leilão disse que o adquiriu em uma feira de antiguidades na Praça XV, região central do Rio. E que o material chegou a ele por meio de outros colecionadores. Uma das hipóteses é que a carta-confissão seja um item fictício utilizado no filme “Zuzu Angel”, de 2006. Uma cena do longa-metragem traz palavras e formatação similares ao texto encontrado na feira de antiguidades. Os nomes de Marco Aurélio Carvalho e de Alberto Dias, que historiadores não reconhecem, são citados como personagens no filme.

Hildegard Angel conta que se emocionou ao tomar conhecimento do registro. Mas, agora, também trabalha com a possibilidade de que, se ele não for verdadeiro, tenha sido intencionalmente forjado. “Quando começaram a surgir as dúvidas sobre a legitimidade desse documento, eu pensei, meu Deus do céu, se isso for um documento falso, a que ponto pode chegar a perversidade de jogar com os sentimentos de uma família que há 52 anos busca por uma manifestação oficial”.

A Comissão Nacional da Verdade apresentou, no último dia 9 de junho de 2014, no auditório do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, relatório preliminar de pesquisa sobre o caso de Stuart Edgar Angel Jones, assassinado sob tortura, por agentes do Cisa (Centro de Informações da Aeronáutica), nas dependências da Base Aérea do Galeão, em maio de 1971. A CNV analisou documentos e testemunhos, ouviu o depoimento de testemunhas e, no último dia 30 de maio, complementou o trabalho de pesquisa com diligência pericial de reconhecimento da Base Aérea do Galeão, local da morte de Stuart Angel. A Base Aérea do Galeão é a quinta estrutura que foi usada pelas forças de repressão como local de prisão, tortura e morte que a CNV reconheceu. No vídeo, depoimento do Capitão reformado da Aeronáutica, Álvaro Moreira de Oliveira.

 

 

 

15
Fev23

O general Etchegoyen e a covardia

Talis Andrade

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por Cristina Serra

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Setores das Forças Armadas, certamente frustrados com o fracasso do atentado no domingo infame, encontraram um porta-voz para mandar recados em tom de ameaça ao presidente Lula. Trata-se do general da reserva Sérgio Etchegoyen, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do golpista Michel Temer.

Etchegoyen emergiu das sombras, onde atua com desenvoltura, e reapareceu num programa de entrevistas para afrontar Lula. Disse que o presidente praticou “ato de profunda covardia” ao manifestar a desconfiança de que militares tenham sido coniventes com a invasão e depredação do Palácio do Planalto.

As investigações mostram que Lula está coberto de razão em suas suspeitas. A estrutura militar da Presidência era um valhacouto de contaminação golpista que só agora começa a ser depurado.

Volto ao general tagarela. Em 2014, ainda militar da ativa, Etchegoyen também usou a palavra “covardia” para referir-se aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Ele não gostou de ver os nomes dos generais Leo e Ciro Etchegoyen, respectivamente seu pai e seu tio, na lista de autores de graves violações de direitos humanos durante a ditadura.

O general tem um entendimento muito peculiar do que seja covardia. Difícil saber se por má fé ou por ignorância. Como se sabe, covardia é usar de violência e brutalidade contra alguém indefeso, dominado, mais fraco. Exatamente como fizeram agentes da ditadura com prisioneiros sob custódia do Estado. A ditadura perseguiu, torturou, estuprou, assassinou e desapareceu com os corpos de opositores. Mais de 200 não foram encontrados até hoje.

Covardia, senhor Etchegoyen, foi o que aconteceu na Casa da Morte, em Petrópolis. Covardia, senhor Etchegoyen, foi deixar faltar oxigênio nas enfermarias de Manaus e estimular a imunidade de rebanho durante a pandemia. Covardia é valer-se dos instrumentos da democracia para apregoar o golpe contra a República. Covardes!

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21
Jan23

General Etchegoyen é exemplo encarnado de uma força que ameaça a democracia

Talis Andrade
www.brasil247.com - General Sérgio Etchegoyen
General Sérgio Etchegoyen 

 

Família do general se envolve na política há quase um século e agiu contra a soberania popular em vários momentos

 

por Joaquim de Carvalho /Portal 247

O general Sérgio Westphalen Etchegoyen deu uma entrevista esta semana à rádio Gaúcha em que demonstrou desrespeito ao comandante supremo das forças armadas e, em razão disso, uma visão deturpada do papel das Forças Armadas em uma república.

Lula disse que perdeu a confiança em parte das Forças Armadas, depois dos atos terroristas de 8 de janeiro. E ele tem motivo para externar esse sentimento. 

Afinal, o Palácio do Planalto foi invadido e vandalizado por militantes de extrema direita que se encontravam acampados em área do Exército. A invasão ocorreu apesar de existir o Batalhão da Guarda Presidencial, desmobilizado antes dos atos terroristas e, durante estes, seu comandante, o coronel do Exército Paulo Jorge da Hora, foi gravado em vídeo sendo advertido por policiais militares, aparentemente porque tentava interferir em favor dos invasores. “Está doido, coronel?”, disse um oficial da PM, segurando-o pelos ombros.

À rádio Gaúcha, Etchegoyen disse: “Um presidente da República, comandante supremo das Forças Armadas, que vai à imprensa dizer que não confia nas suas Forças Armadas, sabe desde já que nenhum general vai convocar uma coletiva para responder à ofensa. Então, isso é um ato de profunda covardia, porque ele sabe que ninguém vai responder”.

Na cabeça de Etchegoyen, os militares estão em pé de igualdade com o comandante supremo das Forças Armadas, e não são subordinados. Sendo subordinado, nenhum integrante das Forças Armadas tem o direito de responder ao presidente da República, sob pena de incorrer em grave ato de indisciplina.

Sem obedecer aos princípios de hierarquia e indisciplina, uma Força Armada deixa de ser instituição de Estado, e passa a ser uma milícia ou gangue. 

A posição de Etchegoyen segue um padrão da família, segundo registros históricos. Seu avô, Alcides, era tenente do Exército em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, quando, ao lado do irmão, liderou motim para impedir a posse do presidente Washington Luiz.

Eles eram do movimento tenentista da época, do qual fazia parte também Luiz Carlos Prestes, na época já comandando a coluna que, pela definição de hoje, poderia ser considerada de caráter progressista.

Alcides e o irmão, no entanto, logo se revelaram com uma visão bem diferente da de Prestes, quando Alcides, no complexo governo de Getúlio Vargas, assumiu a chefia da polícia no Distrito Federal, então no Rio de Janeiro, em substituição a Felinto Muller.

Nos anos 50, ele já era oposição a Getúlio Vargas, e encabeçou a chapa “Cruzada Democrática” para o Clube Militar, e derrotou o general nacionalista Newton Estilac Leal. Em agosto de 1954, Alcides assinou o manifesto que exigia a renúncia de Getúlio Vargas, a quem havia servido, num ato que agravou a crise política e levou ao suicídio do então presidente.

Quando o general Alcides morreu, em 1956, dois filhos já estavam no Exército, Cyro e Leo, este pai de Sergio Etchegoyen. Em 1964, eles participaram do golpe contra Goulart. Leo seria nomeado, um ano depois, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, e o irmão, Cyro, assessoraria o general Milton Tavares, chefe do Centro de Informações do Exército, o poderoso CIE.

O jornalista Marcelo Godoy registrou em artigo no jornal O Estado de S. Paulo que Léo dizia, talvez justificando a tortura, que "quem enfrenta a guerra suja tem de usar métodos semelhantes ao do inimigo, sob a pena de ser derrotado”.

Em 1979, segundo Godoy, o pai de Sergio Etchegoyen elogiou o tenente-coronel Dalmo Lúcio Muniz Cyrillo, chefe do DOI-Codi em São Paulo, pela atuação dele na prisão coletiva de sindicalistas e líderes metalúrgicos do ABC paulista, entre estes Lula.

Durante o governo de Dilma Rousseff, Sergio Etchegoyen era chefe do Departamento Geral do Pessoal do Exército e atacou o relatório da Comissão Nacional da Verdade, que citava o pai dele como comandante de unidades onde ocorreram violações de direitos humanos.

Etchegoyen disse que o trabalho, criado por lei proposta pelo Executivo e aprovada no Congresso Nacional, era “leviano”. Não foi punido, porque o governo Dilma considerou que a manifestação dele se dava em caráter familiar. O general tentou retirar o nome do pai no relatório da Comissão Nacional da Verdade com ação na Justiça, mas perdeu.

É nessa época que generais, conspirando contra Dilma, se aproximaram de Jair Bolsonaro, para que ele representasse os militares nas eleições de 2018. Justamente Bolsonaro, que havia sido condenado em Conselho de Justificação do Exército, por mentir e ser indisciplinado, considerado sem vocação para a carreira militar, entre outros motivos pelo desejo de enriquecer rapidamente

Depois do golpe contra de Dilma, Etchegoyen assume o Gabinete de Segurança Institucional, a que está subordinada a Abin, e se destaca como homem forte de Michel Temer. Ao mesmo tempo em que a presença militar volta à rotina da vida civil no país, é mantido um acampamento em frente ao Comando Militar do Sudeste, que, em 2016, já pedia intervenção militar.

