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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

24
Ago21

‘Bolsonaro sabe como um cão feroz que a eleição está perdida’

Talis Andrade

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Por Paulo Donizetti de Souza

Bolsonaro, acuado por suspeitas na Justiça e virtual derrota na eleição, aposta na ruptura, dizem juristas em live do Prerrogativas. Mas a sociedade reage

Os últimos dias foram de efervescência da crise que se arrasta pela falta de rumo do governo de Jair Bolsonaro na pandemia e na economia. E diante da queda de sua popularidade, a sua insubordinação à Constituição e ao Estado democrático de direito. Desse modo, enquanto o Executivo entrega os anéis ao Centrão para manter o Congresso Nacional omisso, Bolsonaro resolveu partir para cima da Justiça e de toda forma de oposição. Se há uma lei que está borbulhante nos últimos dias é aquela da física segundo a qual toda ação resulta em uma reação. Isso porque, segundo especialistas, no plano institucional Bolsonaro tem pela frente uma eleição perdida. Ou seja, aposta no caos, porque, como disse no sábado o senador Randolfe Rodrigues, a não reeleição de Bolsonaro será também a sua prisão.

Na sexta (20), Bolsonaro enviou um emissário ao Senado para pedir o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro reagiu, dessa maneira, ao fato de Moraes ser o relator do inquérito das fake news que assombra seu clã, e como se não bastasse, mandou prender Roberto Jefferson. No mesmo dia, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), condenou a ação, mas prometeu cumprir o papel de analisar e responder. Fora dali, 10 ex-ministros de mais de duas décadas de governo, de Fernando Henrique a Michel Temer, passando por Lula e Dilma, divulgaram manifesto pela democracia. Isso porque viram-se no dever de condenar a tremedeira golpista expressa no gesto de Bolsonaro de intentar contra o Supremo.

Assim, a trama autoritária assanhou oficiais militares dos estados a jogar querosene no fogo da insubordinação. E foi por isso que o governador de São Paulo João Doria (PSDB) afastou um comandante golpista. O coronel Aleksander Toaldo Lacerda publicou mensagens de apoio a Bolsonaro em suas redes sociais, convocando para a manifestação de 7 de setembro contra o STF.

Doria, que como Bolsonaro tem interesses e faz cálculos para a eleição de 2022, demorou, dizem especialistas. “A adoção de comportamento político partidário por parte de militares só tem um caminho: a prisão desses militares por razão disciplinar. E não estou aqui nem falando de Direito Penal, estou falando do direito disciplinar militar mesmo”. A aula é do professor de Direito Pedro Serrano, que continua: “O que estamos vivendo neste país é uma tentativa de criação do caos e de ruptura com a democracia e com a Constituição. Não podemos tolerar isso”. No Ceará, um coronel da reserva da PM local convocou manifestantes e milicianos armados a invadir o Congresso e o STF no 7 de setembro.

Depois da reação de Pacheco e dos ex-ministros, 10 partidos da esquerda à direita se manifestaram em defesa da Constituição. Governadores resolveram se reunir e pedir uma conversa com o presidente para avisar que é melhor conversar e se entender do que apostar sem ter as cartas. Juristas foram ao prestigiado coletivo Prerrogativas e fizeram, por escrito e ao vivo, mais um manifesto convocando a sociedade brasileira a prestar atenção no que está acontecendo.

Na live do “Prerrô”, como é chamado o grupo de juristas, o criminalista Roberto Tardelli, procurador aposentado do Ministério Público de São Paulo, lembrou que Bolsonaro não tem compromisso com judicialidades. “Ele investe nas PMs dos estados para apostar no caos. Estruturação de milícias. Vimos hoje a comunidade de segurança no que ela tem de mais assustador. Não são as Forças Armadas, mas as milícias. É a destruição de qualquer padrão de civilidade. Com esses apoios ele acha que consegue se estabelecer como ditador amado pelo povo. Ele é delirante, não tem contato com a realidade, a não ser a que ele imagina existir”, avalia.

