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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

26
Fev21

As versões conflitantes de Paludo, o pai Januário dos procuradores da lava jato

Talis Andrade

Januário Paludo, o “pai” dos grupos de Telegram da força-tarefa da Lava Jato: um veterano da operação Banestado.

 

III - ‘Doleiro dos doleiros’ mudou delação para inocentar procurador da Lava Jato a quem dizia pagar propina

 
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As versões conflitantes de Paludo

A decisão da PGR de arquivar o trecho da delação de Messer que citava Paludo, no segundo semestre de 2020, não foi a primeira. Antes, em novembro de 2019, a cúpula do Ministério Público Federal em Brasília já havia sido provocada a investigar a alegada proteção ao doleiro.

Meses após a prisão de Messer, a Polícia Federal encontrou no celular dele a mensagem na qual ele conversava com a namorada sobre o “esquema com Januário Paludo e Figueiredo”.

Essa mensagem foi encaminhada à PGR, que chegou a convocar Messer a dar explicações. Na época, ele ainda não era delator premiado. Assim, se calou sobre o caso.

A PGR, então, pediu informações a Paludo. O procurador da República enviou um documento ao órgão informando que era inocente e que não fazia sentido pensar que teria protegido Messer.

Primeiro, argumentou Paludo, porque ele deixou a força-tarefa do caso Banestado em 2005. Àquela época de 2019, as investigações apontavam que os pagamentos da suposta proteção teriam começado em 2006 – ainda que Messer tenha dito que que começaram em 2005.

Segundo, porque as investigações contra Messer corriam no Rio. Paludo, a partir de 2014, trabalhava na Lava Jato do Paraná. Antes, havia atuado no Rio Grande do Sul.

Por último, o procurador argumentou que relatou indícios de que Messer usou contas de titulares ocultos no exterior (conhecidas como contas offshore) quando foi chamado a testemunhar a favor do doleiro pela defesa dele, em 2011. Ou seja, Paludo nega tê-lo protegido.

Foi o bastante para a PGR, que arquivou o caso sem aprofundar a investigação.

Acontece que, quando testemunhou para a defesa de Messer, em 2011, Paludo disse outra coisa à justiça. Na ocasião, o procurador afirmou que não encontrou nenhuma ligação de Messer ou de membro da família dele com contas offshore. “Até a parte onde eu fui, nós não identificamos, em princípio, nenhuma ligação da família Messer”, disse, em documento que é público.

Paludo foi além. Afirmou que as investigações apontaram que Clark Setton, o Kiko, aparecia como o responsável por contas investigadas. E que a apuração não revelou nenhuma relação da família Messer com ele. “Na parte que eu investiguei, a conclusão que eu tive, na época, é que haveria apenas [indícios] em relação ao Clark Setton [sobre] a administração dessas contas”, falou.

Já nos diálogos que manteve com colegas procuradores pelo Telegram, Paludo dá mostras de estar bem informado sobre Messer e sua relação com Setton. A outros procuradores, Paludo chega a dizer que Setton era uma espécie de laranja, de “boi de piranha” dos Messer.

 
20 de maio de 2018 – Filhos do Januario 2

Januário Paludo – 10:02:16 – Dario era o filho playboy. O velho era o Mordko. O doleiro da família (vou de piranha) era o Clarck Setton – Kiko.
 

 

Paludo fez o comentário quando surgiram as primeiras notícias de que Messer poderia ter sido protegido graças ao pagamento de propina. Um dia antes, ele já falava da relação antiga entre o doleiro e Figueiredo Basto.

 
19 de maio de 2018 – Filhos do Januario 2

Januário Paludo – 13:35:33 – A única coisa que o Figueiredo não pode dizer é que nao advogou para o messer, tanto para o Mordko quanto para oDario.
 

 

Nos chats, também fica claro que Paludo é tido por colegas de Lava Jato no Paraná como alguém bem informado sobre o que envolve Messer. Em 2017, quando o doleiro ainda não era um alvo oficial da força-tarefa do Rio de Janeiro, um repórter procurou o então procurador Carlos Fernando dos Santos Lima para tratar de suspeitas envolvendo o doleiro. Lima encaminhou as mensagens e buscou informações com Paludo.

Ouviu, do colega, que a Lava Jato havia acessado uma investigação sobre Messer que estava a cargo do procurador da República Alexandre Nardes, do Paraná. Mas, curiosamente, a força-tarefa paranaense resolveu mandar o caso para o Rio de Janeiro. Segundo o chat, a remessa da investigação aos colegas fluminenses se deu em 2014, logo no início da operação no Paraná. No Rio, uma força-tarefa da Lava Jato só seria criada em junho de 2016.

 
20 de agosto de 2017 – Filhos do Januario 2

Carlos Fernando dos Santos Lima – 12:54:14 – NOME SUPRIMIDO : Procurador, bom dia. NOME SUPRIMIDO : Estamos tocando uma investigação aqui no Poder360 e um dos nomes no nosso radar é o doleiro Dario Messer. NOME SUPRIMIDO : O senhor saberia dizer se os procuradores a que esse colunista se refere, seriam da FT do Paraná? Ou esse tema está com o pessoal do Rio? http://veja.abril.com.br/blog/radar/o-outro-doleiro/
Santos Lima – 12:54:33 – Januário. Você sabe alguma coisa sobre isso?
 

 

Paludo respondeu horas depois:

 
20 de agosto de 2017 – Filhos do Januario 2

Januário Paludo – 15:36:21 – Sim. Mandamos a investigação para o Rio de Janeiro em 2014. Era do nardes e ele mandou para a gente.
 

 

Membros da Lava Jato, aliás, assumiram nos diálogos privados que nunca priorizaram investigações sobre doleiros envolvidos em casos de corrupção apurados na operação. Procuradores do Rio chegaram a perguntar por que eles nunca “deram bola” para isso.

 
3 de maio de 2018 – Filhos do Januario 2

Paulo Roberto Galvão – 09:46:12 – Pessoal do Rio vinha perguntando por que a gente não dava muita bola para os doleiros. Eu sempre disse que o foco era pegar corrupção e que focar em doleiros corria o risco de dispersar. Mas agora estão eles com 45 prisões envolvendo doleiros. Não sei bem os caminhos a que isso poderá levar. Ao menos um deles, o Messer, era tido como ligado ao presidente do Paraguai.
Carlos Fernando dos Santos Lima – 09:53:35 – Investigar doleiros, como qualquer operador, é atacar o elo frágil da corrente de crimes do colarinho branco. Ótima estratégia geral quando você não tem alvos específicos. No nosso caso preferimos trabalhar com corrupção, mas dentro de cada esquema sempre há operadores. Foi o que Diogo fez no caso do pedágio. Leal é um dos operadores do esquema. Só não podemos transformar a Lava Jato em um Banestado.
Orlando Martello – 10:03:12 – Além disso, dá muiiiittttooooo trabalho. Muitas operações, muitas transações, muitos clientes…. e 90% é caixa 2.
 

 

Deltan Dallagnol, à época o coordenador da força-tarefa, entrou na conversa pouco depois:

 
3 de maio de 2018 – Filhos do Januario 2

Deltan Dallagnol – 10:52:14 – Exatamente. Doleiros é second ou third best. No Banestado, atacamos mais de uma centena e só 1 ou 2 entregaram corrupção, mesmo com uns 30 colaborando. Na Curaçao, acusei mais de 50, bloqueei patrimônio, mas fatos eram antigos, não conseguimos prisão e acho que ninguém colaborou. Agora, eles estão revisitando alguns dos meus alvos da Curaçao. Pediram, aliás, pra checar como estavam os processos e adivinhem… todos caminhando pra prescrição
Dallagnol – 10:53:04 – Além de operações gerais, horizontais, fizemos Orlando e eu algumas verticais sobre doleiros de Curitiba, no rescaldo da Banestado. Muito trabalho para resultado modesto comparado com nosso trabalho hoje
 

 

Procurado, Januário Paludo respondeu que não reconhece a autenticidade das mensagens e não quis comentá-las. Em nota, o procurador afirmou apenas que a força-tarefa da Lava Jato do Paraná sempre investigou crimes relacionados à Petrobras, “estando as conexões de doleiros sendo investigadas em outros órgãos e unidades”.

“Investigações que não tem conexão com os fatos investigados na Lava Jato são declinadas para outras unidades do MP por decisão própria ou judicial, como ocorreram em inúmeros casos”, complementou, quando questionado por que enviou a investigação sobre Messer ao Rio, em 2014.

Paludo disse que não teve acesso às duas versões do doleiro Dario Messer a respeito do pagamento da taxa de proteção e, por isso, não tem como falar a respeito delas. Ressaltou que “se a PGR arquivou uma notícia de fato que não tinha qualquer fundamento para abrir uma investigação, o fez por livre convicção”.

“Investigações para serem instauradas têm que ter elementos indiciários mínimos, não bastando a mera opinião, achismos, suspeitas ou conjecturas. A instauração de uma ação penal para ser viável exige, além da competência do juízo, prova da materialidade do delito e elementos suficientes de autoria (acima de qualquer dúvida razoável), sob pena de ser temerária e sujeitar indevidamente alguém a processo penal”, declarou.

As mensagens secretas da Lava Jato
Leia Nossa Cobertura CompletaAs mensagens secretas da Lava Jato

 

Sobre o depoimento prestado em 2011 em processo contra Messer, Paludo disse que “testemunhar em processos é uma obrigação de todos, o que não quer dizer que seja contra ou a favor da defesa, pois são relatados fatos”.

Ele não respondeu a questionamentos sobre a ligação de Messer com Clark Setton.

Dario Messer também foi perguntado sobre as duas versões a respeito da taxa de proteção apresentadas às autoridades. O advogado Átila Machado, que hoje representa o doleiro, disse que o procedimento de colaboração premiada é sigiloso. Por isso, “Dario Messer está impedido de falar sobre o conteúdo da matéria”.

O advogado Antonio Figueiredo Basto não quis se pronunciar. Em entrevistas concedidas a outros veículos de imprensa, ele sempre negou ter recebido qualquer pagamento para garantir a Messer ou a outros clientes proteção em investigações.

A força-tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro, que usou a segunda versão de Messer sobre a taxa de proteção em denúncia contra Figueiredo Basto, disse que o doleiro não alterou seu relato sobre os fatos. Segundo ela, Messer soube do arquivamento das investigações contra Paludo na PGR e de transações financeiras que Basto teria realizado para embolsar ele próprio a tal taxa. Isso mudou sua percepção.

A PGR disse que a apuração preliminar sobre as suspeitas contra Paludo e a negociação do acordo de delação premiada de Dario Messer são sigilosos.

