A deputada federal bolsonarista Júlia Zanatta (PL-SC), que postou uma foto com metralhadora e vestindo uma camiseta com a mão de Lula alvejada por tiros, na última sexta (17), foi alvo de denúncias no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e no Supremo Tribunal Federal (STF).
As reações começaram após a deputada divulgar postagem empunhando uma metralhadora, usando uma camiseta com a mão do presidente com tiros e afirmando que “com Lula no poder, deixamos um sonho de liberdade para passar para uma defesa única e exclusiva dos empregos, do pessoal que investiu no setor de armas”.
Ainda neste domingo (19), o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), informou que denunciaria Zanatta no Conselho de Ética da Casa. “Esse tipo de conduta é crime e fere o decoro”, afirmou o líder petista.
Outros deputados do PT, o líder do partido na Câmara, Zeca Dirceu (PR), e o vice-líder do governo na Câmara, Alencar Santana (SP), também encaminharam representação contra a deputada bolsonarista ao Supremo Tribunal Federal (STF).
“Veja-se que a Representada ostenta na publicação, arma de grosso calibre e de alta letalidade, veste uma camiseta com frase que veicula ameaça subliminar (come and take it) de eventual resposta armada às ações do Presidente LULA e de seu Governo e, o que é mais estarrecedor, destaca na camiseta que veste, uma mão cravejada de tiros e com quatro dedos, numa alusão ostensiva à pessoa do Presidente da República.”
Os deputados pedem a instauração de uma investigação criminal e possível denúncia, além de medidas administrativas e civis contra Júlia Zanatta. Na peça, os parlamentares falam em “grave ameaça contra a vida do presidente”, em “conduta de extrema violência e intolerância democrática, convenientemente presente num ambiente de clube de tiro”.
Mas as atuações da deputada bolsonarista junto a clubes de tiro não se isolam no episódio da fotografia compartilhada.
Quem é Júlia Zanatta, a “Antifeminista do fuzil”
Júlia Zanatta foi eleita deputada federal por Santa Catarina, com ampla votação em seu estado (110 mil votos). Em 2020, concorreu à Prefeitura de Criciúma (SC), ficando em terceiro lugar na disputa. A bandeira armamentista de Zanatta já era exposta deliberadamente em sua campanha ao posto, apresentando-se como a “Antifeminista do fuzil”.
Amiga pessoal de Helosia Bolsonaro, esposa de Eduardo Bolsonaro (PL), Zanatta se considera amiga de toda a família. Foi nomeada Diretora da Embratur no Sul, pela relação com o núcleo Bolsonaro. No dia 7 de setembro de 2021, hospedada na casa de Eduardo Bolsonaro, apareceu em vídeo chamando bolsonaristas para “manifestações”.
Assim como a clã, anunciou não ter tomado vacina de Covid-19 e denunciou um professor de artes que exibiu uma música de Criolo que discute homofobia a alunos de 12 anos e acabou sendo demitido, mas sua principal bandeira polêmica é a armamentista.
A deputada é assídua frequentadora do Clube .38, o clube de tiro bolsonarista de Santa Catarina e um dos mais polêmicos do país – o mesmo que chegou a ser frequentado por Adélio Bispo de Oliveira, o autor da facada – e que era muito frequentado pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro e seus filhos Eduardo e Carlos.
Recentemente, reportagem de Vinícius Valfré, do Estadão, revelou que o Clube 38. continuou oferecendo experiências de tiro para pessoas sem registro de atiradores esportivos, afrontando o decreto assinado por Lula, no início do ano, que proíbe a prática.
O clube é do empresário Tony Eduardo, grande apologista das armas no Brasil e amigo de Eduardo Bolsonaro. Reportagem de Victor Farinelli para o especial Xadrez da Ultradireita, do GGN, detalhou como as relações de Eduardo Bolsonaro com Tony Eduardo alavancaram os interesses da indústria armamentista e da NRA (Associação Nacional do Rifle) durante o governo Bolsonaro.
Além do Clube .38, Tony Eduardo também é instrutor do polêmico clube de tiro estadunidense 88 Tactical, reconhecido por adotar referências nazistas. Frequentadora deste núcleo, com a camiseta com tiros contra Lula, Júlia Zanatta fez a recente postagem de incitação às armas, apesar dos decretos do presidente.
Como deputada federal, inclusive, ela assumiu o compromisso, no dia 6 de janeiro, em reunião com proprietários de clubes de tiro para derrubar o revogaço das armas de Lula, ao lado de outros parlamentares pró-armas e ruralistas.
Durante a campanha para deputada, ela afirmava que o estatuto do desamarmento era uma “lei genocida”. Quando Lula lançou o slogan “trocar arma por um livro”, ela lançou a resposta: “Quem quer trocar seu clube de tiro por um clube de leitura?”.
A fala de Zanatta foi feita no dia 9 de julho de 2022, no palco do terceiro encontro nacional do grupo Proarmas, ao lado de Eduardo Bolsonaro.
Momentos depois, o filho do então presidente vociferava: “a esquerdalha nunca imaginou que tantas pessoas pudessem vir às ruas para falar que, sim, eu quero estar armado porque eu prefiro um bandido embaixo da terra do que a minha esposa estuprada.” Naquele mesmo dia, Marcelo Arruda era assassinado, em seu aniversário, por um bolsonarista.
O trecho da fala de Eduardo Bolsonaro e a relação da família com a indústria armamentista é um dos principais capítulos do documentário Xadrez da ultradireita mundial à ameaça eleitoral, da TVGGN, lançado em setembro de 2022. Relembre:
Bolsonarista Júlia Zanatta (PL-SC) é alvo de ações no Supremo após fazer postagem em que aparece segurando uma metralhadora e vestindo uma camiseta que faz referência ao presidente da República
A deputada federal bolsonarista Júlia Zanatta (PL), de Santa Catarina, deve se tornar alvo de investigações do Supremo Tribunal Federal (STF) após postagem nas redes sociais em que incentiva a violência contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na última sexta-feira (17), a parlamentar publicou uma foto em que aparece segurando uma metralhadora e vestindo uma camiseta com a imagem de uma mão com quatro dedos, em referência a Lula, perfurada por três tiros.
“Não podemos baixar a guarda. Infelizmente a situação não é fácil. Com Lula no poder, deixamos um sonho de liberdade para passar para uma defesa única e exclusiva dos empregos, do pessoal que investiu no setor de armas. Estamos agora falando em socorrer empregos”, escreveu ela, junto à foto.
Para o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), a postagem de Júlia Zanatta é "apologia ao assassinato" de Lula. O parlamentar, através das redes sociais, anunciou que protocolou notícia-crime no STF contra a bolsonarista. "Fascismo precisa ser contido. Basta de violência", escreveu Valente.