Para Tardelli, Bolsonaro sabe “como um cão feroz” que a eleição está absolutamente perdida. “Consegue perder para Ciro Gomes, o que é uma façanha eleitoral”, ironiza. “Ele sabe e não quer disputar. Ele vai com as milícias estaduais impor o caos. Por isso, hoje, Doria sentiu o abalo sísmico. Vamos viver período grave nos próximos dias. Vamos ver milicianos de baixa patente, soldados que completam renda com essa participação (atividade paramilitar)”, destaca o advogado, para quem bolsonaristas incautos que ainda acreditam no golpismo também deveriam se preocupar. “Não pensem que o crocodilo não vai morder você. O país vai se tornar um caos.”

O recado serve também para autoridades como o presidente da Câmara, Arthur Lira (DEM-MG), que impede o andamento de mais de 130 pedidos de impeachment de Bolsonaro. O jurista Mauro Menezes, um dos elaboradores de pedidos de afastamento, inclusive o superpedido entregue em 30 de junho, alerta que é preciso agir rapidamente.

 

Ovo da serpente

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“Estamos sob um governo de índole fascista que tem objetivo de corroer autoridade dos poderes democráticos. Crimes de responsabilidade já deveriam ter levado à instauração de um impeachment”, diz.

O jurista Lenio Streck lembra da insubordinação “inaugurada” durante o motim da polícia do Ceará, no início do ano passado. “O ovo da serpente estava ali. O ministro da Justiça era Sergio Moro. Chamou aquilo de ‘greve’. Mas era um motim e foi deixado assim. E agora vemos o presidente que queimou todas as caravelas atirando mais e mais contra a institucionalidade. Estamos vigilantes. O Brasil todo se voltou contra a questão do Sérgio Reis. Temos de continuar escrevendo, denunciando. Até o dia 7 pode acontecer muita coisa. Esse é o perigo do ovo da serpente do golpismo e do autoritarismo.”

Para o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakai, a preocupação vai além. “Só lembrar que quatro governadores não quiserem assinar (hoje) uma nota em defesa do STF. Houve tensão sobre a reação do Doria à sua PM. A polícia e a sociedade que tem mais armas do que policias do Estado exigem preocupação. Ele está tensionando. É hora de fazer o enfrentamento. Hoje ocorreu uma ousadia enorme: um empresário foi ser ouvido na Polícia Federal com uma carreata de tratores fazendo intimidação à PF.”

O professor Pedro Serrano, também especialista em direito criminal, reforça que toda esse caos criado por Bolsonaro é intolerável: “temos de apoiar o Supremo em defesa da Constituição, mesmo que ocasionalmente divirjamos da decisão dele”.

 

A live-manifesto do Grupo Perrogativas

 

Sem medo de cara feia

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Uma das autoridades participantes da live do Prerrô, o ouvidor da PM de São Paulo, Elizeu Soares Lopes, lembrou de outros episódio de insubordinação, além do Ceará. Citou, entre eles, a greve dos bombeiros do Rio de Janeiro, o cerco da PM da Bahia ao miliciano Adriano da Nóbrega. E que culminou com a execução do ex-militar, aquele que já foi homenageado mais de uma vez por Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Mas que jamais poderá ser ouvido, nem sobre o assassinato de Marielle Franco, nem sobre o funcionamento das milícias de Rio das Pedras.

“Aqui em São Paulo tenho percebido mudança do governador, que iniciou aliado ao Bolsonaro. Doria sinalizou recrudescimento das forças policiais (chegou a dar declarações estimulando a violência da PM). Depois Doria percebeu que essa toada não era interessante, advertido inclusive pelos policiais. Esse episódio visto hoje é único e muito pessoal. Do ponto de vista militar significa dizer que a atuação dele está sub judice. Não podemos ver e ficar calados. Temos de apoiar essas iniciativas”, avaliou o ouvidor.

Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas, acredita que o bolsonarismo aposta em bravatas que não vão dar em nada, mas que é preciso deixar claro: “Não temos medo de cara feia. E portanto, não vamos deixar esse estado de permanente alerta em defesa das instituições.”

Com reportagem de Cláudia Motta

Artigo publicado originalmente na Rede Brasil Atual.

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10
Jan21

Nunca um presidente da República cometeu tantos crimes de responsabilidade

Talis Andrade

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Por Cláudia Motta

Bolsonaro atenta contra a Constituição de várias maneiras, afirma jurista Mauro Menezes, que redigiu dois pedidos de impeachment contra o presidente

“Nunca houve tantos pedidos de impeachment contra um presidente da República. Tampouco nunca um presidente cometeu tantos crimes de responsabilidade.” A constatação é do mestre em Direito Público, Mauro Menezes, que redigiu dois dos 59 pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro. Advogado em Brasília, Menezes, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, ressalta que é farto o cometimento de crimes de responsabilidade pelo atual presidente da República.

“São atos que atentam à Constituição Federal e que portanto já justificariam a abertura e o processamento dos pedidos de impeachment em relação a Jair Bolsonaro. Se isso ainda não aconteceu, temos aí sintoma bastante significativo do adoecimento das instituições”, avalia o jurista. “Temos uma enfermidade do nosso sistema constitucional que se revela quando o presidente da República que comete tantos atos atentatórios contra a Constituição, permanece no cargo sequer respondendo ao processo decorrente das denúncias que já foram apresentadas.”

O jurista menciona as duas denúncias das quais faz parte. Uma delas subscrita por presidentes de partidos políticos, parlamentares, juristas, em maio de 2020. A outra apresentada pelos movimentos populares e subscrita por juristas, integrantes da sociedade civil. “Elas são capazes de sumarizar a gravidade desses atos praticados pelo presidente da República”, afirma.

Sabotagem no combate à covid-19

Assim como o jurista Pedro Serrano, Menezes considera “questão central” a atuação de Bolsonaro voltada à sabotagem das políticas públicas de combate à pandemia da covid-19. “Esse é um ponto que se enquadra na previsão legal da lei 1.079 como crime de responsabilidade contra o livre exercício de direitos políticos individuais e sociais, crimes contra a segurança interna do país e crime contra a própria existência da União”, explica.

O jurista Mauro Menezes reforça a atuação e pronunciamentos irresponsáveis do presidente da República, em caráter antagônico e contraproducente ao esforço dos próprios organismos estatais de defesa da saúde e da integridade da vida das pessoas. “E isso tudo em absoluta dissintonia com a gravidade da disseminação, em território nacional, da pandemia do novo coronavírus. Uma atuação do presidente da República em atentado ao bem-estar e a proteção da vida e da saúde dos brasileiros. Com menosprezo à gravidade da emergência de saúde que o próprio governo federal decretou.”

Para o advogado, há uma intencional sabotagem das cautelas sociais, das medidas indispensáveis à contenção dos efeitos devastadores dessa catástrofe que é a pandemia do novo coronavírus. “Chegamos ao ponto agora de uma atitude negligente, leniente em relação à aquisição e distribuição da vacina, dos insumos necessários para sua aplicação. Tudo isso conduz a essa conclusão de que temos aí uma atuação muito séria que justifica o pedido de impeachment.”