26
Fev21

FILHO DE JANUÁRIO Na mira desde os anos 1980, Dario Messer só foi preso em 2019

Talis Andrade

O CORRESPONDENTE

 

II - ‘Doleiro dos doleiros’ mudou delação para inocentar procurador da Lava Jato a quem dizia pagar propina

- - -SÃO PAULO, SP,  31.07.2019|: A Polícia Federal prendeu na tarde desta quarta-feira (31), em São Paulo, o doleiro Dario Messer (de boné), que estava foragido desde o ano passado. Messer, que é réu na Justiça Federal na Operação Câmbio, Desligo, foi detido nos Jardins (zona oeste de São Paulo), de acordo com a Polícia Federal. (Foto: Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Folhapress)

Dario Messer (de boné), o ‘doleiro dos doleiros’, no dia em que foi preso pela Polícia Federal nos Jardins, região nobre de São Paulo. Foto Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Folhapress

 

Messer atualmente é conhecido como o “doleiro dos doleiros”, graças à Lava Jato do Rio. Ele é acusado pela força-tarefa de liderar uma rede ilegal de câmbio que movimentou mais de 1,6 bilhão de dólares entre 2011 e 2017 – R$ 8,5 bilhões, na cotação atual. Trata-se, segundo a força-tarefa, de uma quantia inédita.

Mas a atuação dele é mapeada pelas autoridades desde 1980, quando já era investigado pela suspeita de atuar em esquemas de lavagem de dinheiro. Primeiro, para bicheiros ligados a escolas de samba. Depois, no caso Banestado, que teve como personagens o então juiz Sergio Moro, Paludo e outros procuradores da Lava Jato. Mais tarde, ele apareceu no mensalão petista e foi citado até em documentos do Swissleaks, que revelou uma rede de evasão fiscal existente numa agência do HSBC na Suíça em 2006 e 2007.

Messer, no entanto, jamais havia sido preso até julho de 2019. Não que as autoridades não tenham tentado. Ao menos duas vezes, a justiça brasileira decretou sua prisão. Mas o “doleiro dos doleiros” sempre arrumou um jeito de escapar antes que a polícia tivesse tempo de encontrá-lo.

Na cadeia – e tentando sair dela o quanto antes –, Messer resolveu confessar crimes. Na proposta de delação, ele assumiu a investigadores da Lava Jato que só não foi detido por ordem da operação, em 2018, porque soube com antecedência da ação policial para pegá-lo. Também confessou ter cometido os crimes investigados no caso Banestado, pelos quais não havia sido punido. E, num relato específico, explicou como acredita ter se livrado de suspeitas que pairavam sobre ele desde 2005.

É justamente nesse relato que Messer conta que nada disso foi por acaso. “Dario sempre acreditou na efetividade da compra da ‘proteção’”, resumiram seus defensores na primeira proposta de delação. Em outras palavras, ele afirmou ter comprado proteção do Ministério Público Federal do Paraná, e que parte dos pagamentos eram feitos a Paludo, um dos procuradores do caso Banestado.

Messer relatou que, de 2005 a 2013, pagou 50 mil dólares todo mês para que fosse blindado em investigações. Disse que entregava o dinheiro ao ex-sócio Enrico Machado e a Figueiredo Basto, na época seu advogado.

Segundo o relato redigido pela defesa de Messer, Machado e Basto diziam que parte desse dinheiro era entregue a Paludo. Messer admitiu que nunca esteve com o procurador, mas afirmou acreditar que contava com a ajuda dele. E apontou dois fatos que o fizeram acreditar em tal proteção.

Em 2005, Paludo trabalhou no acordo de delação premiada do doleiro Clark Setton, conhecido como Kiko, sócio de Messer investigado no caso Banestado. Kiko também era defendido por Figueiredo Basto. Confessou crimes, mas não envolveu Messer em nenhum deles. O relato seletivo, ainda assim, lhe garantiu benefícios penais.

Já em 2011, Paludo testemunhou a pedido de Figueiredo Basto em um processo criminal contra Messer, relacionado ao caso Banestado. O procurador disse à justiça que investigou Messer, mas não encontrou nenhuma prova que o ligasse às irregularidades que, anos mais tarde, o próprio doleiro viria a confessar.

Messer já havia dito que pagava propina a Paludo. Foi em agosto de 2018, em mensagens trocadas por celular com a namorada – um ambiente mais privativo e confortável que a cadeira de candidato a delator premiado. “Sendo que esse Paludo é destinatário de pelo menos parte da propina paga pelos meninos todo mês”, ele escreveu, em conversa interceptada pela Polícia Federal.

Por citar Paludo, que tem direito a foro privilegiado por ser procurador, esse trecho do depoimento do candidato a delator foi remetido a Brasília, para ser avaliado pela equipe da Lava Jato da PGR. E a PGR descartou investigar um colega. O órgão entendeu que o relato de Messer não tinha provas para que fosse incluído em seu acordo de colaboração e baseasse uma apuração.

Enquanto isso, a delação de Messer – sem a parte que complicava Paludo – andava. Foi homologada, em agosto de 2020, por duas varas judiciais de primeira instância do Rio. Uma delas, a sétima, a do juiz Marcelo Bretas.

O acordo garantiu que Messer cumprirá pena máxima de 18 anos e nove meses de prisão, não importa quantas vezes seja condenado em processos da Lava Jato. Em troca, os procuradores afirmam que o doleiro abriu mão de cerca de 99% de seu patrimônio, que estimam – sem explicar como chegaram ao valor – em R$ 1 bilhão. O que significa que, se o cálculo da Lava Jato estiver correto, Messer manteve R$ 10 milhões no bolso. Nada mau.

Foi nesse ponto que a Lava Jato do Rio chamou Messer para depor novamente sobre a alegada taxa de proteção paga a Paludo. Aí, o doleiro – que já tivera a delação aprovada e seguia milionário – contou uma outra história.

Ao contrário do que havia afirmado antes, Messer dessa vez falou não acreditar que fosse protegido. Disse mais: que acreditava ter sido enganado por Figueiredo Basto e o ex-sócio Machado, que embolsavam, nessa nova versão, os 50 mil dólares mensais que ele enviava para comprar autoridades.

“[Messer afirmou] Que Enrico falava em proteção junto à Procuradoria da República e à Polícia Federal; que Enrico [Machado] falava no nome do Dr. (sic) Januário Paludo e pessoas na Polícia Federal; que hoje tem a percepção de que Figueiredo [Basto] e Enrico ficavam com esse dinheiro”, lê-se no novo depoimento.

Foi essa nova versão a usada pela Lava Jato do Rio de Janeiro para denunciar Figueiredo Basto, Enrico Machado e um outro advogado pelos crimes de exploração de prestígio qualificada, tráfico de influência qualificado e associação criminosa.

O novo depoimento de Messer fundamenta a tese segundo a qual os três réus venderam um falso esquema de proteção ao doleiro. Sobre Paludo, tudo que a Lava Jato do Rio diz é que ele teve o nome indevidamente usado na falsa venda de proteção (Continua).

23
Fev21

O inferno dos "rei das delações" da lava jato

Talis Andrade

Deltan Dallagnol, Sérgio Moro e advogado Antônio Figueiredo Basto

Pública teve acesso à denúncia de corrupção e lavagem de dinheiro contra Figueiredo Basto, que assinou duas dezenas de delações premiadas com Lava Jato para seus clientes. Esquema que movimentou mais de 1,6 bilhão de dólares


por Vasconcelo Quadros /Pública

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Investigações da força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro (FTRJ) nos últimos dois anos mudaram radicalmente a vida do advogado Antônio Figueiredo Basto. De festejado precursor e patrono de pelo menos duas dezenas dos acordos de colaboração premiada, o “rei das delações” viu sua biografia virar de ponta- cabeça: hoje é réu, acusado pelo Ministério Público de arrecadar propina de doleiros, entre 2006 e 2013, para subornar procuradores e policiais federais e de integrar a organização criminosa que teria garantido as atividades da “lavanderia” do doleiro Dario Messer por oito anos ininterruptos, de 2008 a 2016. 

A denúncia de 121 páginas do Ministério Público Federal (MPF), assinada por 12 procuradores, à qual a Agência Pública teve acesso, foi liberada às vésperas do Natal do ano passado e sugere um perfil até então desconhecido do advogado, cujo papel iria bem além da defesa. 

Segundo narram os procuradores com base em depoimento dos delatores, ele prometia “blindagem a investigações e acesso a informações no Ministério Público Federal e na Polícia Federal” para funcionamento do esquema que movimentou mais de US$ 1,6 bilhão, parte relacionada a propinas que escorreram de empreiteiras para o ex-governador do Rio Sérgio Cabral. 

De acordo com a denúncia, a lista de crimes que o advogado teria praticado é longa: evasão de divisas, exploração de prestígio, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e integrar organização criminosa. Multiplicado pelo número de operações que os procuradores atribuem a ele, num total de oito, sua eventual condenação alcançaria dezenas de anos de prisão em regime fechado. A investigação localizou cerca de US$ 3,9 milhões na conta de Figueiredo Basto e de seu sócio, Luís Gustavo Flores, que teriam usado como fachada a offshore Big Pluto Universal S/A, no banco Vontobel, na Suíça. O MPF pede agora que eles sejam multados num montante equivalente ao dobro, a menos que o advogado siga a linha de defesa que o notabilizou e feche um acordo de delação – o que, segundo fontes ouvidas pela Pública, é considerado provável.

Colegas que com ele convivem na advocacia disseram que Figueiredo Basto conhece como ninguém os segredos do sistema financeiro clandestino e, pelo estilo de vida “bon vivant”, dificilmente deixará de fazer acordo.

A reputação de Figueiredo Basto despencou pouco antes de a Lava Jato ser encerrada por decisão do procurador-geral da República, Augusto Aras, e de as mensagens vazadas ao site The Intercept Brasil – e analisadas em parceria com a Pública – serem entregues à defesa de Luiz Inácio Lula da Silva pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As mensagens reforçam as suspeitas sobre uma ação coordenada entre ex-juiz Sergio Moro, o então coordenador da força-tarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol, e a Polícia Federal (PF) sobre os alvos. O STF deve julgar nos próximos meses uma ação em que Moro é acusado de parcialidade na condução de toda a investigação que resultou na condenação e prisão de Lula. Caso a parcialidade seja reconhecida, além da anulação de várias ações penais, os investigadores podem ser processados.

As acusações articuladas pelo MPF na denúncia contra Figueiredo Basto ameaçam jogar ainda mais sombras sobre a reputação da força-tarefa que já foi considerada a maior investigação de esquemas de corrupção do Brasil e caminha para se transformar num grande escândalo judicial.

