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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

26
Mar22

‘Eles avaliaram mal o perigo’, disse Braga Netto sobre quem mandou matar Marielle. ‘Eles’ quem?

Talis Andrade

 

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Outro general chegou a afirmar que o crime foi planejado por quem via em Marielle “uma ameaça a negócios de grilagem de terras na Zona Oeste do Rio”, ramo e local onde, segundo o MP, Flavio Bolsonaro investia com dinheiro de rachadinha.

 

por Hugo Souza

Nesta segunda-feira, 14 de março, completam-se quatro anos dos assassinatos da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, sem que os mandantes do crime tenham sido identificados. Mas, na verdade, parece que os mandantes do crime foram identificados há tempos, por dois homens, dois generais. Um é o mais forte cotado para ser candidato a vice-presidente da República na chapa de Jair Bolsonaro. O nome do outro desponta como eventual substituto do general Paulo Sergio no comando do Exército Brasileiro.

Aos fatos:

Outra efeméride de março é que o general Walter Souza Braga Netto completará no fim do mês um ano à frente do Ministério da Defesa, após ocupar a chefia da Casa Civil do governo Bolsonaro na volta anterior que a Terra deu em torno do Sol. No dia 30 de março do ano passado, Braga Netto rendeu o também general do Exército Fernando Azevedo e Silva no comando da Defesa. Esta não foi a primeira vez, porém, que Walter Braga Netto rendeu Fernando Azevedo e Silva.

Em setembro de 2016, apenas 23 dias após o Senado cassar o mandato de Dilma Rousseff, o então titular da pasta, Raul Jungmann, empossou Braga Netto na chefia do Comando Militar do Leste. Na ocasião, Braga Netto sucedeu justamente a Azevedo e Silva, que tinha assumido a gestão do CML em março de 2015, no meio da intervenção do Exército no complexo de favelas da Maré, na Zona Norte do Rio.

Em fevereiro de 2018, Michel Temer nomeou Braga Netto chefe da intervenção do Exército no Rio de Janeiro. Ao longo de 10 meses, Braga Netto foi o governador de fato do estado, mas não tinha completado ainda um mês de “mandato” quando Marielle Franco, cria da Maré, foi assassinada no Estácio. Neste meio tempo, Marielle bateu-se fortemente contra a intervenção, e bateu fortemente em Braga Netto: (No texto original no blog ComeAnanás a mensagem no Twitter foi apagada)

Poucos irão se lembrar, mas Jair Bolsonaro, curiosamente, também: (Idem a mensagem do presidente também não aparece). 

Se a intervenção no Rio de Janeiro foi “um laboratório para o Brasil”, a intervenção na Maré havia sido um laboratório para a intervenção no Rio de Janeiro. Dois militares que tinham participado da intervenção na Maré foram nomeados por Braga Netto para postos-chave da intervenção federal no Rio: o general Richard Fernandez Nunes, que virou secretário estadual de Segurança, e o general Mauro Sinott Lopes, feito coordenador do grupo de trabalho da intervenção.

Hoje, Mauro Sinnott Lopes comanda a 3ª Divisão de Exército, o maior poder de combate da Força Terrestre, baseado em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Já o general Richard Nunes atualmente é o Comandante Militar do Nordeste, depois de ocupar durante dois anos e meio a chefia do Centro de Comunicação Social do Exército.

Richard Nunes, quando ainda era secretário de Segurança da intervenção, disse que o caso Marielle estava prestes a ser elucidado: “é um crime que tem a ver com a atuação política e a contrariedade de alguns interesses. Se a milícia não está a mando, está na execução. Provavelmente [tem político envolvido]”.

‘Acharam, de repente…’

Quando foi rendido por Walter Braga Netto na Defesa, Fernando Azevedo e Silva saiu do governo não exatamente atirando, mas pontuando um tanto enigmaticamente que enquanto ministro de Bolsonaro logrou malabares de preservar as Forças Armadas como instituições de Estado.

Em janeiro de 2019, logo após o fim da intervenção, o general Braga Netto também deu uma de esfíngico numa entrevista dada à revista Veja logo após o fim da intervenção militar no Rio de Janeiro, por ele chefiada e em cuja vigência Marielle foi executada com quatro balaços na cabeça disparados por um miliciano e vizinho de Jair Bolsonaro em um condomínio na Barra da Tijuca.

Em uma entrevista à revista Veja, quando perguntado sobre o motivo do assassinato de Marielle, se o crime teria sido uma tentativa de desmoralizar a intervenção, Braga Netto afirmou que não, e emendou: “aquilo [o assassinato] foi uma má avaliação deles. Avaliaram mal, acharam que ela é um perigo maior do que o que ela era”.

“Um perigo para quem?”, perguntou, estupefato, o repórter Leandro Resende, da Veja.

“Não vou entrar nesse mérito”, respondeu Braga Netto, para em seguida entrar em contradição, dizendo algo sobre que “acharam, de repente, que o estado, por estar sob intervenção, tinha desorganizado as polícias”…

Não tem grilo?

Já o ex-braço direito de Braga Netto na intervenção, general Richard Nunes, disse ainda em 2018, além de afirmar que o assassinato de Marielle provavelmente tinha envolvimento de políticos, que o crime vinha sendo planejado desde 2017 por gente que via na vereadora “uma ameaça a negócios de grilagem de terras na Zona Oeste do Rio”.