"A liberdade de expressão e manifestação tem limites constitucionais, inclusive na imunidade parlamentar. Então, se você faz apologia ao crime ou a um ato criminoso, precisa ser investigado", declarou ainda o psolista.
O deputado federal Alencar Santana Braga (PT-SP) e o líder da bancada petista na Câmara, Zeca Dirceu (PR), também acionaram o STF contra Júlia Zanatta. Na representação, os parlamentares apontam que a publicação da bolsonarista configura "uma conduta que para além da prática criminosa de per si, reafirma, infelizmente, uma visão de mundo permeada pelo ódio e desinteligência democrática, que tragicamente tentou se implementar na sociedade brasileira no período de 2019/2022 e cujas raízes tóxicas ainda não foram totalmente extirpadas".
A Representada, com as ameaças perpetradas, busca a todo custo manter viva uma cultura armamentista já repudiada pela sociedade brasileira, estimula, sob um falso discurso de liberdade, a divisão maniqueísta da sociedade, fomentando, com o uso de armas de fogo, o ódio e a intimidação como instrumentos disputas democráticas", escrevem os parlamentares.
Além de pedirem para que o STF investigue a conduta de Júlia Zanatta, que segundo eles pode ser enquadrada nos crimes de ameaça, incitação e apologia ao crime, passíveis de pena de prisão, os deputados do PT solicitam, ainda, que a Corte adote "medidas legais pertinentes para se verificar as licenças que permitem à Representada a posse, porte ou utilização de armas de fogo, verificação da 9 regularidade das armas que detém e regularidade do clube de tiro que frequenta".
A deputada Júlia Zanatta mandou uma nota através de sua assessoria afirmando que “os ataques que tenho sofrido não se justificam. Não é razoável que minha honra e meu mandato sejam questionados pela interpretação de uma imagem. O correto é se ater aos fatos e o fato é que, na ânsia de me desqualificar, a presidente do PT, Gleisi Hoffman, evocou algo muito grave ao me chamar de nazista. Isso reflete não só em mim, mas no estado que me elegeu.”
A Fórum, no entanto, reitera que a mensagem da camiseta da deputada é clara e sua justificativa para um erro na interpretação da imagem não faz o menor sentido. Ela está, sim, promovendo a violência contra Lula ao divulgar uma foto armada e com a camiseta fazendo alusão a tiros no presidente.
Na imagem (veja abaixo), Júlia Zanatta segura uma arma e veste uma camiseta com a imagem de uma mão com quatro dedos alvejada por três tiros.
À CNN, a deputada = lobista de armas e dos clubes de tiro bolsonaristas - negou que a publicação estimula a violência e faça referência ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): “Jamais incitei ódio e violência, muito menos contra um presidente da República”.
Que mentirosa!
Ao "Fora genocida", Zanatta responde "Fora Lula", presidente vencedor no primeiro e no segundo turnos.
A deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC) postou em suas redes sociais foto na qual aparece armada com uma metralhadora e vestindo uma camiseta com o desenho de uma mão com quatro dedos alvejada por três tiros, além de imagens de armas e os dizeres “come and take it” (“venha pegar”), em alusão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à política desarmamentista do novo governo.
Na postagem, ela ainda afirma não poder “baixar a guarda” e diz que é preciso “lutar pra garantir o que já está na lei”.
A postagem da deputada foi feita na tarde de sexta-feira, 17, e gerou diferentes reações.
Enquanto alguns internautas apoiaram a manifestação e chegaram a elogiar a camiseta, outros a acusaram de ameaçar o presidente da República e de realizar discurso de ódio.
A deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC) publicou nesta sexta (17), no Twitter, a imagem em que aparece segurando uma arma. A deputada aparece na foto vestindo uma camiseta estampada uma mão com quatro dedos alvejada por três tiros, em uma referência ao presidente Lula
Presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, acusou Julia, levada da breca, de ter uma atitude nazista e machista, pela mão de Lula cravada de balas pintadas na blusa
Julia Zanatta dona do perfil "Casa Opressora”, que costuma hostilizar feministas, ameaça metralhar lula
A deputada federal Julia Zanatta (PL-SC) publicou uma foto nas redes sociais em que aparece segurando uma metralhadora e usando uma camisa com o desenho de uma mão com quatro dedos alvejada por três tiros.
“Não podemos baixar a guarda. Infelizmente a situação não é fácil. Com Lula no poder, deixamos um sonho de liberdade para passar para uma defesa única e exclusiva dos empregos, do pessoal que investiu no setor de armas. Estamos agora falando em socorrer empregos e lutar por segurança jurídica”, escreveu nas suas redes sociais.
Zanatta é amiga do filho 03 (Eduardo Bolsonaro), do ex-presidente golpista Jair Bolsonaro e também dona do perfil “Casa Opressora”, que costuma hostilizar feministas. A parlamentar foi a sexta deputada federal mais votada pelo Estado de Santa Catarina. Defende os armados bandidos amigos: os empresários grileiros de terra na Amazônia, as mineradoras desmatando florestas, a contamiação dos rios com mercúrio, o genocídio dos povos indígenas, a morte dos quilombolas, os assassinos do reitor Cancellier, as chacinas das polícias nas invasões das favelas, principalmente, no Rio de Janeiro e São Paulo, a destruição e o entreguismo da dupla Paulo Guedes e Sergio Moro, e os altos juros de Roberto Campos.
Depois da postagem de Zanatta, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou que a PL teve um “comportamento nazista” e que estuda medidas contra a deputada catarinese.
“Comportamento nazista da deputada de SC, de apologia à violência contra Lula. Quem não pode baixar a guarda é a sociedade brasileira e nossas instituições com quem insiste incitar a violência e semear o ódio. Estamos estudando medidas contra esse ato criminoso”, escreveu.
Carlos Bolsonaro esteve em clube de tiro nos mesmos dias que Adélio
Os dois estiveram próximos duas vezes. Em Florianópolis, quando Adélio fez curso de tiro. E em Juiz de Fora, quando Carlos se tranca no carro ao ver Adélio
por Joaquim de Carvalho
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Uma das lacunas da investigação sobre a facada ou suposta facada em Juiz de Fora é a presença de Carlos Bolsonaro em Florianópolis no mesmo dia em que Adélio Bispo de Oliveira fazia o curso de tiro no .38, em 5 de julho de 2018.
O inquérito não faz referência se Carlos frequentou o .38 naquele dia, mas sua ida à cidade tinha o objetivo de ir ao local, de que era associado fazia três anos e ao qual prestou homenagem, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, conforme mostra o diploma afixado na parede da recepção.
Quando fiz o documentário "Bolsonaro e Adélio - Uma fakeada no coração do Brasil", perguntei ao .38 se Carlos Bolsonaro esteve no local naquele dia e se havia imagens das câmeras de segurança. Um relações públicas do clube me atendeu, pediu que formalizasse a solicitação por e-mail, o que fiz e não recebi resposta.