 

O ocaso de um reputado advogado


Num papel que ia muito além da defesa, Figueiredo Basto, segundo o MPF, atuou para proteger a lavanderia chefiada pelo doleiro Dario Messer, um sistema bancário paralelo conhecido entre os doleiros como Bank Drop, que operou através de 3 mil empresas offshore sediadas em 52 países, todas elas geridas a partir de diversos pontos do país e, especialmente, de uma banca de câmbio instalada no Uruguai.

Segundo a denúncia, o esquema Bank Drop contou com um sistema de informática próprio, chamado internamente de “Sistema ST”, um banco de dados sobre clientes e movimentações criptografado e protegido contra invasões, através do qual Figueiredo Basto, seu sócio, Flores, e o doleiro Enrico Vieira Machado, teriam formado o elo encarregado supostamente de receber vultosas somas em dólar destinadas ao suborno de investigadores. 

A razão de Dario Messer, o "doleiro dos doleiros" parecer tranquilo no  momento da prisão | Lu Lacerda | iGDario Messer é réu em processos da Lava Jato por esquema de lavagem de dinheiro

 

Essa história só veio à tona com a prisão, seguida de acordos de delação, de quatro doleiros de peso: o próprio Messer, conhecido como “doleiro dos doleiros”, Claudio Barboza, o Tony, e Vinicius Claret, o Juca Bala, e Marco Antônio Cursini que, de acordo com o MPF, era cliente e operador de Figueiredo Basto na remessa ilegal de dinheiro para o exterior. 

O MPF recuperou extratos de duas contas criadas no Sistema ST e apontou que foram utilizadas para uma série de operações de dólar-cabo de 13 de setembro de 2006 a 19 de março de 2013, todas elas justificadas na contabilidade da lavanderia de Messer como “mes”, “mesada”, mes.n” e “mes2”. 

A cronologia feita pelo MPF traz coincidências relevantes para o contexto da Lava Jato: no período, tanto Messer quanto o principal cliente de Figueiredo Basto, o doleiro Alberto Youssef, teriam agido livremente no Brasil. Em um dos depoimentos aos procuradores, Messer afirma que “o fato de não ter sido incomodado” pelo MPF ou pela PF indicou que a blindagem contratada efetivamente funcionou. Depois, o doleiro admitiu também que pode ter sido enganado pelos advogados. 

Embora os crimes de Youssef tenham sido investigados em Curitiba, chama atenção a tranquilidade com que ele agiu nos oito anos em que a taxa de proteção teria sido arrecadada por Figueiredo Basto. Preso em 2003 no caso Banestado, Youssef ganhou a liberdade ao fechar delação homologada por Moro. Jurou que não mais operaria na ilegalidade, mas dois anos depois, conforme investigação do delegado federal aposentado Gerson Machado, de Londrina, repassadas aos procuradores que integrariam a força-tarefa de Curitiba, passou a atuar com o ex-deputado José Janene (falecido), do PP, o arquiteto do esquema de propinas na Petrobras. Agia desde 2006, mas operou intensamente entre 2009 e 2013 na lavagem e distribuição das propinas pagas por empreiteiros a políticos. 

Preso em março de 2014, quando a Lava Jato ganhou as ruas, Youssef era um velho conhecido de Moro e dos procuradores que estiveram na linha de frente do caso Banestado em 2003. Messer, que teve Figueiredo Basto como defensor à época, também operou nesse período, mas suas atividades só seriam reveladas 15 anos depois, na Operação Câmbio, Desligo, desdobramento das investigações que apanharam Sérgio Cabral.

A FTRJ, do MPF, não aponta nomes de autoridades subornadas, mas sustenta que a arrecadação da taxa de proteção paga pelos doleiros funcionou “durante oito anos quase completos”. Os procuradores dizem que Figueiredo Basto, Machado e Flores enganavam os doleiros, cobrando por serviços que não entregavam. Até 2013, os doleiros acreditavam tanto na efetividade da proteção que a taxa de US$ 50 mil paga mensalmente por cada um deles entrava no custo operacional das mesas de câmbio do grupo de Messer. Ou seja, como os procuradores dizem não ter encontrado elo entre corruptos e corruptores, foi como se os doleiros tivessem recebido uma milagrosa proteção sem saber de que santo ela vinha.

Mas, afinal, alguém recebia propina? 


A única informação que apareceu durante as investigações foi o caso em que Messer, numa conversa por WhatsApp com o doleiro Najun Turner, cujo print foi encontrado no e-mail de sua namorada, Myra de Oliveira Atahyde, em 2018, fala de suposta propina ao procurador regional Januário Paludo, o mais experiente da Lava Jato. O doleiro diz que Paludo seria “o destinatário de pelo menos parte da propina paga pelos meninos todo mês” (uma referência a Tony e Juca Bala, que operavam para ele no Uruguai). 

Como atua no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Paludo goza de foro privilegiado e não pode ser investigado pela primeira instância. 

Em 2020, o caso foi repassado à Procuradoria-Geral da República (PGR) em Brasília, que abriu uma investigação preliminar por meio do órgão que atua no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e da Corregedoria do MPF, que, sem encontrar indícios que levassem à abertura de um inquérito, arquivaram o caso. Segundo o órgão, os próprios doleiros levantaram dúvidas sobre a efetividade dos serviços de Figueiredo Basto.

Januário Paludo é procurador da República do Ministério Público Federal

 

Paludo negou envolvimento e apresentou documentos demonstrando que desde 2005 atuava no TRF-4 em matéria cível e que, portanto, estava longe de casos criminais. 

Figueiredo Basto, que desde 2018 negava possuir conta bancária fora do Brasil, afirmou que não houve pagamento a autoridades, “muito menos ao Procurador Regional da República Januário Paludo”. Messer, embora tenha feito delação, por duas vezes optou pelo silêncio quando indagado sobre Paludo. Num depoimento anterior, cujos trechos foram reproduzidos na denúncia,  diz que Machado insistia na necessidade de pagamento da taxa de proteção a autoridades do MPF e “falava em nome do Dr. Januário Paludo e pessoas na Polícia Federal”.

Não há nas investigações indícios que comprometam Paludo. Mas tampouco há consenso sobre ter havido investigação aprofundada a respeito se outras autoridades que poderiam ter sido subornadas.      

O delegado aposentado Gerson Machado foi o primeiro policial a investigar Youssef e o esquema que deu na Lava Jato. “Eu vinha denunciando que ele [o doleiro] estava mentindo e voltado a operar desde 2006. Embora eu não tivesse conseguido apresentar as provas que eles achariam necessárias, poderiam ter aberto outras investigações lá em Curitiba”, diz. Machado não se surpreende com a denúncia contra Figueiredo Basto e sugere caminhos que não foram adotados pelos procuradores do Rio: “Falta seguir o dinheiro, uma varredura de ERB [estação rádio base, o que permitiria verificar a localização dos aparelhos] nos celulares nos últimos dez anos, cruzamento de ligações”, diz ele, que não esconde o ceticismo: “Mas será que as autoridades querem dar uma resposta cabal à sociedade?”.

Em nota enviada à Pública, a FTRJ considerou “ilação” as dúvidas sobre os receptores da propina, não esclarecidas na denúncia, e afirmou que “é da essência dos crimes de tráfico de influência e exploração de prestígio, em sua forma qualificada, que quem paga os valores acredite que eles são repassados a autoridades”. 

“Provou-se, assim, não só que houve a cobrança ilícita, como ainda que os advogados permaneceram com os valores consigo”, dizem os procuradores. Segundo eles, a cobrança e a “venda” de autoridades eram o modus operandi dos advogados – a desconfiança gerou um racha interno no grupo. 

Os valores, em cotas individuais mensais de US$ 50 mil, foram pagos, diz a nota, “pelo senso prático dos doleiros e por ser um custo relativamente baixo para uma organização que movimentou bilhões de dólares”. 

Já o procurador Januário Paludo, enviou à Pública nota em que afirma: “A Procuradoria Geral da República arquivou notícia de fato (investigação preliminar) em relação ao procurador Januário Paludo porque ausentes quaisquer indícios mínimos a amparar uma investigação criminal. Por sua vez, o Ministério Público Federal no Estado do Rio de Janeiro ofereceu denúncia em relação a terceiros, que é suficientemente esclarecedora e autoexplicativa”, diz ele. Paludo cita a denúncia para lembrar que o dinheiro nunca saiu das mãos dos advogados e que o modus operandi do grupo foi confundir quem paga, passando a crença de estar subornando um funcionário público, ao mesmo tempo que prima pela discrição. 

 

Quem é Figueiredo Basto


Figueiredo Basto foi o advogado mais importante para a Lava Jato, festejado por abrir caminhos que quebraram o código de silêncio entre doleiros, empreiteiros e políticos. Ficou conhecido essencialmente como um defensor de doleiros, que passaram a fazer parte de sua carteira de clientes no início dos anos 2000, quando as investigações que dariam no caso Banestado eram conhecidas apenas como CC-5 (Carta Circular número 5, do Banco Central), uma referência ao uso, em larga escala, das contas destinadas a estrangeiros em trânsito para operações ilegais de câmbio. Foi nesse período que o advogado conheceu Messer, para quem chegou a advogar, e Youssef, de quem foi o negociador da primeira delação, em 2003. Nesse mesmo período, levou ao MPF o acordo de outro doleiro, Clark Setton, o Kiko, sócio de Messer, que nem foi citado em suas declarações à época. A omissão resultou numa ação que corre na Justiça Federal do Paraná e pede a anulação do acordo, já que Kiko, de acordo com  a ação do MPF pedido a anulação do acordo, sabia de todas as atividades ilegais de Messer. 

As atividades ilegais do “doleiro dos doleiros” só viriam a ser descobertas em 2018, anos depois, quando o MPF no Rio puxou o fio da meada que levou para a cadeia o ex-governador Sérgio Cabral. Figueiredo Basto disse à época que a responsabilidade pelo que diz ou deixa de dizer é exclusiva de seus clientes. Mas viriam desse grupo os clientes que fariam uma das mais atraentes delações para ele e a FTRJ, a dos irmãos Renato e Marcelo Chebar. Foi através deles que a força-tarefa descobriu que Cabral, segundo mencionado na denúncia, escondera mais de US$ 101 milhões em paraísos fiscais desde 2007.