Entre 2016 e 2017, período de salto na evolução patrimonial do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, a mãe e a esposa do ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, então chefe de uma milícia da Zona Oeste, na favela de Rio das Pedras, ocupavam cargos comissionados no gabinete de Flavio na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

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Quando Adriano foi morto pela polícia da Bahia, em 2020, no sítio de um vereador bolsonarista e com pinta de queima de arquivo, o miliciano estava sendo procurado pelos crimes de receptação de mercadorias roubadas, cobrança irregular de taxas à população e grilagem de terras.

Em janeiro de 2019, logo após o fim da intervenção e quando saia a inacreditável entrevista de Braga Netto na Veja, o major da Polícia Militar Ronald Pereira foi preso por participação no assassinato de Marielle Franco. Ronald já vinha sendo investigado por crimes como agiotagem e, sempre, grilagem de terras. Ele era apontado como o chefe da milícia de outra favela da Zona Oeste do Rio, a da Muzema, onde são pujantes e notórios os empreendimentos da máfia no ramo imobiliário.

Entre 2003 e 2004, tanto Adriano da Nóbrega quando Ronald Pereira foram homenageados na Alerj – um com a Medalha Tiradentes, outro com moção honrosa – por recomendação de Flavio Bolsonaro.

Em abril de 2020, o Intercept Brasil publicou informações sigilosas de um inquérito do Ministério Público do Rio de Janeiro segundo as quais Flavio Bolsonaro lucrou com a construção ilegal de prédios erguidos pela milícia em áreas griladas nas favelas de Rio das Pedras e Muzema e financiados com dinheiro das rachadinhas de Flavio na Alerj, em esquema que era gerenciado por Fabricio Queiroz e que envolvia Adriano da Nóbrega e Ronald Pereira.

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Segundo a investigação do MPRJ à qual a reportagem do Intercept teve acesso, parte do confisco de em média 40% dos salários dos servidores lotados no gabinete de Flavio Bolsonaro – a rachadinha – era repassada para Adriano da Nóbrega aplicar, digamos, em real state: “o lucro com a construção e venda dos prédios seria dividido com Flávio Bolsonaro, segundo as investigações, por ser o financiador do esquema usando dinheiro público”.

A descoberta do esquema de construção irregular em terrenos grilados e irrigado com dinheiro da rachadinha de Flavio Bolsonaro foi feita precisamente em meio aos desdobramentos das investigações sobre os assassinatos de Mariele Franco e Anderson Gomes.

Diz o Intercept:

“A ligação do ex-capitão com as pequenas empreiteiras envolvidas no boom da verticalização em Rio das Pedras e Muzema foi levantada em meio à investigação sobre as execuções da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, na noite de 14 de março de 2018. Foi a partir das quebras de sigilos telefônicos e telemáticos dos integrantes do Escritório do Crime que os promotores descobriram que o grupo paramilitar havia evoluído da grilagem de terras à construção civil, erguendo prédios irregulares na região e, assim, multiplicando seus lucros”.

Ainda segundo o Intercept, a famosa frase “O MP está preparando uma pica do tamanho de um cometa para empurrar na gente”, dita em 2019 por Queiroz em uma conversa de Whatsapp com um interlocutor não identificado, seria uma referência justamente à investigação sobre o uso de dinheiro público desviado no esquema das rachadinhas para financiar o boom de construções ilegais em Rio das Pedras e na Muzema.

A família Bolsonaro vem se valendo de todos os meios que o poder lhe proporciona para sabotar, embaralhar, obstruir as investigações tanto do assassinato de Mariele Franco quanto das rachadinhas de Flavio Bolsonaro na Alerj.

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Já a imprensa brasileira de referência, até agora, parece não ter visto nenhum grilo nos possíveis nexos de todas estas informações, que são públicas, desde as declarações dos generais Braga Netto e Richard Nunes, lá atrás, até o teor do inquérito do MPRJ revelado pelo Intercept mais recentemente, envolvendo um senador e filho do presidente da República, e passando pelos laços de Flavio Bolsonaro com os milicianos – e grileiros – Adriano da Nóbrega e Ronald Pereira

Que país é este que não faz questão de que tão perturbadoras conexões sejam de uma vez por todas esclarecidas?

O Planalto, a planície e a cova

Há poucas semanas, o general Fernando Azevedo e Silva desistiu de aceitar o convite para ser o fiador verde-oliva das eleições 2018; desistiu de assumir um cargo chave no TSE, no momento em que Jair Bolsonaro, Braga Netto e comitiva estavam em controversa viagem oficial – e de alguma maneira eleitoral – à Rússia. O motivo alegado foi um problema no coração.

O general Richard Fernandez Nunes, braço direito de Braga Netto na intervenção, é cotado para assumir o comando do Exército de Caxias, em eventual substituição ao general Paulo Sergio, caso o general Paulo Sérgio seja escolhido para suceder a Braga Netto no Ministério da Defesa.

É que no próximo 2 de abril, três dias após completar um ano na Defesa, e meses após condicionar a realização de eleições em 2022 à adoção do voto impresso, o general Walter Souza Braga Netto deve deixar o cargo para ser candidato a vice-presidente da República na chapa de Jair Messias Bolsonaro

Neste domingo, o jornalista Lauro Jardim deu n’O Globo que se Braga Netto acabar não sendo o vice de Bolsonaro na tentativa de reeleição para o Planalto, o vizinho de Ronnie Lessa deverá recompensá-lo, então, com uma embaixada, “para não deixar o general na planície”.

