Jornalista Miriam Leitão revela perdão a companheiro que a entregou à ditadura militar no Espírito Santo
Revelação está no livro ‘Em nome dos pais’, de Matheus Leitão, filho de Miriam
Por Bruno Dalvi, G1 ES
Quase 45 anos depois de sofrer, grávida, as barbáries da ditadura militar no 38º Batalhão de Infantaria, em Vila Velha - como ficar trancada nua num pequeno cômodo com uma cobra, ser agredida com socos e tapas, ameaçada psicologicamente e ter chegado a pesar 39 quilos - a jornalista Miriam Leitão revelou ao filho Matheus Leitão, autor do livro "Em nome dos Pais", que perdoou o homem que a entregou de bandeja aos militares.
Foi Foedes dos Santos, dirigente mais importante do PCdoB no Espírito Santo, que num depoimento devastador no dia 7 de dezembro de 1972, confirmou informações dadas dias antes de sua prisão, quando entregou ao regime militar colegas como Miriam Leitão, Marcelo Netto (então namorado de Miriam) e outros companheiros capixabas.
Miriam Leitão, jornalista — Foto: Jéssica Balbino/ Arquivo G1
"Meu pai ainda está elaborando o pedido de perdão de Foedes. Minha mãe me disse que o perdoou, depois de muito pensar e refletir", relatou Matheus Leitão, em seu livro. A obra demorou 10 anos para ficar pronta e reconstrói a história de seus pais.
Matheus encontrou Foedes num sítio na região serrana do Espírito Santo, após uma busca incansável e emocionante que ele conta em detalhes na primeira parte do livro. Num trecho da conversa Matheus pergunta se haveria um pedido de desculpas caso Foedes encontrasse Miriam, Marcelo e outros colegas delatados por ele.
"Pedido de desculpas é pouco, eu pediria perdão mesmo. Eu tenho realmente muita tristeza de ter entregado esses companheiros. É aquilo que eu te disse: eu me afastei da organização porque, mesmo que eu conseguisse ficar de pé no [PCdoB] e fosse perdoado, eu tenho certeza de que não aguentaria passar pelo que passei sem ter feito o que fiz. Não nasci pra isso. Se soubesse antes que isso poderia acontecer exatamente desse jeito, não teria nem militado. A gente pensava que ia aguentar, mas na hora do pau lá, meu filho, não depende só de você querer aguentar, não, depende de você ter estrutura", disse Foedes, num trecho do livro, ao explicar que entregou os colegas após sofrer tortura.
Miriam Leitão, que sabia da vontade do filho em estar frente a frente com o delator de seus pais, foi a primeira pessoa com quem Matheus falou ao final da conversa com Foedes. Matheus e a mãe se falaram rapidamente, via celular, já tarde da noite.
- Mãe, tá acordada?
- Você está bem? - devolveu ela.
- Estou.
- Deu certo?
- Deu.
- Você conseguiu encontrar ele?
- Encontrei.
- Mas ele falou?
- Falou. Admitiu tudo.
- Ah, é?
- Pediu perdão.
- Meu Deus. Que isso?!
- Muito forte, mãe. Só tive sinal de celular agora. Eu te amo.
- Também te amo, filho. Você vê com quem eu tive que lidar aos dezoito, dezenove anos.
- É. A conversa ficou difícil em alguns momentos. Mas ele se arrependeu.
A delação de Foedes desmantelou o partido comunista no Espírito Santo e forneceu pistas para o Serviço de Informação militar sobre o Comitê Central do partido no Rio de Janeiro. O livro "Em nome dos pais" traz uma série de depoimentos de militantes que foram presos, torturados e até mortos após a delação de Foedes. E a reação deles ao pedido de perdão feito por Foedes.
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Foedes dos Santos — Foto: Amanda Monteiro/TV Gazeta
Miriam Leitão revelou que foi torturada pela ditadura numa entrevista exclusiva que deu ao portal 'Observatório da Imprensa', em agosto de 2014. Na entrevista, ele afirma que ainda aguarda um pedido de desculpas das Forças Armadas Brasileiras.
"Tenho 61 anos, 4 netos, estou ativa e saudável, mas sei que estou na parte final da vida, e quero que o Brasil nunca mais cometa isso. A democracia não está ameaçada, mas as instituições têm que fazer seu papel. As Forças Armadas têm que reconhecer o erro", ressaltou, em agosto de 2014.
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Matheus Leitão entre o pai e a mãe — Foto: Reprodução / Facebook