Em Curitiba, desde que emplacou a segunda delação de Youssef, que comprovou as declarações do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, Figueiredo Basto viu choverem réus da Lava Jato em seu escritório. Entre eles estavam o empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC Engenharia, José Antunes Filho, da Engevix, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque e o doleiro Lúcio Funaro, que depois o trocaria por outro defensor. As vantagens dos acordos para os delatores, que podiam render até o abatimento das multas a cada cifra recuperada pelas investigações, se impuseram como uma nova modalidade de defesa e na principal alavanca da Lava Jato. Advogados ouvidos pela Pública contam que Figueiredo Basto sempre foi visto com reserva por usar métodos controversos, entre eles a estreita relação com Moro e os investigadores ante a fragilidade a que expunha seus clientes. Nas entrevistas que deu sobre o tema, dá de ombros, chamando seus críticos de “garantistas de ocasião”.Figueiredo Basto foi denunciado pela força-tarefa da Lava Jato por ‘taxa de proteção’ a doleiros


O doleiro-chave

 


Conforme a denúncia, a delação mais importante contra Figueiredo Basto partiu do doleiro Marco Antônio Cursini, que era, ao mesmo tempo, cliente e responsável pelas operações de dólar-cabo, através das quais o dinheiro dos advogados saía do Brasil, passava pelo Uruguai e, de lá, seguia para conta da offshore de Figueiredo Basto, a Big Pluto Universal S/A, no banco suíço. Segundo ele, Figueiredo Basto se sentiu tão impune que se recusou a entrar no programa de repatriação implantado no governo Dilma Rousseff para trazer de volta ao país a dinheirama ilegalmente mantida por brasileiros no exterior. Cursini contou aos procuradores que entre 2015 e 2016, com o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) já em vigor, recomendou que Figueiredo Basto e Flores aderissem ao programa, que era a melhor forma de legalizar o dinheiro pagando pouco imposto – naquele período o governo conseguiu repatriar R$ 175 bilhões. “Eles, porém, se recusaram, afirmando que iriam se expor, tendo medo de serem questionados sobre a origem de tais valores e serem expostos na mídia”, escrevem os procuradores. Questionado em 2019 sobre as declarações de Juca Bala e Tony, Figueiredo Basto negou ter conta bancária no exterior. Depois admitiu, mas alegou que o dinheiro era referente a honorários. Ele fez uma declaração à Receita Federal, pagando as multas, e achou que o assunto estava resolvido. Com o depoimento de Cursini, sua história evaporou. O MPF concluiu que o dinheiro tinha mesmo origem na taxa de proteção. “Fossem realmente honorários recebidos em espécie esse medo [da repatriação] não se justificaria. […] sendo, na verdade, frutos de remuneração mensal para realizar uma atividade típica de organização criminosa”, escrevem os procuradores na denúncia encaminhada à Justiça Federal do Rio.

Foi o próprio Cursini que, numa operação de dólar-cabo invertida, trouxe de volta o dinheiro, concluindo a transação em São Paulo, no dia 17 de janeiro de 2017, com a entrega física dos valores, num total de R$ 8 milhões. Ele conta que Flores foi buscar o dinheiro em sua casa, em São Paulo, e depois pediu uma carona até o Aeroporto Campo de Marte, onde havia alugado um avião particular para o transporte até Curitiba. O doleiro lembra que foram necessárias oito caixas, que “encheram o porta-malas de sua Land Rover”.

O doleiro conta que ao chegar preso em 2007, depois de 45 dias, os advogados foram vê-lo no Rio, mas, em vez de estratégias para sua defesa, os dois já estavam preocupados, na verdade, em saber como deveriam fazer com o dinheiro que estavam mandando para o exterior. Cursini diz também que passou a atuar com Messer numa ação intermediada por Figueiredo Basto, que usou um jantar agendado no hotel Hilton, em São Paulo, onde trataria de sua defesa, para apresentá-lo a Machado. Cursini, que já amargara prisão, disse que não queria mais participar de operações ilegais, mas Machado o convenceu, mostrando que todo o sistema operacional do Bank Drop era seguro e à prova de monitoramento. Segundo ele, Figueiredo Basto e Flores não só estiveram presentes em todas as tratativas como também, acompanhados de Machado, levaram a ele um dos computadores à prova de invasão enviado pelo esquema de Messer, procedimento anormal para um advogado de defesa. A FTRJ anota na denúncia: “A atuação de Figueiredo Basto e Luís Gustavo não se restringiu à sujeição de um cliente seu ao escrutínio e monitoramento de outro, com quem tinha atividades ilícitas vinculadas. Foi mais além. Ainda agenciaram e intermediaram a organização criminosa a persuadir um cliente que já havia se afastado da prática criminosa a se integrar à organização e voltar a praticar crimes”. Em sua delação, Cursini afirma ter “certeza absoluta” de que os dois o convidaram para o jantar já tendo o propósito específico de que fosse chamado para atuar em operações ilegais.

As declarações de Messer e Cursini são as mais fortes contra Figueiredo Basto entre os doleiros. Messer diz que já em 2003 soube que o advogado havia exigido de um doleiro do Paraguai uma propina de US$ 200 mil para que não tivesse o nome citado na delação de um cliente. Cursini relata que em 2010 ele mesmo pagou US$ 400 mil a Figueiredo Basto e Flores para que seu nome não fosse mencionado numa CPI do Congresso. O doleiro apresentou os extratos do pagamento. 

Segundo o MPF, Figueiredo Basto, Flores e Machado tinham “vínculo estável com a organização criminosa”, recebiam remuneração mensal para a “tarefa específica” de blindar a organização criminosa e assim conseguir informações sigilosas. 

A descrição da FTRJ sobre as atividades de Figueiredo Basto não deixa dúvidas de que a taxa de proteção existiu: “[…] os valores pagos periodicamente foram considerados durante muito tempo pela cúpula da organização criminosa como valores necessários para se manter em funcionamento a mesa de câmbio ilegal e, consequentemente, a própria organização criminosa. A tarefa que cabia era obter o máximo de informações a respeito de investigações em curso e operações na iminência de serem deflagradas”, escrevem os procuradores. Segundo a denúncia, os advogados não apenas eram parte da organização, “mas parte essencial dela, por tratar exatamente da esfera de maior risco de sua atividade, sem a qual a mesma é interrompida”.

O MPF no Rio não quis fazer nenhum comentário sobre a possibilidade de um acordo com os advogados. O conteúdo da denúncia demonstra, no entanto, que, para atenuar sua situação, a alternativa mais viável ao “rei das delações” é seguir o conselho fartamente dado a seus clientes nas últimas duas décadas.

Procurado, Figueiredo Basto disse que não fará comentários sobre esse assunto pela imprensa. “Farei a defesa no processo”, afirmou.

 

18
Fev20

Peça 5 – o que disse o procurador que testemunhou em defesa de Messer

Talis Andrade

 

Xadrez das suspeitas do doleiro que encantava procuradores

 

por Luis Nassif 

No dia  3 de fevereiro de 2020, reportagem da UOL coloca a peça que faltava no jogo: a informação de que Paludo atuou como testemunha de defesa de Dario Messer, em Ação Penal do Ministério Público Federal, no dia 3 de fevereiro de 2011 – período supostamente abrangido pela mensalidade paga pelos doleiros.

O advogado de Messer era Figueiredo Bastos.

No seu depoimento, Paludo alegou que não foi identificado nenhum envolvimento do doleiro Messer com as contas da Banestado. Paludo informa que não encontrou nenhum indício de ligação entre Messer e o doleiro Clark Setton, “a não ser pelo depoimento de um dos doleiros, que de forma rápida citou até a família Messer”.

No depoimento, desqualifica o relatório da CPMI, pelo fato de não ter sido aprovado de maneira unânime pela comissão.

Confrontado com a reportagem, a assessoria de imprensa do MPF do Paraná respondeu assim:

Testemunhas não estão vinculadas às partes. Quando são apontadas por elas, têm obrigação de depor em juízo e esclarecer a verdade, o que o procurador fez junto com outro procurador e delegado que também foram arrolados e testemunharam. Na ocasião do depoimento prestado, em 2011, o procurador regional da República Januário Paludo limitou-se a relatar os fatos que haviam ocorrido em 2005, da exata forma em que ocorreram. Assim, os fatos referidos no depoimento, ocorridos há 15 anos, já foram devidamente esclarecidos há mais de 9 anos pelo Procurador Regional da República Januário Paludo.

No final do capítulo destinado a Messer, o relatório 2 da CPMI listava 9 indícios de envolvimento dele com o esquema Bacon Hill, nenhum considerado na denúncia final da Força Tarefa:

1) Nome de Dario Messer em agendas de funcionários de Alexandre Martins e Reinaldo Pitta;

2) Nome de Dario Messer na agenda da Beacon Hill, com seu celular e telefone fixo confirmados pela quebra de sigilo telefônico;

3) O relacionamento estreito da Stream Tour – ou subconta MIDLER – com Dario Messer, via contatos telefônicos diários;

4) A relação entre o ex-Banco Dimensão e o MTB Bank, banco no qual se achavam as contas DEPOLO, KUNDO e SOLID;

5) O volume de transações entre o Dimensão e o MTB, e ao mesmo tempo, a movimentação elevadíssima da offshore Worldtrust com o Banco Dimensão, e da Worldtrust com a DEPOLO, no MTB Bank;

6) O depoimento de ex-funcionário dos empresários Pitta e Martins confirmando que Dario Messer mantinha muitos contatos com os empresários e que fazia a compra e venda de dólares via DEPOLO;

7) O cheque nominal a Dario Messer endossado e creditado na DEPOLO;

8) Relatórios da conta DEPOLO informam que Clark Setton e Mordko Messer participavam de reuniões com gerentes do MTB Bank, sendo que Mordko encontrava-se já com saúde debilitada.

9) Pelo exame dos sigilos bancário e telefônico de Dario Messer e dos empresários Alexandre Martins e Reinaldo Pitta, verifica-se que Dario, Martins e Pitta operam em conjunto. pois ‘Pitta e Martins realizavam pagamentos em reais por meio de seus funcionários (laranjas) a clientes de Dário Messer. [Continua]

 

17
Fev20

Peça 4 – aparece o nome de Januário Paludo

Talis Andrade

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Xadrez das suspeitas do doleiro que encantava procuradores

 

por Luis Nassif

Novembro de 2019 – Durante a Operação Patron, última fase da Lava Jato do Rio, a Polícia Federal do Rio de Janeiro apreendeu o celular de Messer. E localizou mensagens para a namorada, na qual ele afirmava pagar propinas mensais a Januário Paludo, a título de proteção nas investigações a seu respeito. Os diálogos aconteceram em agosto de 2018.