Marielle, por seu turno, não teve escolha. “Eles avaliaram mal o perigo” e mandaram a vereadora do Psol não para Washington, Roma ou Paris, mas para a cova.

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26
Jun20

Ex-PMs suspeitos de chefiar milícias assassinas do Rio de Janeiro

Talis Andrade

O vereador e ex-cabo da PM Jair Barbosa Tavares, o Zico Bacana.

Antes de chegar à Câmara de Vereadores, Zico Bacana foi citado como chefe de uma milícia na zona oeste do Rio no relatório da CPI das Milícias, publicado em 2008. Foto: Facebook/Vereador Zico Bacana

III - CONTATINHOS PERIGOSOS

Investigação do caso Marielle expõe conexões de quatro vereadores com milícias do Rio

 

Além de Siciliano e Chiquinho Brazão, o inquérito vê fortes ligações com milicianos de outros dois vereadores cariocas: o ex-cabo da PM Jair Barbosa Tavares, o Zico Bacana, e o tenente reformado da PM Ítalo Pereira Campos, o Ítalo Ciba.

Zico foi relacionado à milícia pela primeira vez no relatório da CPI das Milícias, em 2008. Na época, ele foi apontado como chefe do grupo paramilitar que atua nos bairros de Guadalupe e Ricardo de Albuquerque, na zona oeste. Oito anos depois, em 2016, se elegeuvereador pela primeira vez. Na mesma eleição Marielle Franco chegou à Câmara. Antes, ela ajudara na apuração do relatório da CPI quando trabalhava como assessora parlamentar do então deputado estadual Marcelo Freixo.

O vereador nomeou como assessor parlamentar Marcos José Tavares Muniz, o Juca, identificado pelos investigadores como seu sucessor no comando da milícia. Em depoimento, Zico negou as acusações e afirmou não ter nenhum assessor envolvido com os paramilitares. Segundo os documentos a que tivemos acesso, Juca comanda a área de Guadalupe, sendo consultado tanto por criminosos quanto por moradores para a realização de atividades na área.Trecho do inquérito em que o assessor Marcos da Silva Muniz, o Juca, é apontado como líder da milícia.

Trecho do inquérito em que o assessor de Zico Bacana, Marcos da Silva Muniz, o Juca, é apontado como líder da milícia pelos investigadores.

 

Já Ítalo Ciba tem em sua agenda telefônica uma série de contatos de PMs e ex-PMs envolvidos em grupos milicianos de Jacarepaguá e de Seropédica, município da região metropolitana do Rio. Segundo o relato dos investigadores nos documentos, fica clara a relação dele com esses grupos. Antes de entrar para a política, Ciba foi companheiro de guarnição do ex-capitão Adriano da Nóbrega e chegou a ser preso juntamente com o ex-caveira, acusados de terem executado um guardador de carros.

Questionados sobre as informações citadas pelos investigadores, Siciliano, Brazão, Zico e Ciba não responderam até a publicação desta reportagem.

Resta saber – além de quem mandou matar Marielle – quantos vereadores seriam indiciados por ligações com paramilitares caso a CPI das Milícias fosse realizada hoje.

25
Jun20

Vereadores do Rio de Janeiro votaram pela execução de Marielle Franco

Talis Andrade

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II - CONTATINHOS PERIGOSOS

Investigação do caso Marielle expõe conexões de quatro vereadores com milícias do Rio

Documentos sigilosos mostram que telefones de Marcello Siciliano, Ítalo Ciba, Zico Bacana e do agora deputado federal Chiquinho Brazão estão recheados de contatos…

 

A grilagem seria o foco de desavenças entre os milicianos que atuam nas áreas de influência de Chiquinho Brazão e Marcello Siciliano, de acordo com o inquérito. Os dois vereadores disputam o mesmo reduto eleitoral e foram em 2018, respectivamente, presidente e a vice-presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara. A comissão tem entre suas atribuições definir as regras para o uso de áreas públicas, do cadastro territorial e a realização de obras e de serviços nas áreas municipais.

 

 

 

 

A disputa pelo lucrativo mercado imobiliário ilegal nas favelas também é uma das linhas de investigação para tentar esclarecer a motivação por trás da execução de Marielle. Uma das hipóteses levantada pelos investigadores é a de que um projeto de leiapresentado pela vereadora para regulamentar a ocupação do solo em favelas, que recebeu o número 642/2017, motivou sua execução. Se aprovada, a lei criaria obstáculos à grilagem de terras e às construções irregulares de prédios – atividades que se tornaram importante fonte de renda dos milicianos que agem em comunidades da zona oeste do Rio.

Em depoimentos à polícia, Brazão e Siciliano negaram envolvimento na execução de Marielle e disputa por territórios. Chiquinho Brazão saiu do alcance dos investigadores fluminenses assim que tomou posse como deputado federal, mas seu nome e o do irmão foram mencionados como os de possíveis mandantes do assassinato da vereadora e seu motorista em depoimento de Orlando da Curicica à  PGR. Depois disso, Raquel Dodge solicitou a federalização do caso. O pedido foi negado pelo STJ no fim de maio.

