Entenda por que os militares dos esquemas bolsonaristas estão sob enorme pressão

Os Cid: pai e filho protagonizam novela que envolve a alta cúpula do Exército e compromete a credibilidade das Forças Armadas sobre participação em ilicitudes políticas como poucas vezes na história (Crédito:Fátima Meira/Futura Press/Folhapress; Fernando Souza/AFP) Tal pai, tal filhote que chama Bolsonaro de tio
Marechal de contracheque embolsa salário de contrabandista de joia, de latifundiário grileiro de terras, de empresário minerador de ouro e pedras preciosas na Amazônia, de militar chefe de embaixada nos Estados Unidos e Europa, e de leiloeiro de empresas estatais do Brasil sem lei. Publica Istoé:
É até surpreendente a facilidade com que o capitão Jair Bolsonaro conseguiu cooptar setores militares para seu movimento golpista. Ele precisou demitir a cúpula das Forças Armadas em março de 2021 na maior crise na caserna desde a redemocratização, mas em seguida conseguiu um comando mais dócil no Ministério da Defesa, que inclusive o ajudou a questionar a integridade das urnas eletrônicas. O festival de acampamentos golpistas em frente aos quartéis até janeiro mostrou que a adesão não era limitada e nem silenciosa.
Os ataques de 8 de janeiro colocaram em xeque a adesão dos fardados ao golpe. Oito meses depois, porém, a despolitização da caserna ainda é um sonho distante e as revelações da PF comprometem cada vez mais militares na miríade de ilicitudes do ex-presidente.
O mais recente constrangimento caiu como uma bomba no Alto-Comando do Exército: a revelação de que o general reformado Mauro Lourena Cid participou da venda nos EUA de joias recebidas por Bolsonaro.
Antigo colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras, Lourena Cid foi escolhido pelo então presidente para chefiar o escritório da Apex em Miami. Seu filho, o tenente-coronel Mauro Cid, é o notório ex-ajudante de ordens do capitão.
Essa família castrense mergulhou a instituição numa crise que parece não ter fim.
Lourena Cid não era um general qualquer. Quatro estrelas, integrou o Alto-Comando do Exército. Nos últimos meses, vinha exercendo sua influência em uma peregrinação junto a integrantes da cúpula do Exército para interceder pelo filho preso.
O fato de ele próprio ter sido enredado no escândalo (com foto e tudo dele segurando um kit de joias para ser negociado) escandalizou os colegas e trouxe inquietação.
Um militar ligado ao Alto-Comando diz que o sentimento é de traição.
“Ele era recebido e ouvido sempre que nos procurava. Mas o fato de ter omitido que tinha emprestado a conta bancária lhe fechou as portas. O sentimento é de quebra de confiança. Pior: já não sabemos mais o que esperar. Pode ser que ele esteja ainda mais envolvido do que sabemos até o momento”, afirmou.
E acrescentou: “Estamos com o pé atrás. Seguimos respeitando o posto do general Lourena Cid. Isso não dá para deixar de ter. Mas ele está sozinho”.
Esse oficial defende o “expurgo” para quem fere a “honra militar” e diz que é dado como certo que Mauro Cid deve perder a patente após a condenação na Justiça. “A probabilidade é gigantesca”, afirma.


Encarcerados civis amontoados sem banho de sol e sem banho de lua e sem banho de chuva e chuveiro
Mauro Cid está preso no Batalhão de Polícia do Exército de Brasília desde o dia 3 de maio, onde segue uma rotina de exercícios físicos diários e leituras, inclusive dos seis inquéritos em que é investigado.
A primeira dor de cabeça do tenente-coronel veio com sua participação na divulgação ilegal de uma investigação sigilosa da PF sobre um ataque hacker ao TSE. Bolsonaro usou os documentos em uma live para tentar desacreditar as urnas.
O inquérito vazado havia sido divulgado em um site bolsonarista por outro membro do clã, o irmão de Mauro, Daniel Cid. Daniel atua na área de segurança digital na Califórnia, onde comprou uma mansão avaliada em mais de R$ 8,5 milhões.
A família tem uma empresa registrada no país, a Cid Family Trust. A CPMI dos Atos Golpistas já aprovou requerimentos para investigar quais empresas o pai e os dois filhos têm no exterior.
Mas essa pista ainda está travada. O presidente da comissão, Arthur Maia, não permitiu a votação do requerimento que estenderia essa apuração à mulher de Mauro Cid, Gabriela Santiago Ribeiro Cid, além de outros membros da família.
Sobre as volumosas movimentações bancárias de Mauro Cid depois de sua prisão, elas teriam sido realizadas por Gabriela, pois trata-se de contas conjuntas.

Visitas
O dia a dia de Mauro Cid no Batalhão não é exatamente espartano. Tem um quarto com TV e frigobar. Chegou a receber 73 visitas até junho, boa parte de apoiadores do ex-presidente, como os generais Eduardo Pazuello e Hamilton Mourão.
Mas os negócios com joias e Rolex complicaram tudo. Ele agora só pode receber parentes. O pai, general Mauro Lourena Cid, perdeu o direito de visitar o filho.
Esse último desdobramento também fez Mauro Cid trocar o defensor. Seu novo advogado, Cezar Bitencourt, chegou a sugerir que o cliente iria fazer uma confissão e apontar Bolsonaro como mandante do esquema de venda de joias. Depois, se desdisse e passou a dar versões contraditórias.
Agora, planeja uma audiência com o ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos no STF, para tentar melhorar a situação do cliente.
À ISTOÉ, ele disse que só tinha tido duas conversas com o cliente até a última segunda-feira, em que sequer o tema da confissão foi tratado.
Também afirmou que fará a defesa do pai de Mauro Cid, caso seja aberto alguma ação contra ele.
Militares apontam que o general Lourena Cid pode até mesmo ter sua aposentadoria cassada pelo Superior Tribunal Militar (STM). E a mesma corte pode cassar o posto e a patente de Mauro Cid.
Mas, para os militares, essa penalização na esfera militar depende primeiro da condenação na Justiça criminal.
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, diz que nunca trabalhou diretamente com Lourena Cid, mas elogia o companheiro de farda. “Sempre foi um militar com boa performance profissional. Em processos de merecimento e escolha percorreu todos os postos da carreira.”
Já o filho, para ele, “é um rapaz de conduta profissional de destaque. Como Ajudante de Ordens, sempre se mostrou um rapaz educado, atencioso.”
Sobre o argumento de que Mauro Cid teria apenas cumprido ordens, Santos Cruz, um dos fardados que romperam com Bolsonaro, é bastante crítico. “Acho os fatos lamentáveis. Se o presidente sabia ou não das iniciativas dos seus subordinados diretos, é necessário uma conclusão das investigações. Mesmo que se considere difícil ou improvável um subordinado tomar certas iniciativas sem o conhecimento do seu chefe, isso precisa ser esclarecido e comprovado”, afirma.
Como os colegas, ele tenta separar a instituição dos elementos que mancharam a Força. “É importante separar as coisas. Os fatos são de responsabilidade individual e não de responsabilidade institucional.”
Outro oficial que atua com o Alto-Comando cerra fileiras com o mesmo argumento: “Ordem ilegal ou absurda não se cumpre”.
Para esse militar, “a forma como Mauro Cid agiu na Ajudância de Ordens não é adequada, aquela subserviência toda não é papel de militar, não nos serve.” (continua)