Segundo a reportagem, a mensagem de Messer dizia que “sendo que esse Paludo é destinatário de pelo menos parte da propina paga pelos meninos todo mês.”:

“Segundo a PF, os “meninos” citados por Messer são Claudio Fernando Barbosa de Souza, o Tony, e Vinicius Claret Vieira Barreto, o Juca. Ambos trabalharam com Messer em operações de lavagem de dinheiro investigadas pela Lava Jato do Rio. Depois que foram presos, viraram delatores. Em depoimentos prestados em 2018 à Lava Jato no MPF-RJ (Ministério Público Federal do Rio de Janeiro), Juca e Tony afirmaram ter pago US$ 50 mil (cerca de R$ 200 mil) por mês ao advogado Antonio Figueiredo Basto em troca de proteção a Messer na PF e no Ministério Público”.

Fevereiro de 2020: reportagem da UOL mostrava que procuradores da Lava Jato viram proteção ao doleiro Clark Setton em 2005, e propunham anulação do acordo de delação. [Continua]

 

 

17
Fev20

Peça 3 – as suspeitas sobre Figueiredo Bastos

Talis Andrade

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Xadrez das suspeitas do doleiro que encantava procuradores

por Luis Nassif

Em 2018 apareceram as primeiras suspeitas sobre Figueiredo Bastos – o mais influente advogado de delações premiadas junto à Lava Jato do Paraná – e procuradores da Lava Jato.

Segundo o doleiro Juca Bala,

Juca Bala contou que em meados de 2005 ou 2006, Enrico, um operador financeiro do esquema comandado por Dario Messer, considerado o doleiro dos doleiros, começou a exigir de Juca e de um sócio uma taxa mensal de US$ 50 mil, a fim de possuir proteção da Polícia Federal e do Ministério Público; que Juca pagava US$ 50 mil por mês, convertidos em reais, hoje cerca de R$ 187 mil, que mandavam entregar em endereços indicados por Enrico; que, além de Juca Bala e do sócio, os doleiros Matalon, Richard Waterloo e outros também pagavam a taxa; que os pagamentos eram destinados a dois advogados de outro doleiro, Clark Setton, o Kiko: Juca disse que os advogados seriam Figueiredo Basto e um outro que não se recordou do nome; que os pagamentos foram feitos de 2005 ou 2006 até 2013.

No início, supôs-se que Figueiredo Bastos tivesse recorrido ao golpe da venda de prestígio. Ou seja, alegaria um relacionamento não profissional inexistente com um procurador, e levantaria mensalmente recursos a título de remunerá-lo. [Continua]

 
02
Fev20

MPF vê proteção a doleiro em delação feita com membros da Lava Jato em 2005

Talis Andrade

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por Vinicius Konchinski

UOL, Curitiba

O MPF-PR (Ministério Público Federal do Paraná) encontrou indícios de proteção ao doleiro Dario Messer numa delação premiada fechada por atuais membros da Lava Jato. Clark Setton, apontado como sócio de Messer, teria omitido crimes atribuídos ao seu parceiro em suas confissões.

Por conta disso, o MPF-PR pediu à Justiça a anulação dos benefícios jurídicos concedidos a Setton.

A delação dele é de 2005 e foi feita durante as investigações do caso Banestado. Três ex-investigadores do caso trabalham hoje na operação Lava Jato do Paraná: Deltan Dallagnol (coordenador da força-tarefa), Orlando Martello Junior e Januário Paludo.

Messer já disse em mensagem interceptada pela PF (Polícia Federal) ter pago propinas mensais a Paludo. O procurador é alvo de uma investigação da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Também está sendo investigado o advogado Antonio Figueiredo Basto. Especialista em acordos de colaboração premiada, era Basto quem defendia Setton quando ele resolveu delatar.

Os procuradores que negociaram a delação de Setton e hoje integram a Lava Jato foram questionados sobre as omissões na delação de Setton. Não se manifestaram.

 

CPMI indicou Messer como operador de mercado paralelo

Na época em que a delação de Setton foi negociada, ele e Messer já eram investigados no caso Banestado.

Em 2004, um relatório da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) instaurada no Congresso e encaminhada ao MPF identificara uma parceria dos dois no mercado ilegal de câmbio. "A soma de indícios é tão numerosa que não deixa qualquer dúvida. Dario Messer comanda uma rede de operadores de mercado paralelo (doleiros). Dentre eles, está o Kiko, Clark Setton", dizia o documento.

Apesar disso, quando Setton relatou os crimes que cometeu, não citou a participação de Messer, que nunca foi preso ou mesmo denunciado por crimes investigados no caso Banestado.

 

Investigação identifica pagamentos suspeitos

Messer só foi preso depois de ser investigado pela Lava Jato do Rio de Janeiro, quase de 15 anos depois.

Em 2018, ex-parceiros denunciaram Messer ao MPF-RJ (Ministério Público Federal do Rio de Janeiro). Além disso, afirmaram que, durante o período em que Setton confessava crimes do caso Banestado, Messer pagava o advogado Figueiredo Basto para que estivesse protegido em investigações.

Claudio Fernando Barbosa de Souza, o Tony, e Vinicius Claret Vieira Barreto, o Juca, afirmaram ter pago US$ 50 mil (cerca de R$ 200 mil) por mês ao advogado entre 2005 e 2013. Uma investigação do MPF-RJ confirmou pagamentos feitos a Basto por um sistema bancário paralelo operado por Messer e uma rede de doleiros.

"O montante dos valores e o período de recebimento se aproximam muito do que narrado pelos colaboradores Juca e Tony", concluiu o MPF-RJ.

 

Advogado nega proteção a Dario Messer

UOL procurou o advogado Atila Machado, que representa Dario Messer, para comentar o suposto pagamento da taxa de proteção. A defesa informou que não irá se manifestar pois o caso é sigiloso.

Antonio Figueiredo Basto, advogado de Clark Setton, afirmou que o acordo de delação de seu cliente segue válido. Ressaltou ainda que Setton é responsável exclusivo pelos seus depoimentos.

Basto, pessoalmente, negou ter recebido dinheiro para proteger Messer de investigações. Ele, aliás, também disse isso a autoridades quando questionado sobre a cobrança de uma "taxa de proteção". Primeiramente, aliás, Basto negou ter recebido qualquer recurso fora do país por meio de doleiros. Depois, mudou sua versão. Confirmou ter uma conta no exterior, na qual recebeu honorários advocatícios por meio de uma operação feita no mercado paralelo de câmbio.

O UOL procurou o procurador Alexandre Nardes, do MPF-PR, que busca a anulação da delação de Setton por conta da omissão de crimes atribuídos a Messer. Ele informou que o pedido foi feito em 2018 com base em provas colhidas pelo MPF-RJ.

O processo sobre pedido de anulação tramita em segredo de Justiça. Por isso, não foram fornecidas mais informações.

Tacla Duran renova denúncias de propina para panela da Lava Jato

 
Rodrigo Tacla Duran
@TaclaDuran
 
Panela de Curitiba fervendo... tudo estava combinado com o Russo... - MPF vê proteção a doleiro em delação feita com membros da Lava Jato em 2005 noticias.uol.com.br/politica/ultim via
 
Rodrigo Tacla Duran
@TaclaDuran
 
Ainda faltam alguns da “panela” de Curitiba nessa denúncia... ConJur - Bretas aceita denúncia e advogados de delatores viram réus conjur.com.br/2020-jan-31/br via
Bretas aceita denúncia e advogados de delatores da "lava jato" viram réus
O juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, acatou denúncia do Ministério Público Federal e determinou a abertura de processo contra os advogados Antônio Figueiredo Basto e Luís...
conjur.com.br
 
02
Fev20

Investigação descobre novas provas de que Lava Jato blindou Dario Messer, doleiro dos doleiros

Talis Andrade

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247 - O Ministério Público Federal do Paraná (MPF-PR) encontrou indícios de que Dario Messer, conhecido como o "doleiro dos doleiros", foi protegido em delações premiadas em 2005, fechada por integrantes da Lava Jato.

De acordo com o MPF, Clark Setton, possível sócio de Messer, teria omitido crimes do parceiro. O Ministério Público pediu, portanto, anulação dos benefícios jurídicos concedidos a Setton.

Três ex-investigadores envolvidos na delação de 2005 de Setton no caso Banestado trabalham hoje na Operação Lava Jato. Deltan Dallagnol (coordenador da força-tarefa), Orlando Martello Junior e Januário Paludo.

O advogado Antonio Figueiredo Basto está sendo investigado. Era ele quem defendia Clark Setton. Em 2018, ex-parceiros de Dario Messer disseram ao MPF que o advogado recebia dinheiro do doleiro para que seu nome não fosse revelado nas delações de Setton. E que esse dinheiro era repassado para procuradores. Existem outras denúncias de doleiros - jamais investigadas - de pagamento de propinas para os procuradores da Lava Jato. Vide acusação de Tacla Durán. 

 

 
06
Dez19

Xadrez das suspeitas sobre os filhos de Januário, por Luis Nassif

Talis Andrade

É nesse clima de absoluta promiscuidade, de falta ampla de transparência, que começaram a vicejar as suspeitas de uso abusivo do poder

O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente.

Lord Acton

Capítulo 1: a denúncia

A denúncia de pagamento de propinas a um procurador da Lava Jato de Curitiba surgiu da Operação Patron, última etapa da Lava Jato no Rio de Janeiro. Portanto, não foi levantada por adversários da operação. As informações são de reportagem da UOL.

Duas evidências consolidaram as suspeitas:

Desde janeiro de 2018, a Lava Jato Rio investigava as suspeitas de corrupção levantadas nos depoimentos dos doleiros. A mensagem de Messer foi capturada apenas após sua detenção, em 30 de julho de 2019.

No seu depoimento, Juca Bala informou que os pagamentos foram feitos de 2005/2006 até 2013 a dois advogados do doleiro Clark Setton, um dos quais era Figueiredo Bastos, até então um advogado obscuro que se tornou estrela das delações premiadas em Curitiba, ao lado do colega Adriano Bretas.

Na coletiva sobre a operação, em 2018, a Polícia Federal se recusou a participar, alegando ordens de Brasília.

No período em que as supostas propinas eram pagas, ainda não existia a Lava Jato, mas o grupo de Curitiba, procuradores e delegados, já estavam fortemente consolidados em torno da primeira das operações, o caso Banestado.

 

As delações de Tony e Juca resultaram em dezenas de anexos analisados pelos procuradores Eduardo Ribeiro El Hage e Rodrigo Timóteo Costa e Silva, do MPF do Rio de Janeiro.  As informações sobre Paludo foram consolidadas em um relatório e remetidas à Procuradoria Geral da República dias atrás.

Na coletiva de 2018, em que anunciaram a Operação, os procuradores sabiam que estavam diante de uma operação explosiva. Trataram-na como “a maior operação de lavagem de dinheiro desde a Operação Banestado”.