Procuramos os promotores do Rio responsáveis pela investigação da execução de Marielle e Anderson para que comentassem as informações do inquérito, mas eles se negaram a dar entrevista, alegando que o caso está sob segredo de justiça (Continua)

 

23
Jun20

Investigação do caso Marielle expõe conexões de quatro vereadores com milícias do Rio

Talis Andrade

 

 

CONTATINHOS PERIGOSOS

Parte 12

Documentos sigilosos mostram que telefones dos vereadores Marcello Siciliano, Ítalo Ciba, Zico Bacana e do agora deputado federal Chiquinho Brazão estão recheados de contatos…

por Sérgio RamalhoMarina Lang  

AO ESQUADRINHAR A ROTINA dos 51 vereadores da Câmara Municipal do Rio, policiais e promotores envolvidos na investigação do assassinato de Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, identificaram uma espécie de “bancada da milícia” atuando no legislativo da cidade. É o que revelam os apensos sigilosos anexados ao inquérito da Delegacia de Homicídios aos quais o Intercept teve acesso.

Os investigadores descrevem as ligações entre quatro vereadores e milicianos que atuam em seus respectivos redutos eleitorais. Trata-se de Ítalo Ciba, do Avante; Jair Barbosa Tavares, o Zico Bacana, do Podemos (ambos ex-policiais militares); Chiquinho Brazão, do Avante, eleito deputado federal em 2018; e Marcello Siciliano, do PP.

As informações foram descobertas a partir das quebras dos sigilos dos dados de comunicação dos quatro e do ex-vereador Cristiano Girão Matias, além de outros 18 suspeitos de envolvimento com grupos paramilitares. Girão perdeu o mandato em 2011 após ter sido preso em decorrência da CPI das Milícias. Em março de 2018, mês em que Marielle morreu, voltou a circular pela Câmara Municipal, como revelamos no Intercept.

A CPI, encerrada em 2008, indiciou mais de 260 pessoas por ligação com milícias, entre elas outros seis vereadores e um deputado estadual. Dez anos depois, a milícia parece ter retomado a sua influência no legislativo municipal.

Segundo as investigações, o vereador Siciliano mantinha contato frequente com pessoas ligadas diretamente ao policial militar Ronnie Lessa. Preso preventivamente desde março de 2019, ele é acusado pelo Ministério Público do Rio de ser o executor de Marielle e Anderson e apontado como chefe de uma milícia na zona oeste do Rio.

Nas agendas telefônicas de Siciliano estavam os números da academia de ginástica da qual o ex-PM era sócio, juntamente com a esposa, em Rio das Pedras, favela na zona oeste do Rio dominada pelos paramilitares. O vereador tinha ainda os telefones de um sobrinho de Lessa, que também é PM, de Élcio de Queiroz, apontado pelo MPRJ como motorista do Cobalt usado para vigiar os movimentos da vereadora na noite do assassinato, e do sargento do Corpo de Bombeiros Maxwell Simões Corrêa, o Suel.

O bombeiro foi preso no último dia 10 de junho por suspeita de envolvimento na morte de Marielle; o sobrinho de Lessa teve o celular apreendido na mesma operação.

Trecho do inquérito da morte da Marielle mostra as ligações entre o Marcello Siciliano e milicianos, entre eles Ronnie Lessa, preso acusado de ser o executor da vereadora.

 

Em audiência em outubro, gravada na penitenciária federal de Porto Velho, em Rondônia, Lessa justificou assim o contato com o vereador: “O Siciliano é um cara que chegava na mesa de todo o mundo e abraçava todo o mundo, bebia do copo dos outros. É político, né. Mas nada além. Nunca soube o nome da esposa dele, não sei o terceiro nome dele. É Marcello Siciliano e só”. Já Suel e Élcio disseram em depoimentos prestados à Delegacia de Homicídios que conheceram o político durante a campanha eleitoral para vereador em 2016, mas argumentaram não ter “vínculos de amizade” com ele.

Em uma das ligações grampeadas pelos investigadores em novembro de 2018, uma pessoa identificada como Renata questiona Siciliano a respeito de uma vaga para um vizinho. Ele pergunta de que vaga ela está falando e a interlocutora responde: “Milici… Hmm, pera aí que ele me mandou uma mensagem […]”. “Ah, tá, você está procurando emprego, né. Me manda um WhatsApp”, responde o vereador.

Na relação de telefones na agenda de Siciliano apareciam também os contatos dos ex-PMs e milicianos Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica, e Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, além de diversos telefones de lideranças comunitárias de áreas sob influência dos paramilitares. Segundo os investigadores, isso revela a influência do político nessas localidades.

10
Abr20

Declaração de Mandetta de que vai dialogar com tráfico e milícia 'irrita' policiais federais

Talis Andrade

 

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A declaração do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, de que vai dialogar com o tráfico e com a milícia na luta contra o avanço da covid-19 no Brasil irritou as melindrosas policiais federais da Liga da Justiça comandada por Moro.

De acordo com a coluna Painel, da Folha de S. Paulo, policiais afirmam que o ministro Mandetta cometeu um erro histórico ao reconhecer a existência de poderes paralelos.

"Em mensagens trocadas em um grupo de WhatsApp, policiais federais disseram que a atitude do ministro não tinha precedentes na história do Brasil", diz a coluna Painel. Que exagero. Que gaiato revelou conversa tão importante para a Grande Imprensa? 

Por que a verdade ofende os policiais? Como fazer quarentena nos morros e nas periferias das principais cidades brasileiras sem conversar com as milícias e os comandos do tráfico, citados pelo ministro da Justiça e da Segurança Pública no seu pacote anticrime? 