Dois representantes do .38 prestaram depoimento no inquérito, o instrutor de tiro e um proprietário, mas não foram questionados sobre a presença de Carlos Bolsonaro. Um deles disse que, nesse dia, Adélio, à certa altura, ficou sentado na poltrona, mexia no celular e olhava sempre para a porta de entrada.
Adélio estava fazendo o curso, pelo qual receberia certificado, e pelas aulas recebidas teria pago três vezes o valor do aluguel do quarto onde vivia. Adélio não tinha arma. Em 7 de setembro, um dia depois do evento em Juiz de Fora, o Jornal Nacional publicou reportagem com entrevista da porta-voz do clube.
“Ele chegou aqui, fez um cadastro, foi acompanhado, após fazer um cadastro e dar a identidade dele, como todo e qualquer cidadão que vem aqui, por um instrutor para a prática de tiro. Esse instrutor fica junto no momento em que a arma é escolhida. Fica junto a todo instante”, disse Júlia Zanata, que, mais tarde, seria nomeada por Jair Bolsonaro para um cargo regional da Embratur em Santa Catarina.
Nas redes sociais, Júlia Zanata se destacou como militante bolsonarista e recorreu à Justiça para tentar tirar o documentário do YouTube, mas não conseguiu. A censura viria por iniciativa do próprio YouTube, alguns meses antes da eleição no ano passado.
O delegado da Polícia Federal Rodrigo Morais, que investigou o caso, disse a membros de sua equipe que havia dificuldade para investigar o entorno de Bolsonaro, mas, em junho de 2021, quando apurávamos o evento de Juiz de Fora, considerava a hipótese do auto atentado "plausível".
Na época, o Tribunal Regional Federal da 1a. Região analisava a possibilidade de reabertura do inquérito para, em princípio, analisar o celular e o computador apreendido no escritório de Zanone Júnior, que foi o advogado de Adélio.
Ele dizia que, se o caso fosse reaberto, avançaria na investigação, não apenas analisar os arquivos de Zanone. O delegado cogitava pedir autorização do Supremo Tribunal Federal para uma perícia médica em Bolsonaro.
"Ninguém é obrigado a produzir prova contra si, mas eu pediria, para saber se o que provocou o ferimento", disse a dois agentes da Polícia Federal.
Quando o caso foi reaberto, Rodrigo Morais acabou promovido para um cargo nos Estados Unidos, e quem assumiu a investigação foi o delegado Martin Bottaro Purper, que tinha investigado a facção criminosa PCC.
Algumas semanas depois, o jornal Metrópoles publicou reportagem sobre a linha de investigação: Purper estaria buscando verificar se havia ligação de Adélio com a facção criminosa.
Nunca mais a Polícia Federal tocou no assunto publicamente, mas a notícia gerou barulho na internet. A militância bolsonarista tentava ligar Adélio ao PCC e o PCC a Lula. Puro delírio, mas em época de campanha o barulho poderia ter efeito junto aos eleitores.
Carlos Bolsonaro é chave para eliminar as lacunas do inquérito sobre o evento de Juiz de Fora. Um vídeo publicado no documentário "Bolsonaro e Adélio - Uma fakeada no coração do Brasil" mostra que Adélio tenta se aproximar de Carlos na tarde de 6 de setembro de 2018, logo após a chegada de Bolsonaro ao Parque Halfeld, início da caminhada pelo calçadão.
Ao vê-lo, Carlos Bolsonaro entrou no carro e se trancou. Em entrevista a Leda Nagle, Carlos falou sobre essa aproximação, que ele não poderia negar, já que as imagens tinham se tornado públicas.
"Tem um determinado momento da gravação do meu pai em Juiz de Fora em que eu saio do carro e o Adélio vem na minha direção, e eu, por um acaso, volto no carro e, quando eu entro no carro novamente, ele recua porque viu que não conseguiria chegar até mim. Tem essa gravação. É público, todo mundo consegue ver. Então, eu voltei para o carro e dez minutos depois aconteceu o que aconteceu", afirmou.
Se, ao se trancar no carro, desconfiou do homem que usava jaqueta preta apesar do calor na cidade, deveria ter alertado os seguranças.
Sobre a presença em Florianópolis no mesmo dia em que Adélio fazia o curso, contou que, naquele dia, não esteve no clube de tiro.
"Esse cidadão chamado Adélio esteve no clube de tiro .38 no mesmo dia em que eu estava em Florianópolis. Por um acaso, naquele dia, eu não fui ao clube de tiro. (...) Aloprei com um amigo meu que temos mais ou menos a mesma personalidade. 'Não vou praí, vou pro hotel e dane-se. Não fui'", disse, na mesma entrevista a Leda Nagle.
Se o clube de tiro tivesse atendido à minha solicitação para ver imagens daquele dia, seria eliminada a dúvida sobre o que diz Carlos Bolsonaro: se não esteve mesmo no clube de tiro naquele dia.
Se a Polícia Federal tivesse examinado o deslocamento de Carlos Bolsonaro a partir de seu celular, também se saberia por onde andou em Florianópolis.
Mas, como não investigava a hipótese de auto atentado, o delegado Morais não requisitou as imagens do clube nem examinou o celular de Carlos Bolsonaro.
A Leda Nagle, Carlos Bolsonaro sugere que poderia ser alvo de Adélio, o que não faz sentido. Examinando a rede social dele, é possível verificar que Adélio só começou a atacar Bolsonaro alguns dias depois do curso no .38.
Entrou na própria página de Jair Bolsonaro no Facebook e o ameaçou. Foi a partir daí que também passou a criticar as propostas de Bolsonaro, e reproduziu entrevista antiga, em que Bolsonaro defende guerra civil no Brasil, com a morte de 30 mil pessoas.
São postagens muito diferentes daquelas que vinha fazendo antes de realizar o curso de tiro, em que defende um projeto de lei apresentado por alguns deputados, entre eles Bolsonaro, para a redução da maioridade penal.
Também era favorável ao serviço de militares em projetos de lazer e educação para jovens. Atacou o projeto de lei que criminaliza a homofobia, apoiado por Jean Wyllys, então deputado pelo PSOL, que os bolsonaristas tentariam ligar a ele.
Esse comportamento, sobretudo as contradições, devem ser investigadas, se o que se busca, no caso de Juiz de Fora, é a verdade factual.
Embora não seja incoerente que milicianos façam campanha eleitoral como milicianos, é inacreditável que isso consiga arrastar, pelo fanatismo, uma parcela de brasileiros que, em condições normais, nada têm a ver com este tipo de banditismo.