Segundo o procurador Eduardo El Hage, coordenador da força tarefa da Lava Jato no Rio: “Se pensarmos que a Operação Lava-Jato em 2014 começou com a colaboração de um doleiro, podemos prever o que será dessas prisões dos doleiros que estão sendo feitas hoje. O potencial realmente é explosivo. Temos provas substanciais contra todos eles. A peça está bem robusta. Esperamos que, no futuro, tenhamos outros desdobramentos da operação de hoje”.

Segundo os delatores, a contrapartida das propinas seria as autoridades fecharem os olhos para as atividades das famílias de Marcos Matalon e Dario Messer, em torno das quais operavam outros 15 doleiros.

Os fatos corroboravam as suspeitas. Apesar de ser conhecido como o “doleiro dos doleiros”, Messer passou praticamente incólume por todas as operações, incluindo a do Banestado, a mais abrangente sobre o mercado de doleiros. E, até alguns meses atrás, era figura carimbada nas praias do Leblon, no Rio de Janeiro.

Capítulo 2: a prisão de Messer

No dia 3 de maio de 2018 foi deflagrada a Operação Câmbio, Desligo, desdobramento da Operação Calicute, da Lava Jato Rio. Foram cumpridos 44 mandados de prisão preventiva e 4 de prisão temporária.

Messer e seus doleiros operavam a partir do Uruguai, com enormes dificuldades para extradição. Os ventos começaram a mudar no início de 2018. O Uruguai conseguira sair do enquadramento de paraíso fiscal. Para evitar que fosse reenquadrado, aceitou cooperar com as autoridades brasileiras. Através dessa cooperação, foram presos dois doleiros ligados a Messer, Barbosa e Claret.

Messer foi incluído na Difusão Vermelha da Interpol. Mas não foi encontrado nem na mansão paraguaia nem na cobertura do Leblon. Nem sua ex-esposa Rosane foi encontrada. A Polícia Federal encontrou apenas quilos de papel triturado, indicando que ele fora alertado pouco antes da deflagração da Operação Câmbio, Desligo.

Presos, Barbosa e Claret aceitaram a delação premiada. Contaram que Messer era o cabeça dos negócios, tendo direito a 60% dos lucros com a lavagem. Até 2013, tinha um banco em Antiqua e Barbado, o EVG, para atender a clientela.

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Dario Messer

 

No inquérito da operação, o nome Messer foi mencionado 677 vezes, incluindo o de Rosane Messer. Diego Candolo era o doleiro responsável por pagamentos a Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró. E Diego trabalhava diretamente com Dario Messer. Era incompreensível não ter sido incomodado pela Lava Jato de Curitiba.

Foi pedida sua prisão pela Lava Jato Rio, mas ela só ocorreu no dia 31 de julho de 2019, em São Paulo. Messer foi detido no bairro Jardins, na zona oeste de São Paulo, de acordo com a Polícia Federal.

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Dan Wolf Messer

 

Com a operação, a família de Messer fechou acordo de delação premiada. Foi aplicada multa de R$ 270 milhões de reais a Dan Wolf Messer, filho de Dario. As multas totais chegaram a R$ 370 milhões.

Na entrevista que deu sobre a prisão de Messer, o procurador regional da República José Augusto Vagos foi indagado porque outras operações não tinham conseguido capturar Messer. A resposta foi objetiva: “Devido ao seu poder econômico e sua influência no submundo do crime”.

As operações anteriores foram a Banestado e a Lava Jato de Curitiba. Como o poder econômico e a influência de Messer garantiram que passasse incólume por elas?

E, aí, se entra em um campo nebuloso, o do poder absoluto conferido à Lava Jato de Curitiba, pelo qual todos os pecados podiam ser perdoados.

Capítulo 3: a poderosa República de Curitiba

A Lava Jato começou em 2014, mas sua equipe – incluindo o procurador Januário Paludo, atuou no caso Banestado. Naquela Operação, os alvos principais foram os doleiros do período.

O maior deles, Dario Messer, saiu incólume. O doleiro detido foi Alberto Yousseff, peixe pequeno perto de Messer. Sua delação mirou um concorrente de Messer, Antônio de Oliveira Claramunt, o Toninho Barcelona.

Yousseff saiu do acordo com um patrimônio entre US$ 20 milhões e US$ 25 milhões. Logo voltou ao mercado. Intrigado com o renascimento rápido do doleiro, o delegado federal Gerson Machado decidiu investigar e indagou dele a razão de ter preservado o patrimônio. Sua resposta foi a de que nenhuma autoridade havia lhe perguntado. Gerson Machado alertou pessoalmente o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol. Nada fizeram. Yousseff continuou na ativa até 2014. Messer permaneceu intocado.

Os anos de cooperação na Banestado, mais a blindagem da mídia, forjaram um grupo de delegados e procuradores com poderes absolutos, que não mais respondiam aos comandos de Brasília. Sem nenhuma espécie de controle externo, sem nenhuma prática de compliance, ser honesto ou não passou a depender da convicção pessoal de cada um, não de modelos de controle e regulação.

Dentro da PF, quem ousasse questionar os métodos do grupo era imediatamente esmagado pela reação da própria PF, dos procuradores e do juiz Sérgio Moro. Foi o que aconteceu com o delegado Gerson Machado, pressionado de tal maneira que soçobrou vítima de uma depressão profunda e de uma tentativa de suicídio.

O mesmo ocorreu no episódio dos dois grampos clandestinos colocados no fumódromo e na cela do doleiro Alberto Yousseff.

Os grampos foram localizados no dia 30 de março de 2014. Houve uma sindicância presidida pelo delegado Maurício Moscardi Grillo que concluiu que o aparelho era antigo e não funcionava. O resultado da sindicância foi aceito pelo juiz Sérgio Moro.

Os grampos foram colocados na cela por ordem do delegado Igor Romário de Paula, chefe da Delegacia Regional ao Crime Organizado e de sua esposa Daniele Gossenheimer Rodrigues, chefe do Núcleo de Inteligência Policial. Quem colocou foi o agente Dalmey Fernando Werlang, 32 anos na PF, especialista em monitoramento.

Quando a história se tornou pública, Dalmey constatou que não havia autorização judicial para a colocação do grampo. Convocado pela CPI da Petrobras, reiterou esse questionamento.

A reação do MPF se deu através do procurador da República do Paraná, Daniel Holzmann Coimbra, um dos responsáveis pelo controle externo da PF. Em vez de investigar as denúncias, Holzmann acusou o delegado Mário Fanton e o agente Dalmey de serem “dissidentes” e de caluniarem colegas de trabalho. A representação foi vazada para o jornal Estado de São Paulo antes mesmo de ser protocolada na 1a Vara Federal. A denúncia foi rejeitada pelo juiz Danilo Pereira Junior, da 14ª Vara Federal de Curitiba.

A ação da PF contra os delegados profissionais, taxados de “dissidentes” foi extensamente coberta por um trabalho excepcional do repórter Marcelo Auler.

Os Policiais Federais envolvidos nos dois casos compõem, hoje em dia, o comando maior da Polícia Federal de Sérgio Moro.

A blindagem da mídia

O segundo ponto de blindagem foi o apoio integral dado pela mídia, que se transformou em mera repassadora de releases da Lava Jato.

A denúncia da suspeita de suborno do procurador Januário Paludo, apesar de divulgada pela UOL, por exemplo, foi vetada pelo Globo, Estadão e Folha, porque a Lava Jato se tornou um instrumento de política estreita.

É nesse quadro, de poder absoluto, sem estar submetida a nenhuma forma de controle, até que o Supremo Tribunal Federal se levantasse, que a Lava Jato passou a recorrer abundantemente ao instituto da delação premiada, podendo definir livremente perdão e punição e valor das multas aos réus.

A opinião pessoal dos procuradores poderia fazer uma multa de US$ 15 milhões cair para um terço ou vice-versa. Ou poderia incluir ou excluir suspeitos de um inquérito.

Esse modelo permitiu criar o mais rentável campo da advocacia do período, o dos advogados especializados em delação premiada, cujo único atributo era ter a confiança dos procuradores da Lava Jato. A maior ou menor simpatia por um advogado, o tornaria cobiçado pelos réus, dispostos a pagar honorários milionários para amenizar sua situação.

É nesse clima de absoluta promiscuidade, de falta ampla de transparência, que começaram a vicejar as suspeitas de uso abusivo do poder.

Capítulo 4: a milionária indústria da delação premiada

Com blindagem total, tendo direito de atropelar os limites legais sem serem questionados, com a imprensa sendo transformada em mera repassadora de releases, e sonegando qualquer informação contrária, a Lava Jato começa a negociar as delações premiadas.

Ao longo de todo o período, as negociações foram amplamente subjetivas. Nada era questionado, despertando inúmeras suspeitas quanto aos critérios adotados.

Messer x Meinl Bank

Segundo o advogado Tacla Duran, Dario Messer tinha acesso direto aos sistemas da Odebrecht, usando o codinome Flexão.  Marco Bilinski, Vinícius Borin e Luiz França também eram operadores da Odebrecht, através do Meinl Bank. Eles teriam movimentado US$ 2,6 bilhões até 2014, exclusivamente para a Odebrecht. Já Dario Messer teria movimentado US$ 1,6 bilhão para vários clientes .

Bilinski, Brin e França recebiam 4% sobre as operações da Odebrecht feitas através do banco.

Com a movimentação de 1,6 bilhão de dólares, a comissão do grupo foi de cerca de 64 milhões de dólares. O banco recebia mais 2% pela movimentação oficial do dinheiro, o que representaria mais 32 milhões. No total, portanto, estima-se que os três, mais Olívio Rodrigues, o quarto sócio — além dos dois sócios ocultos — receberam 96 milhões de dólares de comissão, o que corresponde a 326 milhões de reais.

  • A Lava Jato de Curitiba multou os proprietários do Meinl Bank em R$ 1 milhão por cabeça, ou R$ 3 milhões no total. E a 8 anos de reclusão da seguinte maneira: 1 ano em regime aberto diferenciado, devendo se recolher em casa das 20 hs às 6 da manhã; 6 meses em regime aberto, com recolhimento integral apenas nos finais de semana e feriados, mas sem a necessidade de uso da tornozeleira eletrônica; de 3 a 6 anos com prestação de serviços à comunidade à razão de 6 horas por semana.
  • Já a Lava Jato do Rio multou a família Messer em mais de R$ 350 milhões.

A desproporção era evidente.

Caso João Santana

João Santana e Mônica Moura foram condenados por Sérgio Moro a 7 anos de prisão. Ficaram cinco meses presos e passaram para regime domiciliar onde ficarão um ano e meio.