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O general Braga, interventor de Michel Temer no Rio de Janeiro, jamais atravessou com suas tropas os limites territoriais das milícias. Não será agora, como chefe da Casa Civil de Bolsonaro, que o general passará a ordem de confronto para Moro. Para combater a máfia libanesa chefiada por Alberto Youssef. Para combater a máfia judia comandada por Dario Messer. A partir de um comentário do portal 247. 

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26
Fev19

Como vota Rio das Pedras, reduto da mais antiga milícia carioca

Talis Andrade

Levantamento da Pública mostra quem são os políticos mais votados na favela que ficou famosa após prisão de chefe da milícia ligado a Flávio Bolsonaro

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Adriano Belisário | Infográficos: Bruno Fonseca

Da Agência Pública

Desde que vieram à luz novas informações sobre as organizações criminosas chamadas de milícias, como o fato de que Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) empregou parentes e homenageou um miliciano do Complexo Rio das Pedras, essa favela da zona oeste do Rio de Janeiro tornou-se epicentro de um dos mais recentes escândalos políticos do país. Para desvendar o jogo político local, a Pública fez um levantamento inédito sobre os candidatos mais votados naquelas seções eleitorais, com foco especial nos cargos de vereador e deputado estadual.

Pública constatou que, em 2018, Flávio Bolsonaro foi o senador mais votado em Rio das Pedras, com 8.729 votos, o equivalente a 17% do total.

Historicamente, porém, a performance eleitoral da família do presidente não foi expressiva naquela região. Na disputa para cargos do Parlamento, a melhor votação foi em 2016, quando seu irmão Carlos Bolsonaro (PSL) foi o sétimo vereador mais bem colocado por aquelas urnas, com 399 votos (1,5%).

O patriarca, Jair Bolsonaro (PSL), teve sua melhor performance na disputa pelo cargo de deputado federal na eleição de 2014. Na ocasião, foi o quarto mais votado em Rio das Pedras. O atual presidente obteve então 623 votos (2%). Tanto em 2010 como em 2014 o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB) liderou essa disputa.

Desde 2010, o jogo eleitoral foi liderado principalmente pela família Brazão, tradicional grupo político da zona oeste. Conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, Domingos Brazão foi alvo de uma operação da Polícia Federal na última quinta-feira, que apura tentativas de atrapalhar a elucidação do homicídio de Marielle Franco (PSOL) e Anderson Gomes.

O levantamento revela também candidatos ligados à milícia e outras práticas criminosas, como assassinatos.

Em janeiro, por meio da Operação Intocáveis, a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) prenderam milicianos de Rio das Pedras, acusados de extorsão, homicídios e fraudes imobiliárias utilizando a Associação de Moradores do local. Um dos principais líderes identificados é o ex-policial Adriano Magalhães da Nóbrega, cuja mãe e cuja esposa trabalharam no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro (Alerj).

Em 2018, Flávio Bolsonaro (PSL) foi o senador mais votado em Rio das Pedras | Foto: LG Soares/ Arquivo Alerj

 

Coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), órgão do MPRJ que liderou a Operação Intocáveis, Simone Sibilio diz que as prisões de janeiro não significaram o fim das investigações. Pelo contrário. “A investigação prossegue com farto material, inclusive para aprofundar a possível relação com agentes públicos, por conta do material apreendido e das novas denúncias recebidas desde então. Demos um duro golpe naquela organização, mas temos preocupação que novas lideranças possam surgir ou que o tráfico da Cidade de Deus vá para lá”, comenta a promotora.

Flávio também concedeu a Medalha Tiradentes – mais alta honraria da casa – a Adriano e a outro miliciano denunciado pelo MPRJ. Hoje, Adriano está foragido da Justiça e é suspeito de envolvimento na morte da vereadora Marielle Franco (Psol).

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Adriano Magalhães da Nóbrega, capo do Escritório do Crime

 

Miliciano chegou a obter 75% dos votos da região

Em levantamento municipal, a partir do Censo de 2010, Rio das Pedras já aparecia como a terceira maior favela da cidade, com mais de 63 mil de habitantes. Já a Associação de Moradores sustenta que o número está em torno de 140 mil.

Em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou 35.006 eleitores nas seções eleitorais atribuídas a Rio das Pedras. Entretanto, os números podem ser ainda maiores, considerando a expansão imobiliária na região e a ausência de delimitações oficiais do local enquanto bairro. Oficialmente, a favela horizontal de Rio das Pedras se espalha entre Itanhangá, Jacarepaguá e Anil.

Rio das Pedras é tido como berço de uma das mais antigas milícias do Rio de Janeiro, que atua desde os anos 1970.

Há mais de 26 anos, o sociólogo José Cláudio Souza estuda as milícias. Ele explica que o domínio mais direto sobre os votos da região onde atuam é uma das inovações dessas organizações em relação a outros grupos criminosos. “Eles fazem um controle dos títulos eleitorais das áreas, quantidade de votos de cada região e passam a vender estes votos”, comenta.

No ano passado, autoridades fizeram um mapeamento oficial que identificou 300 currais eleitorais – entre eles Rio das Pedras – controlados pelo tráfico ou pelas milícias na cidade. O problema é antigo. Dez anos antes, nos idos de 2008, a Alerj criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as milícias, após jornalistas que cobriam o tema terem sido sequestrados e torturados. As conclusões já apontavam para a influência das milícias no poder público, inclusive por meio de candidaturas próprias.