Sequência de atos indesejados

Menezes lembra, ainda, o apoio ostensivo do presidente da República, e atos por ele praticados, diretamente no sentido de fomentar manifestações de índole antidemocrática, afrontosas à Constituição, de desafio à integridade dos poderes, do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF). “Tudo com a perspectiva de supressão de liberdade democráticas. Isso, de fato, constitui uma sequência de atos indesejados pela Constituição e que colocam em xeque o Estado Democrático de Direito. Sem falar no constante tensionamento e na subtração de elementos essenciais para que estados e municípios desenvolvam políticas de saúde no contexto da pandemia”, acusa. “Isso ofende também a própria perspectiva de uma federação harmônica em nosso país. E consiste, portanto, em crimes de responsabilidade quanto ao livre exercício dos poderes Legislativo e Judiciário. E os poderes constitucionais do Estado. Isso está na lei 1.079”, reforça.

Não bastassem esses elementos, denuncia Mauro Menezes, existem denúncias já feitas em relação à interferência do presidente da República no que diz respeito a investigações voltadas a integrantes de sua família. “E aí nós temos crime de responsabilidade contra a probidade da administração. Tudo isso foi levado ao conhecimento da Câmara dos Deputados com vistas à abertura do processo de impeachment de Jair Bolsonaro.”

Aderência de Maia à agenda econômica

Questionado sobre a postura do ainda presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Menezes afirma que precisamos compreender a ambivalência que caracteriza a conduta do parlamentar diante das políticas governamentais e das atitudes do atual presidente da República. Maia arquivou quatro pedidos de impeachment contra Bolsonaro, em mantém outros 55 em análise.

“Se por um lado Rodrigo Maia é alvo de ataques da ala ideológica do governo Bolsonaro e também experimenta várias atitudes de menosprezo e até de deslegitimação por parte do governo federal, do ministro da Fazenda e de outros ministérios, temos de considerar que há uma aderência integral de Maia à linha econômica adotada pelo governo”, aponta o advogado. “É justamente essa contradição que explica a hesitação e até mesmo a negligência de Maia em promover a admissibilidade e o processamento do pedido de impeachment. Se de um lado existe um mal-estar em relação às atitudes de ataques institucionais que são empreendidos pelas instâncias do governo e pelo próprio presidente da República, de outro lado, do ponto de vista político, Maia se alinha de maneira bastante intensa à política econômica do atual governo.”

Nesse momento, avalia o jurista, fala muito alto o desejo dos setores da economia, que se veem representados por Rodrigo Maia, em fazer com que essa política não sofra interrupções, ainda que a custo do exercício da Presidência da República por parte de alguém inepto, irresponsável e promotor de uma política calamitosa em vários setores da vida social brasileira.

Esvaziamento das políticas públicas

O advogado ressalta outro elemento muito relevante que o impeachment dos movimentos sociais sublinhou. “Houve um processo bastante pernicioso de esvaziamento de políticas públicas que emanam da Constituição. Políticas públicas de proteção à saúde, de defesa dos direitos humanos, de proteção ao meio ambiente, aos índios, de proteção e não discriminação às minorias, aos grupos vulnerabilizados.”

Menezes lembra que essa série de políticas públicas vêm do texto constitucional. E que o atual governo, por meio do presidente da República e ministros de Estado, vem desconstruindo o que foi feito ao longo dos anos e em obediência à Constituição para valorizar o trabalho, o meio ambiente, a saúde, a educação, a cultura, os direitos humanos. “Tudo isso vem sendo sistematicamente atacado, Daí porque nós temos também algo que violenta direitos individuais, direitos sociais, que têm status constitucional. E isso constitui, sim, de acordo com a lei 1.079, mais um elemento central para o pedido de impeachment.”

Vai ter impeachment?

Sobre a real possibilidade de instalação de um processo de impeachment, Mauro Menezes considera que há muitos fatores, incluindo a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, que serão decisivos em relação ao ambiente perante o qual os pedidos de impeachment poderão progredir ou estacionar na Câmara dos Deputados ou no Congresso Nacional. “É algo que depende muito até da dinâmica da insatisfação popular com a atitude irresponsável e criminosa do governo federal em retardar a vacinação da população. São elementos que como jurista não tenho condição de avaliar.”