Agora, na reta final, pressionados pela desvantagem aparentemente intransponível que tem Lula, estes atos desesperados são prenúncio da derrota e, além disso, preparação para as contestações do resultado.
O comportamento de Jair Bolsonaro, no debate de hoje, refletirá este clima. Agressões, desaforos e tentativa de intimidação física não faltarão.
Há, portanto, de não faltar a Lula a tranquilidade para suportar e, na hora certa, a firmeza para reagir.
A nossa parte é dar a cara na rua, combater com a exposição de nossa vontade decidida a vontade da população e rechaçar o medo que procuram impor.
É focar no objetivo: o que queremos para a vida dos brasileiros e que Bolsonaro negligenciou: comida, saúde, salário, escola, SUS…
O leitor do futuro talvez considere o encadeamento de personagens e situações impensável e bárbaro, mas nestas eleições gerais de 2022 candidatos fazem campanha nos rincões do Brasil com coletes à prova de bala, cidadãos invadem bares e festas para assassinar conterrâneos por diferenças políticas e presidenciáveis aumentam efetivo de segurança. Números de observatórios, especialistas e candidatos confirmam a tendência do pleito mais violento do recente período democrático brasileiro.
A escalada da violência política no Brasil extrapolou os limites territoriais e mobilizou até representações estrangeiras no país, como a Embaixada dos Estados Unidos, que fez questão de declarar, pública e antecipadamente, que "os mais altos escalões do governo [norte-americano] estão prontos para reconhecer imediatamente a vitória do candidato vencedor das eleições no Brasil".
O ato deliberado da maior potência financeira e militar do Ocidente manda um recado claro apossíveis contestações ao resultado das urnasno país vizinho, e um de seus maiores parceiros comerciais. O Palácio do Eliseu também prevê divulgar o apoio do presidente francês, Emmanuel Macron, ao novo presidente brasileiro, assim que o resultado do pleito for oficialmente divulgado.
Segundo o antropólogo, cientista político e ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Luiz Eduardo Soares, será difícil evitar, no entanto, que a escalada de violência se aprofunde na reta final desse primeiro turno. "Aqueles que poderiam ajudar a evitar essa violência estão comprometidos com ela e com o bolsonarismo", afirmou, em entrevista àRFI.
"Não posso generalizar, mas sabemos que a maioria de policiais têm mais disposição de contribuir com o bolsonarismo e seus métodos do que o contrário, assim como as Forças Armadas", justifica."Nos sentimos impotentes, porque sabemos que não poderemos contar com essas instituições, por mais que os órgão oficiais digam o contrário", sublinha.
Escalada
A série de violências que tiveram repercussão midiática começou em julho, quando o agente penitenciário federal Jorge Guaranho invadiu a festa de aniversário de Marcelo Arruda, dirigente do PT em Foz do Iguaçu (PR), e o assassinou a tiros.
De lá para cá, diversos outros registros têm sido noticiados, mas uma escalada parece ter acontecido neste último fim de semana antes da eleição, com pelo menos três incidentes: em Angra dos Reis, a agressão no crânio de uma jovem militante de esquerda Estefane de Oliveira Laudano,19, pelo bolsonarista Robson Dekkers Alvino, 52, após a mesma fazer críticas ao presidente brasileiro, Jair Bolsonaro; a facada fatal recebida por Antônio Carlos Silva de Lima, 39, em Cascavel (CE) por um bolsonarista que entrou no bar perguntando quem iria "votar no Lula"; e, ainda segundo registros da imprensa brasileira, a morte do bolsonarista Hildor Henker num bar de Rio do Sul, em Santa Catarina, após uma discussão política.
O fato de a maioria das agressões serem contra eleitores e candidatos da esquerda motivou a presidente do PT e coordenadora-geral da campanha de Lula, Gleisi Hoffmann, a solicitar ao recém-empossado presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, que adotasse medidas legais para garantir a segurança do candidato do Partido dos Trabalhadores e impedir que a violência atrapalhe as eleições. Segundo informações do site investigativo brasileiro The Intercept, o candidato petista vem testando regularmente um colete à prova de balas em todas as suas aparições públicas, um modelo israelense, "mais leve e que não impede o impacto, mas evita a perfuração".
"Não acho exagerado, acho insuficiente", afirma Luiz Eduardo Soares. "Eu fui um daqueles que sempre defendi uma proteção maior ao ex-presidente", reitera. "Por que o que resta ao bolsonarismo? Essas tentativas de impedir a participação eleitoral em massa da população, e no limite, assassinar Lula. Evidente que isso tem que estar no horizonte e não podemos nos iludir. Eles falam o tempo todo em guerra, em eliminação de inimigo, em execução", lembra o ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro.
Nunca o Brasil havia presenciado tal banalização da violência e da intolerância política no microcosmo das ruas e das relações interpessoais, que abandonaram, há muito, o bate-boca familiar em "grupos de zap". "É chocante, mas não é surpreendente”, diz Soares.
“Em certo sentido era previsível, as análises do processo aqui indicam que Bolsonaro desde o início de sua campanha em 2018 já exaltava a violência, atraía a violência para o repertório da política como uma prática, que deveria ser naturalizada e expandida;ele investiu na flexibilização do acesso a armas, estimulou a criação de grupos de tiro,reduziu todos os mecanismos que havia de controle, regulação e rastreamento não apenas das armas, mas também de munições”, aponta Soares. “Ele politizou a violência”, resume o antropólogo.
Duas maneiras para tentar "parar" Lula
Segundo o cientista político, há duas maneiras que podem ser usadas para se tentar impedir a vitória de Lula. “Uma delas é o desestímulo à própria participação eleitoral por meio da abstenção. Isso se dá através do medo que se difunde com atos violentos, que servem não apenas para calar cidadãos, aqueles que estão próximos, mas servem como sinalização de valor mais geral que suscita um clima e uma atmosfera de medo, coibindo a disposição de participar”, explica.
“A outra é a promoção do mesmo efeito, a não-participação eleitoral, mas via constrangimentos de rota ou restrições de transporte. É comum isso: quem está no poder e grupos em contatos com as elites acabam adotando como recurso olock out, que é uma greve não-declarada, circunstancial, do empresariado, onde os ônibus e os meios de transporte são suspensos ou fortemente reduzidos”, destaca. “Vimos isso nas greves de caminhoneiros, na derrubada de Allende, com uma grande crise de abastecimento nas cidades, particularmente em Santiago”, reitera. “Esse é um medo real da campanha de Lula, e da sociedade”, diz.
Para a cientista política e coordenadora do laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Rural, Mayra Goulart, o assassinato do tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu é resultado do ambiente de violência política no Brasil e não beneficia ninguém. De acordo com ela, a situação poderia se agravar até as eleições, conforme declarouem entrevista à RFIem julho desse ano.