Antes disso, o ativista Jair Krischke participou de um projeto regional que pretendia instalar pedras memoriais em frente a estabelecimentos do Rio Grande do Sul onde, durante a ditadura, houve violação de direitos humanos, a exemplo do que existe na Alemanha (nazismo) e Argentina (ditadura militar).

Etchegoyen convidou Krischke para uma conversa, e os dois se falaram, durante horas. A certa altura, Etchegoyen perguntou a Krischke: “Você está querendo colocar pedras em frente a meus quartéis?”. Krischke respondeu: “Pensei que os quartéis fossem do Estado brasileiro”. A conversa terminou, e o projeto não foi adiante.

Na eleição de 2022, os militares foram derrotados juntamente com Bolsonaro. Sim, os militares estavam na disputa, direta e indiretamente. 

Com o resultado das urnas, o país tem agora a oportunidade de superar esse longo período em que generais como Etchgoyen se colocam em pé de igualdade com o presidente da República, detentor do mandato que reflete a soberania popular e lhe confere o lugar constitucional de comandante supremo das Forças Armadas.

 

26
Dez22

“Brasil precisa de comissão da verdade para investigar o terrorismo bolsonarista”, diz Gilberto Maringoni

Talis Andrade

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"Depois do negacionismo, do terraplanismo, do golpismo e do fascismo, Bolsonaro nos lega o terrorismo", afirmou o jornalista

 

 

247 - O jornalista Gilberto Maringoni defendeu neste domingo (25) que o Brasil tenha uma Comissão da Verdade com o objetivo de apurar tentativas de ataques terroristas no País. Maringoni defendeu a solução após o empresário bolsonarista George Washington de Oliveira Sousa, 54 anos, ser preso porque planejava explodir um caminhão-tanque carregado com querosene próximo ao Aeroporto Internacional de Brasília (DF).

"Depois do negacionismo, do terraplanismo, do golpismo e do fascismo, Bolsonaro nos lega o terrorismo. O Brasil precisa de uma nova comissão da verdade sobre os tétricos anos 2018-22. Uma que não passe o pano!" escreveu o jornalista. 

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi criada em novembro de 2011, no governo da então presidenta Dilam Rousseff (PT). O objetivo para investigar as violações de direitos humanos no Brasil, com foco nos 21 anos da última ditadura militar (1964-1985). 
 
A CNV, extinta em 10 de dezembro de 2014, citou 434 pessoas como mortas ou desaparecidas na ditadura militar. Foram apontados 377 agentes de Estado como responsáveis por crimes como sequestros, torturas, assassinatos, violências sexuais e ocultação de cadáveres. 
 

Uma parte dos processos de punição estão em andamento ou parados juridicamente. A Justiçá é que tem dever de punir. A CNV teve a responsabilidade de fazer o diagnóstico e apontar conclusões. 

Entre os responsabilizados, estão o general reformado Leônidas Pires Gonçalves, que esteve à frente do Ministério do Exército no governo Sarney e morreu em 2015; o delegado Romeu Tuma, que morreu em 2010; e o médico Harry Shibata, que em 1975 assinou o laudo médico mentindo que o jornalista Vladimir Herzog havia cometido suicídio. 
13
Out22

Xadrez da batalha final contra o fascismo, por Luis Nassif

Talis Andrade

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É perda de tempo discussões conceituais sobre se o bolsonarismo é um movimento fascista ou não

23
Set22

A farda favorita do Clã Bolsonaro: o paletó da política

Talis Andrade

Um mau militar - Patria LatinaNem Geisel suportava Bolsonaro: Um “mau militar”, “completamente fora do  normal” | bloglimpinhoecheirosoRoberto Simon on Twitter: "Ernesto Geisel, 4o pres do regime militar  brasileiro, sobre Bolsonaro em entrevista a FGV em 1997: “é um mau militar”.  Bolsonaro à época era dep pelo RJ. https://t.co/X6jufxKynI" /

 

Nada de viver a vida usando farda, na carreira militar, o verdadeiro negócio da família é o paletó da política

 

Texto PNB

O presidente Jair Bolsonaro (PL) usa as Forças Armadas tanto quanto a Bíblia. Os militares são usados como uma ameaça da baioneta contra o resultado das urnas que não seja a sua vitória. Da religião usa e abusa da fé como um instrumento de politica eleitoral. 

Bolsonaro usa com denodo a patente de capitão do Exército para fazer política, mas foi posto na reserva por conta de graves acusações de agir contra a corporação, chegando a ser classificado pelo ex-presidente general Ernesto Geisel de “mau militar”.

Uma curiosidade: Bolsonaro, que gosta tanto de usar as Forças Armadas para fazer política, como pai de quatro filhos homens não incentivou nenhum deles a seguir a carreira militar. Por exemplo, Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro construiram suas carreiras políticas graças ao voto de militares e seus familiares mas sequer fizeram o serviço militar obrigatório. Todos seguiram a carreira política. Nada de viver a vida usando farda, na carreira militar, o verdadeiro negócio da família é o paletó da política. 

Sobre a trajetória do militar Bolsonaro, vale ler este artigo do jornalista Rubens Valente de 26 de fevereiro de 2021, no UOL (Brasil, Destaque Combate Racismo Ambiental)

É um documento ainda pouco lembrado e citado. Há 33 anos, em uma quinta-feira como hoje, o “Noticiário do Exército”, veículo oficial da instituição produzido no Quartel General do Exército em Brasília, circulou com um raro editorial na capa. Trata-se de uma manifestação de desapreço que circulou por todas as unidades militares no território nacional contra o então capitão Jair Bolsonaro, na época com 32 anos.

Intitulado “A verdade: um símbolo da honra militar”, o texto de 25 de fevereiro de 1988 diz que Bolsonaro e outro capitão “faltaram com a verdade e macularam a dignidade militar”. Cita conclusões de “Conselhos de Justificação” instaurados para investigar os dois militares depois que a revista Veja divulgou, em outubro de 1987, reportagem sobre um suposto plano de Bolsonaro para estourar bombas em unidades militares. De acordo com a revista, a ideia de Bolsonaro era protestar contra os baixos salários dos militares e, assim, prejudicar o comando do então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves. Em junho de 1988, Bolsonaro acabou absolvido das acusações pelo STM (Superior Tribunal Militar).

Mas as conclusões do Exército do início daquele ano foram totalmente diferentes, como descreve o editorial de 16 parágrafos do “Noticiário”. “O fato e tais circunstâncias tornaram os oficiais passíveis de serem considerados impedidos de continuar a pertencer aos quadros de nosso Exército, se assim forem julgados pelo STM. O Exército tem, tradicionalmente, utilizado todos os meios legais para extirpar de suas fileiras aqueles que, deliberada e comprovadamente, desmerecem a honra militar. A verdade é um símbolo da honra militar”, diz o editorial.

“Tornaram-se [Bolsonaro e seu colega], assim, estranhos ao meio em que vivem e sujeitos tanto à rejeição de seus pares como a serem considerados indignos para a carreira das armas. Na guerra, já plena de adversidades, não se pode admitir a desonra e a deslealdade que não do lado inimigo, jamais do lado amigo.”

Documento ‘precioso’ mostra um conceito de ‘mau militar’, dizem pesquisadores

É muito citada a frase do ex-ditador general Ernesto Geisel (1907-1996), que chamou Bolsonaro de “um mau militar”. O documento de 1988, contudo, é mais representativo do pensamento da cúpula do Exército da época por duas razões: 1) o “Noticiário” era a manifestação oficial da instituição, produzido pelo Centro de Comunicação Social, em Brasília, impresso na gráfica do Exército e distribuído gratuitamente a todas as organizações militares; 2) a publicação trata de Bolsonaro ainda na ativa no Exército, enquanto a fala de Geisel é posterior, de 1993, quando Bolsonaro já havia sido vereador do Rio (1989-1991) e estava no primeiro mandato como deputado federal.

É possível que o texto seja pouco conhecido porque não está acessível na internet. Ou pelo menos não estava até 2017, quando o pesquisei e pude fotografá-lo no arquivo das edições impressas do “Noticiário” localizado no Comando do Exército, em Brasília. O editorial era citado no processo a que Bolsonaro respondeu no STM. Contudo, o texto não foi reproduzido no processo.

Durante a pesquisa, consultei diversas edições do “Noticiário” nos anos de 1988 e 1987 e não encontrei editoriais na capa, muito menos com uma avaliação da conduta de um militar como a que foi feita sobre Bolsonaro.

“É um documento extraordinário, precioso, eu não o conhecia. Ele mostra claramente que o Exército não estava com Bolsonaro”, disse o professor da Unesp Paulo Ribeiro da Cunha, organizador de “Militares e política no Brasil” (ed. Expressão Popular, 2018) e pesquisador da CNV (Comissão Nacional da Verdade).