Segundo o relatório final da CPI, a concentração de votos por local em eleições proporcionais, como a de deputados estaduais e vereadores, chega normalmente a cerca de 10% quando não há currais eleitorais. Assim, foi adotado o índice de 15% como “marco definidor de um padrão muito elevado” de concentração de votos, o que poderia ser um indício de currais eleitorais ou, no caso, de controle pelas milícias.

Sob esse aspecto, a concentração de votos em Rio das Pedras impressiona. Impulsionado por sua atuação na comunidade via Associação de Moradores e pela transferência dos títulos de eleitor dos moradores imigrantes nordestinos, Josinaldo Francisco da Cruz – o Nadinho de Rio das Pedras – se lançou candidato a vereador em 2004.

Na ocasião, Nadinho conseguiu 75% dos votos de Rio das Pedras e foi eleito, mas sua ascensão política teve um final trágico.

Em uma investigação em 2006 sobre outros criminosos, o MPRJ apontou que Nadinho e outros moradores passaram a integrar um “grupo paramilitar armado”, uma milícia, em Rio das Pedras ainda no final dos anos 1990. À CPI das Milícias, em 2008, Nadinho confirmou a existência de milícia na sua comunidade, mas à época negou fazer parte dela.

 

Dois candidatos com maior votação em Rio das Pedras

Infográfico: Bruno Fonseca/ Agência Pública

 

O xadrez das milícias de Rio das Pedras

Em fevereiro de 2007, outro líder local e antigo parceiro de Nadinho foi assassinado. O inspetor policial Félix Tostes foi executado dentro de seu carro, alvejado com mais de 40 disparos. No final do ano, Nadinho foi indiciado como mandante do crime – e, posteriormente, a CPI o apontou como ex-líder da milícia de Rio das Pedras.

Antes disso, porém, em maio de 2007, como vereador, Nadinho recebeu a Medalha Tiradentes na Alerj. O autor da homenagem foi o deputado Natalino, ex-policial preso no ano seguinte sob acusação de liderar a milícia Liga da Justiça, que também atua na zona oeste. Por sua vez, Nadinho também homenageou Natalino com a Medalha Pedro Ernesto, a comenda dos vereadores da cidade.

Em 2008, um delegado da Polícia Civil afirmou à CPI que ambos, Nadinho e Natalino, fizeram uma parceria para eliminar Félix Tostes e ampliar domínio sobre Rio das Pedras. Porém, de acordo com o delegado, outros criminosos fiéis a Félix assumiram o comando e isolaram Nadinho. Entre eles, estaria Beto Bomba, que mais recentemente comandava a Associação de Moradores de Rio das Pedras e foi um dos milicianos denunciados na Operação Intocáveis.

No relatório da CPI, Nadinho aparece como “ex-líder” da milícia de Rio das Pedras, enquanto Beto Bomba e outros figuram como mandantes à época. Além de seis nomes de “prováveis lideranças da milícia” em Rio das Pedras, a CPI incluiu oito nomes de “laranjas”, em especial familiares dos envolvidos.

 

Nadinho apoiou Rodrigo Maia

À CPI na Alerj, Nadinho confirmou a existência de milícia em Rio das Pedras, mas negou fazer parte dela. Tanto Nadinho como Natalino eram filiados ao PFL, posteriormente renomeado DEM. Era o partido de Cesar Maia, que durante seu terceiro mandato como prefeito do Rio, entre 2005 e 2008, chegou a dizer que preferia as milícias ao tráfico.

Durante o segundo mandato de Cesar Maia, foi assinado – sem licitação – um contrato de R$ 225 mil com a Associação de Moradores e Amigos de Rio das Pedras (Amarp) cobrindo a prestação de serviços de assistência educacional e nutricional para a manutenção de creches no local entre 2003 e 2004. Na época, de acordo com apuração da Pública, Nadinho presidia a associação.

O DEM é o partido de seu filho, Rodrigo Maia, que comanda hoje a Câmara dos Deputados em Brasília. À CPI, Nadinho declarou ter apoiado a candidatura de Rodrigo Maia a deputado federal. Em 2006, ele foi o segundo deputado federal mais votado em Rio das Pedras, com 5% dos votos.

Nadinho declarou ter apoiado a candidatura de Rodrigo Maia (DEM) a deputado federal | Foto: Luis Macedo/ Câmara dos Deputados

 

O domínio da família Brazão

Durante o depoimento à CPI, Nadinho citou nomes de policiais envolvidos com a milícia na sua comunidade e disse que, a partir de então, sua vida estava em risco. Dito e feito: em 2009, cerca de seis meses depois, ele foi executado, na zona oeste do Rio de Janeiro, com mais de dez tiros.

Após a morte de Nadinho, o sobrenome Brazão passa a se destacar entre os campeões de votos em Rio das Pedras. Antes disso, entre 2004 e 2010, os resultados das urnas mostram uma performance tímida da família. O melhor resultado havia sido em 2006, quando Domingos Brazão (MDB) conseguiu 2% dos votos e foi eleito deputado estadual.

Depois, porém, o jogo mudou. Nas disputas para deputado estadual, em 2010 e 2014, Domingos foi de longe o candidato com melhor performance eleitoral por aquelas urnas, recebendo quase 30% do total de votos da região para o cargo. Já em 2012 e 2016, seu irmão Chiquinho Brazão (MDB) venceu ali todos os vereadores concorrentes, mas concentrou menos votos que Domingos, angariando aproximadamente 15% do total.