“Não há comparações entre a forma pela qual a violência é mobilizada por Jair Bolsonaro e seus apoiadores e quaisquer outros atores políticos desde a redemocratização. Não há nada parecido com o que está acontecendo no Brasil recentemente”, declarou. “Muitas dessas pessoas que praticam a violência política são desequilibradas mentalmente e são instrumentalizadas por esse ambiente de retórica de uso da violência", avaliou a especialista.
No mesmo período,um relatório da UniRio mostrava que os casos de violência política no Brasil haviam crescido 335%apenas nos últimos três anos. Só no primeiro semestre de 2022, 45 lideranças políticas foram assassinadas e, ao todo, 214 casos de violência foram identificados. No início do ano, a ONU chegou a encaminhar um comunicado às autoridades brasileiras alertando para a escalada de violência eleitoral e política. No texto, especialistas independentes manifestaram preocupação com episódios de agressões e ameaças, especialmente contra representantes afrodescendentes.
Luiz Eduardo Soares explica que, “em tese, em termos de segurança, existem áreas eleitorais longínquas como a Amazônia, que são protegidas diretamente pelo Exército, que é responsável nesses lugares inclusive pelo transporte das urnas”. “Em certas situações, como no Rio de Janeiro, já se exigiu, por causa da presença de milícias armadas, a presença militar para garantir a segurança em algumas seções. Mas, normalmente são as polícias militares dos estados que fazem esse monitoramento eleitoral. A polícia federal tem um contingente de 10 mil, 11 mil agentes aplicados em ações de muita responsabilidade, um número insuficiente para dar conta do processo eleitoral”, detalha.
“Nós nos perguntamos então até que ponto podemos contar com isso [a proteção das polícias militares]. Quem estiver ali e quiser provocar um tumulto numa seção eleitoral, mesmo sem qualquer prática ilegal, pode fazê-lo. Por exemplo um soldado da PM que resolver dizer que recebeu uma denúncia e que vai suspender a votação, por exemplo”, explica. “Qualquer coisa desse tipo já tumultua e paralisa. Você pode ter esse tipo de atitude multiplicada por dezenas de milhares de bolsonaristas, que podem estar associados a esses policiais, sem que eles se arrisquem a qualquer punição”, conclui o especialista em Segurança Pública.
Ao lado da esposa Patrícia, o sócio de um clube de tiro Luiz Henrique Crestani postou, em uma rede social, vídeo em que faz vários disparos contra uma imagem do candidato petista
por Andréia Sadi
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O chefe da segurança da campanha de Lula pediu nesta quinta-feira (22) à Polícia Federal a abertura de um inquérito para investigar a conduta do empresário de Santa Catarina que praticou tiro ao alvo em uma imagem do candidato petista.
Luiz Henrique Crestani, que é sócio de um clube de tiro, postou um vídeo em uma rede social em que usa uma espingarda para efetuar disparos contra um desenho do ex-presidente da República. No vídeo, Crestani, ao lado da esposa, diz, aos risos, antes de disparar a arma diversas vezes: “Qual que é o ladrão? Estou na dúvida. Vamos ver onde a arma pega”. O caso foi revelado pelo jornal "O Globo" na quarta (21).
Na imagem usada por Crestani para fazer os disparos, Lula está apontando uma arma para uma pessoa não identificada com a mensagem acima “Atire no ladrão”. Após atirar, Crestani vai até o alvo, destruído pelos tiros, e diz para a câmera: “Agora não sei qual que é o ladrão aqui. Pegou tiro em tudo que é lado. O ladrão é o de lá ou de cá? Bota aí nos comentários”.
No pedido de providências encaminhado à Corregedoria da PF, o delegado da Polícia Federal responsável pela segurança do petista, Andrei Augusto Passos Rodrigues, solicita também a abertura de inquérito para investigar a esposa do empresário, Patrícia, que aparece no vídeo.
O pedido é acompanhado de uma análise pericial sobre o vídeo com conteúdo de ameaça e a sua divulgação. O perito que assina o laudo ressalta a influência do empresário nas redes sociais, que conta com "dezenas de milhares de seguidores".
A flexibilização da legislação para comercialização, aquisição e porte de armas de fogo por parte de civis, o que inclui a multiplicação de CACs (caçadores, atiradores desportivos e colecionadores de armas) e dos clubes de tiro, não só é uma das promessas feitas por Jair Bolsonaro em sua campanha de 2019 e cumpridas durante seu mandato como Presidente da República. Também parece ser um dos pontos centrais da estratégia política com a qual pretende, ao menos, assegurar um setor da população fiel ao seu projeto político e manter-se no poder através dela.
Esta peça do Xadrez da Ultradireita abordará como o bolsonarismo não só impulsionou decretos favoráveis à disseminação de armas de fogo nas mãos da população civil como também aproveitou brechas legais para alimentar certos setores, como os CACs e clubes de tiro.
Além disso, recordará os casos em que essas políticas terminaram sendo aproveitadas por grupos paramilitares e facções criminosas.
O javali e a multiplicação dos CACs
A introdução do javali no território brasileiro mudou completamente um panorama onde a caça era uma atividade totalmente proibida em todo o território nacional, há até pouco tempo.
Se trata de uma espécie natural das matas brasileiras: estudos indicam que os primeiros javalis entraram no Brasil pela fronteira com o Uruguai na Década de 1960. No começo deste século, se tornaram uma praga para os agricultores do Rio Grande do Sul, que reclamavam que o animal consumia parte de suas plantações, e também aumentava o risco de transmissão de doenças. Por essa razão, em 2013, o IBAMA autorizou a caça desse animal em todo o território nacional, com o objetivo de evitar sua reprodução – e, ainda assim, acrescentando regras para a atividade de forma a coibir os maus tratos.
No entanto, os resultados dessa política mostram um retumbante fracasso nesse objetivo. Em 2002, segundo dados do Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali (programa coordenado pelo Ibama), havia presença de javalis em apenas 12 municípios brasileiros, todos eles no Rio Grande do Sul. Em 2015, já eram 472 cidades com javalis, incluindo estados do Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste. Após a autorização, o salto foi ainda maior: entre 2015 e 2019, com a caça já legalizada em todo o Brasil, o número de munícipios que registraram presença dessa espécie quase dobrou, chegando a 816 no final desse período.
Além do fracasso dessa política em controlar a suposta praga, também é chamativo o fato de que ela desencadeou outra tendência que vem crescendo nesse mesmo período, a partir de 2015, que é a de licenças para CACs (sigla para Caçadores, Atiradores Desportivos e Colecionadores de Armas), status que facilita o porte e a aquisição de armas de fogo.
A caça do javali foi a porta de entrada de muitos CACs, através de uma das modalidades pela qual se pode solicitar tal licença: obviamente, a dos caçadores. Com a desculpa de que atuariam no combate à disseminação dessa espécie no interior do Brasil, o número de CACs vem aumentando paulatinamente.