 

 

O professor Carlos Fico, pesquisador da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), especializado na tema da ditadura militar e autor de “Como eles agiam” (Editora Record, 2001), disse que na época da publicação do editorial o ministro Leônidas estava muito irritado com Bolsonaro porque, a princípio, o capitão havia negado qualquer envolvimento com os fatos descritos por Veja. O ministro chegou a dar uma entrevista criticando a revista e dizendo que “conheço a minha gente”.

A investigação posterior do Exército, contudo, desmentiu a manifestação de inocência de Bolsonaro, segundo concluiu Leônidas. Em 26 de fevereiro de 1988, um dia depois do editorial no “Noticiário”, Leônidas reconheceu, numa entrevista à imprensa no Rio que foi reproduzida pelos jornais no dia seguinte, que “a Veja estava certa e o ministro estava errado”.

“O editorial provavelmente expressa essa irritação de Leônidas, até pelas expressões fortes contra Bolsonaro (‘desmerece a honra militar’, ‘faltou com a verdade e maculou a dignidade militar’). O capitão passou a ser visto como um mau militar. Impressiona que, 30 anos depois, tantos oficiais-generais tenham se empenhado em sua eleição, o que se explica, entre outros fatores, pelo grande descontentamento, entre os militares, com os governos do PT, sobretudo em função do relatório da Comissão da Verdade”, disse Fico.

“O destaque em editorial na primeira página certamente decorreu da necessidade de enfatizar a condenação de Bolsonaro pelo ministro. O boletim circulava amplamente, não só no Exército, mas nas outras forças também.”

‘Quem imaginaria ele na Presidência com apoio dos militares?’

O editorial do “Noticiário” também ressalta a confiança que Leônidas tinha depositado em Bolsonaro no começo da controvérsia.

“Não deve ser esquecido que, inicialmente, o Ministro [do Exército] confiou na palavra dos dois capitães, desde o momento em que, chamados à presença do seu comandante, negaram e ratificaram, por escrito, declarações e atitudes a eles atribuídas por uma repórter. No entanto, havia a denúncia e era imprescindível tudo apurar para que dúvida não restasse. Lamentavelmente para a instituição a verdade apurada modificou a primeira impressão e, consequentemente, teve que ser ser modificada a atitude inicial.”

O cientista político Eduardo Heleno de Jesus Santos, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense), disse que o editorial foi “uma manifestação oficial sobre os valores que seus líderes estimavam para a instituição”.

“Nesse sentido, o que isso representa? Se a gente tirasse o nome de Bolsonaro e colocasse qualquer outro nome no lugar, aceitaríamos como razoável, prudente, a manifestação do ministro do Exército. O grande incômodo é que Bolsonaro era o exato alvo desse texto pelas atitudes que tomou na época. E isso nos dá um desconcerto. Quem imaginaria, na época, ele estar na Presidência com o apoio dos militares trinta anos depois?”, disse Santos, que citou o editorial no seu ensaio “Controle civil? A ascensão de Bolsonaro e a encruzilhada do Brasil – militares, forças armadas e política”, que integra o livro “Os militares e a crise brasileira” (editora Alameda).

Santos disse que o “Noticiário” é considerado a voz oficial do Exército e que não conhece “nenhum outro editorial que tenha sido feito com esse teor”.

Em maio de 2017, quando Bolsonaro ainda era deputado federal, este colunista leu quase todo o editorial em voz alta para o parlamentar, em seu gabinete na Câmara dos Deputados, conforme está gravado em vídeo. Ele se defendeu mencionando várias vezes a decisão do STM que o absolveu.

Sobre o julgamento, Paulo Cunha menciona, em um texto que escreveu para o livro “Militares e militância: uma relação dialeticamente conflituosa” (editora Unesp, 2020), uma entrevista concedida em 2011 ao site Terra Magazine pelo coronel e ex-ministro Jarbas Passarinho (1920-2016). O militar disse que Bolsonaro “é um radical e eu não suporto radicais, inclusive os radicais da direita. Eu não suportava os radicais da esquerda e não suporto os da direita”.

“[Bolsonaro] foi mau militar, só se salvou de não perder o posto de capitão porque foi salvo por um general que era amigo dele no Superior Tribunal Militar (STM). O ministro [do Exército], que era o Leônidas [Pires Gonçalves], rompeu com esse general por causa disso. Ele começou a se projetar quando aluno da escola de aperfeiçoamento de capitães. Deu uma entrevista falando dos baixos salários que nós recebíamos”, disse Passarinho na entrevista.

O livro “Caso Adriano da Nóbrega tem citação a Bolsonaro e MP encerra escuta (ed. Todavia, 2019), do jornalista Luiz Maklouf de Carvalho (1953-2020), detalha as circunstâncias do julgamento.

Para o professor Paulo Ribeiro da Cunha, “Geisel foi mais econômico nas palavras sobre Bolsonaro, o Passarinho, não”. “São passagens grandes sobre o oportunismo do Bolsonaro, inclusive na questão dos soldos.”

Uma pergunta óbvia que surge é como um oficial tão mal avaliado pela instituição conseguiu, 30 anos depois, obter o apoio importante de parte da oficialidade na campanha à Presidência e no seu governo.

Carlos Fico mencionou, entre outros fatores, descontentamento de militares com os governos do PT, sobretudo em função do relatório da Comissão Nacional da Verdade, iniciada em 2012 e concluída em 2014.

Cunha avaliou que, em 2018, Bolsonaro “teve apoio de uma parte de alguns generais, uma ala militar que foi crescendo em determinado momento, mas não da instituição”. “Não acho que ele teve tanto apoio da instituição. Ninguém acreditava, a princípio, que ele iria chegar lá. Foi uma confluência de fatores que possibilitou sua eleição”, disse o professor.

Eduardo Heleno menciona que os oficiais que tentaram punir Bolsonaro pertenciam a uma geração mais antiga, e naturalmente a cúpula do Exército foi mudando ao longo do tempo.

“No caso de Bolsonaro tem um aspecto geracional muito forte. Quando pegamos a estrutura montada para sua campanha, os representantes do PSL, os militares que o apoiam, todos eles são da geração de Bolsonaro no Exército nos anos 70 e 80. Ele passou de 1973 até mais ou menos 1988, são 15 anos na tropa. Foi criado um certo vínculo com alguns oficiais, que é resgatado principalmente a partir de 2006.”

 

12
Set22

Da tortura à loucura: ditadura internou 24 presos políticos em manicômios

Talis Andrade

Internação psiquiátrica de presos políticos ocorreu em pelo menos nove estados do Brasil - Yasmin Ayumi/UOL

Internação psiquiátrica de presos políticos ocorreu em pelo menos nove estados do Brasil. Imagem: Yasmin Ayumi/UOL

por Amanda Rossi /UOL

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Ali estava a perigosa "terrorista" pernambucana de quem os jornais falavam em fins de 1964. Desacordada, recebia soro na ala feminina do Manicômio da Tamarineira, no Recife. Os "olhos diabolicamente ingênuos", como descreveu o delegado que a prendera, estavam fechados. Media 1,55 m e pesava menos de 30 kg. Os cabelos longos tinham sido raspados em um quartel do Exército. No braço esquerdo, uma das queimaduras de cigarro que marcavam sua pele tinha infeccionado e cheirava a carne podre.

Nome, Silvia Montarroyos. Codinome, Tatiana. Idade: "21 anos", segundo sua ficha prisional. Já a família alegava que tinha 17 anos —a data de nascimento teria sido alterada ao ingressar na escola. Acusação: crime contra a segurança nacional. Atividades: participação em um partido trotskista, distribuição de um jornal com conteúdo "subversivo", alfabetização de lavradores.

A militância durou pouco. Em novembro de 1964, sete meses depois do golpe militar, Silvia foi presa. Em dezembro, após um mês de tortura, os militares a mandaram para o manicômio. Passou os três primeiros dias desacordada. Ao recobrar os sentidos, foi tratada com eletroconvulsoterapia —eletrochoque.

Ivan Seixas, um dos presos políticos enviado ao manicômio, relata como foi a captura junto com o pai e torturas sofridas durante seis anos. "Fui mantido desaparecido junto com pessoas que desapareceram para sempre (...) Fiquei numa situação que era para me enlouquecer", relatou.

 

Um levantamento inédito do UOL descobriu 24 casos de presos políticos internados pela ditadura militar em instituições psiquiátricas, em nove unidades da federação. Pelo menos 22 foram antes submetidos a tortura em prisões comuns. As internações foram determinadas pela Justiça Militar ou por autoridades que tinham os presos políticos sob custódia.

  • Leia neste link documentos da internação de presos políticos durante a ditadura militar.

Informado sobre o levantamento, o Ministério da Defesa afirmou, por nota, que "os fatos relativos ao período compreendido entre os anos 1964 a 1973 foram abrangidos pela Lei de Anistia, que alcançou, de forma ampla, geral e irrestrita, atos de cidadãos brasileiros". O Ministério da Defesa responde pelas Forças Armadas.