A partir de abril de 2019, poderão circular, tendo apenas a obrigação de se recolher à noite, aos finais de semana e feriados, além de prestar 22 horas semanais de serviços à comunidade, por mais um ano e meio. Na terceira fase, permanecerão nessas condições por mais um ano, mas já sem a tornozeleira.

Segundo declarações da Tacla Duran, Mônica deixou de declarar duas contas offshore e uma conta laranja. E os procuradores fizeram vista grossa.

As transferências internacionais são realizadas pelo sistema Swift, que exige informações obrigatórias, como os dados bancários dos beneficiários de transferência (banco, agência e conta) e o Código Swift do banco destinatário da remessa – o Standard Chartered Bank Limited. Para confirmar a informação, bastaria a Lava Jato ter solicitado dados do banco correspondente americano, que registrou a operação e expediu o Swift. Nada foi feito.

Seu advogado era Rodrigo Castor de Mattos, irmão do procurador Diogo Castor de Mattos, integrante da força-tarefa da Lava Jato.

O maior feito de Rodrigo Castor de Mattos foi no dia 17 de agosto de 2017, quando conseguiu do juiz Sérgio Moro a liberação de R$ 10 milhões para o casal Santana, de uma conta na Suíça.

No despacho, dizia Moro:

A Defesa juntou elementos aptos a demonstrar de que concordou com a repatriação e o perdimento dos valores bloqueados na Suíça, de USD 21.657.454,03, e que assinaram todos os documentos necessários à efetivação dessas medidas. O MPF confirmou que os acusados tomaram as providências necessárias para a repatriação e perdimento dos valores mantidos na Suíça. 

(…) Não é justo, a ver do Juízo, penalizar os colaboradores, que fizeram a sua parte no que se refere ao acordo, retendo em bloqueio judicial valores que não foram perdidos no acordo de colaboração.

(…) Resolvo, considerando os dois argumentos opostos, liberar parcialmente o valor bloqueado, especificamente dez milhões de reais, a serem transferidos da conta 650.005.86400410-4 para conta a ser indicada pelos acusados e seus defensores.

Obviamente tal soma não se destinava ao sustento do casal. Em prisão domiciliar, poderiam receber R$ 100 mil por vez.  Era evidente que os R$ 10 milhões se destinavam ao pagamento de honorários dos advogados, justamente Rodrigo, irmão do procurador Diogo, da Lava Jato.

A Procuradoria da Lava Jato nada falou contra a decisão. O veto veio da Procuradoria da Fazenda que considerou “descabida” a decisão de Moro. Após a manifestação da Fazenda, Moro voltou atrás.

Em circunstâncias similares, Moro negou a liberação de R$ 1,8 milhão ao ex-Ministro Antônio Palocci, para pagamento de impostos.

O caso Zucolotto

O episódio mais grave, e documentado, foi o de Carlos Zucolotto com o advogado Tacla Duran. Zucolotto enviou uma mensagem a Tacla propondo redução de sua multa de US$ 15 milhões para US$ 5 milhões. US$ 5 milhões seriam pagos por fora, a título de honorários.

Dez dias depois da conversa, Tacla recebeu e-mail dos procuradores Carlos Fernando Lima e Roberson Pozzobon, com a proposta de delação.

Segundo Tacla, o esquema seria simples. Na sentença, seria mencionada a multa de US$ 15 milhões e indicada uma conta sem reservas. No acordo estaria definido que, não encontrando fundos na conta, a multa seria reduzida paa US$ 5 milhões.

Moro e a esposa Rosangela – que já havia trabalhado no mesmo escritório de advocacia de Zucolotto – saíram publicamente em defesa do amigo.

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É nesse quadro de ausência absoluta de compliance que surge o caso Dario Messer, e as suspeitas de suborno a policiais e procuradores, visando fechar os olhos para sua atividade.

Capítulo 5: a auto-regulação das corporações

Como fica agora? Com todo esse histórico de falta de transparência, de critérios mal explicados para os acordos de delação, de falta de resposta às suspeitas mais graves, como as formuladas por Tacla Duran, como se comportará o MInistério Público Federal, à luz dessas novas suspeitas?

Terá condições de se impor uma auto-regulação, que paire acima da solidariedade corporativa? Sem sonegar a Paludo a presunção da inocência e o direito à plena defesa, conseguirá submeter o caso a uma investigação isenta? Ou se entregará ao corporativismo mais abjeto, como foi o caso dos delegados da Polícia Federal de Curitiba?

Em jogo está não o futuro da Lava Jato, mas o da própria respeitabilidade do MPF. A República de Curitiba se apropriou de um poder maior que o do próprio MPF e da PGR. É hora do rio voltar ao seu leito normal, mesmo que expondo os detritos desses tempos de libação.

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Caro Nassif, acho que só faltou uma informação: a de que Messer foi preso logo após o escândalo da Itaipu envolvendo diretamente Bolsonaro. Na época foi visto como uma espécie de "queima de arquivo", tentativa de calar alguém que poderia entregar os negócios feitos no Paraguai. Preso, ou seja, controlado, suas delações respingam em Curitiba e silenciam completamente sobre suas conexões paraguaias. Acho que falta esse capítulo para o quadro ficar mais completo.

O silêncio cúmplice e desonesto da grande mídia a respeito desse escândalo revela que vai ser difícil ele resultar em uma investigação séria. Esperar o que da PF que, hoje, demonstra obedecer cegamente a Moro? E do próprio MPF? Para todos, mídia, PF e MPF, com o apoio incondicional de, ao menos, instâncias inferiores da "justiça", o mais importe é manter intocada a Operação Delenda Lula e o PT. Para isso é imprescindível que todos os envolvidos continuem parecendo vestais imaculadas aos olhos do público, anestesiado pela opinião publicada.

— Edson J
 
 

 

08
Ago19

BanEstado e Lava Jato: Prisão de Messer pode esclarecer propina paga a policiais federais e procuradores

Talis Andrade

 

 


por Vasconcelo Quadros

 

 

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Dario Messer, preso na última quarta-feira (31/7), era chamado pelos investigadores de “doleiro dos doleiros”   Desde a trama do BanEstado  passou a ser bandido de estimação da justiça federal de Curitiba


Olhos fechados para operações ilegais de Messer e Matalon

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A propina relatada por Juca Bala e Tony seria a contrapartida de um acordo segundo o qual as autoridades fechariam os olhos para as operações ilegais das famílias de Marcos Matalon e de Dario Messer, em torno das quais gravitavam outros 15 doleiros. Messer operou para o ex-governador do Rio Sérgio Cabral e é alvo da operação Câmbio, Desligo, deflagrada em maio do ano passado, na qual foram presos Juca Bala e Tony.

Também integravam o grupo Lucio Funaro, nome de peso nas delações que levaram à cadeia o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha; Clark Setton, o Kiko; e Najun Turner, o doleiro que em 1992 ajudou o empresário Paulo César Farias, o PC, a organizar a chamada Operação Uruguai, uma tentativa frustrada de salvar o mandato do ex-presidente Fernando Collor, simulando o empréstimo fictício para justificar gastos na reforma da Casa da Dinda, em Brasília.

Apanhado em 2003, durante as investigações do caso Banestado, Alberto Youssef fechou o acordo com o MPF do Paraná e, na tentativa de se livrar, entregou as atividades de outro doleiro Antônio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, que vendia e trocava dólares no mercado paralelo até para policiais federais de São Paulo. A delação de Youssef resultaria na prisão de outros 60 doleiros no caso Banestado, em 2005. Em troca da delação, Youssef cumpriu apenas um ano de prisão – ele havia sido condenado a uma pena de sete anos em regime fechado.

O MPF do Rio confirmou à Agência Pública que foi aberto um inquérito para apurar a denúncia, mas como a investigação está sob sigilo, não quis dar entrevistas. O que se sabe é que os doleiros deram novas declarações, produzindo dezenas de anexos cujo teor está sendo analisado pelos procuradores Eduardo Ribeiro El Hage e Rodrigo Timóteo Costa e Silva. Os dois foram procurados pela Pública, mas a assessoria de imprensa disse que eles não falariam sobre o caso porque se trata de investigação em andamento.

 

O advogado das delações

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Figueiredo Basto, rei das delações

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Desde o relato dos doleiros, Basto – advogado recordista em obter delações premiadas na Lava Jato – se tornou um dos personagens centrais de uma intrincada crônica policial cujos personagens se entrelaçam desde 2003, época em que o escândalo do Banestado gerou o embrião do que seria a Lava Jato, divulgado em março de 2014. Foi Basto, que advogou também para Messer, quem conduziu, em 2003 e 2004, os dois acordos do doleiro Alberto Youssef, principal elo entre os casos Banestado e Lava Jato.

O aprofundamento das investigações sobre a denúncia poderia explicar por que Youssef permaneceu livre até o início da Lava Jato, mesmo depois de ter desrespeitado o acordo de delação de 2003. Esse acordo foi homologado pelo então juiz Sergio Moro – hoje ministro da Justiça e Segurança Pública de Jair Bolsonaro –, que, como boa parte de sua equipe, atuou nos dois casos.

Basto foi advogado de Dario Messer, para quem Tony e Juca Bala trabalhavam até cair nas garras da PF, em 2017. Os dois haviam operado agressivamente na remessa ilegal de dinheiro para paraísos fiscais através das chamadas contas CC-5 (Carta Circular nº 5 do Banco Central). O mesmo canal pelo qual se movimentaram ilegalmente cerca de US$ 30 bilhões no caso Banestado.

A PF investigava o grupo desde 2000. Na delação do ano passado, Tony contou ao MPF do Rio que, em 2002, percebendo o cerco, o grupo decidiu transferir a base das operações de câmbio para Montevidéu. Depois de uma reunião na casa de Enrico Machado, no Leblon, Rio, os doleiros criaram um novo esquema de lavagem, dando a ele o mesmo nome da ação inventada no governo Collor. Nascia uma nova “Operação Uruguai”, com a ajuda, mais uma vez, de Najun Turner, amigo de Dario Messer, que nos anos seguintes, até o desentendimento por causa do valor exigido como “taxa de proteção”, em 2011, assumiria participação nos lucros do grupo. Uma das bases de operações seria São Paulo.

O advogado Figueiredo Basto disse à Pública que nunca atuou em causas relacionadas a negócios no Uruguai, não conhece os doleiros que o acusam nem tem ideia de onde eles tiraram a história da taxa de proteção para acusá-lo. “Não estou preocupado com isso. O Enrico disse em depoimento que nunca pedi nada para ele. Estão mentindo ou têm uma visão errada dos fatos. Falam de terceiros. É uma acusação leviana. Acho que tentaram vincular ao Youssef”, afirmou. Segundo ele, pode ser retaliação contra outro cliente seu, o doleiro Renato Chebar, que, segundo ele, em delação fez acusações fundamentadas contra Juca Bala e Tony. Basto já foi ouvido no inquérito que corre no Rio. Ele disse que deu explicações satisfatórias sobre sua inocência aos procuradores.