Segundo uma reportagem daBBC News, em 2014 havia somente 9 mil licenças vigentes para CACs no Brasil. Em 2018, esse número saltou para 88 mil – os números são do Exército, que é quem entrega essas licenças a civis.
Porém, foi no governo de Jair Bolsonaro que os CACs não só se multiplicaram exponencialmente como passaram a contar com novos benefícios, através das novas portarias que facilitaram a aquisição de armamento de maior qualidade, e em maior quantidade.
Segundo reportagem doFantástico da Rede Globo, também com dados entregues pelo Exército, foram registradas 193 mil licenças de caçadores (uma das modalidades de CACs) entre janeiro de 2019 (início do governo de Bolsonaro) e agosto de 2021, um aumento de 243% em comparação com todo o governo de Michel Temer (maio de 2016 a dezembro de 2018). Como o javali é a única espécie cuja caça é legalizada, supõe-se que todo esse contingente estaria atuando exclusivamente no combate a esse animal.
Sem limites para a aquisição de armas
Esse crescimento no número de CACs levou a um cenário inédito na história do Brasil: atualmente, existem mais civil que militares e policiais com autorização para usar armas de fogo. Sim, porque os CACs atualmente são 605 mil (segundo dados do Exército), enquanto o número de militares na ativa nas três Forças Armadas é de cerca de 360 mil, segundo oGlobal Fire Power Index, e as forças policiais brasileiras reunidas possuem cerca de 406 mil,segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Junto com esse aumento das licenças está o maior acesso dessas pessoas a armamentos pesados e em quantidades que nem os policiais e militares possuem. Tal situação foi proporcionada pelos decretos assinados por Jair Bolsonaro em 2019, logo em seus primeiros meses de governo, com o qual iniciou o cumprimento de suas promessas de flexibilização do acesso às armas outorgando facilidades e benefícios aos CACs.
Essa situação preocupa até mesmo policiais ativos, como o vereador porto-alegrense Leonel Radde (PT-RS), que é policial civil licenciado e que defende um discurso de que o armamento da população civil aumenta substantivamente os riscos para o trabalho policial.
“Os colecionadores não têm limites para a aquisição de armas de fogo, os atiradores e caçadores têm um limite de 60 a 100 armas de fogo, o que é gravíssimo porque pra quê um indivíduo teria acesso a essa quantidade de armas de fogo, e uma quantidade absurda de acesso a munições de todos os calibres”, comentou o vereador, em entrevista aoGGN.
Radde também chama a atenção para o esforço de Bolsonaro em dificultar a possibilidade de rastreio das armas adquiridas por CACs. Em abril de 2020, o presidente revogou as portarias 46, 60 e 61 (todas elas de março de 2020), cuja finalidade era permitir o rastreamento dos chamados PCEs (Produtos Controlados pelo Exército), comosão as armas e munições dos CACs. “Um indivíduo que diz defender a segurança pública negar o rastreio de armas de fogo não tem nenhum sentido lógico”, reclamou o vereador gaúcho.
Porém, na época, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) tinhaoutra opiniãoa respeito da revogação das portarias: “Atiradores e CACs sempre apoiaram Bolsonaro para que tenhamos pela primeira vez um Presidente não desarmamentista. É inadmissível que se faça portarias restringindo a importação. A quem isso interessa? Certamente não ao Presidente, que determinou a revogação destas portarias”. O filho do presidente ainda terminou seu tuíte com uma promessa: “mais medidas virão”.
Desvio de armas dos CACs para milícias e facções
Um dos maiores temores relacionados à flexibilização das armas no Brasil é que uma nova legislação nesse sentido favorecesse o desvio de armas para organizações paramilitares e para o crime organizado, seja de forma involuntária, com o cidadão armado mas inexperiente perdendo suas armas para criminosos organizados, seja de através do uso voluntário das novas regras para vender ou desviar armas para grupos como milícias e facções criminosas.
Matéria do jornalista Rafael Santos, publicada em fevereiro de 2022 emO Globo, mostra que existem ao menos 25 processos tramitando em Tribunais de Justiça de todo o Brasil sobre o envolvimento de CACs com o crime organizado ou com grupos paramilitares, como as milícias do Rio de Janeiro. Em alguns desses processos, os CACs envolvidos já foram condenados pelos ilícitos, que incluem a facilitação de armamento para os grupos criminosos com os quais colaboram.
A reportagem cita o caso de uma invasão miliciana na favela do Quitungo, na Zona Norte do Rio de Janeiro, no início de 2021. Após alguns meses de domínio da região por parte da milícia, a Polícia Civil fluminense montou uma operação que terminou com a captura de seis integrantes da organização. Após os interrogatórios, os policiais descobriram que dois dos detidos possuíam armas obtidas de forma legal: Marcelo Orlandini e Wallace César Teixeira possuíam licença emitida pelo Exército para atiradores desportivos, uma das modalidades dos CACs.
Em sua defesa, Orladini e Teixeira argumentaram que portavam suas armas enquanto estavam em caminho a um clube de tiro, situação que é legal desde fevereiro de 2021, quando um novo decreto pró-armas de Jair Bolsonaro autorizou o porte de armas municiadas por parte dos CACs “em qualquer itinerário para o local da prática do tiro”.
Um caso que teve repercussão ainda maior, e que também foi lembrado na matéria de O Globo, é o de Vitor Furtado Rebollal Lopez, também conhecido como Bala 40, segundo a Polícia Civil do Rio de Janeiro. Furtado possuía licença de colecionador de armas, outra das modalidades de CACs, e a utilizou para montar um esquema de compra legal de armas, que posteriormente eram vendidas para milícias e facções do crime organizado.
Furtado foi preso em fevereiro de 2022 quando se encontrava em Goiânia, em meio a uma viagem – supostamente de negócios. Em sua bagagem, a polícia encontrou mais de 11 mil balas de fuzil. Dias depois, em uma outra diligência em sua casa, na Zona Norte do Rio de Janeiro, foram apreendidas 54 armas, incluindo 26 fuzis.
Segundo o promotor Rômulo Santos Silva, responsável por investigar o caso, Furtado “usava a prerrogativa de ser CAC para comprar uma quantidade muito grande de armas e munição, o que é permitido atualmente, e depois vender para traficantes”.
Em abril de 2021, a ministra Rosa Webber, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu temporariamente alguns dos decretos de Bolsonaro que facilitavam a aquisição e o porte de armas de fogo no Brasil, incluindo as aqueles que beneficiavam os CACs.