Número de casos pode ser maior que o identificado pelo UOL - Yasmin Ayumi/UOL - Yasmin Ayumi/UOLNúmero de casos pode ser maior que o identificado pelo UOL. Imagem: Yasmin Ayumi/UOL 

 

Tortura que leva à loucura

 

Algumas formas de tortura empregadas pela ditadura militar tinham como objetivo "provocar danos sensoriais, com consequências na esfera psíquica, tais como alucinações e confusão mental", diz o relatório da Comissão Nacional da Verdade —criada para investigar violações de direitos humanos no regime militar.

Alucinações e confusão mental, assim como depressão profunda ou ideias suicidas, são quadros relatados na maioria dos 24 casos. Há, inclusive, laudos psiquiátricos —elaborados por peritos indicados pela própria Justiça Militar— que sugerem que esses sintomas psíquicos foram desencadeados pela experiência na prisão.

"A tortura é tão desagregadora que a pessoa nem sempre vai encontrar recursos psíquicos para se defender, por isso enlouquece", diz a psicanalista Maria Cristina Ocariz, uma das coordenadoras da Clínica do Testemunho —projeto de atenção psicológica para vítimas de violência do Estado durante a ditadura.

Também há casos de presos políticos internados sem nenhum sintoma de ordem psíquica. Um deles é Ivan Seixas, colocado em uma prisão psiquiátrica no interior de São Paulo, sem indicação médica. Tinha 19 anos. Em carta de denúncia, sua mãe escreveu que os próprios peritos do Estado tinham atestado "tratar-se de rapaz normal, equilibrado, sem nenhum distúrbio psicótico".

Para identificar os casos, o UOL analisou documentos produzidos durante a ditadura —como processos da Justiça Militar— e informações levantadas por comissões da verdade. Uma das principais fontes de pesquisa foi a biblioteca digital do Brasil Nunca Mais. Também foram feitas entrevistas com presos políticos e seus familiares. O número de casos pode ser maior, já que muitos documentos da época foram destruídos e outros não estão acessíveis.

Dentre os 24 casos, estão 21 homens e três mulheres, internados entre 1964 e meados de 1970. A maior parte das internações ocorreu em prisões psiquiátricas —naquela época, chamadas de manicômios judiciários. Outras se deram em alas psiquiátricas de hospitais, principalmente hospitais militares, e quase sempre sob vigilância de forças de segurança.

Não foram incluídos no levantamento os casos de internação psiquiátrica depois da prisão, sem participação do Estado.

"Nós nunca soubemos disso. Só sabíamos de casos isolados. E, de repente, são 24 casos, e você tem uma nova dimensão de algo que se achava que não tinha acontecido no Brasil", diz Seixas, que coordenou a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo.

"Jamais houve uma reconstituição ampla desses eventos. [O levantamento do UOL] é um complemento ao relatório da Comissão da Verdade, que não teve a oportunidade de tratar especificamente desses casos", diz Paulo Sérgio Pinheiro, um dos autores do relatório.

"É um capítulo de mais um crime praticado pela ditadura de 64: além de desaparecer com pessoas, internou outras no manicômio. É muito importante reconstituir esses fatos, porque esses espaços também eram lugar de tortura", continua.Silvia Montarroyos - Yasmin Ayumi/UOL - Yasmin Ayumi/UOL

Silvia Montarroyos foi presa, torturada, e depois internada em manicômio no Recife. Imagem: Yasmin Ayumi/UOL 

 

'Fábrica de loucos'

 

Na prisão, Silvia Montarroyos sofreu diferentes tipos de tortura. "Eram bofetões, queimaduras de cigarro... Me colocaram em uma jaula de uns 80 cm quadrados. Eu tinha que agachar e abraçar as pernas para dormir, mas jogavam balde de água gelada para me acordar. Eu só recebia meio pão seco e meio copo de água", lembra Silvia Montarroyos, hoje uma senhora com mais de 70 anos.

Privação de sono e de alimento, isolamento e incomunicabilidade são algumas das torturas psíquicas que, segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade, podem desencadear alucinações.

"Mas eu fiquei calada. O ódio que eles tinham de mim era porque eu não falava nada", diz Silvia, com um sotaque misto de Pernambuco e do país europeu onde vive desde o exílio durante a ditadura —e cujo nome pediu que não fosse citado, para preservar sua privacidade. Um ofício militar de dezembro de 1964 confirma que Silvia "vinha recusando-se a prestar qualquer declaração, desde a data de sua prisão, e ultimamente apresentava sintomas de alienação mental".

"Eu estive além da dor. Daí para a loucura foi a coisa mais natural do mundo. Tive alucinações visuais e auditivas", diz a ex-presa política.

Ao chegar no Manicômio da Tamarineira, Silvia estava inconsciente e muito machucada. "Você chegou aqui quase morta", disse um dos médicos que trataram dela. O profissional acreditava que Silvia tinha sido mandada para o manicômio para morrer, de modo que a culpa da morte não fosse atribuída à tortura.

Como tratamento, Silvia não recebeu apenas eletrochoques. Também foi tratada com insulinoterapia, que consistia na aplicação de doses excessivas de insulina para provocar convulsões e até levar ao coma. "Dos choques elétricos eu não lembro, mas está no laudo médico. Já a insulina eu lembro ligeiramente. Precisavam me amarrar na cama, senão eu caía, de tanto que me debatia com as convulsões. Eram formas de tortura", relata.

A insulinoterapia foi abandonada pela psiquiatria há décadas. Já o eletrochoque é usado de forma muito mais limitada e controlada. A própria internação psiquiátrica foi colocada em xeque pela luta antimanicomial, que pediu o fim dos manicômios, a partir do final dos anos 1970. "A forma de tratamento utilizada nos manicômios era medieval. Sem dúvida, agravava o quadro de quem ficou louco pela tortura", diz a psicanalista Maria Cristina Ocariz.

"A ditadura foi uma fábrica de mortos e uma fábrica de loucos. Como eu, muita gente enlouqueceu na tortura. Muitos outros precisaram [de suporte psiquiátrico] depois da prisão", diz Silvia.Manicômios funcionavam como prisões e usavam tratamentos hoje rechaçados pela medicina - Yasmin Ayumi/UOL - Yasmin Ayumi/UOL

Manicômios funcionavam como prisões e adotavam tratamentos hoje rechaçados pela medicina. Imagem: Yasmin Ayumi/UOL

 

Perigo para a sociedade

 

"Entre as torturas que me fizeram, a pior foi... [silêncio] Está me vindo um branco agora. Acho que é porque eu estou mexendo em um assunto que estava um bocado enterrado, sabe? Mas é necessário contar, para que fique para a posteridade o que aconteceu, é um caso histórico", diz Silvia, engasgando para relatar uma lembrança que já tem 56 anos.

É final de novembro de 1964. Em uma sala escura de um quartel no Recife, a militante é colocada frente a frente com Pedro Makovski. Uruguaio de 24 anos, Makovski emigrou para o Nordeste para chefiar o grupo político que Silvia integrava, o Port (Partido Operário Revolucionário Trotskista).

Os dois haviam sido presos juntos, de mãos dadas, quando tentavam fugir da polícia. Estavam noivos. "A luta e eu eram toda a vida dele. E ele era leal a nós duas e só se dedicava a nós duas."

Desde a prisão, no início daquele mês, os noivos não se viam. Neste reencontro promovido pela ditadura, Silvia foi estuprada, e Makovski foi obrigado a assistir. "Eu estava completamente ensanguentada... ele viu que eu ia morrer se continuassem... foi aí que ele falou [aceitou depor]."

Documentos militares enviados para o Arquivo Nacional confirmam que Makovski foi reinquirido em 23 de novembro de 1964. E que, desta vez, deu um longo depoimento —são nove páginas de testemunho.

Ao ser julgado pela Justiça Militar, anos depois, Makovski denunciou que "um dos meios conseguidos para forçá-lo a assinar os depoimentos foram torturas físicas impostas a sua noiva". E que, "em consequência das torturas sofridas, Silvia foi internada no Manicômio da Tamarineira em estado de coma" e que "ainda hoje se encontra mentalmente abalada".

"As pessoas [torturadores] que fizeram isso com Silvia constituem um perigo para a sociedade", disse o jovem uruguaio.

Diante do relato de Makovski, o procurador militar debochou, dizendo que o preso político, "por um processo de transferência explicado por Freud, quer transmitir a outrem sua própria periculosidade". Mas sua "periculosidade" era apenas de ideias. O julgamento de Makovski não revelou nada além de crimes de pensamento. Já o que viu a noiva sofrer foi extremamente material.

"O estupro foi o que mais me fez enlouquecer. Mas foi o conjunto das torturas, não só a ignomínia da violência sexual, que me levou à loucura", escreveu Silvia no livro de memórias Réquiem por Tatiana.