Em relação à situação de Flavio Bolsonaro, afirma, existe um processo judicial em curso, que envolve o Supremo Tribunal Federal, em investigação empreendida pelo Ministério Público no âmbito do estado do Rio de Janeiro. “Também são fatores que podem representar uma derivação do agravamento da situação de instabilidade do presidente Bolsonaro no cargo.”

Crimes de responsabilidade

O sistema constitucional, sobretudo no artigo 85, estabelece uma noção de responsabilidade pelos atos do presidente da República. “Quando esses governantes, ainda que eleitos, praticam atos em afronta ao que está estabelecido na Constituição e nas leis, devem responder em relação a esses atos, podendo chegar mesmo a ser afastados dos seus cargos.”

O artigo 85 prevê sete hipóteses em que o presidente da República poderá responder por crimes que atentam contra a Constituição.

“O atual presidente da República, desde o início do seu mandato, vem incidindo de maneira grave, reiterada e sistemática em ofensas à Constituição da República. Também ao sistema democrático, ao respeito aos direitos humanos, à própria integridade das instituições republicanas. E até mesmo à perspectiva de uma harmônica relação entre os poderes (Judiciário, Legislativo e Executivo) e entre as esferas da nossa federação (estados, municípios e União Federal). Tem havido uma série de atos em que esse tipo de integridade, de harmonia, tem sido ofendida pelo presidente da República”, destaca Menezes.

“Temos em nosso Estado de direito, um texto constitucional que subordina e condiciona a atuação das autoridades públicas. E o atual presidente da República não respeita essa subordinação. Daí porque temos um elemento de subversão ao indispensável equilíbrio normativo e administrativo que deve legitimar a ação constitucional de um presidente da República”, afirma o jurista.

“Os governantes não governam de acordo com seus próprios desejos, seus próprios princípios. Eles devem obediência àquelas noções de caráter geral e permanente que emana da Constituição. Desrespeitar essa supremacia da Constituição é algo que não pode ser tolerado, não pode ser naturalizado. Sob pena de nós solaparmos o caráter normativo de uma sociedade que deve se guiar pelo Estado de direito.”

Artigo publicado originalmente na Rede Brasil Atual.

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08
Jan21

‘Impeachment de Bolsonaro é urgente. A cada dia com ele mais gente morre’, diz jurista

Talis Andrade

 

Por Cláudia Motta

“Estamos naturalizando isso e não podemos. Se o país não quer ser destruído, tem de decretar impeachment de Bolsonaro já”, defende o jurista Pedro Serrano

O jurista Pedro Serrano é categórico. Para ele, a única saída hoje para o Brasil é o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. A conduta do ex-capitão na pandemia do novo coronavírus, avalia, é extremamente grave. “Ele vulnera os mais relevantes princípios e valores que tem numa Constituição democrática que é o direito à vida e à saúde da população. Não há nada pior do que isso”, afirma Serrano, para quem a conduta de Bolsonaro está no nível de grandes genocídios. “Ele está nesse tipo de categoria. De promover morte e doença da comunidade em grande extensão por ações e omissões, principalmente. Essa conduta agora se ‘consagra’ com essa catástrofe da política pública da questão da vacina.”

O advogado observa que, sob Bolsonaro, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) é empecilho a um programa de imunização contra a covid-19. “Foi o que aconteceu com essa empresa americana, que foi tentar iniciar o diálogo para obter uma licença provisória da vacina e a Anvisa criou uma série de obstáculos. A Anvisa, em que o diretor de vacinação posto por Bolsonaro é um tenente coronel. Isso tudo exige uma conduta imediata das instituições”, ressalta.

Bolsonaro está destruindo consensos lógicos fundamentais para a vida em sociedade, reforça Serrano, professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), pela qual é doutor e mestre em Direito.