 

Youssef, o protagonista

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O doleiro Alberto Youssef é considerado peça-chave na revelação do esquema de corrupção na Petrobras


Foi na esteira do Banestado que nasceu e vicejou o doleiro Alberto Youssef, personagem mais importante dos 11 anos que separam o caso das contas CC-5 e a Lava Jato. Em 2003, ao fechar o primeiro contrato de delação homologado por Moro, aconselhado por Basto, o doleiro prometeu contar tudo o que sabia para que os investigadores chegassem a integrantes da cúpula da quadrilha, além de ressarcir os cofres públicos e não mais voltar a delinquir. Em contrapartida, forneceu informações que levaram a um dos doleiros mais fortes daquele período, Antônio de Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, que tinha na sua carteira de clientes inclusive policiais federais. A equipe do MPF que atuou no Banestado seria também a espinha dorsal da Lava Jato: Deltan Dallagnol, Carlos Fernando Lima, Januário Paludo e Vladimir Aras, o procurador que costuraria os acordos de cooperação internacional em ambos os casos e que é hoje candidato à sucessão de Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República.

Quando homologou o acordo, em dezembro de 2003, Moro fez uma dura advertência a Youssef. “Se o senhor tentar enrolar a Justiça Federal e a Justiça Estadual isso aí cai por terra. Então, a partir de agora não tem mais reticências ou qualquer espécie de subterfúgio”, disse o juiz, alertando que uma eventual traição produziria “consequências terríveis para o senhor”.

Não funcionou. Dois anos depois de ter recebido os prêmios da delação, Youssef estava de volta ao crime, dessa vez num esquema bem mais arrojado, lavando dinheiro para o ex-deputado José Janene, o então líder do PP, falecido em 2010. Foi Janene quem indicou o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, o delator que fez ruir todo o esquema de corrupção na estatal.

 

O delegado afastado


Nesse período, o principal braço dos crimes financeiros estava em Londrina, base de Janene e de Youssef, ambos já na mira do ex-delegado federal Gerson Machado. “Descobri que o Youssef havia mentido ao juiz e violado a delação de 2003. Saiu do acordo com dinheiro do crime (entre US$ 20 milhões e US$ 25 milhões) e estava trabalhando para Janene e sua família”, conta o delegado. Numa das ocasiões em que interrogou o doleiro, Machado diz ter ouvido dele que não declarara o dinheiro porque nenhuma autoridade havia lhe perguntado. Depois, negou que tivesse dito.

A PF de Londrina abriu investigação em 2006 que originaria o inquérito mãe da Lava Jato e descobriria a participação de Youssef como “mentor das artimanhas” para lavar dinheiro do deputado através da esposa dele e de assessores. O esquema envolvia duas empresas, a paulistana CSA-Project Finance e a Dunel Testing, de Londrina, as mesmas que haviam sido citadas por Toninho da Barcelona e constaria da primeira sentença da Lava Jato contra Youssef.

Os indícios foram repassados a Moro que, em despacho de fevereiro de 2009, escreveria que “pessoas ligadas ao referido deputado estão sendo investigadas […] e surgiram indícios […] de possível envolvimento nos fatos de Alberto Youssef”.

Em 22 de setembro de 2009, em ofício encaminhado ao MPF e à Justiça Federal, o delegado Igor Romário de Souza, que integraria depois a força-tarefa da Lava Jato, escreveu em um relatório que “outro dado relevante é o aparecimento constante de Alberto Youssef, antigo investigado em autos desta Vara Criminal e que, aparentemente, está cuidando de aspectos financeiros relacionados aos investigados” que, no caso, eram Janene e familiares.

A partir de 2006, até ser preso, em março de 2014, o doleiro Alberto Youssef gerenciaria a grande lavanderia de dinheiro desviado da Petrobras. O que chama atenção é que atuou com incrível desenvoltura no período que marcou o auge dos crimes da Lava Jato, entre 2009 e 2014, apesar de todos os alertas, informes e relatórios produzidos pelo delegado Gerson Machado.

 

Moro e Dallagnol

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Moro e Dallagnol foram informados pessoalmente por Gerson Machado sobre suas descobertas. Segundo o delegado, o juiz afirmou que apenas havia homologado o acordo, e Dallagnol, que teria de abrir procedimento para investigar. “Youssef, segundo Dallagnol me falou, disse a ele que eu o perseguia. Mas não era perseguição. Era persecução. Tinha a obrigação de investigá-lo”, lembra o delegado.

Procurado por meio de sua assessoria, o ministro Sergio Moro não quis comentar. Dallagnol enviou à Pública a seguinte nota: “Todas as notícias de crimes são apuradas em autos formais, que recebem o devido encaminhamento perante o Poder Judiciário. Identificadas evidências concretas de crimes praticados por Alberto Youssef na operação Lava Jato, o MPF pediu a rescisão de seu acordo anterior e requereu à justiça o seguimento de denúncias e ações penais, assim como pediu sua prisão preventiva”.

Gerson Machado diz que, além de ter mentido, Youssef estava atuando fortemente no crime e ainda escapou com considerável fortuna amealhada com os crimes praticados no caso Banestado. “Fiquei indignado. O delator não pode trair. Tem que contar tudo, sem seletividade, porque senão se torna perigoso: ele passa a ter acesso a muita coisa de dentro da polícia. Quando descobri, em fevereiro de 2006, botei tudo no papel”. Ou seja, o delegado relatou as descobertas ao MPF, ao juiz e a seus superiores na PF. Gerson Machado conta que, quando o caso ganhou vulto nos bastidores da investigação, passou a sofrer todo tipo de pressão de Janene, que tinha o domínio sobre a PF em Londrina e reiteradas vezes ameaçou pedir sua remoção para outro lugar do país. O delegado conta que certa ocasião sua mulher, Valéria, foi interceptada numa rua na região central de Londrina por um motoqueiro. O homem estava armado e, ao perceber que era a mulher que estava no veículo, montou novamente na moto e seguiu em frente.

“Naquele dia, minha mulher estava no carro que eu usava diariamente”, lembra Machado, que nunca conseguiu esclarecer se a ação do motoqueiro visava à sua eliminação física ou fazia parte do terrorismo psicológico do qual se tornou alvo constante.

Sem recursos para tocar adequadamente uma investigação complexa, como se veria mais tarde na Lava Jato, pressionado e ameaçado pelos investigados, e sem apoio superior, Gerson Machado entrou em crise depressiva e, por pouco, não cometeu suicídio com a própria arma dentro da delegacia em que trabalhava.

Em 2012, depois de ter passado por tratamento para sair da depressão, Gerson Machado tentou reassumir o cargo. Apresentou um laudo feito pelo médico que o tratou, recomendando o retorno em ritmo mais suave e sem arma. Mas a direção da PF, baseada em análise de seu departamento médico, decidiu aposentá-lo por invalidez. Seu papel como o primeiro policial a perceber o fio de uma meada que daria nos desvios da Petrobras foi resgatado pelo cineasta José Padilha, que na série O mecanismo se inspira nele para dar vida ao personagem incorporado pelo ator Selton Mello. Machado mora atualmente em Portugal, onde escreve um livro de memórias sobre sua participação na Lava Jato.

 

Sumiço misterioso

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De 2009 a 2013, período que marca o auge dos crimes praticados contra a Petrobras, classificados pelos operadores da Lava Jato como “os mais graves da nossa história”, não há registros de grampo, pedidos ou ordens de quebra de sigilos ou qualquer procedimento judicial apontando o doleiro como alvo de uma investigação formal. Youssef atuou com desembaraço, quando o normal seria a anulação da delação e seu retorno para a cadeia.

O mistério sobre o sumiço de Youssef das investigações só seria abordado no decorrer de 2014, dois meses depois de o doleiro ter se tornado o primeiro preso da Lava Jato. No dia 6 de maio, Moro anularia a delação que homologou em 2003. Quatro meses depois, em setembro de 2014, integrantes do MPF e advogados do doleiro, os mesmos que atuaram no caso Banestado, firmariam um novo acordo de delação, homologado em dezembro pelo ex-ministro Teori Zavascki, então relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF).

O novo contrato de delação passou uma borracha nos crimes praticados pelo doleiro nos últimos 11 anos, ignorou a quebra do acordo de 2003 e ainda foi vantajoso do ponto de vista econômico. Por ele, por cada R$ 50 milhões que ajudasse a recuperar, Youssef abateria R$ 1 milhão nas multas que recebera e ainda conseguiu passar para o nome da ex-mulher e das filhas imóveis em que elas moravam, num condomínio de luxo na Vila Nova Conceição, zona sul de São Paulo.

Os benefícios financeiros, que não estavam previstos na lei e eram proibidos por convenções internacionais sobre combate à lavagem de dinheiro das quais o Brasil é signatário, seriam usados para tentar anular a segunda delação de Youssef. O advogado José Luiz de Oliveira Lima sustentou, num habeas corpus impetrado em 2015 no STF, que Youssef já havia quebrado a confiança que a Justiça depositara no acordo de 2003, atuava no mercado paralelo do dólar havia duas décadas e, ao fechar o segundo acordo, tinha recebido benefícios patrimoniais ilegais. Lima queria anular a delação de Youssef para derrubar parte das acusações que pesavam contra um de seus clientes, o empresário Erton Medeiros Fonseca, da Galvão Engenharia. Mesmo amparado por um parecer do ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, para quem, quando um delator quebra as regras do acordo, o Estado jamais poderia confiar nele novamente, o habeas corpus acabou rejeitado pelo pleno do STF.

O resgate da trajetória de Youssef no submundo da corrupção ao lado de Janene, dos casos Banestado, Mensalão e Petrobras, acrescentaria um novo capítulo nas narrativas da Lava Jato. Tudo indica que sua presença ao lado do doleiro Carlos Habib Chater, o dono do Posto da Torre, em Brasília, cuja prisão batizaria a operação, estava longe de ser um “encontro fortuito”, como sempre foi relatado pela força-tarefa. Com certeza, Youssef já era um elo bem conhecido da PF, do MPF e da Justiça Federal.

A anulação de sua primeira delação, quando surgiram os primeiros indícios em 2006, poderia ter inibido a roubalheira que se veria depois na Petrobras, uma arquitetura de rapinagem da qual ele e Paulo Roberto Costa parecem ter sido os principais alicerces. 

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