Mapa da prisão política em manicômios - Yasmin Ayumi/UOL - Yasmin Ayumi/UOL

 

Internações ocorreram de 1964 até meados da década de 1970. Imagem: Yasmin Ayumi/UOL

 

Soro da verdade

 

Em agosto de 1964, poucos meses antes de Silvia ser internada no Manicômio da Tamarineira, o médico que dirigia a instituição enviou duas cartas para o tenente-coronel do Exército Hélio Ibiapina. Por ordem do militar, e sem mandado judicial, dois outros presos políticos tinham sido enviados ao manicômio. Era o início da ditadura.

O texto das duas cartas era idêntico, só mudava o nome do preso: "Acontece que a Lei que rege a Assistência a Psicopatas no Brasil, ao falar de Manicômios Judiciários diz: 'Os internamentos serão feitos pelo Juiz'. A palavra Juiz, na Lei, compreende os Magistrados e os órgãos auxiliares da Justiça. Diante da Lei, está o paciente acima internado ilegalmente neste serviço. Saudações cordiais".

Eram cartas ousadas, quase uma insubordinação. O tenente-coronel Ibiapina era amigo de Castello Branco, primeiro ditador do regime militar e um dos articuladores do golpe. Além disso, Ibiapina não escondia que ocorriam torturas em Pernambuco.

Certa vez, ao se queixar das intervenções de Dom Hélder Câmara em favor dos presos políticos, Ibiapina afirmou: "Nunca neguei que as torturas existissem. Elas existem e são o preço que nós, os velhos do Exército, pagamos aos jovens. Caso tivessem os oficiais jovens empolgado o poder, os senhores estariam hoje reclamando não de torturas mas de fuzilamentos. Nós torturamos para não fuzilar". A declaração veio a público em 1966, no livro Torturas e Torturados, de Marcio Moreira Alves.

A mensagem do diretor do manicômio, o médico Ruy do Rego Barros, para o tenente-coronel Ibiapina era clara: a internação de presos políticos, sem ordem judicial, por simples mando militar, era ilegal.

Ainda assim, os dois presos políticos citados nas cartas foram mantidos na Tamarineira. Um deles era Edival Freitas, que trazia diversas marcas de injeção pelo corpo. Sobre ele, a equipe médica do manicômio avaliou que seu quadro "foi decorrente das torturas e, provavelmente, doses excessivas do soro da verdade" —como era chamado o pentotal, um anestésico usado na tentativa de fazer os presos políticos falarem.

Aos psiquiatras, Freitas disse que "enlouqueceu quando estava preso". O diagnóstico do laudo de sanidade confirmou: "acometido de uma crise de psicose maníaco-depressiva, com predominância de depressão, consequência da prisão".

O segundo preso era Antônio Albuquerque, um lavrador acusado pelos militares de participar de movimentos camponeses de oposição à ditadura. Sobre ele, há apenas registros de que tremia e berrava ao ver alguém de farda no Manicômio da Tamarineira.

Roberto Motta foi internado em Santa Catarina; Ivan Seixas, em São Paulo - Yasmin Ayumi/UOL - Yasmin Ayumi/UOL

Roberto Motta foi internado em Santa Catarina; Ivan Seixas, em São Paulo. Imagem: Yasmin Ayumi/UOL 

 

Porões da loucura

 

As primeiras internações de presos políticos ocorreram em Pernambuco e na Paraíba, em 1964. Nos anos seguintes, os casos se espalharam pelo país: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia, Distrito Federal, Ceará.

Em São Paulo, em 1971, presos políticos mantidos na rua Tutóia, no Paraíso (zona sul da cidade), puderam acompanhar a deterioração do estado mental de Antonio Carlos Melo, estudante de Geologia na USP (Universidade de São Paulo). No local funcionava o DOI-Codi —sucessor da Oban (Operação Bandeirante), criada para centralizar a investigação de organizações de esquerda. Hoje, é uma delegacia.

"Eu sou Tadeu, Tadeu eu sou, sou comandante revolucionário. Eu sou Tadeu, Tadeu eu sou, sou comandante revolucionário. Vanda! Vanda! VAR-Palmares!", cantarolava Melinho, como era conhecido, enquanto andava de um lado para o outro da cela.

Tadeu era seu codinome. Vanda, o codinome de Dilma Rousseff, que viria a ser eleita presidente da República em 2010. Ambos integraram a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), uma organização política de esquerda que pretendia derrubar o regime militar, inclusive por meio de ações armadas.

O estudante foi preso em 1970, mesmo ano que Dilma. "Melinho foi barbaramente torturado, porque queriam que falasse sobre algumas pessoas. Uma delas era a Vanda [Dilma]. Mas ele não falou", diz Ivan Seixas, que também ficou preso no DOI-Codi em 1971, antes de ser mandado para a prisão psiquiátrica.

"O Melinho foi enlouquecido na tortura. Eu fiquei em uma cela do lado da dele. Ele ficava cantando essa música sobre Tadeu e Vanda, depois entrava debaixo do cobertor e falava sozinho", lembra o colega de prisão.

Em 1972, Melinho foi mandado para o Manicômio Judiciário de Franco da Rocha, região metropolitana de São Paulo. A Justiça Militar o considerou inimputável —ou seja, incapaz de responder pelos próprios atos— e o condenou a dois anos de internação compulsória. Mas só foi liberado quatro anos depois, em 1976. Quando se viu livre, Melinho foi ajudado por antigos colegas da Geologia da USP, mas nunca se recuperou totalmente.

"Que monstruosidade fizeram com ele", disse Dilma a Ivan Seixas, em um encontro em Brasília quando a ex-presa política era presidente.

Ao sair do manicômio, Melinho foi questionado por amigos se havia outros presos políticos em Franco da Rocha. Respondeu que não tinha como lembrar. Estava sempre sob efeito de medicamentos psiquiátricos muito fortes, que tiravam a consciência da realidade.

Durante a ditadura militar, uma das drogas usadas no Manicômio de Franco da Rocha foi a escopolamina. Sob altas doses, a substância pode produzir sensação de morte iminente. Médicos nazistas a combinaram com morfina para praticar eutanásia. Já em Franco da Rocha, a droga foi usada como forma de "disciplina e não terapêutica", cita um ofício assinado pelo diretor do manicômio em 1968.

Também no início dos anos 1970 passou pelo Manicômio de Franco da Rocha o jornalista João Adolfo Castro da Costa Pinto, acusado de fazer parte da Ação Libertadora Nacional (ALN) —o que ele negava. Em seu laudo psiquiátrico, Costa Pinto disse que "sua doença iniciou-se um ano após ser preso".

"Eu apanhei muito, me deram choque na cabeça, nos testículos e acho até que estou impotente. Aí me disseram que eu fiquei muito nervoso, tinha ocasião que eu saía de mim, mas não sei explicar. Eu sei que não consigo me distrair, não tenho fome, não durmo, só tenho vontade de ficar deitado", relatou Costa Pinto ao psiquiatra do manicômio.

Em conclusão, o médico assinalou que o jornalista passava por "um quadro mental de intensa apatia e depressão, com ideias delirantes de ruína".Solange Gomes, Aparecidão Galdino e A.S. foram internados a mando da ditadura - Yasmin Ayumi/UOL - Yasmin Ayumi/UOL

Solange Gomes, Aparecidão Galdino e A.S. foram internados a mando da ditadura. Imagem: Yasmin Ayumi/UOL

 

Queima de arquivo

 

No início dos anos 1970, enquanto Melinho e Costa Pinto estavam no Manicômio de Franco da Rocha, a pernambucana Silvia Montarroyos foi considerada foragida.

No primeiro semestre de 1965, depois de quase seis meses de internação, sua defesa conseguiu um habeas corpus para tirá-la do manicômio no Recife. Livre, mas com medo de ser presa ou internada novamente, Silvia decidiu fugir de Pernambuco. O medo tinha razão: logo depois, a Justiça Militar voltou a decretar sua prisão preventiva.

O risco de ser identificada durante a fuga era grande. Cartazes com a fotografia de Silvia tirada no dia da prisão ainda estavam estampados por Recife. O rosto parecia de menina, mas o texto dizia se tratar de uma perigosa subversiva.

Católica devota, a família Montarroyos conseguiu articular uma fuga com benção da igreja: Silvia se escondeu debaixo de um andor de Nossa Senhora do Carmo, que foi transportado por um jipe dirigido por dois frades franciscanos, do Recife a João Pessoa.

Da Paraíba, Silvia foi para o Rio de Janeiro. Depois, fugiu para outro país da América Latina. Já estava fora do país quando, em 1966, a Justiça Militar a condenou a oito anos de prisão por crimes contra a segurança nacional. Em 1970, fugiu de vez para a Europa, onde se exilou. Sua pena foi extinta com a Lei da Anistia, em 1979.

No exterior, Silvia estudou, se casou, teve filhos e netos. Em 2001, voltou ao Recife e bateu às portas do Manicômio da Tamareira, já renomeado Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambucano. Queria ver sua ficha médica. Mas o único registro de sua passagem pelo manicômio era de que dera entrada em 1964. Nada mais. Os documentos completos tinham sido destruídos.