Na ocasião, em entrevista para aCNN Brasil,o ex-ministro da Justiça Raul Jungmann (Governo Temer) disse que concordava com a decisão da ministra, e que os decretos de Bolsonaro, especialmente os que outorgavam regalias aos CACs, estavam sendo aproveitados por organizações criminosas para obter armas de fogo legalmente.
Em sua argumentação, Jungmann recordou o episódio de 1995 em que o próprio Bolsonaro, então deputado federal, foi assaltado quando estava em sua moto e tentou se defender com sua arma, mas essa também acabou sendo roubada pelo assaltante. Colecionadores, atiradores e caçadores são uma fonte de arma para o crime organizado. Assalto na vida real não é filme de bang bang e quem fica com a arma são os criminosos”.
Outra reportagem,da Agência Pública, revelou, em novembro de 2021, que apenas no ano passado, segundo dados obtidos junto ao Comando do Exército via Lei de Acesso à Informação, as polícias registraram cerca de 840 armas roubadas ou extraviadas dos CACs entre janeiro e novembro do ano passado, o que significa uma média de 3 armas desviadas por dia.
“A maior parte dessas armas foi levada em roubos ou furtos: 692 neste ano, uma média de 2,5 por dia. O número é maior que em 2020 e em 2019. A legislação estabelece que no caso de arma roubada ou extraviada, um CAC deve procurar uma unidade policial local para fazer um boletim de ocorrência e levar uma série de documentos para comunicar à Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC)”, diz a matéria assinada pelos jornalistas Bruno Fonseca e Laís Martins.
Mais recentemente, em junho de 2022, a Polícia Civil de São Paulo iniciou uma investigação sobre a existência de um possível esquema de venda de armas registradas legalmente em nome de CACs para organizações criminosas como o PCC.
Segundomatéria da Folha de S.Paulo, o pedido de abertura de investigação foi solicitado após duas operações recentes na capital paulista nas quais foram apreendidas grandes quantidades de armas de fogo de alto calibre, incluindo fuzis e submetralhadoras, e quantidades ainda maiores de munição.
Ainda segundo a reportagem, ambas as operações teriam sido realizadas em endereços ligados a supostos membros do PCC e boa parte das armas apreendidas teriam seu registro legal atrelado a pessoas com licenças de CACs.
Benefício ao crime organizado
Em entrevista para oGGN, o advogado Felippe Angeli, do Instituto Sou da Paz, explicou como a flexibilização do acesso às armas por parte dos decretos de Bolsonaro, especialmente aqueles que beneficiam os CACs, acabam sendo aproveitados pelas milícias e facções do crime organizado: “agora a gente começa a ver o crime organizado mesmo comprando armas, registrando laranjas como CACs, que são os caçadores, atiradores e colecionadores, e arrumando laranjas para adquirir armamento no mercado legal a partir dessas pessoas, porque, no fim, a arma no mercado legal acaba sendo mais barata que a arma no mercado ilegal”.
Angeli completa dizendo que “a arma de fogo utilizada em crimes em algum momento foi legal. As armas de fogo são instrumentos industriais, salvo alguns raros casos de armas artesanais, feitas por armeiros, cuja circulação no mercado ilegal ou sua apreensão em operações policiais são situações muito excepcionais. A grande maioria das armas de fogo tem marca, é Beretta, é Smith Wesson, é Glock, é Taurus… São produtos industriais que em algum momento, em algum país, foram fabricados dentro da legalidade, e que, em outro momento aquilo foram desviados para o mercado ilegal. Sempre é preciso ter em mente que a arma ilegal já foi legal um dia”.
O vereador porto-alegrense Leonel Radde (PT-RS) considera que essa política de facilitação do acesso às armas por parte do Governo Bolsonaro obedece a uma lógica de fortalecimento de grupos específicos. “O que nós vemos é uma vulgarização e uma propagação ilimitada de armas de fogo, e uma propagação e vulgarização também dos clubes de tiro, com objetivos muito evidentes de armar pequenos grupos paramilitares e milícias. Não por acaso, enquanto nós não temos nenhuma política pública de segurança pública neste momento, também temos que conviver com essa realidade de propagação de armas de fogo entre a população não policial”, analisou o legislador, que também é policial civil licenciado.
Benefício ao bolsonarismo
Este tópico não é uma continuação do anterior, que abordou a forma como o crime organizado se aproveita da flexibilização da legislação com respeito às armas de fogo.
Seria uma acusação infundada dizer que Jair Bolsonaro pretende armar o crime organizado com as políticas que promove. Seus interesses em armar a população são outros, e o desvio desses produtos às facções criminosas parecem ser somente um efeito colateral que o bolsonarismo está disposto a aceitar em nome de causas maiores.
O primeiro e primordial interesse tem a ver com cumprir suas promessas à indústria de armas, talvez a mais fiel patrocinadora da sua carreira política desde os tempos em que era um deputado sem pretensões presidenciais, e também da carreira política dos seus filhos.
O advogado Felippe Angeli, do Instituto Sou da Paz, lembra que “em sua longa carreira como deputado federal, Jair Bolsonaro sempre defendeu a maior circulação de armas de fogo, a ampliação do comércio de armas de fogo, sempre foi sua pauta histórica e também dos seus filhos quando ingressaram na política. Sua campanha presidencial também trouxe esse tema, e não foi surpresa que tenha se tornado uma das principais obsessões do Governo Bolsonaro”.
Efetivamente, o discurso a favor de facilitar a aquisição de armas de fogo por parte da população civil é uma marca registrada de Jair Bolsonaro e todos os seus filhos, especialmente através do mantra de que “armar a população é a melhor forma de evitar que se instale uma ditadura no Brasil” – ideia que costuma ser repetida pelo presidente em vários dos eventos públicos em que participa, e também em suas lives transmitidas via redes sociais.
Porém, nenhum outro membro da família, nem mesmo o próprio Jair Bolsonaro, marca tanta presença junto a eventos da indústria ou da ideologia armamentista quanto o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que assim como o pai, também tem uma forte ligação com a indústria de armas.
“É notório o envolvimento da família Bolsonaro, especialmente o Eduardo Bolsonaro, com a indústria de armas, com empresas como a Glock, como a SIG Sauer, a participação do Eduardo em eventos comerciais de armas de fogo nos Estados Unidos, no Brasil, a presença dele em reuniões entre representantes comerciais dessas empresas e o governo. É uma atuação direta junto ao mercado de armamento, uma atuação forte da família como um todo, mas especialmente do deputado Eduardo Bolsonaro, isso é público”, comenta Angeli.
O terceiro filho de Jair Bolsonaro, que é deputado federal por São Paulo, também é o principal interlocutor da família e do governo com representantes a NRA (sigla em inglês da Associação Nacional do Rifle, maior organização estadunidense em favor do discurso e da ideologia armamentista.