Na última eleição, Pedro Brazão (PR) se candidatou pela primeira vez e se elegeu deputado estadual, com a segunda melhor votação em Rio das Pedras. Dessa vez, foram 1.547 eleitores, ou 6% do total. Pedro é cunhado de Domingos Brazão e, em 2018, perdeu a liderança para a candidata Cleusa Preta Loira (PR), do mesmo partido, moradora do local que obteve 7% dos votos.

A atuação eleitoral da família Brazão em Rio das Pedras foi citada por Nadinho e aparece brevemente no relatório da CPI, quando ele trata das relações políticas nos redutos controlados por milicianos. Além de Domingos Brazão, ele nomeou outros candidatos, como Álvaro Lins (PMDB), ex-deputado estadual e ex-chefe da Polícia Civil.

Em entrevista à Pública, Cleusa Preta Loira, que apoiou Nadinho e acompanhou as campanhas políticas em Rio das Pedras desde os anos 2000, afirmou que nunca houve uma relação efetiva entre Brazão e Nadinho. “Pelo contrário, ele [Brazão] nem entrava lá”, afirma. Confirmando os dados levantados, segundo ela, foi a partir de 2010, já após a morte de Nadinho, que a família Brazão passou a ter maior protagonismo eleitoral na comunidade.

Segundo o documento final da CPI, a milícia do bairro de Oswaldo Cruz, na zona norte, também teria influência política sobre a família Brazão. À época deputado, Domingos Brazão não prestou depoimento, mas solicitou a gravação de todas audiências feitas pela comissão.

Domingos Brazão é filho de portugueses, mas nasceu em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro. Ele mantinha um centro social com seu nome na região, que foi fechado em 2010 pelo Tribunal Regional Eleitoral por ser usado para fins eleitorais. Entre outras coisas, os fiscais encontraram ali cadeiras de rodas com a marca do Sistema Único de Saúde (SUS) e registros de dados eleitorais de moradores. Por causa desse evento, ele chegou a ter seu mandato cassado em 2011, mas a decisão foi revertida no TSE.

Domingos não só permaneceu no cargo como foi reeleito. Em 2015, foi escolhido pelos deputados da Alerj como um dos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, tendo seu nome ratificado pelo ex-governador Pezão. Enquanto ocupava o cargo, em abril de 2017, Domingos Brazão foi preso com outros conselheiros em um dos desdobramentos da Lava Jato, sob acusação de receber propina de empresas.

Domingos Brazão foi preso em um dos desdobramentos da Lava Jato | Foto: Arquivo Alerj

Não foi a sua primeira vez atrás das grades. Com 22 anos, Domingos Brazão foi preso por assassinato, mas foi solto após a Justiça ter decidido que ele agiu em legítima defesa. Em 2017, ele ficou pouco mais de uma semana preso. Atualmente, Brazão aguarda em liberdade julgamento dos processos por corrupção. Procurados pela Pública, os membros da família Brazão não responderam às tentativas de contato.

Mesmo com Domingos afastado da vida pública, a família Brazão continua se expandindo politicamente. E, em 2018, garantiu uma cadeira na Alerj e outra na Câmara dos Deputados, em Brasília.

Na última eleição, Chiquinho Brazão foi eleito deputado federal pelo partido Avante. Em apenas dois anos, desde sua eleição anterior, em 2016, quando se tornou vereador pelo Rio de Janeiro, sua declaração de bens aumentou de R$ 2,3 milhões para R$ 3,4 milhões, mais de R$ 1 milhão. Já o cunhado Pedro Brazão declarou R$ 1,9 milhão em bens durante a candidatura que o tornou deputado estadual em 2018.

Apesar da migração recente de Chiquinho para o Avante, a família Brazão é tradicionalmente ligada ao MDB, partido que, ao lado do PFL/DEM, concentrou quase metade dos votos de Rio das Pedras para vereador e deputado estadual na última década. O MDB também esteve à frente da prefeitura e do governo do estado do Rio de Janeiro, além de comandar a Alerj.

Outro candidato do MDB bem colocado em Rio das Pedras foi o vereador eleito Thiago K. Ribeiro, sexto mais votado em 2016, com 1,6% dos votos totais. Ele é filho e sócio do economista Jorge Luiz Ribeiro, preso em 2018 e acusado de ser o operador financeiro do esquema de propina de Jorge Picciani, ex-presidente da Assembleia Estadual e conhecido cacique do MDB no Rio.

 

Da CPI das Milícias ao caso Marielle Franco

A CPI das Milícias reuniu também informações sobre grupos milicianos de regiões próximas a Rio das Pedras, como a favela Gardênia Azul. Ex-presidente da Associação de Moradores do local, o sargento bombeiro Cristiano Girão foi apontado como suposto líder da milícia ali.

Segundo o relatório da CPI, documentos oficiais mostrariam que Girão chegou a assassinar um morador da comunidade em 2004. O motivo seria o fato de ele ter se recusado a colocar em sua casa propaganda política do então candidato a vereador.

Em 2008, pouco depois de eleito vereador – o segundo mais votado em Rio das Pedras, com 5% dos votos –, Girão foi indiciado pela Polícia Federal por extorsão e lavagem de dinheiro. Na denúncia feita pelo MPRJ, ligações interceptadas na Operação Intocáveis mostram animosidade entre a milícia de Rio das Pedras e a de Gardênia Azul.

Depois de preso em 2009 por acusação de envolvimento com a milícia, só há notícias de Girão ter retornado à sede do Legislativo carioca em março do ano passado, uma semana antes do assassinato de Marielle Franco, conforme revelou o site The Intercept. Segundo o site, o miliciano passou pelo sétimo andar do prédio, onde fica o gabinete de Chiquinho Brazão (MDB).