Segundo a instituição, não havia "condições de fornecer melhores dados por causa da enchente ocorrida em 1975 que destruiu grande parte de nosso arquivo". Já segundo Silvia, funcionários do antigo manicômio confidenciaram que só os documentos dos presos políticos foram destruídos.

"Mesmo assim, não podem negar o que aconteceu, porque há o meu depoimento e o de diversas pessoas que me viram lá."

Um deles é o do psiquiatra Othon Coelho Bastos Filho, que trabalhou no Manicômio da Tamarineira. O médico relatou para a Comissão da Verdade de Pernambuco, em 2013, que recebeu na instituição uma estudante universitária "em estado deplorável", levada pela rádio patrulha (antiga designação para as rondas ostensivas da Polícia Militar), em 1964.

"Ela chegou... aquela coisa humana", disse. "Essa moça, eu me recordo bem, chamava-se Silvia".

"Apesar do estado de perturbação da consciência, ela tinha momentos de plena lucidez. Ela conseguiu dizer, por exemplo, 'eu fui seviciada sexualmente'. O testemunho dela, para nós, tinha fidedignidade", declarou o médico, que morreu em 2016.

Outra testemunha, o uruguaio Pedro Makovski, noivo de Silvia à época, morreu em 2006. Depois que saíram da prisão, os dois voltaram a se ver uma única vez, em 1986, quando visitaram o Recife com as respectivas famílias.

Já era democracia no Brasil outra vez. "Quando eu perguntei sobre esse episódio [o estupro], ele ficou com os olhos cheios de lágrimas, segurou minha mão e falou: petiza [pequena, em espanhol], há coisas que é melhor esquecer".

"Eu só me lembro de cenas deste dia [do estupro]. Cheguei até a fazer um tratamento de regressão de memória. Mas, com o tempo, eu entendi que, se eu não lembro, é porque minhas forças ainda não são capazes de suportar. A natureza é sábia: sepultou a dor no subterrâneo da memória", diz Silvia, a quem o Brasil já chamou de terrorista por ter ideias políticas e distribuir jornais.

 

01
Set22

QUANTAS PESSOAS FORAM MORTAS E DESAPARECERAM DURANTE A DITADURA MILITAR BRASILEIRA?

Talis Andrade

Dia Internacional de Desaparecidos

 

 

Por 21 anos, o regime foi responsável por práticas cruéis de tortura, assassinatos e desaparecimentos políticos

 

por Isabela Barreiros

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Até o final de 1968, ano do AI-5, a tortura ainda não tinha se tornado praxe nos cárceres brasileiros. "Ela já começava a ser praticada, mas não com a frequência do final dos anos 60 e começo dos 70", diz o historiador Jorge Ferreira, da Universidade Federal Fluminense.

Entre 1964 e 1968, foram torturados e mortos 34 opositores do regime. Sabe-se até quem foi o primeiro torturado: o líder comunista pernambucano Gregório Bezerra, que no dia 2 de abril foi preso, arrastado pelas ruas de Recife, amarrado em um jipe e depois espancado por um oficial do Exército com uma barra de ferro.

Os militares governaram o Brasil por 21 anos, de 1964 a 1985. Durante esse período, muitas pessoas foram torturadas, assassinadas e também desapareceram. A Comissão Nacional da Verdade, fundada em 2011 pela ex-presidenta Dilma Rousseff, foi criada no objetivo de investigar as graves violações de direitos humanos ocorridas na época.

Em 2014, um relatório final foi divulgado listando o nome de pessoas que foram mortas ou desaparecidas durante o regime. 191 assassinadas e 243 desaparecidas — ou seja, 434 pessoas no total. Segundo a organização internacional não governamental de direitos humanos, a Human Rights Watch, aproximadamente 20 mil pessoas foram torturadas no período brasileiro.

O documento consolidado pela Comissão da Verdade foi redigido por seis comissários que afirmaram que os crimes cometidos no período, como assassinatos, a prática da tortura, desaparecimentos políticos e ocultação de cadáveres foram "crimes contra a humanidade" e alegaram que os atos fizeram parte de uma “política sistemática” que durou todos os anos da ditadura. Os números, segundo o coordenador da Comissão, Pedro Dallari, ainda não são definitivos e podem aumentar.

Saiba mais sobre as torturas e assassinatos cometidos durante o período da ditadura militar no Brasil por meio dos livros a seguir:

A Casa da Vovó: Uma biografia do DOI-Codi (1969-1991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar, Marcelo Godoy (2015) - https://amzn.to/36RcrWL

Tortura e sintoma social, Maria Rita Kehl (2019) - https://amzn.to/2CpAFci

Dossiê Herzog: Prisão, tortura e morte no Brasil, Fernando Pacheco Jordão (2015) - https://amzn.to/2CwH5GB

Setenta, Henrique Schneider (2017) - https://amzn.to/36OM1EI

A ditadura envergonhada (Coleção Ditadura Livro 1), Elio Gaspari (2014) - https://amzn.to/2Q2xaAK

01
Set22

Desaparecidos políticos

Talis Andrade

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Por Michelle Viviane Godinho Corrêa

A partir de 1968, o regime militar encontrou maior resistência a sua continuidade. Manifestações estudantis e operárias, aliadas ao crescimento da luta armada no país, levaram a edição do AI-5 e do início de uma série de prisões que, muitas vezes, levaram ao desaparecimento de centenas de pessoas consideradas um perigo à segurança nacional.

 

O contexto da Guerra Fria e a caça aos comunistas

 

Nos países do bloco capitalista durante a Guerra Fria, a perseguição aos comunistas e simpatizantes ocorreu de norte a sul, como o Macarthismo nos EUA e o fechamento do Partido Comunista do Brasil (PCB) por Gaspar Dutra. Se no dito “Período Democrático” o comunismo foi perseguido, durante a ditadura militar não seria diferente.

Além de cassações de mandatos da oposição e da prisão de estudantes, intelectuais e professores universitários, os militares operaram forte censura aos meios de comunicação, chegando a atentados terroristas contra jornais e revistas de esquerda. Nesse contexto, centenas de brasileiros foram dados como desaparecidos, muitos deles vítimas dos órgãos de repressão da ditadura militar que operavam em nome da Doutrina de Segurança Nacional.

Nesse contexto foram criados ou ressignificados diferentes instituições públicas, tais como o DOPS, o DOI-CODI e o SNI a fim de identificar, interrogar e punir qualquer cidadão considerado subversivo. Mulheres, jovens e idosos também se incluíam nessa categoria e foram vítimas de tortura, desaparecimento forçado e assassinato.

De acordo com o artigo 2º da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, entende-se o desaparecimento forçado como [...] "a prisão, a detenção, o sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, e a subsequente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida, privando-a assim da proteção da lei." (BRASIL, 2016).

 

Comissão da Verdade e desaparecidos do regime militar

 

Criada em 2011, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) concluiu seus trabalhos afirmando que a tortura foi uma política de Estado durante o regime militar e sugeriu que fosse revista a Lei de Anistia para os agentes envolvidos em desaparecimentos forçados durante a ditadura. Além disso, recomendou que lhes fosse exigido ressarcimento aos cofres públicos a fim de pagar as indenizações das vítimas. Sugeriu também a extinção da Lei de Segurança nacional, que reflete o pensamento autoritário do período militar e não condiz com o estado democrático vivido na atualidade.

A CNV identificou cerca de 1843 vítimas de tortura, dentre elas 434 morreram ou desapareceram. Esta cifra compreende 191 pessoas que foram assassinadas, 210 que permaneceram como desaparecidas e 33 que tiveram seus corpos encontrados posteriormente. Dentre os grupos mais atingidos, estiveram estudantes (6%) e membros de guerrilhas revolucionárias - ALN, MR-8, VAR-Palmares e VPR - totalizando 30%.

Provavelmente o número de desaparecidos durante a ditadura é superior ao encontrado pela CNV, entretanto, até o presente, esses são os dados comprovadamente relacionados à atuação dos militares durante a ditadura. De acordo com o relatório da comissão, 377 agentes públicos estiveram envolvidos em atos de desrespeito aos Direitos Humanos entre 1964 e 1985.

Bibliografia:

BRASIL. Decreto nº 8767, de 11 de maio de 2016. Promulga a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, firmada pela República Federativa do Brasil em 6 de fevereiro de 2007. Planalto, Brasília, 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8767.htm>. Acesso em: 7 nov. 2017.

LIMA, Wilson. Em relatório final, Comissão da Verdade pede revisão da anistia a torturadores. Último Segundo, iG, Brasília, 10 dez. 2014. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2014-12-10/em-relatorio-final-comissao-da-verdade-pede-revisao-da-anistia-a-torturadores.html>. Acesso em: 7 nov. 2017.