O primeiro contato de Eduardo com a NRA foi em 2016,quando foi apresentadoa eles pelo ex-lutador Royce Gracie e pelo instrutor de tiro Tony Eduardo, pertencente à família proprietária do clube de tiro Ponto 38 de Santa Catarina – o estabelecimento ficou conhecido nacionalmente em 2018, porque foi visitado pelos filhos de Jair Bolsonaro e por Adélio Bispo dias antes da facada sofrida pelo então candidato em Juiz de Fora, durante evento de campanha.
Talvez pela proximidade com a NRA estadunidense, Eduardo Bolsonaro tenta potenciar a consolidação de uma versão brasileira da organização, participando de eventos armamentistas e incentivando movimentos que defendem esse discurso.
Embora nenhuma organização armamentista nacional tenha alcançado ainda a força que a NRA tem nos Estados Unidos, algumas começam a fazer barulho, especialmente com a ajuda das redes sociais. A mais barulhenta delas é o Movimento Pró-Armas, liderado pelo advogado Marcos Pollon – e não causará nenhuma surpresa citar que este é uma pessoa próxima ao deputado Eduardo Bolsonaro.
Dias antes, em 1º de setembro de 2021, Pollon e Eduardo Bolsonaro se reuniram com Silvinei Vasques, diretor-geral da PRF (Polícia Rodoviária Federal, a mesma entidade responsável pela morte do trabalhador Givanildo Santos em Sergipe, em maio passado). Osite do Governo Federal dizque o encontro serviu para “apresentação do manual de fiscalização de CACs, que visa trazer segurança jurídica e orientação aos policiais rodoviários federais e já está em fase final de elaboração”. Contudo, parte da imprensa especulou com um suposto pedido para flexibilizar a fiscalização de pessoas que viajavam para Brasília, onde ocorreria o ato de 7 de setembro, convocado pelo presidente para pressionar o STF.
Também foi em um evento do Movimento Pró-Armas, ao lado de Marcos Pollon, que Eduardo Bolsonaro disse que “não tem que respeitar esses caras (da esquerda)”. A frase foi dita em Brasília, e seu discurso transmitido ao vivo pela internet na tarde de 9 de julho de 2022.
Horas depois, em Foz do Iguaçu, o agente penitenciário Jorge José da Rocha Guaranho, bolsonarista fanático, invadiu uma festa de aniversário na qual não estava convidado, em fúria ao saber que a decoração do evento homenageava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu partido, o PT. Depois de uma primeira discussão na porta do clube onde era realizada a festa, ele deixou o local prometendo “matar todo mundo”. Voltou minutos depois, armado e disparando ao entrar. Assassinou o aniversariante, o guarda municipal Marcelo Arruda, militante petista, mas também terminou sendo ferido – o que impediu que ele continuasse atirando e cumprisse a promessa que tinha feito pouco antes.
O caso de Foz do Iguaçu termina sendo um alerta para outro possível interesse de Bolsonaro ao armar os cidadãos, ao promover os CACs e a se tornar um ídolo para as pessoas que não só defendem a liberdade de ter armas de fogo como uma ideologia e que conseguiram, graças aos seus decretos, um acesso mais fácil a esses produtos.
Ataques como o de Guaranho, se reproduzidos em vários lugares do Brasil, poderiam gerar o caos que alguns analistas políticos consideram propício para levar adiante estratégias que visem adiar as eleições ou desconhecer os resultados eleitorais se estes forem desfavoráveis a Bolsonaro – e se essa possível derrota, junto com o mantra de que a oposição pretende fraudar as eleições, provocar a ação de lobos solitários dispostos a fazer justiça com as próprias armas.
O vereador porto-alegrense Leonel Radde afirma que toda a oposição – e mais especificamente os partidos de esquerda, como o PT e o PSOL – deve estar preparada para essa possibilidade.
“Eu não digo que a esquerda tenha que temer a lógica desses grupos antidemocráticos, mas ela tem que considerar isso um risco real, e uma grande probabilidade de que isso vai acontecer, senão uma certeza. Nós teremos ações violentas vinculadas ao processo eleitoral, vinculadas a uma disputa ideológica, uma disputa de programas de governo, e isso vai acontecer, não sei se de uma forma estruturada, a ponto de desestabilizar todo o país, mas vai acontecer em algumas regiões”, afirmou Radde, em uma entrevista aoGGNque aconteceu antes do assassinato do petista Marcelo Arruda por ação do bolsonarista Jorge Guaranho.
Equipe de proteção de Lula aponta opositores armados e radicais como 'adversidades'
Documento fala sobre acesso ampliado a armas em 2019, após decreto de Bolsonaro
Delegados chamam de 'cenário inédito' na democracia brasileira
PF diz que ameaças contra Lula são frequentes
Entre as “adversidades” enfrentadas pela equipe da Polícia Federal que realiza a segurança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi apontado o "acesso a armas de letalidade ampliada decorrente das mudanças legais realizadas em 2019" como uma das principais.
A PF tem feito a proteção do candidato durante a campanha eleitoral. O documento elaborado pela equipe, ao qual o jornal Folha de S. Paulo teve acesso, pede apoio às superintendências dos estados por onde Lula irá passar.
"O contexto político e social no qual se realizará a operação de segurança é composto por, entre outras adversidades, opositores radicalizados e acesso a armas de letalidade ampliada decorrente das mudanças legais realizadas em 2019", diz o documento. Naquele ano, o presidente Jair Bolsonaro (PL) editou um decreto que ampliou o acesso a armas de fogo entre a população.
Ainda de acordo com a equipe, há "ameaças de morte ao candidato e representantes dos partidos, bem como a perpetração de atos de intimidação e violência, identificados antes do início da campanha, como o atentado ao ônibus da caravana ao ex-presidente Lula, alvejado em maio de 2018 na cidade de Quedas do Iguaçu e Laranjeiras do Sul/PR".
A equipe que protege o petista é de responsabilidade dos delegados federais Andrei Augusto Passos Rodrigues (coordenador), Rivaldo Venâncio (operacional substituto) e Alexsander Castro Oliveira (chefe operacional).
O jornalista Luis Nassif recebe a jornalista Letícia Oliveira e o historiador e professor Michel Gherman. Letícia é editora do El Coyote e monitora grupos de extrema-direita há 10 anos. Michel é Professor de Sociologia da UFRJ, diretor acadêmico do Instituto Brasil Israel, coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos-NIEJ do Instituto de História da- UFRJ, Coordenador do LAREP e pesquisador associado do Centro de Estudos Judaicos da USP e do Centro Vital Sasson de Estudos de Antissemitismo da Universidade Hebraica de Jerusalém. Juntos, eles discutem sobre os movimentos da ultradireita no país. 📌 A democracia brasileira é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo capaz de lançar luz sobre a escuridão. Junte-se a nós: http://www.catarse.me/jornalggn