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No ano passado, seu irmão Domingos Brazão foi convocado a prestar explicações nas investigações do caso Marielle. Isso porque uma das testemunhas do caso teria relações com Gilberto Ribeiro da Costa, ex-assessor parlamentar de Domingos na Alerj.

De acordo com ela, o vereador Marcello Siciliano (PHS) seria o possível mandante da execução que resultou na morte de Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes. Contudo, os investigadores já suspeitavam da testemunha por possíveis disputas políticas dos grupos da região. Em fevereiro de 2019, novas investigações da Polícia Federal enfraqueceram as suspeitas sobre Siciliano.

Na zona oeste, Siciliano e a família Brazão são tidos como adversários políticos, por disputarem votos. Na eleição passada, por exemplo, enquanto Chiquinho Brazão pedia para si os votos para deputado federal, Marcelo Siciliano apoiou outro candidato, Tio Carlos, que acabou não conquistando o cargo.

O vereador Marcello Siciliano (PHS) seria o possível mandante da execução que resultou na morte de Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes | Foto: Agência Brasil

 

Depois da morte de Nadinho, o único político a acompanhar seu enterro foi o então vereador Carlos Alberto Lavrado Cupello, o Tio Carlos, que mantinha com ele um projeto social para crianças, conforme relatou a imprensa à época. Ele se elegeu vereador em 2008 pelo DEM.

Em 2012, Tio Carlos foi reconduzido à Câmara dos Vereadores. No cargo, votou a favor da cassação de Deco (PR), vereador acusado de comandar a milícia da Praça Seca, também na zona oeste da cidade.

Dois anos depois, na eleição seguinte, Tio Carlos subiu um degrau e conquistou uma vaga na Alerj pelo Solidariedade (SD), o mesmo partido do ex-policial Geiso Pereira Turques, que em 2016 foi citado em depoimentos à CPI das Milícias como “participante regular do encontro semanal da cúpula da milícia de Rio das Pedras”. Geiso foi um dos políticos indiciados por extorsão e lavagem de dinheiro pela Polícia Federal em 2008, junto com Girão.

Entre 2012 e 2016, Tio Carlos e Geiso tiveram boa performance em Rio das Pedras, ficando atrás apenas da família Brazão nas disputas eleitorais. Na corrida para a Alerj, Tio Carlos conseguiu 6% dos votos de Rio das Pedras em 2012 e 5% em 2014. Já Geiso levou 9% dos votos dali em 2016, mas teve a candidatura indeferida com base na Lei da Ficha Limpa.

Quando concorreu, Geiso declarou ter mais de R$ 1 milhão em bens, sendo R$ 425 mil em dinheiro vivo. Ele era proprietário do Castelo das Pedras, uma tradicional casa de shows da região e já fora eleito vereador em São Gonçalo pelo PDT.

Mais conhecido como Geiso do Castelo, ele foi um dos indiciados pela CPI das Milícias e, em 2015, foi expulso da Polícia Militar. A Pública solicitou à PMERJ esclarecimentos sobre o desligamento do ex-policial, mas não obteve resposta.

 

Milicianos interferem nas campanhas eleitorais, segundo pesquisadores

O impacto eleitoral das milícias foi analisado em um artigo de 2015 dos cientistas políticos Daniel Hidalgo e Benjamin Lessing. Eles estudaram a influência política das milícias entre 2002 e 2006, em especial nas candidaturas de membros das forças policiais, e concluíram que os milicianos usaram o controle territorial para se elegerem ou puxarem votos para aliados.

Hidalgo é professor de ciência política no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e Lessing leciona a mesma disciplina na Universidade de Chicago, ambos nos Estados Unidos. No estudo, disponível online, eles mostram um aumento de quase 50% dos votos em candidatos de forças de segurança nas comunidades dominadas por milícias.

Nas eleições analisadas pela Pública em Rio das Pedras, 2018 foi a única em que a concentração de votos do candidato mais popular ficou significativamente abaixo da margem de 15%, apontada como possível indício de “curral eleitoral” pela CPI das Milícias. Pela primeira vez, em Rio das Pedras os votos nulos ou em branco superaram as candidaturas para o Parlamento estadual ou municipal. Na eleição de 2018, 25% dos eleitores dali optaram por anular ou votar em branco.

No levantamento histórico dos mais votados, aparecem também partidos identificados à esquerda, mas com menos força. O PT teve as candidaturas de Robson Leite, que ficou entre os cinco melhores em 2008, 2010 e 2018.

Relator da CPI das Milícias, que investigou os grupos criminosos da região, Marcelo Freixo (Psol) foi o terceiro deputado mais votado em Rio das Pedras em 2014. Naquela eleição para a Alerj, ele conseguiu 847 votos nominais na região – ou 3% do total.

Marcelo Freixo (PSOL), foi relator da CPI das Milícias | Foto: Luis Macedo/ Câmara dos Deputados

 

Já a votação de Marielle Franco não se destacou em Rio das Pedras. Dos mais de 46 mil votos que tornaram Marielle vereadora, apenas 101 foram registrados nas urnas de Rio das Pedras. O equivalente a apenas 0,4% do total daquela área.

Linha do tempo da ascensão dos Brazão em Rio das Pedras, veja gráfico


Adriano Belisário
adrianobf@gmail.com
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