LIMA, Wilson. Comissão da Verdade identificou 1,8 mil vítimas de tortura durante a ditadura. Último Segundo, iG, Brasília, 10 dez. 2014. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2014-12-10/comissao-da-verdade-identificou-18-mil-vitimas-de-tortura-durante-a-ditadura.html>. Acesso em: 7 nov. 2017.

LIMA, Wilson. Comissão da Verdade confirma 434 mortes e desaparecimentos na ditadura. Último Segundo, iG, Brasília, 10 dez. 2014. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2014-12-10/comissao-da-verdade-confirma-434-mortes-e-desaparecimentos-na-ditadura.html>. Acesso em: 7 nov. 2017.

O subprocurador-geral da República e procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Vilhena, enviou nesta quinta-feira (15) ofício à ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Cristiane Britto, no qual manifesta posição contrária à "extinção prematura" da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos.

O Trilhas da Democracia entrevista a historiadora e professora da Universidade do Estado de Minas Gerais, Janaina Teles. Em questão, os mortos e desaparecidos políticos na Ditadura Militar (1964-1985), a Operação Condor e o reconhecimento de Carlos Alberto Brilhante Ustra como torturador pela Justiça de São Paulo, em 2008. Apresentação: Marco Mondaini.

Memória em Postais– Dia Internacional dos Desaparecidos 2016 | Comitê  Internacional da Cruz Vermelha

30
Jul22

A história da ‘Casa da Morte’ contada por única sobrevivente

Talis Andrade

A Casa da Morte, os crimes contra a humanidade e a prescrição p

 

  • por André Bernardo /BBC News 

 

Noventa e seis dias. Esse foi o tempo que durou o "calvário" de Inês Etienne Romeu (1942-2015) na "Casa da Morte", em Petrópolis, na região serrana do Rio. Depoimento do carrasco coronel Paulo Manhães, o oficial da cobra 

 

O termo é empregado pela historiadora Isabel Cristina Leite, doutora em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para descrever o período em que a militante política esteve presa no aparelho clandestino montado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) para torturar e matar guerrilheiros com papel de destaque em suas respectivas organizações — no caso dela, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), um dos grupos que lutaram contra a ditadura militar.

De oito de maio a 11 de agosto de 1971, Inês sofreu tortura, estupro e humilhação de agentes do governo. Dos ativistas levados para a "Casa da Morte", foi a única que conseguiu sobreviver para contar a história. Pelo menos 22 adversários do regime, segundo estimativas oficiais, não resistiram às torturas ou foram executados. O advogado goiano Paulo de Tarso Celestino da Silva, capturado em 12 de julho de 1971, foi um deles.

Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), Inês contou que Paulo de Tarso foi colocado no pau de arara e, durante quase 30 horas ininterruptas, torturado com choques elétricos. "Obrigaram-no a ingerir uma grande quantidade de sal", diz um trecho do depoimento de Inês. "Durante muitas horas, eu o ouvi suplicando por um pouco d'água". Até hoje, o corpo de Paulo de Tarso não foi localizado.

Em julho de 2020, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou três militares pelo sequestro e tortura do ex-militante Paulo de Tarso, da Ação Libertadora Nacional (ALN): os sargentos Rubens Gomes Carneiro, o "Boamorte", e Ubirajara Ribeiro de Souza, o "Zezão", e o soldado Antônio Waneir Pinheiro Lima, o "Camarão". Além da condenação dos denunciados, o MPF pede a perda de cargo público, o cancelamento da aposentadoria e uma indenização de R$ 111,3 mil à família.

"Estou na expectativa de que, à semelhança do que ocorreu em outros países do mundo, inclusive na América Latina, o Judiciário brasileiro reveja a posição que vem prevalecendo em suas decisões e julgue criminalmente os responsáveis pelas graves violações de direitos humanos perpetradas pela ditadura militar", afirma o advogado Pedro Dallari, ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

"São crimes terríveis, praticados por funcionários públicos no exercício de sua função. Não podem, portanto, ser qualificados como crimes políticos ou conexos, estes, sim, suscetíveis de proteção pela Lei da Anistia".

 

Violência sexual

 

 

Além de participação nos crimes de tortura, execução e ocultação de cadáver de Paulo de Tarso, entre outros presos políticos, Antônio Waneir Pinheiro Lima, o "Camarão", é apontado por Inês como o homem que a estuprou duas vezes durante os quase três meses em que esteve presa na "Casa da Morte". Aos 77 anos, o ex-paraquedista, que ganhou o apelido pelo tom avermelhado da pele, é o único militar que responde por violência sexual na ditadura militar.

"Inês sobreviveu aos horrores daquela casa e, apesar de ter sido vítima de todo tipo de tortura e humilhação, nunca entregou ninguém", afirma a historiadora Isabel Cristina Leite. "Na saída, foi atrás de seus algozes, obteve êxito ao denunciá-los e virou símbolo da luta contra os anos de chumbo. Conseguiu tanta visibilidade que a ditadura se sentiu perdendo o controle da situação. Os militares chegaram a pensar em revogar a Lei da Anistia por causa de Inês e do movimento que ela liderou".

 

Espião nazista

 

A denúncia do MPF é apenas mais um capítulo de uma história macabra: a da "Casa da Morte".

Muito antes de ser usado como aparelho clandestino de tortura pelo regime militar, o antigo número 668 da Arthur Barbosa, no bairro de Caxambu, pertenceu ao alemão Ricardo Lodders, preso pelo menos duas vezes por suspeita de espionagem durante a Segunda Guerra. No local, existe outra casa, também de propriedade de Lodders.

No início da década de 1970, o filho de Ricardo, Mário Lodders, cedeu o sobrado para o general José Luiz Coelho Neto (1921-1986), subcomandante do CIE, mas continuou morando, com a irmã Magdalena Júlia Lodders, na casa que faz parte do terreno. Por diversas vezes, Mário Lodders visitou a "Casa da Morte". Numa dessas ocasiões, chegou a oferecer uma barra de chocolate para Inês Etienne Romeu.

"O sobrado da Arthur Barbosa foi escolhido por ser um lugar isolado. Os agentes podiam circular livremente, sem chamar a atenção de ninguém", explica Eduardo Schnoor, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

"Houve muitas casas como a de Petrópolis na época da ditadura. Herdada do exército francês, essa metodologia visava desestruturar o prisioneiro. Eles nunca sabiam onde estavam. Eram trocados de lugar o tempo inteiro para evitar o reconhecimento do seu paradeiro".

 

Biriba no cativeiro

 

Mineira de Pouso Alegre, a 373 km de Belo Horizonte (MG), Inês Etienne Romeu participou de grêmio estudantil, cursou História e trabalhou em banco. Em 1963, chegou a abrir um bar na capital mineira. Em homenagem ao guerrilheiro argentino Ernesto Che Guevara (1928-1967), resolveu batizá-lo de "Bucheco".

Como integrante da VPR, participou do sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, no dia 7 de dezembro de 1970. Em troca, o guerrilheiro Carlos Lamarca, ex-capitão do Exército e líder da operação, exigia a libertação de 70 presos políticos.

Durante a operação, o agente federal Hélio Carvalho Araújo, responsável pela escolta do embaixador, levou dois tiros e morreu no local. O sequestro, o mais longo realizado por um grupo de guerrilheiros na ditadura militar, durou 40 dias. No cativeiro, Bucher assistia à TV e jogava biriba com Lamarca. "O sequestro durou mais que o necessário", avalia a historiadora Isabel Cristina Leite. "Foi um dos últimos suspiros da guerrilha urbana no país". Em 16 de janeiro de 1971, o embaixador suíço foi libertado.

Com o fim do sequestro, Inês decidiu abandonar a luta armada e exilar-se no Chile. Mas era tarde demais. Em 5 de maio de 1971, ela foi capturada por agentes do delegado Sérgio Paranhos Fleury (1933-1979) em São Paulo, sob acusação de integrar o comando do VPR. Depois de ser levada para o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS), onde sofreu as primeiras sessões de tortura, foi transferida para a "Casa da Morte", em Petrópolis. Tinha 29 anos.

 

Descida aos infernos

 

Ao chegar ao Rio, Inês ainda tentou atirar-se debaixo de um ônibus. Escapou com vida. No cativeiro, foi submetida a uma rotina de violência e humilhação. "Era obrigada a limpar a cozinha nua, ouvindo gracejos e obscenidades", contou em depoimento à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em 1979.

A qualquer hora do dia ou da noite, estava sujeita a sofrer tortura física ou psicológica, como choques elétricos ou injeções de pentatol sódico, o "soro da verdade". "Um dos mais brutais torturadores arrastou-me pelo chão, segurando pelos cabelos. Depois, tentou estrangular-me e só me largou quando perdi os sentidos. Esbofetearam-me e me deram pancadas na cabeça".

No inverno, quando a temperatura na serra podia chegar a menos de 10ºC, Inês era obrigada pelos carcereiros a tomar banhos gelados de madrugada ou a se deitar nua no cimento molhado. Em três ocasiões ela tentou o suicídio. Numa delas, engoliu vidro moído. Noutra, cortou os pulsos. "Eu estava arrasada, doente, reduzida a um verme e obedecia como um autômato", contou à OAB.