“Temos uma parte da comunidade brasileira falando contra a vacina, defendendo que o vírus não existe, enquanto o parente morre no hospital. É isso que estamos vivendo, e isso é a absoluta degradação da sociabilidade. É tanta atrocidade, que esse homem fala todos os dias e seus seguidores repercutem. E estamos naturalizado isso. É a pior coisa pra nós. Não podemos aceitar. Se o país não quer ser destruído, tem de decretar impeachment de Bolsonaro já.” 

Maia é corresponsável

Pedro Serrano avalia que o Poder Legislativo, quando se omite, comete atentado à Constituição quase tão grave quanto os cometidos por Bolsonaro. “É uma imoralidade. Tem de tirar urgente esse homem do poder, decretar o impeachment dele com a máxima celeridade, porque a cada dia que ele permanece é mais gente que tem riscos à sua saúde, à sua vida, e mais gente que morre. E não há mais nada que possa ser mais grave do que isso.”

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também estaria cometendo crime quase tão grave quanto os de Bolsonaro, porque ele se omite por interesses de poder, avalia Serrano. “Ele abandona o povo à morte e a problemas graves de saúde por se omitir em relação ao seu dever político e moral que seria por um fim nessa trajetória criminosa com o país que o governo Bolsonaro tem realizado”, explica o jurista.

Segundo ele, Maia tem cumprido péssimo papel na República, pelas omissões criminosas em não atuar na questão do impeachment de Bolsonaro. “Se ele tivesse atuado de forma adequada, talvez hoje já teria gente sendo vacinada, tendo a vida salva. Rodrigo Maia é corresponsável, junto com Bolsonaro, por toda essa devastação que a pandemia está provocando no país.”

Democracia devastada

O jurista critica o que chama de “desprezo” a essa saída via impeachment de Bolsonaro. “A maioria das pessoas que têm o mínimo de equilíbrio mental e afetivo são oposição ao Bolsonaro. Mesmo que tenham votado nele, não aceitam o que ele tem feito na pandemia. Mas acham que de uma forma ou de outra ele vai chegar ao fim do governo desgastado e que vai ser possível pela democracia retirá-lo, pelo voto. E daí você recupera o país. Não é possível”, alerta. “Esse homem está ocasionando uma tamanha devastação que sabe-se lá que país vamos ter depois de 2022. Sabe-se lá se vamos ter uma democracia. Democracia não é só voto. Democracia common ground. Um solo comum de valores, um solo comum lógico. E as pessoas estão perdendo até isso.”

Serrano lembra que tem gente falando que a Terra é plana, negando a ciência. “As palavras estão perdendo o sentido que têm. O processo comunicativo vai se deteriorando (sob Bolsonaro). A linguagem deixa de ser o lugar do comum e passa a ser o lugar da apropriação privada de sentido, onde eu empresto às palavras o sentido que eu quero que elas tenham. Ou seja, até o senso lógico de vida social está se deteriorando no país.”

Que Brasil em 2022?

O jurista explica que o sentido moral mínimo que existe em qualquer sociedade é a garantia da vida e da saúde de seus integrantes. “A única razão da estratégia humana na Terra sempre foi a sociabilidade como estratégia de sobrevivência. Quando se perde isso, se perde o vínculo humano. É muito grave isso que estamos atravessando. Eu não sei se vai haver Brasil em 2022 se continuarmos assim. O impeachment é urgente. É uma exigência, não é uma opção. Não há outro caminho de civilidade que não seja o impeachment de Bolsonaro.”

E cita uma entrevista do fotógrafo Sebastião Salgado. “Ele estava na África. Tinha uma espécie de um morro de corpos humanos. E ele viu uma mãe com um bebê, aparentemente o filho dela, chegar e jogar o corpo do bebê naquele morrinho de corpos e ir embora, sem nenhum sinal de emoção. Ele falava: ‘como o ser humano se adapta à desgraça!’.”