 

A história da 'Casa da Morte' contada por única sobrevivente - BBC News  Brasil
Planta da Casa da Morte, em Petrópolis
 
 
 

'Queima de arquivo'

 

O objetivo dos interrogatórios, admitiu o coronel reformado Paulo Malhães (1938-2014), o "Doutor Pablo", era "virar o preso". Ou seja: pressioná-lo a mudar de lado e, em seguida, delatar os companheiros de luta. Inês só escapou viva porque enganou o coronel Cyro Guedes Etchegoyen (1929-2012), o "Doutor Bruno". Ela conseguiu convencer o militar de mais alta patente dentro da casa de que tinha virado uma "RX" — ou "infiltrada", no jargão militar. Mas era um blefe.

Em 25 de abril de 2014, um mês depois de prestar depoimento à CNV, Paulo Malhães foi encontrado morto, com sinais de asfixia, em seu sítio em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Em depoimento, assumiu ter participado de torturas, mortes e desaparecimentos de presos políticos. Para evitar a identificação de suas vítimas, arrancava os dedos e as arcadas dentárias delas. Em seguida, esquartejava seus corpos e os incinerava em uma usina de açúcar, em Campos dos Goytacazes (RJ).

"O depoimento de Paulo Malhães foi de extrema importância", avalia Dallari. "Tendo sido assassinado em abril do mesmo ano, aparentemente em um caso de latrocínio, até hoje persiste a dúvida sobre a causa de sua morte, se não teria sido uma 'queima de arquivo'".

 

Bordado no xadrez

 

Pesando 32 quilos, Inês foi deixada na casa de uma irmã, Geralda, em Belo Horizonte. Debilitada, foi levada para um hospital. Lá, os advogados optaram por oficializar sua prisão. Era uma forma de protegê-la de seus algozes. Condenada à prisão perpétua — com base no artigo 28 da Lei de Segurança Nacional (LSN) —, cumpriu pena de oito anos, de 1971 a 1979, no presídio Talavera Bruce, em Bangu, no Rio, por ter participado do sequestro do embaixador suíço.

No presídio, relembra uma ex-companheira de cela, Inês gostava de contar histórias, bordar tapetes e ver novelas. "Na prisão, Inês suportou o isolamento do convívio com as demais presas, que a acusavam de delatora. Para elas, a delação era a única justificativa para Inês ter saído com vida da 'Casa da Morte'", explica a historiadora Isabel Cristina Leite.

Inês Etienne Romeu em julgamento no auditório do Exército do Rio após prisão na ditadura em 1972
Inês Etienne Romeu na terceira auditoria do Exercito, no dia 24/08/1972
 

No período em que esteve presa, Inês foi sabatinada por jornalistas, como Lilian Newlands e Elias Fajardo da Fonseca, por sugestão de sua irmã, Lúcia. Numa dessas entrevistas, conheceu e fez amizade com Márcia de Almeida, que trabalhava como repórter "freelancer". Contou, entre outras coisas, que conheceu o líder camponês Mariano Joaquim da Silva (1930-1971), da Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares (VAR-Palmares), no cativeiro. "Eu achava que ia morrer e fiquei viva. Ele achava que ia ficar vivo e morreu", contou Inês à edição do jornal Pasquim de agosto de 1979.

"Ao voltar para casa, tive uma crise de choro e fiquei três dias sem dormir", recorda Márcia, hoje diretora da ONG Inês Etienne Romeu, que luta para transformar a "Casa da Morte" em um memorial, o Centro de Verdade, Justiça e Memória. "Devemos a Inês tudo o que sabemos sobre a 'Casa da Morte'. Ela foi um exemplo de coragem, perseverança e determinação".

 

Memória privilegiada

 

A história da "Casa da Morte" não teria sido contada se não fosse Inês. Ela conseguiu memorizar tanto os nomes de nove presos políticos que foram supostamente executados lá — como Carlos Alberto Soares de Freitas, o "Beto", que comandou Dilma Rousseff nos tempos da VAR-Palmares — quanto os codinomes de 19 torturadores e de alguns de seus colaboradores — entre eles, o médico Amílcar Lobo (1939-1997), o "Doutor Cordeiro".

Segundo denúncias, a função de Lobo era examinar os presos políticos para avaliar se eles ainda tinham condições de continuar a ser torturados. Ele teve seu registro médico cassado pelo Conselho Federal de Medicina em 1989.

Última presa política a ser libertada no Brasil — não pela anistia, mas sim em liberdade condicional —, Inês resolveu denunciar a existência da "Casa da Morte" de Petrópolis. Mais que memorizar os nomes de torturados e torturadores, ela conseguiu descrever a planta da casa: um imóvel de três quartos, sala, banheiro e garagem subterrânea.

Também recordava o número de telefone do lugar: 4090. Com a ajuda do jornalista Antônio Henrique Lago, pesquisou catálogos da companhia telefônica de Petrópolis. Demorou, mas achou. O número levou ao assinante e, dali, ao endereço da "Casa da Morte": Rua Arthur Barbosa, 668.

Se eu morrer,

 

Acidente ou atentado?

 

O sofrimento de Inês não terminou com a soltura da prisão, em 1979. Em 11 de setembro de 2003, sua diarista a encontrou, caída e ensanguentada, em seu apartamento no bairro da Consolação, em São Paulo. Na véspera, ela tinha pedido ao porteiro que deixasse subir um marceneiro para fazer um reparo em sua casa. O traumatismo craniano a deixou com sequelas na fala e nos movimentos. O caso nunca foi elucidado. Na delegacia, foi registrado como "acidente doméstico".

"Sempre me impressionei com sua memória", observa a jornalista Juliana Dal Piva, que entrevistou Inês diversas vezes, entre 2012 e 2015. "Lembrava detalhadamente de muita coisa. Tanto que fez um relatório minucioso que estudo até hoje. É um documento muito duro de ler. Como mulher, desde a primeira vez que li, tive que parar e, ainda hoje, paro no meio da leitura por causa da crueldade descrita", diz a repórter do jornal O Globo, que pretende transformar a história da "Casa da Morte" em livro, ainda sem previsão de lançamento.

Dilma Rousseff and Ines Etienne Romeu during the delivery of the Premio Direitos Humanos 2009 Human Rights Prize 2009) on December 21, 2009 in Brasilia, Brazil.

Inês Romeu amparada por Dilma Rousseff e homenageada por Lula presidente

 

Seis anos depois do misterioso "acidente doméstico", Inês recebeu, durante cerimônia em Brasília, em 2009, um prêmio de direitos humanos, na categoria de Direito à Memória e à Verdade, das mãos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Minha querida Inês, só queria lhe dizer uma coisa: valeu a pena cada gesto que vocês fizeram, cada choque que vocês tomaram, cada apertão que vocês tiveram", declarou Lula. A cerimônia contou com um discurso emocionado de Dilma Rousseff, ex-companheira na VAR-Palmares e então ministra do governo.

Inês Etienne Romeu morreu na madrugada de 27 de abril de 2015, aos 72 anos, enquanto dormia em sua casa em Niterói, município vizinho ao Rio. [Há uma versão de que foi assassinada pelos seus carcereiros]

 

 

Paulo Manhães mal-assombro da Casa da Morte 

 

Inês Etienne Romeu morreu na madrugada de 27 de abril de 2015. Leia reportagem de Julianna Dal Piva

Coronel do Exército Paulo Manhães, que comandava a Casa da Morte também morreu misteriosamente no dia 25 de abril de 2014. De acordo com um integrante da Comissão da Verdade do Rio, o ex-agente do Centro de Informações do Exército (CIE) deixara claro, em depoimentos privados, o temor do que poderia vir a ocorrer com ele. 

Em 25 de março, Malhães foi autor de um dos depoimentos mais fortes prestados à CNV. Na sede do Arquivo Nacional no Rio de Janeiro, Malhães contou, entre outras coisas, como o Exército fez para desaparecer com os restos mortais do deputado federal Rubens Paiva durante a ditadura civil-militar e como agentes do CIE mutilavam corpos das vítimas da repressão na Casa das Morte, em Petrópolis (RJ) – faziam isso arrancando suas arcadas dentárias e as pontas dos dedos para impedir a identificação dos corpos, caso fossem encontrados.

 

O intervalo de tempo tão curto entre o depoimento e a morte causa estranheza

 

O fato de a morte por asfixia de Malhães ter ocorrido dias após o depoimento à CNV, Wadih Damous, presidente da Comissão da Verdade do Rio, não descarta a morte por queima de arquivo. “Qualquer profissional ligado à investigação vai trabalhar com essa hipótese. Pode ter sido assalto, mas fica difícil acreditar nisso uma vez que ele foi morto por asfixia quando andava de cadeira de rodas. É uma morte extremamente suspeita”, afirmou Damous. 

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