O relato, lembra Serrano, era porque Sebastião Salgado tinha ficado 10 anos sem vir a São Paulo. E ficou surpreso em ver como a cidade tinha se deteriorado e as pessoas, se adaptado. “Nós estamos nos adaptando a essa devastação que é o governo Bolsonaro. Estamos normalizando, e isso não é normal”, destaca. “Ele não é apenas um governo de extrema direita. Veja Hungria, Estados Unidos, Reino Unido. São governos de extrema direita, mas estão vacinando a população. Estão procurando realizar essa tarefa mínima de sociabilidade de Estado que é salvaguardar a vida e a saúde das pessoas. Bolsonaro graceja com isso, ridiculariza. E leva parte da comunidade a rir disso. A desconfiar da vacina. A ter medo da vacina e não ter medo do vírus. Veja como há uma absoluta inversão naquele consenso lógico que faz a vida social.”

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Sem razões para adiar

Não há nenhum motivo nos campos jurídico, político e moral para ficar adiando o impeachment de Bolsonaro, diz Pedro Serrano. “Ao contrário. Todas as razões apontam para uma necessidade imperiosa de se decretar imediatamente o impeachment dele. Pois é uma necessidade do país e da vida das pessoas.”

Raciocínios de cálculo político – como de que se ele poderia se fortalecer, se seria o momento, se é melhor ele se esvaziar – são cálculos típicos de disputa de poder. “Não podemos pensar assim. Tem certos momentos na vida política do país em que não se deve pensar por cálculo político. Deve se pensar por razões de justiça. Por valores morais de vida em comum. Senão a população vai sair devastada nesse processo. Seja no plano da saúde pública ou no plano econômico”, alerta. “A única razão de justiça que há hoje a ser realizada no país é o impeachment de Bolsonaro. Não há outra proposta mais urgente ou necessária que essa.”

O jurista classifica a situação como absolutamente trágica. “É incrível a situação ridícula, histórica que esse país se enfiou ao decretar impeachment de uma presidente legitimamente eleita. Ela teve seus problemas, mas foi decretado impeachment por uma razão absolutamente inconstitucional. As supostas pedaladas fiscais, além de serem meros equívocos contábeis, não foi nem a presidente que praticou. Enquanto esse homem promove, no meio da pandemia, omissões e atos que levam a mortes, a danos à saúde de milhares de pessoas, e não se faz nada.”

Para ele, o país tem uma elite destruidora de vidas que só faz a história do povo brasileiro ser de dor, sofrimento e humilhação. Essa é a realidade em toda nossa história.”

Única saída

Sobre outras possibilidades, que não o impeachment para o afastamento de Bolsonaro, o jurista é cético. “Outra hipótese seria pensar num processo crime. Ao meu ver, algumas dessas condutas poderiam ser caracterizadas como crime comum. Inclusive o próprio crime de epidemia, que é previsto no Código Penal. Mas daí depende do procurador-geral, que é muito alinhado ao Bolsonaro. Tem de propor no Supremo. É outro tipo de processo, é um raciocínio técnico em que a força popular influencia muito menos. Acho que o que está à mão do povo, onde ele pode pressionar, é o impeachment mesmo.”

Os crimes

Bolsonaro deixou de fazer o que estava obrigado como presidente, detalhou Pedro Serrano em artigo à CartaCapital:

  • Deveria ter seguido as recomendações científicas para conter a doença, em vez de estimular o desprezo pela vida.
  • Deveria ter coordenado e planejado as políticas de saúde e sanitárias, função da União, para melhorar a gestão de leitos de UTIs.
  • Garantir o isolamento social, realizar testes em massa, integrar os esforços na busca pela vacina, assegurar o auxílio emergencial para o enfrentamento do período difícil…
  • “As ações e omissões de Bolsonaro levaram seu próprio povo à morte e geraram danos irreparáveis. Isso é crime de responsabilidade. Ao povo, resta afastá-lo” , afirma o jurista.

Artigo publicado originalmente na Rede Brasil Atual. Veja o vídeo da entrevista aqui

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